“Sonhei com uma partida de futebol. Quando o juiz apitou o fim do jogo, tirou a camisa preta, colocou uma amarela e foi comemorar com o time que ajudou a ganhar”
Diário, que vida boa! Aqui no hospital não entra jornalista, a cama tem uns botõezinhos que deixam ela do jeito que eu quero e a tevê tem uns duzentos canais, fora a Neflix (Opa! Vai aqui uma reclamação: a Netflix não tem nenhum filme do Charles Bronson. Tem que ver isso daí!).
Também passo o dia todo sem cueca (só no camisolão), a persiana abre e fecha por controle remoto e de vez em quando vem alguém fazer uma fisioterapiazinha em mim.
O melhor de tudo é que eu não tenho que participar daquelas reuniões cheias de ministros. Não nasci para isso. Nunca presidi um partido, nunca comandei um movimento social, nunca fui prefeito, governador ou síndico de prédio. O meu negócio não é reunião. Por mim a gente fazia um grupo de zap e resolvia tudo por ali.
Ainda bem que aqui no hospital não tem nada disso. Estou no paraíso. Devia mudar o gabinete para cá de uma vez.
A única hora estranha é quando eu durmo. É que ando tendo uns sonhos meio doidos. Devem ser esses remédios que tão me dando.
Por exemplo, hoje eu sonhei com uma partida de futebol. Era a final do campeonato. O campo estava meio enlameado e tinha um time de amarelo e outro de vermelho.
O juiz marcava tudo contra o time de vermelho. Invertia lateral, não via as faltas dos amarelos, só dava impedimento dos vermelhos e acabou até expulsando o 10 deles.
Quando o juiz apitou o fim do jogo, o time amarelo tinha vencido de 5 a 4. E aí, em vez do cara ir pro vestiário, ele tirou a camisa preta, colocou uma amarela e foi comemorar o título. Abraçou todo mundo, deu beijo na taça e até fez a volta olímpica com os campeões. Pô, agora que eu me livrei dos ministros, será que cada noite eu vou sonhar com um deles?
Filme estreia no Festival de Berlim com dificuldades de financiamento e sem data para lançamento no Brasil
Mariana Pitasse e José Eduardo Bernardes
Brasil de Fato | São Paulo (SP)
30 de Janeiro de 2019.
Ouça o áudio:
“‘Cuidado que o Marighella é valente’, alertou um agente da repressão antes de umas das muitas tentativas de captura do líder revolucionário durante a ditadura militar”. A passagem da biografia de Carlos Marighella, escrita por Mário Magalhães, retrata uma das principais facetas do protagonista do filme dirigido por Wagner Moura, que estreia na 69ª edição do Festival de Berlim, na Alemanha, entre os dias 7 e 17 de fevereiro.
Essa é a primeira vez que Wagner Moura, mais conhecido por seu papel como Capitão Nascimento no filme “Tropa de Elite”, trabalha como diretor. De cara, ele assumiu como desafio reconstruir parte da trajetória de Marighella: poeta, militante comunista desde a juventude, deputado federal e fundador do maior grupo armado de oposição à ditadura, a Ação Libertadora Nacional (ALN).
O filme, que vai do drama à ação, conta justamente sobre o período mais conturbado e radical da vida do baiano como guerrilheiro. “A minha escolha por esse recorte também atende a vontade de que o filme seja popular, que muita gente veja, sobretudo as pessoas pelas quais Marighella lutava, o que é uma questão quando você pensa que o cinema é um divertimento elitizado no Brasil”, explica, em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato.
Para Mário Magalhães, autor da biografia, lançar a história de Marighella nas telonas é um ato de coragem. “Ainda mais em tempo de novos censores, que querem impedir que se conte a história como a história aconteceu. Ninguém é obrigado a gostar de Marighella. Mas julgá-lo sem conhecer sua trajetória é estupidez. Marighella nunca provocou tanto amor e tanto ódio. Ele está mais vivo do que nunca”, acrescenta o escritor, quando perguntado sobre a adaptação de seu livro.
Pela escolha do personagem e do recorte, Wagner Moura afirma que o filme encontrou barreiras para conseguir financiamento. A produção também não tem previsão de exibição nos cinemas brasileiros. “Existiu totalmente um boicote. Embora o filme vá estrear em 2019 no governo Bolsonaro – na época em que a gente estava filmando parecia uma piada isso – mas já vivíamos uma polarização grande e um crescimento do conservadorismo. Eu que sempre fui um artista identificado com a esquerda, então ficou ‘o petralha fazendo filme sobre o terrorista’ e ninguém queria se associar a isso. A gente recebeu respostas agressivas, mas estou seguro do filme que fiz e preparado para a porrada”, garante o diretor estreante, valente assim como seu protagonista e referência de resistência.
Confira a entrevista completa:
Brasil de Fato: Por que resolveu contar a história de Marighella nos cinemas?
Wagner Moura: Eu sou baiano. Suponho que o nome de Marighella seja igual no Brasil inteiro, mas, em Salvador, a gente cresceu tendo ele como referência de resistência. Era um nome importante na Bahia para quem se interessava pelas lutas de resistência.
Eu sempre fui fascinado por revoltas populares. Malês, Canudos… e Marighella é um personagem próximo dessa tradição. Também sou muito amigo, no mundo do teatro, de Maria Marighella, sua neta.
Quando Mário Magalhães, lançou a sua biografia, em 2012, eu estava em Salvador e a Maria me falou: “Saiu a biografia do meu avô, cara. Temos que fazer um filme”. Na hora, eu concordei. A princípio, minha ideia era que o filme acontecesse, eu queria produzir esse filme. Era uma narrativa que eu queria ver contada, mas não tinha pensado que eu ia dirigir o filme.
Sempre fui um ator muito interessado no trabalho que vai além do set [de filmagens]. Desejo trabalhos que me desafiem artisticamente também, então foi aí começou a história de dirigir “Marighella”.
E o que um filme de ficção pode acrescentar à história de Marighella?
Um filme de ficção tem potencial de se alastrar e atingir mais pessoas que um documentário. São raros os documentários que atingem uma quantidade grande de pessoas. Eu sou um cara que vem da ficção, então não saberia fazer um documentário sobre a história dele.
Embora ele [o filme] seja baseado em uma história real, em personagens reais, em um estudo gigante do Mário Magalhães, que é incrível – ele reconstituiu a história de um cara que fez questão de apagar seus passos –, o nosso filme toma liberdades criativas de cenas, lugares, pessoas que não aconteceram.
O filme se apropria de elementos que são da história dele. Nada que está lá é diferente do que eu suponho que Marighella não faria de verdade. Por outro lado, tem situações ficcionalizadas. Por exemplo, os guerrilheiros que estão ao redor dele: não quis usar os nomes reais, porque a ALN [Ação Libertadora Nacional] era tão grande, tinha tanta gente interessante, e não quero que ninguém fique pensando que são pessoas específicas.
Os personagens são baseados em figuras históricas, mas são ficcionais. Várias liberdades inerentes ao cinema foram tomadas para que o filme ficasse bom. Mas, claro, tudo com muito cuidado para que a figura de Marighella e a sua história se popularizasse.
Que Marighella é esse, retratado no seu filme?
O recorte temporal é do golpe de 1964 até a morte de Marighella em 1969 – os últimos cinco anos de sua vida. Esse Marighella é o cara que resolve ir para a luta armada, resolve que a única possibilidade de lutar pela democracia, justiça social, liberdade, igualdade, é essa. Escolher esse recorte é retratar o Marighella radical. Mas vale lembrar que ele foi uma pessoa que militou na legalidade o quanto pôde. Porque o Partido Comunista (PCB) ficava ilegal quase o tempo inteiro.
É claro que, do ponto de vista cinematográfico, as ações da ALN são espetaculares. Nosso filme é um híbrido de gêneros. Ele é um drama histórico, mas, ao mesmo tempo, tem elementos muito poderosos do cinema de ação. Mais uma vez, a minha escolha por esse recorte também atende à vontade de que o filme seja popular, que muita gente veja, sobretudo as pessoas pelas quais Marighella lutava – o que é uma questão, quando você pensa que o cinema é um divertimento elitizado.
Vou fazer o que eu puder para que o máximo de pessoas possível assista ao filme. Eu prometi ao Boulos [Guilherme] que vou estrear o filme no acampamento de São Bernardo, do MTST [Movimento dos Trabalhadores Sem Teto], e do MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra] também. O que puder fazer nesse sentido, vou fazer.
O Mano Brown foi anunciado inicialmente para o papel de Marighella. Por que Seu Jorge assumiu?
Não tem no Brasil alguém mais Marighella do que Brown. Poeta e guerrilheiro, amoroso e agressivo.
A gente começou a ensaiar com ele, mas deu um azar muito grande: foi o mês em que o Racionais [MCs] fez mais shows. Tinha um por dia, que terminava às quatro horas da manhã! Não deu para ele. Era um comprometimento que não dava para acompanhar.
Ele é um parceiro do filme, quer que o filme aconteça, toda a equipe é louca por ele, mas não deu. Então, a gente precisou de outro ator.
Seu Jorge é uma das pessoas mais talentosas do mundo. O trabalho dele no filme é absurdo. Engraçado que, quando saiu a notícia que ele interpretaria, um articulista de direita disse: “Esse Wagner está querendo agora empretecer Marighella”. Ele reivindicou a branquitude de Marighella. Seu Jorge, de fato, tem a pele mais escura do que a de Marighella, mas ele era preto, neto de escrava sudanesa.
Marighella foi um defensor da justiça social e igualdade entre as pessoas, mas nunca falou sobre a questão do racismo, porque não era uma pauta da esquerda. Também não é suficientemente hoje, como deveria ser. A esquerda não entendeu que não se pode falar de nenhuma questão social sem falar de racismo. Sem entender que o evento histórico que fundamenta nossas relações sociais é a escravidão.
O Brasil foi o último país do mundo a abolir a escravidão. O Brasil tem na sua arquitetura quartos de empregada, e as empregadas são em maioria mulheres negras, que tiveram a lei trabalhista regulamentada há poucos anos – e que gerou uma polêmica. Embora isso não tenha sido um discurso frontal de Marighella, porque não era da esquerda naquela época, mas pelo fato de ele ser um homem negro e defensor da justiça social, a pauta do racismo faz muito sentido em sua boca.
Seu Jorge ser mais escuro do que Marighella não é uma questão. Ele não poderia era ser mais claro.
Durante as filmagens, Wagner Moura dialoga com Seu Jorge, que interpreta Mariguella. Foto: Divulgação
O filme vai ser adaptado para uma série de TV. É uma tentativa de popularizar a história de Marighella?
De alguma forma, sim. Esse foi um filme muito difícil de conseguir dinheiro para fazer. É uma produção grande e que não usa a Lei Rouanet – apesar das pessoas estarem dizendo isso.
O principal apoio é da Globo Filmes – sem ele, não conseguiríamos fazer. Então, esse é um acordo que eles têm feito com as produções: depois de estrear no cinema, eles cortam e fazem uma série em quatro episódios. Termina sendo uma coisa boa, porque o alcance que a TV tem é infinitamente maior, se comparado ao cinema.
Você comentou na imprensa sobre algum boicote das empresas ao filme.
Existiu totalmente um boicote. Embora o filme vá estrear em 2019 no governo Bolsonaro – na época em que a gente estava filmando, parecia uma piada isso –, já vivíamos uma polarização grande e um crescimento do conservadorismo.
Eu sempre fui um artista identificado com a esquerda, então ficou “o petralha fazendo filme sobre o terrorista”… e ninguém quer se associar a isso. A gente recebeu respostas agressivas.
Você está preparado para os ataques?
Eu estou preparado para a porrada. Não quero que nenhum dos atores sofra tanto, mas vão sofrer. Vão ser ataques violentos. Não sabemos tudo que é possível. Quando a gente estava filmando, teve uma galera que ameaçou entrar no set e quebrar tudo.
Eu não tenho redes sociais, não sei como é, acho que a maioria das ameaças eu não sei, não vejo. Isso me protege muito da energia pesada. Por outro lado, não tenho medo dessas coisas.
Tenho muita segurança de quem eu sou, do que eu acredito, do filme que fiz. Muita segurança da fragilidade dessa gente, intelectual e humana. O discurso deles é de criminalizar os artistas. Para eles, o MST e o MTST são terroristas, Marighella é terrorista, defensor de direitos humanos é “defensor de bandido”.
O cara que emprega bandido no gabinete diz que defensor de direitos humanos é que é defensor de bandido. Então, está tudo muito louco. A verdade acabou, não importa mais. Esse momento é muito medíocre e muito triste. Isso me assusta é o que me dá medo.
Na sua avaliação, o que pode vir a ser a produção cultural no Brasil nos próximos anos?
Triste do país que faz dos seus artistas inimigos do povo. É um discurso muito característico do fascismo. Os artistas que são historicamente ligados a um pensamento mais progressista são os primeiros a serem atacados como inimigos.
A gente está vivendo um momento de extrema mediocridade, moral e intelectual. Bolsonaro vai para Davos e não sabe o que falar. “Meninas vestem rosa, meninos vestem azul”, “Escola sem Partido”, todo esse mar de mediocridade é você querer eliminar tudo o que tem a ver com pensamento crítico. É pragmatizar e emburrecer.
Nós artistas fazemos parte do universo que está propondo mudança. Não só porque somos historicamente ligados a um pensamento progressista, mas porque o que produzimos propõe reflexões que incomodam, e essa gente não quer. Eles não leem, não vão ao teatro.
Quando falo de cultura não falo só de produção artística, mas de tudo que eles querem destruir. Cultura LGBT, cultura quilombola, cultura indígena, tudo isso é o que é um país. É o que faz qualquer país decente se desenvolver com autonomia e autoestima.
A gente vive em um país incrível, original, reconhecido por isso. Mas a gente vive um momento, não só no Brasil, mas no mundo inteiro, de extremismo e violência. O Jean Wyllys dizer que não dá mais é triste, mas absolutamente compreensível. Porque se você tem hombridade moral e dignidade, as suas armas são muito frágeis contra essa coisa toda.
Algumas pessoas têm identificado no filme “Tropa de Elite” a figura do Capitão Nascimento como Bolsonaro. O que você pensa sobre isso?
Eu não votaria no Capitão Nascimento para Presidente do Brasil. Ele é um personagem de ficção, por mais realista que seja o filme. Não é de hoje essa polêmica.
Na época em que o filme foi lançado, o jornalista Arnaldo Bloch falou que o filme era fascista. Eu escrevi um texto para o jornal O Globo falando que não era fascista, e sim, um estudo sobre como se comportam as polícias no Rio de Janeiro, sobre essas relações promíscuas entre polícia, estado e criminalidade.
Eu rejeito categoricamente a ideia de que o filme endossa o comportamento do Capitão Nascimento. Mas qualquer obra de arte é polissêmica. Não é o que eu quero dizer. Por exemplo, se “Marighella” tivesse sido lançado no governo Lula seria um filme, no governo Temer, outro filme, e agora é outro. É o olhar da gente que faz a obra ser o que ela é.
Como você vê os escândalos envolvendo as milícias e a família Bolsonaro?
As milícias são crime organizado. O crime organizado no Brasil mesmo é o PCC e as milícias, que tem currais eleitorais, elegem políticos, são uma máfia criminosa e perigosa.
A relação de Flávio Bolsonaro com milicianos é pública. Ele nunca escondeu isso. Não estou entendendo a surpresa com relação a isso.
Ele não disse uma palavra sobre a morte de Marielle, que era sua colega parlamentar. Não estou dizendo que ele tem uma relação direta com a morte dela, mas que ele tem uma relação com os policiais que cometeram crimes e tem relações com as milícias. Qual a surpresa?
Nesse sentido, qual a importância de que “Marighella” seja lançado neste ano?
É importante porque é um filme que vem disputar narrativa. Talvez seja uma das primeiras obras da nossa cultura que está frontalmente em oposição a quem chegou ao poder no Brasil. No entanto, foram eleitos democraticamente, se apresentam como de fato disseram que iam ser.
Alguém se espanta que Flávio Bolsonaro tenha ligação com a milícia. Por quê? Que espanto é esse? Nenhum. Alguém se espanta que Bolsonaro chegue em Davos e não saiba falar com os jornalistas sobre economia? Então, a gente vive um momento em que um ministro do Supremo [STF] fala que não é golpe de 1964, é “movimento de 1964”, outro diz que a ditadura não foi tão má assim. Nosso filme vem para disputar essa narrativa. Para dizer que foi ruim, que foi horrível, que teve gente que teve coragem de enfrentar aquilo.
A forma como o enfrentamento se deu foi radical. Talvez, se vivesse esse período, eu não entraria para a luta armada. Vejo o negócio do porte de armas e fico arrepiado. Mas é muito cruel também, analistas políticos no Brasil, sob a luz da história, analisando a opção de quem naquele momento, cerceado de todos os seus direitos básicos, optou por enfrentar com força quem estava oprimindo. Isso é um direito de qualquer povo: defender-se do totalitarismo e da opressão.
Em entrevista ao Pedro Bial, antes de começar a filmar, você falou que “ia fazer um filmaço”. Você fez mesmo?
Eu fiz. É um filmaço mesmo. Fiz o filme que queria ter feito.
Eu acho que eu não sou diretor, mas um ator que dirigiu um filme. Fui para Berlim três vezes: com “Tropa de Elite 1”, “Tropa de Elite 2” e “Praia do Futuro”. Éramos poucos. Sabe quantas pessoas estarão em Berlim agora? Quinze atores e mais umas pessoas da equipe. Uma galera que não tem grana, mas quer ir para estar nesse dia, começando a caminhada desse filme juntos. Um filme tão potente e especial para todos nós que fizemos.
Todos nós sabemos a importância que esse filme tem, politicamente, no Brasil. Mesmo que a gente tire esse elemento, se é que é possível, artisticamente, o que vivenciamos foi uma das experiências mais profundas que tive. Ver o que os atores estavam me dando foi uma coisa de outro mundo. Acabava a cena, eu queria beijar, ajoelhar aos pés dos atores.
Eu entendi a importância que o ator tem. O tamanho da exposição que o ator apresenta quando está em cena, a equipe, como cada um foi levado ao seu limite de sair da zona de conforto. Ninguém fez o que sabia fazer, eu não sabia fazer. Foi todo mundo junto. Querendo muito contar essa história. Seremos mais de 30 em Berlim, porque o filme foi feito com muita honestidade. É um filme honesto.
Eleito como melhor filme de 2018, longa conta história de trabalhadora que combate endemias na região
Larissa Costa
Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG)
Desde o último dia 17, está em cartaz mais uma produção cinematográfica mineira. O longa “Temporada”, do diretor contagense André Novais Oliveira, narra a história da personagem Juliana, que sai de Itaúna, no interior do estado, e vai morar na periferia de Contagem, na Região Metropolitana de BH, para trabalhar no combate às endemias.
“O filme veio primeiro da observação do bairro. Algumas experiências e situações que eu vivi e outras de alguns colegas de trabalho acabaram indo para o filme de alguma forma”, conta André, que morou em Contagem quase a vida toda e trabalhou no combate a endemias em 2007.
As experiências de Juliana em seu novo emprego vão construindo um retrato da realidade das grandes cidades brasileiras. “Para mim, ‘Temporada’ é um convite para olhar as paisagens sob outras perspectivas”, afirma a premiada Grace Passô, atriz que interpreta a protagonista.
Vencedor de vários prêmios, incluindo o de melhor filme no 51º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, “Temporada” é da Filmes de Plástico, produtora com sede em BH formada pelo diretor junto com Gabriel Martins, Maurílio Martins e Thiago Macêdo Correia. Criada em 2009, a Filmes de Plástico se preocupa em realizar longas e curtas-metragens que retratem a realidade popular e a vida na periferia, em uma perspectiva de romper com o estereótipo e a marginalização. “O cinema ajuda a gente enxergar nosso espaço, as pessoas. Muito do que é colocado na tela são reflexos do que acontece nas nossas vidas”, afirma André.
Edição: Joana Tavares
Este conteúdo foi originalmente publicado na versão impressa (Edição 268) do Brasil de Fato Minas Gerais.
Esse VIREI OS DADOS eu aprendi quando criança, com a saudosa engomadeira Raimunda, que criava mais de vinte cachorros e deixava de comer para alimentá-los…
Ela cantava esse “Jogo do Bicho” incontáveis vezes para nós, que vivíamos a aperrear no quarto dos engomados.
Faz tempo que procuro uma gravação, porém até agora nada. Hoje o amigo Nirez ficou de me mandar mais de uma dúzia de fonogramas com a temática de Jogo do Bicho, pra ver se encontro essa gravada em disco.
Enquanto isso, suportem-na na voz cansada desse amigo luciano.
Coisas que o tempo Levou – VIREI OS DADOS (Jogo do Bicho).
Andréa Tolaini é uma artista visual paulistana. Aos 34 anos, estudou pintura, desenho e ilustração em Londres e também na Escola Panamericana de Arte. Já expôs em São Paulo, Portugal e Espanha.
Em conversa com a Rádio Brasil de Fato, ela fala sobre seu processo criativo, suas insatisfações com a conjuntura política brasileira e sua trajetória profissional.
Confira o bate-papo:
Brasil de Fato: Andréa, muito obrigada por aceitar o nosso convite. Queria começar te perguntando o seguinte: como você definiria o teu trabalho e também o que você retrata?
Andréa Toalini: É difícil definir um trabalho de artes visuais, né. Mas o que eu posso falar sobre o meu trabalho é que ele tem uma busca constante por compreensão das emoções humanas. Eu tento trazer imagens pra emoções e falar um pouco delas também, através de palavras, de metáforas. Então eu tento clarear as minhas próprias emoções e as emoções das pessoas que estão ao meu redor. Das pessoas que me espelham, através de imagens e textos. Esse é o meu objetivo dentro do meu trabalho, principalmente das mulheres, do feminino, em geral.
E falando um pouquinho do campo pessoal. Como foi a decisão de abandonar o campo corporativo da publicidade e fazer com que a arte se tornasse realmente uma protagonista total na sua vida.
Foi uma decisão super difícil, têm muitas pessoas que me perguntam sobre isso, porque você sai de um mundo que de alguma forma te traz várias garantias e que funciona bem dentro do sistema regente da nossa sociedade. Então eu saí de um emprego fixo e tudo mais, que eu tinha um salário, que eu tinha certezas, pra um mundo que era bem incerto. E isso é um aprendizado, mas eu acho que a minha insatisfação com a sociedade a minha posição dentro dela foi o que me empurrou pra ter mais coragem em enfrentar as incertezas, mas estar mais alinhada com o que eu acreditava como liberdade.
Eu tive que fazer várias concessões, claro, principalmente concessões financeiras, estruturais pra conseguir viver minha vida como artista. Mas eu não me arrependo nem um pouco. Foi um passo muito importante pra minha vida, mas ele exige muita coragem mesmo.
Você comentou sobre insatisfações, as insatisfações frente à sociedade na qual estamos inseridos. Quais seriam elas?
Acho que a principal é essa posição que infelizmente nos colocam como mulheres, na sociedade, de deveres e de sobrecarga também. A gente vive muito cansada, eu acho que meu trabalho antigo me deixava exaurida. E essas expectativas sobre uma mulher, o que ela deve ser socialmente. Que a gente tenha que obedecer um certo status quo pra ser respeitada socialmente, pra não ser violentada. E nem isso nos garante. Acho que esse é meu principal incômodo.
Mas eu acredito que essa sociedade ela tá completamente adoentada, a gente infelizmente nasceu numa sociedade completamente adoentada, pra mulheres e pra homens, pra todos os gêneros, aliás. Isso sempre movimentou muito o meu trabalho, esse super questionamento dos nossos papéis aqui na sociedade e o quanto a gente é livre pra escolher, ou não. O quanto realmente escolher se torna um risco quando você começa a fazer isso. Eu senti isso na pele quando eu comecei a escolher, quando eu resolvi a ser protagonista da minha vida e realmente escolher o que eu queria com artista, como mulher. Eu sentia a pressão do que é o mundo quando uma mulher começa a querer escolher. E a gente precisa começar a reinventar esse novo mundo.
Eu estou tentando fazer a minha parte reinventando meu próprio mundo. Foi isso que eu fiz quando eu larguei há 7 anos a publicidade e passei a enfrentar o meu medo de ser artista, da vida de artista, do julgamento do que é uma mulher ser artista. Do julgamento do que é ser artista nessa sociedade, porque é esse olhar do “vagabundo”, da “vagabunda” e tudo mais.
Como que é o espaço das artes plásticas para as mulheres? E você pessoalmente enfrentou que tipos de desafios por ser mulher, artista e por se posicionar politicamente também?
Acho que como a maioria das áreas profissionais, a dificuldade pra mulher é sempre em dobro. Enfim, ainda tem camadas que a coisa piora: uma mulher negra é o triplo, o quádruplo. Mas falando do meu lugar como mulher, como mulher branca, as artes visuais são um monopólio ainda muito masculino.
Se você for em galeria você vai ver que 80% das obras são masculinas, enfim. Questionam o nosso trabalho como mulher, isso é sempre muito questionado. Se você faz algo muito feminino no sentido mais emocional, mais delicado, o que é falado como feminino, apesar de eu não concordar. Mas como dizem que esse lugar emocional e tudo mais é feminino, acham que o seu trabalho é tolo.
Quando o seu trabalho é muito forte, muito visceral ou traz as coisas muito na cara, ou fala diretamente de sociedade e política, você tá sendo masculinizada. Então é um eterno questionamento, a sociedade está o tempo inteiro de questionando e tentando te tirar do teu eixo, e a gente vai tentando cavar espaço. Eu comecei inclusive um projeto, faz 2 anos, que chama “Marias”, que é uma exposição só de mulheres.
Eu já fiz essa exposição em Portugal, no Porto, em Barcelona, na Espanha e aqui em São Paulo também. E é isso, unir mulheres das artes visuais, em todos os tipos de linguagem, desde o grafite ao bordado, e fazer uma exposição só de mulheres, pra falar do tema “mulher na sociedade”.
Toda vez que a gente tenta se impor é sempre uma grande luta, mas eu estimulo que a gente vá lutando mesmo, pelo espaço nas artes e juntas. Porque a gente só vai conseguir uma apoiando a outra.
Ainda sobre a sua produção, a gente começou comentando sobre o momento político conturbado que nós vivemos no país, acho que até atípico. E como que os acontecimentos políticos, não só brasileiros, mas latino-americanos ou mesmo mundiais, acabam influenciando no que você produz?
É inevitável. Sou uma pessoa extremamente emocional, quem me conhece sabe. Eu sou sensível a tudo, eu tenho uma “empatização” muito rápida por tudo. Então notícias sociais sempre abalam muito, mesmo que elas não toquem diretamente na minha vida. Até porque eu tenho diversos privilégios que me blindam do pior,né.
A situação latino-americana acho que tem vários países que estão em extrema dificuldade social, política. E o Brasil em especial tá mexendo com a gente profundamente, porque a gente não sabe se isso é o começo de uma grande mudança, porque afinal tendo o Bolsonaro como presidente o ridículo tá cada vez mais exposto, o absurdo tá cada vez mais exposto.
O absurdo está cada vez mais exposto, a crueldade tá cada vez mais exposta, a violência tá cada vez mais exposta, o que por um lado eu vejo como uma oportunidade da gente vendo as coisas mais explícitas, quem é o verdadeiro Brasil, quem somos verdadeiramente nós, a gente comece a quem sabe fazer uma transição pra um novo Brasil, pra uma nova América Latina. Porque o Brasil também é uma potência aqui na América do Sul, então ele representa muita coisa. Isso representa sem dúvida ter um impacto latino-americano enorme.
Inevitavelmente isso acaba saindo no meu trabalho. A tristeza em relação à nossa passagem social, nossa passagem política. Eu acho que todo artista sensível a isso vai acabar colocando muito do que está passando refletido na sua expressão artística também.
O ato de jogar videogame está costumeiramente associado a diversão e ao entretenimento, sem grandes responsabilidades sociais.
Mas o que dizer de um jogo que mistura história do Brasil, diversidade racial e discussão de gênero? Essa é a proposta do jogo Árida, feito pela Aoca Game Lab, formada por jovens nascidos na Bahia e que vivem em Salvador.
A proposta da plataforma está situada na experiência de Cícera, uma adolescente de 15 anos que vive com o avô, um ex-vaqueiro, no sertão nordestino.
Dividido em 4 capítulos, o jogo mostra a saga da personagem durante o século XIX, pré Canudos, movimento histórico de resistência social liderado por Antônio Conselheiro, entre 1896 e 1897, no interior da Bahia.
As aventuras de Cícera, explica Filipe Pereira, desenvolvedor do jogo, acontecem em um ambiente de seca e fome, semelhantes ao mundo real. “A gente tem esse parâmetro da fome e da sede no jogo, que está ligado a realidade do sertão. À medida que você vai evoluindo na plataforma, conhecendo os personagens, fortalece-se a imagem de um lugar onde a seca não ousa bater, e esse lugar é Canudos. A narrativa do jogo se desenvolve a partir desse contexto da seca e a criação da utopia da cidade de Canudos”, explica.
Para além do jogo, Filipe Pereira afirma que a diversidade encontrada em Árida também é vista na equipe de trabalho.
O time, aliás, está situado no projeto Comunidades Virtuais, localizado na Universidade Federal da Bahia e com foco no desenvolvimento de jogos envolvendo educação. “Para fazer jogos diversos, eu preciso de uma equipe diversa. Para nós é importante ter um time com mulheres participando e uma maioria de negros”, explica.
Nascido em Salvador, assim como a maioria dos integrantes da equipe, Filipe afirma que foi ao sertão para conversar com a população da região para entender como é viver naquele ambiente.
Auxiliado por pesquisadores e estudiosos da história nacional, ele ressalta que estar no local onde o jogo seria retratado foi fundamental para dar mais veracidade aos cenários descritos em Árida.
“Ir lá foi uma experiência significativa e indispensável para poder desenhar melhor a experiência do jogo. Não só na perspectiva gráfica ou visual. Quando fomos lá, validamos e excluímos muitas coisas que estávamos fazendo. O principal de estar lá foi o contato humano com os moradores da região”, enaltece Filipe.
Previsto para ser lançado até março e exclusivamente para computador, Árida tem o papel de quebrar paradigmais na indústria que desenvolve jogos de vídeogame, na avaliação de Filipe Pereira.
Além de sair do eixo Rio-São paulo, ele ressalta que a temática nordestina e sertaneja, com uma mulher no papel de protagonista, contrapõe personagens quase sempre brancos e homens. “Ao mesmo tempo que nós temos interesse de trabalhar com essa temática, nós olhamos para o nosso mercado e vemos que há essa carência. São vícios que a nossa indústria tem: personagens sempre brancos, masculinos. Essa carência temática pode se tornar, inclusive, uma oportunidade de mercado”, completa Filipe
A expectativa da Aoca Game Lab é disponibilizar o jogo Árida para consoles famosos, como Playstation e Xbox, em um futuro próximo.
Depois de dois meses cruzando os Estados Unidos da costa leste para a costa oeste e vice-versa, ou seja, do Atlântico ao Pacífico, JK escreveu o seguinte, no dia de seu retorno a Nova York:
“De repente lá estava eu na Times Square. Tinha viajado doze mil quilômetros pelo continente americano e estava de volta à Times Square; e ainda por cima bem na hora do rush, observando com os meus inocentes olhos de estradeiro a loucura completa e o zunido fantástico de Nova York com seus milhões e milhões de habitantes atropelando uns aos outros sem cessar em troca de uns tostões…”
E continua assim, sem parágrafo nem nada:
“… pegando agarrando, entregando, suspirando, morrendo, e assim poderiam ser enterrados naquelas horrendas cidades-cemitério que ficam além de Long Island. As elevadas torres da nação… o outro limite do país… o lugar onde nasceu a América das Notas Promissórias. Fiquei parado numa entrada de metrô tentando criar coragem suficiente para catar uma longa e linda bagana e toda vez que me preparava enormes multidões passavam céleres e a tiravam de vista até que finalmente foi esmagada.”
Como diria Allen Ginsberg, pousando de guru, “a vida só tem sentido se você dá um sentido pra ela”. Aquelas vidas ali não tinha sentido algum, constatou JK.
SAN FRAN, CA
Algum tempo antes, JK tinha vivido nos pântanos da Califórnia no casebre de William Burroughs, então com 35 anos (Kerouac estava com 25 em 1947, Cassady e Ginsberg com 21) e aconteciam coisas desse tipo:
“Neal [Cassady] e Allen [Ginsberg] moraram no barraco de Bill Burroughs no pântano durante um mês. Dormiam numa cama de lona, assim como Hunkey [que seria encontrado morto num beco numa fria manhã de inverno]. (…) Bill levantava primeiro, ia furungar no quintal onde estava cultivando um jardim de marijuana e construindo um acumulador de orgônio reichiano. Trata-se de uma caixa comum grande o bastante para um homem sentar-se em uma cadeira em seu interior: uma camada de madeira, uma camada de metal e outra camada de madeira recolhem orgônios da atmosfera e prendem-nos por tempo suficiente para que o corpo humano absorva-os acima da quantidade normal. De acordo com Reich orgônios são átomos vibratórios atmosféricos do princípio vital. As pessoas têm câncer porque ficam sem orgônio.”
Tudo sem parágrafo, mas meu leitor está acostumado com parágrafos, então boto parágrafo e continuo:
“Bill tirava as roupas e entrava na caixa e sentava-se em devaneios. Saía bradando pelo café da manhã e por sexo. Seu corpo comprido e macilento voltava para o barraco aos trancos, o pescoço enrugado de urubu mal sustentava a cabeça ossuda na qual era armazenado todo o conhecimento acumulado em trinta e cinco anos de vida louca. ‘Joan’, dizia ele, ‘você já aprontou o café da manhã? Se não vou pegar um bagre. Neal! Allen! Vocês passam a vida a dormir — jovens como vocês. Levantem-se, temos de ir até McAllen pegar uns mantimentos’. Por uns quinze minutos ele andava pela casa animado e afobado esfregando as mãos ansiosamente. Quando todos haviam se levantado e se arrumado o dia de Bill estava encerrado, toda sua energia havia se esgotado, os orgônios haviam escapulido pelos milhões de orifícios de seus flancos esguios e brancos murchos onde ele espetava a agulha de morfina. Joana tentava encontrá-lo. Ele estava escondido no quarto aplicando a primeira dose da manhã. Saía de lá com o olhar vidrado e calmo”. O dia de Bill tinha acabado.
O FRENESI MALUCO
“A estrada toda já foi contada”, escreveu Jack Kerouac em uma carta de 22 de maio de 1951 enviada de Nova York a seu amigo Neal Cassady, que estava no Oeste, em São Francisco. “Chegou rápido porque a estrada é rápida”.
“Kerouac disse a Cassady que entre os dias 2 e 22 de abril havia escrito ‘um romance inteiro de 125.000 [palavras]… A história é sobre você e eu e a estrada’. Ele havia escrito ‘tudo em um rolo de papel com 36 metros de comprimento… simplesmente inserido na máquina de escrever e sem qualquer divisão de parágrafos… deixando que o papel se desenrolasse sobre o chão e que o aspecto do rolo lembrasse o de uma estrada’.” (Howard Cunnell, na introdução à publicação do manuscrito original, lançado 25 anos depois da edição expurgada e editada). O combustível? Café.
Para alcançar a iluminação que permitiu esses 20 dias, JK tinha se desdobrado durante cinco anos de trabalho louco, de idas e vindas malucas, de festas assombradas pelos fantasmas do sexo, da bebida e das drogas, pela absoluta falta de sentido.
“Eu sou do tempo”, diria anos depois JK, um cara famoso e destroçado pelo álcool, “em que a vida só tem sentido se você dá um sentido pra ela”. E ele tinha toda a razão do mundo.
“A cadeia é o lugar onde você promete a si mesmo o direito de viver”, dizia Neal Cassady consigo mesmo. Mas uma cadeia nos Estados Unidos, não é mesmo, Neal? Não os depósitos de restos humanos como no Brasil, restos desprovidos de alma e de qualquer esperança de vida decente.
Resumindo aquele momento crucial da grande virada de costumes no mundo, Howard Cunnell escreveu sobre On the Road: “Uma história que mesmo que não seja verdadeira ou perfeita expressa a colisão da América careta com uma nova geração subterrânea que está aí para mostrá-la [a caretice]”.
Nessa espantosa, absurda e violentíssima colisão os caretas ganharam, como sempre ganham. Ganharam nos Estados Unidos daquele tempo e nos Estados Unidos de agora, como ganharam no Brasil de 1964 e estão ganhando no Brasil de hoje.
O futuro no Brasil recomeçará, mais uma vez, em 2023.
Com exibição de 28 filmes, quatro longas e 24 curtas, participação é considerada histórica para o cinema nacional e um aceno de otimismo que comprova importância das políticas públicas de inclusão
por Cláudia Motta, da RBA publicado 26/01/2019.
CENA DE KBELA
Filme ‘Kbela’ (2015), de Yasmin Thayná, foi ignorado/recusado por todos os grandes festivais do país
São Paulo – O Brasil vive um momento histórico para sua cultura: pela primeira vez uma mostra internacional reúne filmes e a maior delegação de realizadores do cinema negro nacional. A 48ª edição do Festival Internacional de Roterdã (IFFR), na Holanda, teve início na quinta-feira (24) e vai até esta segunda-feira (28). No primeiro dia da mostra teve lugar a obra Soul in the Eye – Zózimo Bulbul’s legacy and the contemporary Black Brasilian cinema (Alma no Olho – O legado de Zózimo Bulbul e o cinema negro brasileiro contemporâneo). O festival conta com a exibição de 28 filmes, quatro longas e 24 curtas metragens do produção negra do Brasil.
A curadoria é da professora Janaína Oliveira, do Instituto Federal do Rio de Janeiro, em parceria com os programadores do festival Tessa Boerman e Peter Van Hoof. Doutora em História, Janaína é integrante da Associação dos Profissionais do Audiovisual Negro (Apan).
“Essa mostra é relevante por uma série de motivos. É um momento histórico, não só para o cinema negro, mas para o cinema brasileiro como um todo. Isso nunca aconteceu, de você ter uma mostra nos maiores festivais do mundo, com a quantidade de filmes, a presença dos realizadores. Entre curtas, longas, diretores, assistentes de fotografia, atriz, temos cerca de 19 brasileiros aqui”, relata de Roterdã.
Para a professora, a mostra é um aceno de otimismo, resultado de um processo de transformações vividas no Brasil de 2003 a 2016, com políticas globais de educação inclusiva, com as ações afirmativas no audiovisual, novas escolas de cinema fora das principais capitais. Medidas fundamentais para o surgimento dessa nova geração de cineastas que hoje vê seu trabalho contemplado na mostra internacional.
“Tudo isso junto tornou possível que essas pessoas tivessem acesso à universidade, à formação. Essa geração que a gente vê aí com esses filmes representam uma coisa que a gente não pode esquecer nesse período que a gente está vivendo: alguns processos não têm como retroagir, retroceder. Educação é um deles. Uma vez que as pessoas têm acesso, têm formação, e não é uma coisa que se pode tirar. Continuamos aí produzindo, fazendo, buscando formas, não importa o contexto.”
E reforça: esse processo representa que quando um país tem iniciativas globais por parte das políticas de governo, de educação, de acesso e permanência nos espaços, as transformações sociais acontecem. “É a prova disso, apesar de todas as políticas nesse sentido estarem em xeque, sendo revogadas”, lamenta.
JANAÍNA OLIVEIRA/FICINE
Zózimo Bulbul lutou durante toda sua vida para denunciar o apagamento das culturas africanas
Com orgulho e emoção, Janaína conta que a mostra foi aberta, na quinta-feira (24), justamente por Abolição, primeiro e único longa-metragem de Zózimo Bulbul. “E como nada é por acaso, foi quando se completaram cinco anos da passagem do Zózimo. Na abertura falei disso, falei dele e ao invés de fazermos um minuto de silêncio, fizemos um minuto de aplauso. Foi muito lindo.”
Um filme brasileiro da mostra também foi exibido na abertura da cerimônia do festival: Travessia, de Safira Moreira.
Sessões cheias, público participando dos debates que sempre levam a questões sobre como se chegou a esse quadro atual da política brasileira. “É uma pergunta incontornável que as pessoas trazem com algum grau de perplexidade. Elas não entendem como pudemos chegar onde estamos. As participações recentes em Davos, no cenário internacional por parte do novo presidente, deixaram o público internacional ainda mais apreensivo em relação ao Brasil. As pessoas sempre querem entender o que está acontecendo e a gente tem muita presteza e paciência em explicar a complexidade dos nossos desenvolvimentos históricos. Não é fácil.”
Desapagamentos na origem da mostra
Janaína informa, em texto publicado no site do Fórum Itinerante de Cinema Negro (Ficine), do qual é coordenadora, que todo trabalho para chegar à mostra em Roterdã nasceu de “desapagamentos”. “Foi o de Kbela, filme de 2015 de Yasmin Thayná, notoriamente ignorado/recusado por todos os grandes festivais do país, e que Tessa Boerman encontrou na internet em suas pesquisas.”
Impressionada pelo filme, Boerman convidou Thayná em 2017 para participar do programa Black Rebels (Rebeldes Negros), do qual foi criadora, assim como do Cinema Pan-Africano da Atualidade (Pact, na sigla em inglês, 2018). Junto com Bruno Duarte, um dos diretores de comunicação do filme, Thayná levou para o IFFR o Alma no Olho, curta-metragem de Zózimo Bulbul, que agora dá nome à mostra.
“Foram, portanto, os desapagamentos de Thayná, Bruno e do filme Kbela, e do trabalho seminal de Bulbul, que resultaram nesse momento histórico”, lembra Janaína.
A pesquisadora destaca, no site do Ficine, que, nem os “veículos hegemônicos” da imprensa brasileira, nem a Ancine noticiaram o fato em 2017. “Era a primeira vez que uma diretora brasileira era convidada para o festival, era a primeira vez de Zózimo e Alma no Olho, e era mais uma vez o silêncio e a invisibilidade dos grandes circuitos relacionados ao cinema.”
Mas foi graças a esses desapagamentos que surgiu a ideia da mostra de homenagear o legado de Bulbul. Já a extensão da mostra para os filmes contemporâneos, explica Janaína, foi uma outra semente plantada por Kbela, já que o caráter inovador do filme despertou o interesse em saber mais sobre esta geração de cineastas que hoje compõe o cenário do cinema negro brasileiro.
“Foi assim o começo de tudo. Nas histórias que compõem as trajetórias negras é fundamental sempre lembrar e reverenciar o caminho, celebrando quem trabalhou ontem para tornar o hoje possível”, afirma Janaína.
Alma no olho de Bulbul
A mostra Soul in the Eye é o terceiro programa que destaca os principais movimentos do cinema pan-africano, mas dessa vez voltado totalmente para a produção do cinema negro brasileiro, “a maior comunidade da diáspora africana no mundo”, ressalta Janaína. “E ligamos o recente surto de filmes brasileiros negros ao trabalho pioneiro do ator, produtor, diretor e ativista Zózimo Bulbul.”
O curta-metragem Alma no olho foi escrito, dirigido e interpretado por Zózimo Bulbul, em 1973. Inspirado no livro Soul on Ice, de Eldrige Cleaver e dedicado a John Coltrane, o filme de onze minutos foi a estreia do cineasta e se tornou referência para os realizadores negros.
Nascido em 1937, no Rio de Janeiro, Bulbul iniciou sua carreira no início dos anos 1960 como ator durante a era do Cinema Novo. Fez mais sete curtas e o longa-metragem Abolição, documentário épico em comemoração ao centenário do fim da escravidão no Brasil.
O ativista pan-africano lutou durante toda sua vida para denunciar o apagamento das culturas africanas e afrodescendentes. “Em 2007 criou o Centro Afro Carioca de Cinema, um quilombo no coração do Rio de Janeiro como ele próprio costumava dizer, e fundou o Encontro de Cinema Negro – Brasil, África e Caribe, um dos primeiros festivais de cinema negro na América Latina e o maior até o presente”, relata Janaína, que trabalhou com Bulbul como pesquisadora até sua morte, em 2013.
OS FILMES QUE COMPÕEM A MOSTRA SOUL IN THE EYE
Abolição, Zózimo Bulbul, 1988, Brasil, 153’
Ilha, Ary Rosa/Glenda Nicácio, 2019, Brasil, 94’ (veja trailer)
Meu amigo Fela, Joel Zito Araújo, 2018, Nigéria/França/EUA/Brasil, 94’
Temporada, André Novais Oliveira, 2018, Brasil, 113’
Afronte, Bruno Victor/Marcus Azevedo, 2018, Brasil, 15’
Alma no olho, Zózimo Bulbul, 1973, Brasil, 11’
Aniceto do Império em dia de alforria, Zózimo Bulbul, 1981, Brasil, 11’
ASSIM, Keia Serruya, 2013, Brasil, 13’
BR3, Bruno Ribeiro, 2018, Brasil, 23’
Cartucho de Super Nintendo em Aneis de Saturno, Leon Reis, 2018, Brasil, 20’
Dia de Jerusa, Viviane Ferreira, 2014, Brasil, 21’
Elekô, Coletivo Mulheres de Pedra, 2015, Brasil, 6’
Eu, Minha Mãe e Wallace, Eduardo Carvalho/Marcos Carvalho, 2018, Brasil, 22’
Experimentando o Vermelho em Dilúvio, Musa Mattiuzzi, 2016, Brasil, 8’
Kbela, Yasmin Thayná, 2015, Brasil, 22’ (veja trailer)
Merê, Urânia Munzanzu, 2019, Brasil, 16’
Nada, Gabriel Martins, 2017, Brasil, 27’
NoirBLUE, déplacements;une danse, Ana Pi, 2019, Brasil/França, 27’
Evento é realizado m comemoracao aos 15 anos da Usina Cultural
Cida Alves
Brasil de Fato | João Pessoa – PB
Janeiro de 2019.
A Energisa Paraíba há 15 anos vem colecionando importantes peças da arte contemporânea do Estado. A exposição ‘Acervo Energisa Artes Visuais – 15 Anos’ foi aberta nesta quinta-feira, 24, e vai até o dia 28 de fevereiro. O acervo é composto de pintura, colagem, gravura, desenho, e conta com de obras de 55 artistas, em sua maioria paraibanos. A coleção foi sendo selecionado por meio de editais ou doação. Segundo Dyógenes Chaves, curador da exposição “a ideia é mesmo apresentar aos paraibanos um pouco da sua arte, “de Cajazeiras a Cabedelo”, como se diz no popular.”
Os(as) artistas são: Abiezer Lima, Alberto Lacet, Alexandre Filho, Alexandre Prazim, Amanda Mei (SP), Analice Uchoa, Ao Leo (RJ), Bettina Vaz Guimarães (SP), Braz Marinho, Carlos Mélo (PE), Célia Araújo, Chico Dantas, Chico Pereira, Clóvis Júnior, Danielle Travassos, Davi Queiroz, Denis Cavalcante, Dyógenes Chaves, Ednalva, Elpídio Dantas, Fábia Lívia de Carvalho, Fabiano Gonper, Fábio Passarini, Flávio Tavares, Franc Neto, Fred Svendsen, Giga Brow, Guariguazi, Gustavo Moura, Hector Molina, Humberto Espíndola (MS), Ilson Moraes, Izidório Cavalcanti (PE), Jô Cortez, Jonas Lourenço, Júlio Leite, Júlio Meiron (SP), Laércio Redondo (RJ), Leopoldo Wolf (DF), Márcio Almeida (PE), Márcio Sampaio (MG), Margarete Aurélio, Maria José Porto, Mirabeau Menezes, Múmia, Murilo Santos, Sandoval Fagundes, Saulo Ais, Selma Lessa, Sidney Azevedo, Rafael Pagatini (RS), Raquel Gomes, Roberto Coura, Rodolfo Athayde, Rodrigues Lima, Thiago Verdee, Túlio Pinto (RS), Wênio Pinheiro e Wilson Figueiredo
A exposição vai até 28 de fevereiro de 2019, de terça a domingo, das 14h às 19h.
Programação, toda gratuita, será representada pela diversidade musical. Festa também terá shows em regiões descentralizadas e palcos adjacentes
por Redação RBA publicado 24/01/2019.
DIVULGAÇÃO
Paulinho, Pabllo, Rael e Ludmilla se apresentarão no palco do Anhangabaú. Shows começam às 12h
São Paulo – Para celebrar os 465 anos da fundação de São Paulo, nesta sexta-feira (25), a prefeitura anuncia uma extensa programação musical, com shows gratuitos por vários pontos da cidade. O palco principal será instalado no Anhangabaú, região central. Segundo material de divulgação do evento, a marca da programação será a diversidade musical, que contempla gêneros musicais como funk, gospel, samba, rap, pop, MPB, punk e rock.
Na região central serão armados outros três palcos, além do principal, que receberão artistas e convidados a partir das 12h. O restante da programação será distribuído em Casas de Cultura, centros culturais e no Teatro Flávio Império, na região de Cangaíba, zona leste da capital.
No palco principal, também a partir do meio-dia, a abertura será feita pelo projeto RC na Veia, criado por Dudu Braga, filho do cantor Roberto Carlos, para homenagear o pai, e contará com a participação da cantora Wanderléa. O grupo de rap gospel Ao Cubo se apresenta às 14h, ao lado dos sambistas do Art Popular.
Às 16h, é a vez do sambista Paulinho da Viola se apresentar. Ele cantará ao lado da filha Beatriz Rabello, além de Fabiana Cozza e Rodrigo Campos. Já às 18h30, um dos momentos mais especiais da festa: os sucessos do grupo Charlie Brown Jr. serão relembrados por Alexandre Abrão, filho do vocalista da banda, Chorão (morto em 2013), com participações de Dinho Ouro Preto (Capital Inicial), Di Ferrero, Digão (Raimundos), Supla e Panda (La Raza).
Um encontro entre dois dos grandes nomes do rap nacional, Rael e Rashid, ganha um toque especial da música pop de Pabllo Vittar, às 20h30. O encerramento, a partir das 23h, fica por conta da cantora de funk Ludmilla.
Fora da região central, no Centro Cultural da Juventude, na zona norte, o grupo de hardcore Dead Fish se une à Deb Babilônia num show às 18h. Já na Casa de Cultura do Butantã, na zona sul, às 15h, será o show do Clube do Balanço.
Confira a programação completa:
Palco Principal
12h: RC na Veia convida Wanderléa 14h: Ao Cubo convida Art Popular 16h: Paulinho da Viola convida Beatriz Rabello, Fabiana Cozza e Rodrigo Campos 18h30: Tamo Aí na Atividade apresenta Charlie Brown Jr: homenagem ao grupo com Alexandre Abrão com os convidados: Dinho Ouro Preto (Capital Inicial), Di Ferrero, Digão (Raimundos), Supla e Panda (La Raza). 20h30: Rael convida Rashid e Pabllo Vittar 23h: Ludmilla
Palcos de Festas A partir das 12h no Vale do Anhangabaú, perto do prédio dos Correios
Festa 1: Discopédia, Batekoo e KL Jay Festa 2: Gop Tun, Millos & Trepanado, ODD e Mamba Negra Festa 3: Pilantragi, Primavera te amo, Desculpa qualquer coisa, Santo Forte e Prato do Dia.
Atrações Descentralizadas
Centro Cultural da Juventude Ruth Cardoso 18h às 19h: Dead Fish convida Deb Babilônia
Centro de Formação Cultural Cidade Tiradentes 16h às 17h: O Circo vem Daí 18h às 19h: Sampa Crew
Teatro Flávio Império 16h às 17h: Farufyno e Fabio Brazza 20h às 21h: Mega Flash
Casa de Cultura do Butantã 15h às 17h: Clube do Balanço convida Janayna Pereira
Centro Cultural do Grajaú 16h às 17h: The Monkeys convida Sombra SNJ 18h às 19h: Xande de Pilares convida Reinaldo
Casa de Cultura Campo Limpo 14h às 18h: Viradinha
Casa de Cultura Raul Seixas 14h às 18h: Viradinha
Casa de Cultura da Brasilândia 10h às 16h: Viradinha
Centro Cultural Tendal da Lapa 10h às 17h: Viradinha
Eis um território esquizófico como desejo imanente atravessado pela Associação Filosofia Itinerante – AFIN. Um território movimentado por intensidades pulsantes. Eis um território esquizo de saberes encadeados como potências virtuais.
Território da poiésis, onde esquizo navega como conceito grego: divisão. Divisão como multiplicidade Ética/Estética/Política produtora de saberes e dizeres que escapam das armadilhas dos tirânicos conceitos dogmatizados.
Nada de divisão matemática e nem geométrica. Muito menos divisão como conceito esquizo da psiquiatria ortodoxa, que o estigmatizou como divisão psicótica da percepção e do entendimento manifestada em alucinações corporificadas como quadro clínico delirante no conceito normatizador da psicopatologia escrita no discurso da sociedade despótica capitalística.
Este território esquizófico, você, amigo internauta, está convidado a compor afetos que possam aumentar nossas potências de agir navegando com Fernando Pessoa, para quem “navegar é preciso” e o “necessário é criar”. Também com navegantes-poiéticos como Epicuro, Lucrécio, Spinoza, Maquiavel, Nietzsche, Marx, Bergson, Sartre, Foucault, Deleuze, Guattari, Toni Negri, Michael Hardt, Hannah Arendt, Beauvoir, Bárbara Cassin, Artaud, Van Gogh, Godard, Kafka, D.H. Lawrence, Becket, entre outras.
Aqui podemos compor bons encontros, mesmo quando as afecções pareçam más. Aqui tentaremos soltar o devir-louco. A intensidade criativa sofística tão ameaçante ao idealismo platônico com sua ordem ideal. Aqui, você, seja acessando, ou postando seus dizeres, atua como corpus que tece cartografias de desejos. Afinal, o desejo é uma enunciação coletiva produtora de comunalidade. E este Hiper-Corpo-Virtual pode muito bem servir de instrumento para esta produção.
Cartografemos esquizos saberes, pois!
“NÃO É APENAS DESENVOLVER INFORMAÇÕES,MAS EXPRIMIR POTÊNCIA…
Por que ter medo de perder-se no oceanos das informações? Sempre haverá uma informação que acrescente um valor à vida, um excedente que a impedirá de perder-se. Quando se navega na rede, surge não apenas o eterno paradoxo do infinito possível e da limitação do meio, mas uma outra tensão paradoxal: a de trabalhador explorado e do rebelde, do hacker, do sabotador: aqui há vida, irredutível, há astúcia e autovalorização. Desculpem a retórica filosófica: aqui estão Maquiavel e Marx”.