Archive for Setembro, 2019

DO PAMPA PARA O BRASIL, VITOR RAMIL TRANSFORMA A POESIA DE ANGÉLICA FREITAS EM CANÇÕES

Setembro 30, 2019
MUSICALIDADE
Compositor e intérprete apresenta seu novo trabalho no “Hora do Rango”, ao meio-dia, na FM 98,9 da Rádio Brasil Atual
    
ANA RUTH MIRANDA/CULTURA RS

Influenciado pela poeta Angélica Freitas, amiga e ex-vizinha, Vitor apresenta as novas facetas de sua musicalidade, do blues ao samba

São Paulo – O compositor, intérprete e escritor Vitor Ramil é o convidado do programa Hora do Rango desta segunda-feira (30), ao meio-dia, na Rádio Brasil Atual. Influenciado pela poeta Angélica Freitas, amiga e ex-vizinha, Vitor apresenta as novas facetas de sua musicalidade, do blues ao samba.

A apresentação intitulada como Avenida Angélica, traz uma parceria que não é nada recente. O artista começou a musicar os versos da escritora em 2008, depois de conhecer o primeiro livro dela, Rilke Shake.  No período, os dois eram autores da hoje extinta editora Cosac Naify – ele escreveu o romance Satolep (Pelotas, sua cidade natal, escrita de trás para a frente).

Avenida Angélica mostra a colaboração entre os dois artistas e reedita a experiência de Vitor com o show Borges da Cunha Vargas Ramil, de 2005. Na ocasião o compositor antecipou para o público as milongas que estava criando para os poemas de Jorge Luis Borges e João da Cunha Vargas e que só viria a gravar em 2010, no álbum Délibáb.

“A poesia de Angélica tem um frescor e uma leveza extraordinários. Ela tem um olhar direto, sutil e muito afiado para coisas da vida aparentemente não poetizáveis. Conversando com ela, descobri que ela ouviu muito rádio, que era uma coisa que eu nunca acompanhei muito. Tem até um poema chamado R.C., para o qual intuí uma levada parecida com as canções do Roberto Carlos. Depois, ela me confirmou que era mesmo uma referência a Roberto”, disse, em entrevista ao jornal gaúcho Zero Hora.

Irmão da dupla Kleiton e Kledir, Ramil lançou 11 discos, dois songbooks, três romances e um ensaio, A estética do frio, em que afirma que o Rio Grande do Sul não está à margem de um centro – como costumam ser referidas as regiões brasileiras distantes do eixo Rio-São Paulo –, mas no centro de uma outra história, no caso, no ponto de intersecção entre os países do Prata, Uruguai e Argentina, e o próprio Brasil. Ele ainda tem músicas gravadas por Mercedes Sosa, Milton Nascimento, Jorge Drexler e Ney Matogrosso, e com Caetano Veloso e Fito Paez.


O programa

Hora do Rango, apresentado por Colibri Vitta e premiado pela Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA), recebe ao vivo, de segunda a sexta-feira, ao meio-dia, sempre um convidado diferente com algo de novo, inusitado ou histórico para dizer e cantar. Os melhores momentos da semana são compilados e reapresentados aos sábados e domingos, no mesmo horário.

MARCELO D2: “RIO DE JANEIRO NÃO ESTÁ SOB GUERRA, MAS SOB GENOCÍDIO”

Setembro 29, 2019
RESISTÊNCIA CULTURAL
Rapper critica a banalização da morte diante da justificativa do combate às drogas e fala sobre o papel social do movimento hip-hop
  
WELLINGTON VALADÃO

Marcelo D2 se diz salvo pelo rap. E com seu último álbum ‘Amar é para os Fortes’, buscou plantar o amor ao próximo

São Paulo – As 51 anos, Marcelo Maldonado Peixoto, o Marcelo D2, não abandona a luta. Autodenominado como o “terror dos fascistas”, o rapper carioca se coloca na resistência contra as gestões de Jair Bolsonaro (PSL), Wilson Witzel (PSC) e Marcelo Crivella (PRB), contra retrocessos e em busca de transformações positivas na sociedade.

O número de assassinatos por policiais nos primeiros oito meses de 2019 é o maior de todos os tempos no Rio de Janeiro. Segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) do estado, 1.249 casos foram registrados entre janeiro e agosto, resultando em cinco mortes por dia. Ao se deparar com os dados, Marcelo diz que não há guerra no Rio, mas um genocídio patrocinado pelo governador Wilson Witzel.

“Temos 16 crianças baleadas no Rio de Janeiro, em só oito meses, mas as pessoas dizem que é um fato isolado? Como assim? São 16 crianças baleadas, porra. O Rio de Janeiro não está em guerra, ele está sob o genocídio. São mais de mil pessoas mortas pela polícia, isso não está certo. Ninguém dá valor para a vida. É um governo fascista que tenta exterminar uma população”, criticou ele, ao se indignar com o assassinato da menina Ágatha, na semana passada.

D2 é certeiro: há uma balização da vida negra e periférica, sob o argumento da guerra às drogas e o combate ao crime organizado. Ao longo dos seus 25 anos de carreira, o rapper defendeu em suas letras a legalização da maconha. “Eu falo disso há tanto tempo que é um absurdo continuar explicando”, brinca. A militância no tema resultou em prisão, em 1997, enquanto integrante do grupo de hardcore Planet Hemp. Após um show da banda, o grupo foi detido por “cantar músicas de apologia ao uso da maconha”, segundo a Polícia Civil do Distrito Federal, na época.

“Essa guerra às drogas é mentirosa pra caralho. Quem diz que a guerra é contra as drogas está tentando colocar um pano sobre o fascismo e o racismo”, diz D2. Em 2016, ele esteve com o ex-presidente do Uruguai Pepe Mujica, que legalizou a maconha no país. Para o artista, é possível aplicar essa política no Brasil. “A gente só tem que se preocupar como as grandes corporações vão se aproveitar disso, assim como fazem com o álcool, além da saúde. É sério que precisa de tanto tiro para o cara não fumar um baseado? É uma mentira essa discussão. Quem é contra, não é sincero nesse debate”, acrescenta.

Presente no Twitter, o rapper se coloca como um dos opositores do presidente Jair Bolsonaro. Ao longo dos dias, é possível ver Marcelo D2 debatendo e criticando o mandatário brasileiro e seus apoiadores. Nascido em 1967, período da ditadura civil-militar, ele se assusta com o “fascismo tupiniquim”, mas se diz entristecido com o retrocesso que o país teve.

“A gente conquistou tantas pautas interessantes nos últimos anos, que poderíamos levar ainda mais para frente, mas agora mudou. Estive conversando com o deputado federal Marcelo Freixo (Psol-RJ) e ele chegou lá, na Câmara, mas não pode construir nada, apenas defender as maçãs para não cair. Esse governo só serve para atacar, não para construir. A gente vive um momento triste, onde poderíamos dar passos para frente”, lamentou.

Leia a entrevista na íntegra:

O Planet Hemp é uma das poucas bandas que tomou posicionamento político desde o começo da trajetória. Na última eleição, muita gente do rock fechou com Bolsonaro ou ficou sobre o muro. Como você vê esse conservadorismo dentro do rock?

É inacreditável um cara se propor a fazer rock, na juventude, e se tornar um conservador. É a falta de diálogo e o desrespeito com o próximo. Se ele quer fazer uma família tradicional, é o direito dele, mas respeita o direito de quem não quer. Esse conservadorismo é assustador, porque querem impor isso às pessoas.

A gente passa por um momento assustador. É um momento de imposição, que nem uso a palavra conservadorismo. É um fascismo. Essa ideia do ser superior é coisa do homem branco, hétero, de classe média. Não pode. Já passamos por isso no passado. Agora, você tem que aceitar o outro.

É um momento de pós-verdade que as pessoas negam tudo. Temos 16 crianças baleadas no Rio de Janeiro, em só oito meses, mas as pessoas dizem que é um fato isolado? Como assim? São 16 crianças baleadas. O Rio de Janeiro não está em guerra; está sob o genocídio. São mais de mil pessoas mortas pela polícia, isso não está certo. Ninguém dá valor para a vida. É um governo fascista que tenta exterminar uma população.

O brasileiro banalizou a morte frente a guerra às drogas?

É uma forma de banalizar a vida negra e da periferia. Quando você pega um jovem branco com 500 balas de ecstasy, dizem que ele sofreu desvio de conduta. Agora, um negro com 20 gramas de cocaína é um traficante.

Essa guerra às drogas é mentirosa pra caralho. Quem diz que a guerra é contra as drogas está tentando colocar um pano sobre o fascismo e o racismo.

Você esteve com o Pepe Mujica, em 2016, e viu de perto a legalização no Uruguai. É possível aplicar isso no Brasil?

Claro que é. A gente tem que se preocupar como as grandes corporações vão se aproveitar disso, assim como fazem com o álcool, além da saúde. O governo da Califórnia tirou o pé da lama com a legalização da cannabis. Eu falo disso há tanto tempo que é um absurdo, 25 anos depois, continuar explicando isso. É sério que precisa de tanto tiro para o cara não fumar um baseado? É uma mentira essa discussão, quem é contra não é sincero nesse debate.

Em seu novo disco Amar é para os Fortes, você narra o caos e a violência carioca, assim como faz desde o início do Planet Hemp. Você acha que o Rio de Janeiro retrocedeu, principalmente por ter um governador com uma política de genocídio escancarada?

Eu falo de milícia há 15 anos: “De um lado o bandido, do outro a política. Agora já era, tá na mão da milícia” – rima da música Pode Acreditar. A gente retrocedeu com Crivella e Witzel. O Rio de Janeiro nunca foi bom de política, o carioca vota mal e entra num ciclo vicioso. Você arma uma cidade violenta e faz bravata que vai acabar com aquilo. É o mesmo papo há anos. Falta a população votar em quem realmente representa, não quem diz que vai te defender, porque vai defender nada.

Você nasceu no começo da ditadura e viveu toda a repressão. Hoje vê o Brasil num processo de ruptura democrática, desde o impeachment de Dilma Rousseff, e a implementação de um Estado fascista. A conjuntura atual é mais perigosa?

Assustar não é a palavra, mas me entristece. A gente conquistou tantas pautas interessantes nos últimos anos, que poderíamos levar ainda mais para frente. Mas agora mudou. Estive conversando com o deputado federal Marcelo Freixo (Psol-RJ) e ele chegou lá, na Câmara, mas não pode construir nada, apenas defender as maçãs para não cair. Esse governo só serve para atacar, não para construir. A gente vive um momento triste, onde poderíamos dar passos para frente.

Estamos num país de famílias, algumas controlam a mídia, outras os bancos. Eles só querem manter seus filhos nisso, e o Bolsonaro faz o mesmo. Não fico com medo, pois vamos passar por isso, mas me entristece, já que vamos gerar mais mortes, mais pobreza.

Nesse desespero todo, com a violência e desemprego, vieram muitos políticos oportunistas com o discurso de “acabar com os marginais”, mas esses marginais somos nós, na visão deles. Eles miram em nós, querendo que rezemos para o deus deles. O povo precisa de consciência de classe, não podemos defender mais os interesses do patrão, temos que defender o nosso. Uma reforma dessa da Previdência, ou as outras reformas, só passam porque não colocamos os nossos representantes como maioria.

Sobre a sua carreira: Depois de 25 anos de música, ter revolucionado com o Planet Hemp, prêmios conquistados e diversos álbuns lançados, como o Marcelo D2 observa a própria trajetória? Tem algo que mudaria?

O rap me salvou. Eu estava no começo dos 20 anos, tinha acabado de ter meu filho, Sain. Como moleque, sentia a falta de algo relevante para escrever. Nesses 25 anos, com 10 álbuns e uma porrada de prêmio, acho que escrevi a minha história, fiz bastante coisa relevante no mundo.

Se eu mudaria algo, acho que não. Tudo que fiz, as brigas, fizeram parte do que sou eu hoje. Se eu faria, hoje? Não, mas aos 20 anos, era normal fazer, com o desejo de mudança. Eu contribuí para o rap nacional e a música brasileira.

Qual foi a responsabilidade de fazer um álbum de releitura do Bezerra da Silva, em meio a tudo isso?

Ter gravado com o Bezerra foi uma tensão. O meu tom é parecido com o do Bezerra, então foi fácil refazer as músicas dele. Ele foi um pai para mim. Quando meu pai morreu, em 1998, após eu lançar meu primeiro disco solo, Eu Tiro É Onda, ele colocou a mão no meu ombro e disse: “Seu pai morreu, mas estou aqui”.

Ele foi o cara que me introduziu no samba, mas tínhamos uma relação paternal. Bezerra da Silva foi uma das maiores importâncias para mim.

Em Amar é para os Fortes, você aborda a resistência cultural e tem participação do Gilberto Gil, um dos maiores expoentes da liberdade artística. Como a arte resiste, em meio ao conservadorismo e à censura?

A música brasileira se divide em duas partes: a arte e o entretenimento. O entretenimento é a fórmula de que música precisa ficar em mutação a cada 30 segundos, que serve como um comercial. Isso se aplica ao rap. Você pode vender milhões de discos, tocar em lugar pop, mas se perder sua essência, principalmente num movimento como o rap se propõe, sendo representativo. Entretanto, com o movimento fascista tupiniquim que vivemos, essa tendência diminuiu. Temos artistas no topo da cadeia alimentar do rap brasileiro representando bem, com Djonga, Bk’, Baco Exu do Blues e Rincon Sapiência.

A gente passou por vários movimentos no mundo, como rock, o punk, o movimento hippie, que seguraram a onda. Temos um momento de extrema direita no mundo, que passa momentaneamente no Brasil, e hoje o rap é o único estilo musical que pode representar o outro lado da corda.

Eu, com 25 anos de carreira, poderia deixar de lado e não ficar falando do governo. Porém, é um dever moral que temos, como o Paulo Coelho disse, recentemente. Do jeito que esse governo age com LGBTs, com as mulheres e negros, ainda o Witzel matando gente.

O rap sempre foi muito machista e homofóbico e, hoje, é um momento que está levando um tapa na cara e percebendo que é preciso tratar as minas direito, acabar com a homofobia.

MAÍRA VASCONCELOS: “XISTE A MILITÂNCIA ARTÍSTICA, AINDA QUE HOJE SE SINTA A FALTA DISSO”, DIZ LUÍS MARTÍNEZ SALAS

Setembro 27, 2019

por Maíra Vasconcelos

de Buenos Aires

Terminaria a entrevista com o artista desenhista e pintor chileno Luis Martínez Salas, sem ter entendido como ele chega às temáticas com as quais trabalha e compõe seus quadros. Temas como o ato de refugiar-se, mundo interno-externo, fé, construção-destruição, solidão, bruxaria-misticismo, a natureza do desenho, e tem até “o homem imaginário” do poeta chileno Nicanor Parra. Pinturas feitas apenas a óleo, mas os desenhos levam de tudo, tinta, carvão, acrílico, pastel. Ele é de Valparaíso, Chile, e mora há 15 anos, em Buenos Aires.

Sobre o tempo de trabalho, Martínez não mede, não sabe dizer, entra em seu atelier sem saber a que horas irá deixar para logo retomar. Tentar ver a obra de Luis Martínez, que particularmente chamo de Beto, é como lutar com os olhos para descobrir fragmentos, mil fragmentos soltos que contam sobre “micromundos”, disse. Brinquei com ele, certa vez, essa obra tem 1.250 fragmentos. Beto confirma a ideia da fragmentação, mas diz não poder falar sobre todos os fragmentos de suas obras. Fez questão de frisar a diferença entre desenho e escritura: “palavra é outra coisa”. Como quem diz não ter controle a ponto de saber precisar todas as representações de suas obras. 

Leitor de poesia, Martínez localiza o Chile como “melancólico poético”, algo disso que alimenta seu trabalho, como ter vivido 17 anos de ditadura pinochetista. Os terremotos também influenciam sua criação, os amigos, as vivências familiares, os jardins de sua mãe, o bairro e Valparaíso. Essa miscelânea quase íntima (e Beto adora uma mistura) é o que talvez mais se aproxima àquilo que contribui para a feitura de suas obras. No entanto, Beto acredita que “somos como uma espécie de esponja que vai recolhendo coisas sem se dar conta”. 

Como você trabalha? Quantas horas por dia?

Não sou muito sistemático para trabalhar e acho que isso se pode ver nas telas. Não sou de horários fixos, nem disciplinado, nesse sentido. Quando entro, custo a sair, e pode ser qualquer horário. Há uma necessidade de trabalhar, mas não uma condição marcada por horários. 

Trabalho bastante no meu atelier, bem encerrado e contra a parede. Ou seja, trabalho não como em bastidores, trabalho sobre a tela, sobre madeira, em bases rígidas. Como que ataco a obra, não a acaricio. E ataco com diferentes materiais. Em pintura somente óleo, mas em desenho é onde faço muita mistura e trabalho com pintura, com tinta, látex, marcadores, acrílico, pastel, carvão, de tudo um pouco. 

O que significa atacar a tela?

A tela faz assim, tem um movimento, então eu trabalho sobre a parede. Não se movimenta, e não sei se é tão importante dar destaque a isso. Para mim, sim, é importante, mas é uma loucura minha, nada mais. Não há vai e vem, não há movimento. 

E quando você diz que ao entrar em um trabalho é difícil de sair…

Me concentro e vou por um tubo, como se diz. Pode ser dez horas da manhã ou às duas da madrugada. 

E quanto tempo você fica com uma obra?

É que o tempo para mim não é uma coisa importante. Porque me coloco a trabalhar, depois paro para almoçar, depois sigo mais dez minutos, depois retomo à noite mais três horas. E depois deixo por três dias, porque pego outra coisa, desenhos pequenitos. Não há uma coisa tão… Por isso, digo que não sou sistemático. Não consegui ser sistemático. Porque me fazia lembrar esses trabalhos de escritório, trabalho de desenhador. Brigo sempre com isso de ser profissional, não consigo ser profissional e não quero ser profissional. Digo como eu entendo profissional, nesse sentido de horário de escritório, de trabalhar de oito da manhã às cinco da tarde, e depois esquecer o trabalho. Eu não posso esquecer. Jogo futebol e há uma coisa, sempre está o artístico, no terceiro tempo (risos), conversas, o que for. Para mim é tudo. Em tudo está o artístico, em toda observação, no contato com afora. Não é só estar no meu atelier, cumprir com um horário e conseguir um resultado. Não é isso. 

Você quer dizer de ter um ofício…

Sim, gosto mais de ofício, porque o ofício está próximo ao artesão, a isso que tem a ver com um contato com o que está fazendo, mais do que pensar em um resultado e o que irá vir de volta. Tento fazer com que isso não aconteça. Às vezes, acontece, quando você trabalha com uma galeria ou trabalha para sobreviver, e aí entra alguma coisa disso, tenho que terminar isso em tanto tempo. Mas sempre me perguntam, quanto tempo você demora para fazer isso?  E eu não sei. Às vezes, respondo assim, dois meses. Mas, na verdade, é que não…

Como você vê o artista na atualidade? 

A arte engloba muitas áreas, poderíamos dizer assim. Quando você vai em um lugar como a Ex-Esma (antiga Escola de Mecânica das Forças Armadas, na ditadura argentina funcionou como centro de detenção, tortura e extermínio, hoje transformado em museu), onde há mostras de arte que apelam à memória, à questões sociais, à diversidade sexual, a arte aí tem uma forma de dizer aos outros, de participar, de interpelar ao outro e a si mesma, de comprometer-se. E está o outro que é a fama, o artista que vendeu tantos milhões, personagens que… eu não vou por aí, não vou pelo lado do mercado, ainda que precisemos viver do próprio ofício. Então, tampouco fico sabendo muito disso. Estou mais no micro, estou com amigos, dou aula. Vou a exposições, sim, mas tampouco me interessa participar de um circuito ou de estar tão ligado em tudo o que está acontecendo no mundo da arte. Não, apenas vejo alguma coisa. Vejo museu, galeria, sim, mas não me informo tanto (risos).

Quando se refere ao micro…

Da vida, é a vida cotidiana.

Nunca a macropolítica? já participou como militante, por exemplo?

Não, não tenho história de militante, não venho de uma família de militantes, tenho uma família do micro, do cotidiano, dos amigos, do bairro, tenho uma família que me criou e me criei em um lugar assim. E gosto disso, é um lugar do qual posso cuidar, tenho acesso, posso ser responsável e do qual desfruto. O outro me escapa e me parece que não… tampouco tenho necessidade de ir até isso, ao que é mais grandiloquente. 

Portinari dizia que toda arte é política. O que pensa disso?

Partindo de que todo ato é político, então claro que a arte tem uma implicância e uma importância social, e até para si mesmo também. Saber e ter consciência de que isso é assim. Existe a militância artística, ainda que hoje se sinta a falta disso, sem necessidade de participar de um grupo. Mas está em falta, porque estaria bom, gosto da ideia do coletivo, mas a mim tem sido difícil encontrá-lo em uma época de muito individualismo. Com isso estou de acordo. Não estou de acordo, talvez, com a arte comprometida desde o dizer de um partido político. Acredito no artista que com sua própria voz pode dizer desde o seu próprio lugar, mas que seu lugar também não é tão próprio, não é sozinho, não é tão indivíduo, porque somos como uma espécie de esponja que vai recolhendo coisas sem se se dar conta. 

As problemáticas sempre afetam e comovem. E não que se decida fazê-lo, ao menos em meu caso, não decido vou trabalhar sobre esse tema. Não me resulta pensar os temas exatos, vou trabalhar sobre os imigrantes, mas trabalho, aparece. É como uma espécie de viagem interior e logo aparece da forma como eu desenho e pinto. Ainda não estabeleço temáticas assim, bom, meu projeto é. Quando digo isso, meu projeto é, isso já me esfria, me cataloga.

Mas espera, agora você caiu em uma pergunta que já iria te fazer sobre as temáticas. Vi seu trabalho separado por temáticas e me perguntava como você chegou a isso? Foi um processo de desenvolvimento artístico do seu trabalho, essa separação temática tão precisa?

Acredito que cheguei justamente por aquilo que te comentava antes, aquele círculo próximo, cotidiano, do micro. Viver em uma família de classe média baixa, viver os 17 anos de ditadura, ser o menor de sete filhos, ver todas as dificuldades econômicas, ver todas as dificuldades econômicas da família, do bairro, de uma cidade como Valparaíso, viver terremotos (risos), o geográfico de Valparaíso, o geográfico do Chile, o climático do Chile, o melancólico poético do Chile, a viagem à Argentina, encontrar com tudo o que acontece aqui (em Buenos Aires), que é bastante agitado, acho que tudo isso. E as histórias dos amigos, as pessoas que conhecemos. 

Então, a gente vai em uma espécie de carro rodeado de… que é uma forma, rodeado de outra forma, e isso vai afetando e você vai conformando e habitando esse espaço. Mas não é uma coisa de decidir, vou trabalhar esse tema em particular. É algo que está, que é em si, ou parte de si mesmo. 

Quero falar de uma tela especificamente, El refugio. Vi um fragmento do seu quadro Fé, lá em cima, bem pequenininho. E te pergunto se esses fragmentos realmente estão? Há um fragmento de fé em todo refúgio? O artista se refugia e nesse refúgio há fé, e a partir disso cria sua própria arte? Essa fé que necessitamos para continuar a criar…

É tal qual como você disse, você respondeu (risos). Esse fragmento de Fé está no Refúgio e a gente se refugia em nós mesmos, no ofício, nos amigos, continuamos falando da mesma coisa, hein? No micro, no interno, no cotidiano, isso é um refúgio. E a forma é como uma trincheira, meio ventre, essa concavidade. E o outro desenho que é convexo, que é mais uma espécie de cápsula, de situação de proteção do lado de fora, do externo, de um isolamento, mas de um isolamento que…que ao mesmo tempo joga com o fragmentário. Há coisas que não as tenho muito claras, porque são desenhos, palavra é outra coisa. Então, às vezes acho, me aproximo, posso interpretar às vezes algo disso que você diz dos fragmentos, que me pareceu que está muito bom. Sim, acontece isso dos fragmentos, porque trabalho com esse tema que tem várias arestas, ramificações. Mas, mais ou menos, há um tema central que é o ser humano no mundo. Em que mundo? E aí está a coisa. Em um mundo atacado, em mundo fragmentado, quebrado, em um mundo que nós construímos e destruímos, um mundo que já estava e viemos a destruir, mas não destruímos tudo, quebramos e voltamos a restaurar para voltar a fragmentar, então mudam os fragmentos, mudam de lugar, de posição, então depois se arma algo concreto e dentro desse concreto, se você se aproximar e fixar, há pequenos micromundos, e esses pequenos micromundos, se você se afastar e voltar a olhar, já não verá o mesmo que viu há um segundo. 

E aí intervém a dinâmica do tempo, o tempo do fazer, que eu não sei, e o tempo também de olhar, de mirar o trabalho como quem contempla uma paisagem. E aí caímos em outra coisa, que é pensar que, aquele que se detém a olhar um quadro, gosto da sensação de que se senta a olhar uma paisagem, um horizonte, uma árvore, a natureza. E aí vem a outra coisa. O tema da natureza, como a natureza do desenho quer se aproximar à natureza, digamos, do mundo, à natureza do que chamamos Deus. Deus como natureza, digo, não como a figura paternal da igreja, não! O Deus natureza, a terra.  

E você entra muito na terra, não? Me dá essa impressão.

Sim, sim, sim. Várias coisas de escavar.

Porque os personagens se afundam…

Sim, há uma imagem de inundação, há uma imagem de estar com a água até o pescoço (risos). Há uma imagem em que dela nasceu isso da sensação… durante a feitura, que está o suporte, o plano ou a tela, e eu não tenho uma ideia pré-concebida, então o que faço é agitar a água e metendo assim a mão, como buscando algo embaixo, no fundo, para fazer emergir. Há coisas submergidas, submergidas em uma memória primitiva, no inconsciente. Então você vai com o intuitivo a buscar isso, colocando a mão aí. Imagine que a tela não fosse algo sólido, então o que faço é agitar isso com os materiais que tenho e então aparece uma imagem que está na memória, que está no suporte, ou aparece no rito do fazer artístico.

Ao ver o desenho “Pequeno Jardim”, e jardins são retratados nas diversas artes, historicamente, fiquei um bom tempo observando sem poder extrair mais do que nada e um vazio no que diz respeito a tentar encontrar um jardim, de algum modo, de que remetesse a plantas, e não há. Que jardim é esse?

Não apela tanto a história do jardim na arte e seu misticismo e religiões. Tem mais a ver com questões íntimas, próprias de minha experiência, que foi uma mostra que fiz, em 2013 ou 2014, que se chamava “Punta de Jardín”. E esse jardim eu conectei com o jardim da minha mãe, que tem a ver, sim, com questões religiosas e místicas, mas da ordem do caótico, do bosque, da selva. Minha mãe tinha um jardim bem selvagem, caótico, não era de forma alguma cuidado e ordenado, estava sempre cheio de bichos e de coisas. E quando criança, brincava muito nesses jardins que se transformavam um pouco em bosque… Tem mais a ver com descobrir formas, bichos e coisas aí de outra dimensão, que geralmente não se vê. E o místico pode estar nessa relação com a natureza, com a natureza que se vê e que não se vê, mas não com a natureza de um jardim adornado, o jardim decorativo, lindo, não, não. Tem a ver com essa outra beleza… inclusive, mais orientais ou mesmo com os índios mapuches, que falam que nos bosque, por exemplo, há um caos na natureza que é de outra ordem, que não é essa ordem que tem prevalecido no ocidente. Tem a ver com a espacialidade e o encontro de formas, de jogo de formas, de linguagem. Poderia ser uma metáfora de jardim ou algo assim, acho. 

Para terminar, como você se relaciona com a sua imaginação?

(muitos risos, dos dois) É um trabalho, ¡qué sé yo! Me relaciono, para bem, para mal, me relaciono. A imaginação está sempre, no ônibus, no dia a dia. Às vezes, descanso. Por isso, às vezes, você está muito cansado e pensa, mas nem fiz tanta coisa, física, digo. Mas estamos o tempo todo aí (e fez um gesto de mover a cabeça), para bem ou para mal, e muito para mal. Por isso, é necessário ir aí para descarregar. Se durante quatro dias não faço (trabalho), começo a me sentir mal, parece um exagero, mas começo a me sentir mal corporalmente, fisicamente, começo a enroscar em mim mesmo. Então, necessito “pá”, sair, assim entra oxigênio, começo a imaginar outras coisas, ¡qué sé yo!

 

*

LUIS MARTÍNEZ– Mostra “Mundos Integrados”
GALERIA MAGNA ARTE ARGENTINO
segunda a sexta-feira, 12h às 20h

Libertad, 1033, Buenos Aires, Argentina
Até 31 de outubro, 2019

MÚSICA E POESIA DE JEAN GARFUNKEL NO BAR DO ALEMÃO

Setembro 27, 2019

Música e poesia de Jean Garfunkel no Bar do Alemão

Artista apresenta Poemania Crônica Show, com participação especial do flautista e bandolinista Pratinha Saraiva, neste domingo

Foto: Sérgio Caddah

Jornal GGN – Um espetacular de cultura, arte e bom humor ocupa o Bar do Alemão, em São Paulo, neste 29 de setembro. O cantor e poeta Jean Garfunkel apresenta Poemania Crônica Show,  com participação especial do flautista e bandolinista Pratinha Saraiva, a partir das 19h30. 

Por meio da música e do lirismo, com pitada de comédia, Jean Garfunkel aborda as questões cotidianas, diante do Brasil atual. Como uma mescla de arte, seus poemas e crônicas rimadas, lançados em  seu novo livro “Poemania Crônica”, ganham ritmo por meio do cancioneiro popular brasileiro. 

No repertório estão suas canções já gravadas por grandes intérpretes. Entre elas “Calcanhar de Aquiles” (Elis Regina), “Gato Gaiato” (Zizi Possi), “Não Vale a Pena” (Maria Rita), “Cruzeiro do Sul” (Renato Braz) e “Mazzaropi” (Pena Branca e Xavantinho). Composições de Jean Garfunkel e lançadas no seu último álbum, “13 Pares e um Fado Solitário”, também fazem parte do show.

Jean Garfunkel tem quatro CDs lançados em dupla com seu irmão Paulo Garfunkel. Como letrista,  é parceiro de Léa Freire, Sizão Machado, Mozart Terra, Moacyr Santos, Júlio Medáglia e Yamandú Costa. Ao lado da filha, a cantora Joana Garfunkel, criou o grupo litero-musical Canto Livro.

É este multiartista que chega no Bar do Alemão, zona oeste de São Paulo, neste domingo. O espaço, símbolo de reverência e resistência ao samba tradicional e à música brasileira, foi inaugurado há 51 anos e tem o comando do violonista e compositor Eduardo Gudin.

Foto: Sérgio Caddah
Serviço

Poemania Crônica Show, de Jean Garfunkel

Local: Bar do Alemão

Leia também:  Palhaços Sem Fronteiras Brasil ocupa Sesc Parque Dom Pedro II, em São Paulo

Endereço: Av. Antártica, 554 – Água Branca, São Saulo/SP.

Quando: 29 de setembro. Domingo, às 19h30

Couvert artístico: R$ 30,00

Duração: 1h30. *Não recomendado para menores de 18 anos.

Reservas pelo Whatsapp: (11) 93242-6545

Abertura da casa: 18h. Capacidade: 46 lugares

Mais informações: (11) 3862-5975

O LAMENTO (CONTIDO) DE PAULO CÉSAR PINHEIRO

Setembro 26, 2019

O QUE TU INDICA?

Disco lançado em 2003, “O Lamento do Samba” retrata emoções humanas atingindo lembranças e causando sentimentos

Gustavo Couto*

Brasil de Fato | Natal (RN)

Setembro de 2019.

Paulo César Francisco Pinheiro é um compositor e poeta brasileiro - Créditos: Divulgação
Paulo César Francisco Pinheiro é um compositor e poeta brasileiro / Divulgação

O ano de 2003 no que diz respeito à música foi recheado de grandes lançamentos. Era raro um “jovem” dessa época que às 18 horas não se sentasse à frente da TV para acompanhar a lista dos clipes mais votados no Disk MTV, os quais, no ano em questão, foi dominado por músicas como “Seven Nation Army”, do White Stripes, “Numb”, do Linkin Park, “Like a Stone”, do Audioslave, entre outros. No cenário brasileiro a cantora Pitty lançava seu meteórico trabalho de estreia, “Admirável Chip Novo”, chegando a vender quase 1 milhão de cópias. O ator Dado Dolabella também estreava na música com seu trabalho “Dado para Você”, porém a maior relevância conseguida pelo álbum foi a emblemática “discussão” com o apresentador João Gordo.

Muito longe de todo esse fervoroso cenário, o compositor Paulo César Pinheiro lançava seu trabalho intitulado “O Lamento do Samba”. O lamento de Paulo Cesár, porém, foi praticamente um sussurro quase inaudível, e passa despercebido por muitos até hoje, de modo que em tempos de Spotify e Deezer o álbum não está presente em nenhuma dessas plataformas, podendo ser encontrado apenas no Youtube. Com exceção de “Nomes de Favela”, a qual é entoada em qualquer roda de samba que se preze e foi regravada por vários outros artistas, as outras faixas do álbum não chegaram a cair no gosto do grande público.

Sem muita pressa, em 50 minutos Paulo César Pinheiro nos apresenta suas saudades e amores em todas as suas nuances, chegando a flertar de maneira (singela) em alguns momentos com a mágoa, o rancor, o ressentimento, a amargura… Tudo isso embalado pela voz rouca e serena do compositor. Em “O Lamento do Samba” as emoções humanas são retratadas sem grandes rimas ou frases de efeitos, pode-se dizer que até de maneira “clichê” em algumas ocasiões, mas que atinge nossas lembranças mais profundas e causam um enorme sentimento de identificação com o que está sendo cantado.

Por fim os instrumentos são muito bem utilizados em todo o álbum, com bons arranjos de bandolim, flauta transversal e trombone. “O Lamento do Samba”, pode-se dizer, trata-se de um dos maiores álbuns de samba de todos os tempos, ainda sem o devido reconhecimento, infelizmente.

*Gustavo Couto é historiador e sambista.

Edição: Isadora Morena

CARLOS MOTTA: PIRACICABA FAZ A FESTA DO JAZZ CIGANO

Setembro 26, 2019

 Carlos Motta

Piracicaba faz a festa do jazz cigano, por Carlos Motta

Um show do Hot Club de Piracicaba, com os convidados Marcos Moraes, Eduardo Belloni, Julia Simões e Sandro Haick, abre nesta quinta-feira, 26 de setembro, às 20 horas, no Teatro Erotides de Campos, o 7º Festival de Jazz Manouche de Piracicaba, que já se converteu no evento mais importante no Brasil para a difusão do gênero. Nesta edição, o festival recebe artistas do México, Portugal e Inglaterra, mantendo a tradição de promover um intercâmbio entre músicos que tocam o jazz cigano em diferentes países.

O festival foi idealizado pelo juiz de direito José Fernando Seifarth de Freitas, também guitarrista manouche, um dos fundadores do Hot Club de Piracicaba, em 2008. José Fernando tem vários discos gravados e além de se envolver diretamente na produção do festival, mantém uma atividade artística constante.

Como nos anos anteriores, o festival terá vários palcos: além do Teatro do Engenho, o Sesc de Piracicaba, as casas Jazz B e Jazz nos Fundos, em São Paulo, e o Boulevard de Águas de São Pedro. A programação, que se estende até 13 de outubro, é a seguinte:

26/9, às 20 horas – Hot Club de Piracicaba, Teatro do Engenho

O Hot Club de Piracicaba foi fundado em 2008 por José Fernando Seifarth de Freitas Alcides Lima (Cidão) e Marcos Mônaco, respectivamente baterista e clarinetista da banda paulistana Traditional Jazz Band Brasil. É o grupo anfitrião do 7º Festival Internacional de Jazz Manouche de Piracicaba e encabeçou o movimento do jazz cigano brasileiro.

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Em 2008 a banda gravou seu primeiro CD, “Jazz a La Django”, inspirado na obra do guitarrista Django Reinhardt. Seu novo trabalho, “Amigos”, foi lançado em 2019, quando o grupo celebrou seus 10 anos de existência, com participação de músicos nacionais (Bina Coquet, Florian Cristea, Seo Manouche) e internacionais (Howard Alden, Richard Smith, Robin Nolan e Paul Mehling).

Seus integrantes são André Grella (piano), Eliezer Silva (trompete), Fernando Seifarth (violão/guitarra), Frank Edson (tuba), Giliadi Richter (washboard), Wagner Silva (bateria) e Eloy Porto Neto (trombone e vocal).

3/10, às 19h30 – Manouchka e Smoke Rings, Teatro do Sesc

A banda Smoke Rings é de Guadalajara, no México, e lotou os teatros de música em todo o país, por causa de sua mistura de jazz e swing gypsy. Em 2015 lançou o primeiro álbum e fez uma turnê na Argentina, onde representou o México no 13º Festival Internacional Django Reinhardt. Em 2016 e 2017 viajou para a Colômbia.

O Trio Manouchka é a banda mais prestigiada a tocar a música de Django Reinhardt em Portugal e a única com reconhecimento internacional. Desde 2014 o guitarrista Nuno Marinho se dedica a promover o gênero em Portugal e a atuar com músicos de jazz cigano em Nova York, Paris, Londres, Amsterdã e na Índia. Para este festival, o Trio Manouchka virá ao Brasil como duo (Nuno Marinho como guitarrista e Marian Yanchyk como violinista) e se apresentará com o acordeonista Marcelo Cigano, o baixista Nando Vicêncio e o violonista Vinicius Araújo.

4/10, às 20h – Robin Nolan, no Teatro do Sesc

O músico inglês Robin Nolan (foto) nasceu em 1968 enquanto seus pais se apresentavam para as tropas americanas em guerra. Em sua infância em Hong Kong, seu aprendizado musical passou pelo rock, blues e jazz até chegar ao estilo ao qual apaixonadamente tem dedicado sua vida: a música cigana. Com mais de 2 milhões de acessos em seu canal no YouTube, o Gypsy Jazz Secrets, Robin Nolan é uma das maiores autoridades mundiais em tudo o que é jazz manouche. Seu trio já tocou diversas vezes no Festival Django Reinhardt em Samois, França, e já viajou pelo mundo fazendo shows em muitos dos mais prestigiados locais e festivais do mundo do jazz. Participa pela terceira vez do Festival de Jazz Manouche de Piracicaba.

Nolan está homenageando George Harrison em um novo álbum, com uma coleção de músicas do ex-Beatle tocadas de maneira única. Harrison era fã e amigo de Robin.

5/10, às 16h – Hot Club de Piracicaba, Marcos Moraes, Bina Coquet e Sebastian Abuter; Manouchka; Smoke Rings; Robin Nolan; e Florian Cristea, no palco externo Teatro do Engenho

8/10, às 20h – Manouchka e Smoke Rings, no Jazz dos Fundos (SP)

9/10, às 20h – Florian Cristea Quarteto, com participação Robin Nolan, no Teatro do Sesc

O violinista romeno Florian Cristea teve seus primeiros estudos musicais com seu pai, Gica Cristea. Frequentou uma escola de música até 1983, quando entrou no Conservatório de Bucareste e começou a ganhar competições. Em 1985 se tornou aluno de Ion Voicu e a partir de 1990 participou de várias orquestras romenas e excursionou pela Alemanha, Suíça, França, Estados Unidos, Finlândia e Turquia. Mora no Brasil há 21 anos, desde que foi convidado pelo maestro brasileiro Claudio Cruz para tocar na Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo. Apesar de ter formação acadêmica, Florian toca jazz há anos. Neste festival ele estará acompanhado dos músicos Bina Coquet (violão) e Danilo Viana (baixo).

10/10, às 20h – Sebastian Abuter trio e Robin Nolan, no Jazz dos Fundos (SP)

11/10, às 20h – Gypsy Jazz Club, no Teatro do Sesc

O Gypsy Jazz Club é um grupo formado pelos músicos brasilienses Victor Angeleas (violão tenor e bandolim de 10 cordas), Pedro Vasconcellos (cavaquinho), Igor Diniz (contrabaixo acústico) e Eduardo Souza (violão manouche). Mescla o jazz cigano com a música brasileira, de onde vêm as influências e a vivência musical dos integrantes. O grupo surgiu em 2013 e, no ano passado, lançou um disco com o violinista americano Ted Falcon.

12/10, às 17h – Hot Club de Piracicaba, Robin Nolan e Gypsy Jazz Club, em Águas de São Pedro

13/10, das 14h às 16h – Tributo a Django e Grappelli, com Florian Cristea e All Stars Jam (participaçãos de integrantes do Smoke Rings e Manouchka) no Jazz B (SP)

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CULTURA NOS TEMPOS DE CÓLERA
Foto em que Fernanda Montenegro representa uma bruxa, com livros prestes a serem queimados, como na Inquisição, desperta furor de dramaturgo, que ofende principal atriz brasileira e diz estar em “guerra irrevogável” com a classe artística
    
REPRODUÇÃO

A capa da revista e a imagem que despertou a ira do diretor bolsonarista, para quem há três décadas os artistas tentam ‘adoecer’ a população com obras demoníacas

São Paulo – Nascido em 1973 e com décadas de atuação profissional, como dramaturgo e diretor, Roberto Alvim não pode ser chamado de neófito do teatro. Já recebeu indicações e ganhou prêmios. Mas certamente jamais atingiu tanta projeção como agora, ao atacar a atriz Fernanda Montenegro, que em outubro completará 90 anos, por causa da revista literária Quatro Cinco Um. A edição de outubro trará – para os assinantes – uma fotografia em que Fernandona, como é chamada pelos colegas, aparece amarrada como se fosse uma condenada pela Inquisição (século 12 d.C.), com livros jogados aos seus pés, alegoria de tempos de obscurantismo e apologia da censura.

Pois aos olhos de Alvim – que se apresenta no Facebook como “dramaturgo, professor de artes cênicas e diretor de teatro/cristão, nacionalista e conservador” –, Quatro Cinco Um é revista “esquerdista”, Fernanda Montenegro, por quem ele diz sentir desprezo, é “sórdida” e “mentirosa”. E não há diálogo com a classe artística, com a qual ele diz travar “uma guerra irrevogável”.

Alvim é diretor do Centro de Artes Cênicas (Ceacen) da Fundação Nacional de Artes (Funarte). A “classe artística” reagiu às ofensas do diretor, que se refere aos artistas como “corja”, que estaria “deturpando os valores mais nobres de nossa civilização, propagando suas nefastas agendas progressistas, denegrindo nossa sagrada herança judaico-cristã”. Ele prega “renovação” da classe teatral e “renascimento” da arte no teatro, contra quem “tentou, com suas obras demoníacas, adoecer a população brasileira nos últimos 30 anos”. Cita o lema Ad Majorem Dei Gloriam, “para glória maior de Deus”, da Companhia de Jesus, da ordem dos jesuítas.

O diretor da Funarte, bolsonarista e seguidor do astrólogo Olavo de Carvalho, ataca uma capa inexistente, já que a imagem citada não abre a revista. Irá para assinantes, inclusive para quem fizer a assinatura até o Dia das Bruxas. Ele cita uma “entrevista” da atriz, que não falou com Quatro Cinco Um. A entrevista a que se refere é possivelmente a concedida na semana passada ao jornal O Estado de S.Paulo, em que ela afirma: “Estamos virando um país conduzido por uma visão religiosa”. Segundo ela, há uma “mentalidade” de censura moral. “E a cultura tornou-se o primeiro item a ser revisto e, se possível, exterminado”. A publicação de outubro traz textos de Gregorio Duvivier, Mariana Maltoni e Sérgio Augusto sobre Fernanda Montenegro.

O jornalista e escritor Sérgio Augusto, por exemplo, fez o artigo “A menina que roubava a cena”, comentando a trajetória e a autobiografia que a atriz está lançando (Prólogo, Ato e Epílogo), com a colaboração da Marta Góes, pela Companhia das Letras. “Há décadas nossa maior e mais consagrada atriz, Fernanda Montenegro chega aos noventa como a única unanimidade nacional poupada pela polarização política dos últimos três anos, sem, contudo, a sensação de dever cumprido”, diz Sérgio no início do texto. “Simples: ela nunca encarou como dever o que fez e continua fazendo, com a paixão de sempre e um vigor que o peso da idade em nada afetou”, acrescenta. Ao jornal O Globo, também na semana passada, ela declarou que não pensa em parar: “Não sei como é a vida sem trabalho, me daria uma sensação de desgaste físico, psíquico. Não sei como é ficar parada. Nem quero”.

No livro, há passagens críticas sobre a cultura nos tempos de Fernando Collor, por exemplo. A uma pergunta sobre os dias de hoje, ela diz à Folha de S. Paulo: “Agora é pior. Antes era só político, agora é também moral, por razões de comportamento. ‘Teatro é o espaço do demônio!’ É isso”.

Se Alvim não pode ser considerado um desconhecido no meio, Fernanda Montenegro há tempos ganhou a alcunha de primeira-dama da arte, a qual se dedica há sete décadas, e é conhecida inclusive internacionalmente. Além de premiações diversas, como o Emmy, encenou peças como A MoratóriaO Beijo no Asfalto Fedra, trabalhou em filmes como A FalecidaEles Não Usam Black-tie Central do Brasil (por sua atuação, foi a primeira atriz brasileira indicada ao Oscar, em 1999) e em novelas como Guerra dos Sexos.

A “classe artística” contra a qual o diretor da Funarte guerreia se posicionou em defesa de uma de suas principais representantes. Pelo menos um ato já está programado, na noite de hoje, em Belo Horizonte.