Madonna e Criança (1320-1330), GIOTTO
Madonne, Washington, National Gallery of Art.
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Van Gogh comenta nesta carta a influência dos velhos mestres em sua obra e concepções:
” Tentei colocar alguma coisa disto (do colorido de Avignon) num dos jardins pintados em plena pasta, amarelo-limão e verde limão.
Giotto foi quem mais me tocou, sempre sofrendo e sempre cheio de bondade e de ardor, como se já vivesse num outro mundo. Giotto aliás é extraordinário, e o aprecio mais que os poetas…
Smpre me parece que a poesia é mais terrível que a pintura, embora a pintura seja mais baça e afinal mais chata. E o pintor, afinal, não diz nada, ele se cala e eu prefiro isto.”
Giotto di Bondone é um dos mais importantes pintores italianos e principal responsável pela quebra da arte do estilo Bizantino do começo das Idades Médias. Ele foi principalmente ligado a Florença, embora ele tenha sido treinado em Roma. Ele também trabalhou em Avignon, Padua e Nápoles (1328-32).
Durante um certo período na arte italiana, um gênio que quebrou o sortilégio do conservadorismo bizantino pôde aventurar-se em um novo mundo e traduzir para a pintura as figuras realistas da escultura gótica. A arte italiana encontrou esse gênio no pintor florentino Giotto di Bondone.Suas poucas pinturas de paineis de autoria indiscutível incluem ‘Ognissanti Madonna’ (Florença, Uffizi).
Concentração e gravidade são a marca característica do estilo de Giotto, e suas silhuetas, notaveis por seus caráter expressivo e peso tri-dimensional, habitam espaços arquiteturais convicentes.O papel que ele teve como pioneiro de uma nova fase na pintura italiana foii reconhecido por Dante seu contemporâneo e amigo que o menciona na Divina Comédia, e depois sublinhado por Vasari.
Os principais afrescos sobreviventes de Giotto são os da Capéla Arena em Pauda que provavelmente data de antes de 1305; e os afrescos nas Capelas Bardi e Peruzzi em Santa Croce, Florença, probavelmente feitos antes de 1328.
Os italianos estavam convencidos de que uma época nova da arte fora inaugurada com o aparecimento deste grande pintor. Entretanto devemos considerar que seus métodos devem muito aos mestres bizantinos, e seus propósitos e concepções aos grandes escultores da catedrais do Norte.
As mais famosas obras de Giotto são os murais ou afrescos (assim chamados por que tinham que ser pintados na parede enquanto o emboço ainda estava fresco, isto é úmido). Entre 1302 e 1305, ele cobriu com histórias inspiradas na vida de Cristo e da Virgem as paredes de uma pequena igreja de Pádua, na Itália setentrional. Por baixo, pintou personificações de virtudes e vícios, como as que eram por vezes colocadas nos pórticos das catedrais nórdicas.
Giotto teve um trabalho exímio na pintura da figura humana dando destaque dos braços, modelando o rosto e o pescoço, moldando as sombras profundas nas pregas flutuantes das vestes. Nada que se parecesse com isso tinha sido feito em mil anos. Giotto redescobriu a arte de criar ilusão de profundidade numa superfície plana.
Para o pintor, esta descoberta não representou apenas um estratagema a ser exibido como tal. Ela habilitou-o a mudar toda a concepção de pintura. Em vez de usar os métodos de escrita pictórica, ele criou a ilusão de que a história sagrada estava acontecendo diante dos nossos olhos. Para tanto, já não era suficiente examinar as representações mais antigas da mesma cena e adaptar aqueles modelos consagrados pelo tempo a um novo uso. Giotto preferiu seguir os conselhos dos frades pregadores que exortavam os fiéis a visualizar mentalmente, quando liam a Bíblia e as lendas dos Santos, como teria sido a cena da fuga para o Egito da família de um carpinteiro ou a do Senhor pregado na cruz. Neste caso a Igreja queria fazer no imagético da idade média, uma representação da história cristã e uma introjeção do sofrimento, da culpa pela morte de Cristo e resignação a vida e produção do mundo terreno.
Giotto não descansou enquanto não reformulou tudo isso em seu pensamento: como se portaria um homem, como agiria,como se impressionaria, se participasse de tais eventos? Mais do que isso: como se apresentariam aos nossos olhos tais gestos ou movimentos?
Podemos aferir melhor a magnitude dessa revolução se compararmos um dos afrescos de Giotto em Pádua com um tema semelhante na miniatura do Séc. XIII com o mesmo tema o velório em torno do corpo de Cristo.
O sepultamento de Cristo (1250-1300) de um saltério manuscrito de Bonmont: Biblioteca Municipal, Besançon
Na miniatura, o artista não estava interessado em representar a cena tal como teria mesmo acontecido. Variou o tamanho das figuras de modo a encaixá-las bem na página, e se tentamos imaginar as distâncias entre as figuras do primeiro plano e do fundo percebemos, sem esforço, que tudo está espremido e que o artista não se importou com o problema do espaço. È a mesma indiferença pelo lugar real onde a cena se desenrolava que leva Nicola Pisano a representar diferentes episódios dentro de uma mesma moldura.
Giotto em A lamentação de Cristo CLIQUE PARA AMPLIAR
O método de Giotto é completamente diferente. A pintura, para ele , é mais do que um substituto para a palavra escrita. Parecemos testemunhar o evento como se estivesse sendo representado num palco. Compare-se o gesto convencional de luto de S.João na miniatura com o movimento exaltado na pintura de Giotto, o corpo inclinado para diante e os braços bem abertos num gesto apaixonado. Se tentarmos imaginar aqui a distância entre as figuras agachadas no primeiro plano e S.João, sentiremos imediatamente que existem are espaço entre elas, e que todas podem movimentar-se. Essas figuras no primeiro plano mostram até que ponto a arte de Giotto era absolutamente nova, sob todos os aspectos. Recordemos que a arte cristã primitiva tinha revertido a antiga idéia oriental de que, para se contar uma história com total clareza, todas as figuras tinham que ficar completamente expostas, quase como se fazia na arte egípcia. Giotto abandonou essas idéias. Não precisava de artifícios tão simples. Ele nos prova de um modo tão convincente como cada figura reflete a dor profunda suscitada pela trágica cena que não podemos deixar de pressentir a mesma aflição nas figuras agachadas cujos rostos não podemos ver.
A fama de Giotto espalhou-se rapidamente. O povo de Florença orgulhava-se dele. Interessava-se por sua vida, e corriam anedotas a respeito de sua destreza e de seus ditos espirituosos. Também isso constituía uma novidade. Nada de parecido acontecera antes.É claro que tinha havido mestres que desfrutavam de estima de todos e eram recomendados de mosteiro para mosteiro, ou de bispo para bispo. Mas, de um modo geral, as pessoas não consideravam necessário preservar os nomes destes mestres para a posteridade. Tinham-nos na mesma conta em que hoje temos o trabalho de um bom carpinteiro ou um bom alfaiate. Os próprios artistas tampouco estavam muito interessados em adquirir fama ou notoriedade. Era muito freqüente não assinarem sequer suas obras. Ignoramos os nomes dos mestres que fizeram as esculturas de Chartres, Estrasburgo ou Naumburg. Sem dúvida alguma, eram apreciados no seu tempo, mas endossaram as honrarias à catedral para a qual tinham trabalhado. Também a este respeito, o pintor florentino Giotto inicia um capítulo inteiramente novo na história da arte. Dos seus dias em diante, a história da arte, primeiro na Itália e depois em outros países, passou a ser também a história dos grandes artistas.
Na Itália, particularmente em Florença, a arte de Giotto modificara toda a idéia de pintura. A velha maneira bizantina pareceu, de súbito, rígida e obsoleta. Não obstante, seria errôneo imaginar que a arte italiana separou-se do resto da Europa de um dia para o outro. Pelo contrário, as idéias de Giotto ganharam influência nos países ao norte dos Alpes, enquanto os ideais dos pintores góticos do Norte também começaram tendo efeito sobre os mestres meridionais. Foi especialmente em Siena, outra cidade toscana e grande rival de Florença, que o gosto e estilo deste artista do Norte causaram um impressão muito profunda. Os pintores de Siena não romperam com a anterior tradição bizantina de um modo tão abrupto e revolucionário quanto Giotto em Florença. O grande mestre da geração de Giotto, Duccio, tentou- e fez com êxito- dar nova vida às antigas formas bizantinas em vez de rejeitar inteiramente.
No período de Giotto onde sua fama era tão grande que a comuna de Florença se orgulhava dele e estava ansiosa em ter o campanário de sua catedral projetado pelo celebre mestre. Esse orgulho das cidades, que rivalizavam entre si para assegurar os serviços dos grandes artistas que embelezavam seus edifícios e criavam obras de fama duradoura, foi um incentivo para os mestres se superarem mutuamente, um incentivo que não existia em idêntico grau nos países feudais do Norte, onde nas cidades havia muito menos independência e orgulho local. Depois veio o período das grandes descobertas, quando os artistas italianos se voltaram para as matemáticas a fim de estudarem as leis da perspectiva, e para a anatomia a fim de estudarem a construção do corpo humano. Os horizontes dos artistas ampliaram-se através dessas descobertas. O artista deixou de ser um artífice entre artífices, pronto a executar encomendas de sapatos, armários ou pinturas, conforme fosse o caso. Era agora um mestre dotado de autonomia, não podendo alcançar fama e glória sem explorar os mistérios da natureza e sondar as leis secretas do universo. Todos estes avanços se dão parte a Giotto e parte aos renascentistas.
A influência de Giotto entretanto para o futuro da história da arte é entretanto de enorme notoriedade, principalmente na Renascença e arte moderna. A palavra renascença significa nascer de novo ou ressurgir, e a idéia de tal renascimento ganhava terreno na Itália desde a época de Giotto. Quando as pessoas deste período queriam elogiar um poeta ou artista, diziam que sua obtra era tão boa quanto a dos antigos. Giotto fora assim exaltado como um mestre que liderara um verdadeiro ressurgimento da arte; as pessoas queriam significar com isso que a arte de Giotto era tão boa quanto a daqueles famosos mestres cujas obras eram louvadas pelos antigos da Grécia e de Roma. Não surpreende que esta idéia se tornasse popular na Itália. Os italianos tinham plena consciência de que, no passado distante, a Itália tendo Roma por capital, fora o centro do mundo civilizado, e de que seu poder e glória se dissiparam quando as tribos germânicas, os godos e os vândalos invadiram o país e desmantelaram o Império ferindo o orgulho nacionalista. A idéia de um renascimento associava-se na mente dos romanos , à idéia de uma “grandeza de Roma. O período entre a idade clássica, para a qual voltaram os olhos com orgulho, e a nova era de renascença, que aguardavam com esperança, era meramente um melancólico interregno, “o período do intermédio’. Assim, a idéia de uma renascença foi responsável pela concepção de que o período interveniente era um Idade Média- e ainda usamos essa denominação. Como os italianos culpavam os godos pela queda do Império Romano, começaram a se referir à arte dsse período intermediário como arte gótica, com a intenção de significar “bárbara’- tal como hoje dizemos vandalismo para mencionar a destruição inútil de belas coisas. Vimos que, durante parte da Idade Média, os italianos ficaram atrasados, pelo que as realizações de Giotto foram consideradas por eles um renascimento de tudo que era nobre e grande na arte. Os italianos do século XIV acreditavam que a arte, a ciência e o saber haviam florecido no período clássico, que todas essas cosas foram destruídas pelos bárbaros do Norte, e que lhes cabia a missão de reviver o período glorioso do passado e, portanto, de inaugurar uma nova era: a renascença.
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Às sextas e terças, esta coluna traz obras digitalizadas de outros pintores que influenciaram o pintor monoauricular Van Gogh e obras suas, mas tão somente as que forem citadas nas Cartas a Théo, acompanhadas da data da carta que cita a obra, bem como as citações sobre ela e uma pequena biografia de seu autor. Para outros olhares neste curso, clique aqui.