Archive for Maio, 2023

MANO CAPPU:´RAP É UMA DENÚNCIA, HIP HOP É AGENTE DE MUDANÇA

Maio 31, 2023

Rappers falam sobre a importância do Rap e do Hip Hop nas periferias do Paraná

Lia Bianchini

Curitiba (PR) |

 31 de Maio de 2023 às 13:08

Alep aprovou projeto que eleva as batalhas culturais de rima à categoria de patrimônio cultural imaterial no Paraná – Foto: Orlando Kissner/Alep

Do chão de terra vermelha das periferias de Curitiba, um adolescente no início dos anos 2.000 descobriu que poderia sonhar ao ouvir rimas de Rap de grupos locais. Assim, Mano Cappu descreve o início da sua carreira, aos 15 anos. Cria da Cidade Industrial de Curitiba (CIC), Cappu encontrou na cultura Hip Hop um meio para burlar o destino que o sistema capitalista programou para jovens negros e periféricos como ele.

“Na escola eu era ensinado a fazer um curso de mecânica básica. [Diziam] você vai trabalhar na Bosch, na New Holland. Mas eu queria fazer arte, fazer música, romper com esse estigma. Nós não somos chamados para ser liderança dentro de uma fábrica, a gente é chamado para arrastar bota”, afirma.

O rapper, que se diz um “caçador de palavras”, encontrou nas rimas uma forma de “escancarar a realidade na cara da sociedade”. “Estamos denunciando as mazelas que o poder público deixou na periferia. O Rap é uma denúncia, o Hip Hop é um agente de mudança”, relata Mano Cappu.


“Estamos denunciando as mazelas que o poder público deixou na periferia”, afirma Mano Cappu / Divulgação

Realidade do corpo preto e LGBT

Vinda do interior do Paraná para Curitiba, a multiartista Siamese também fez do Hip Hop o palco para dar visibilidade à própria existência. “Ver batalhas e shows de MC’s, principalmente as mulheres, me prendia e instigava e me inspirava a falar questões que me atravessam também. O Hip Hop nasce para trazer a realidade de muitas minorias, e eu me via fazendo música que fala da realidade do meu corpo preto e LGBTQIAPNB+”, conta.


“O Hip Hop nasce para trazer a realidade de muitas minorias”, diz Siamese / Foto: Vitor Augusto

Ser uma forma de expressão de pessoas colocadas à margem da sociedade está na origem da cultura Hip Hop, que nasceu na década de 1970, no Bronx, em Nova Iorque (EUA), um bairro majoritariamente negro e hispânico na época. Suas primeiras manifestações no Brasil foram na década de 1980, na periferia de São Paulo.

No Paraná, o dia a dia de artistas do Hip Hop esbarra no racismo de um estado que preza por celebrar a cultura branca europeia.

“Fazer Rap no Paraná, trabalhar com a cultura Hip Hop, é bem difícil, a gente acaba esbarrando no racismo mesmo. [Sofremos] várias represálias de instituições, da Polícia Militar, da Guarda Municipal. Às vezes a gente está fazendo um rolê de Rap, batalha de rima na rua e tem que parar o som porque os caras já chegam na violência, na brutalidade, sendo que a gente só está ocupando um espaço e produzindo cultura”, diz a DJ Dani Black, que atua no coletivo A Máfia, em Londrina, formado por cinco mulheres negras.


“A gente acaba esbarrando no racismo mesmo”, diz DJ Dani Black, sobre trabalhar com Hip Hop no Paraná / Vand.alismo

Falta de incentivo 

O racismo também se reflete na falta de incentivo e políticas públicas de fomento às manifestações do Hip Hop. “O racismo é algo estrutural e está enraizado na nossa sociedade, e aqui em Curitiba e no setor Cultural não é diferente. Para além da representatividade, precisamos ser remuneradas com equidade. Eu não vejo a gente sendo contemplada nos palcos de grandes festivais da cidade”, critica Siamese.

Para tentar mudar essa realidade, Mano Cappu conta que há uma movimentação junto a parlamentares progressistas para pressionar pela criação de uma política afirmativa voltada especificamente para o Hip Hop. Como exemplo do descaso, ele conta que nunca um projeto de Rap foi aprovado em edital de fomento da Fundação Cultural de Curitiba.

“Eu queria que mostrassem quem são os curadores, quantas pessoas pretas, quantas mulheres, quantas pessoas LGBTs estão nessa curadoria. A gente esbarra no sistema, o edital não é inclusivo”, pontua o rapper.

Patrimônio cultural 

Na segunda-feira (22/5), foi aprovado, em primeiro turno, na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), projeto que eleva as batalhas culturais de rima à categoria de patrimônio cultural imaterial no Paraná.

O projeto é assinado pela deputada Ana Júlia (PT) e define que o Poder Executivo Estadual poderá incentivar políticas públicas voltadas à difusão das batalhas de rima e realizar eventos para divulgar a cultura Hip Hop. O incentivo poderá ser realizado via editais públicos e outros procedimentos licitatórios, destinação de recursos próprios para esta finalidade, realização de eventos, bem como quaisquer outros meios, a critério do governo. 

Fonte: BdF Paraná

Edição: Frédi Vasconcelos

HOMERO FONSECA: O CAETANO VELOSO DE CADA UM

Maio 30, 2023

29 de maio de 2023 –

O Caetano Veloso de cada um

por Homero Fonseca

Pra começo de conversa: considero Caetano Veloso o artista mais criativo, instigante e reflexivo de uma geração brilhante. Me identifico mais com Chico Buarque das letras narrativas de claro lirismo e compreensão mais cartesiana do mundo. Mas isso é uma questão subjetiva. Caetano está um degrau acima de todo mundo por sua postura de sempre experimentar com base em sólidos conhecimentos etc. etc.

Isso é só o nariz de cera para falar o seguinte. Um amigo, belo escritor, escreveu um texto longo e denso sobre uma experiência de grande repercussão coletiva, dentro da qual ele se colocava pessoalmente, como permite e até incentiva o código literário dos grandes ensaios.

Ocorre que, tendo-se em alta conta – o que não é nenhum despropósito, em face de suas altas qualidades – parece haver ultrapassado as fronteiras do solipsismo. Isso é o que se depreende da resposta de um editor sincero, ao rejeitar sua publicação: “Está ótimo, mas você não é Caetano Veloso”.

Traduzindo: sendo um quase ilustre desconhecido, meu amigo escritor valorizara demais sua própria vivência, coisa que somente as celebridades podem fazer – no caso do baiano com conhecimento de causa.

Adotei a expressão. Sempre que, em meu trabalho de consultor literário, pinta um texto onde se detecta a mão pesada do autor, advirto: “Tem Caetano Veloso demais aí!” Quando conto a historinha, os clientes entendem e acham graça.

Homero Fonseca é pernambucano, escritor e jornalista, formado pela Universidade Católica de Pernambuco. Foi editor da revista Continente Multicultural, diretor de redação da Folha de Pernambuco, editor chefe do Diario de Pernambuco e repórter do Jornal do Commercio. Foi também professor de Teoria da Comunicação e recebeu menção honrosa no Prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo. Atualmente, dedica-se à literatura e mantém um blog em que aborda assuntos culturais.

LONGA SOBRE O POVO KRHÓ DO TOCANTINS É PREMIADO NO FESTIVAL DE CANNES

Maio 29, 2023

A Flor de Buriti recebeu o prêmio de Melhor Equipe na mostra Um Certo Olhar. Integrantes da equipe protestaram na semana passada contra o marco temporal

por Redação

Publicado 29/05/2023 12:18 | Editado 29/05/2023 17:39

Foto: Reprodução

O filme A Flor de Buriti foi premiado no Festival de Cannes 2023, na sexta (27). Produzido pela brasileira Renée Nader Messora e pelo português João Salaviza, o longa venceu o Prix D’ensemble (prêmio de Melhor Equipe) na mostra Un Certain Regard (Um Certo Olhar).

A Flor de Buriti aborda a luta do povo indígena Krahô pelas suas terras, no norte do Tocantins, e as diversas formas de resistência travada por eles nos últimos 80 anos.  A narração do filme, feita no idioma krahô, é baseada em relatos históricos transmitidos oralmente entre as gerações do povo.

O longa foi filmado durante quinze meses em quatro aldeias da Terra Indígena Kraolândia: Pedra Banca, Coprer, Morro Grande et Manoel Alves Pequeno. A Flor de Buriti tem participação da ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara (PSOL-SP)          

O filme se desenrola sobre três épocas diferentes. Um massacre perpetrado por fazendeiros que buscavam apropriar-se das terras dos krahô; a experiência traumática durante a ditadura civil-militar iniciada em 1964 e, finalmente, os dias atuais e advento de uma nova geração de lideranças indígenas.

“Dessas histórias, a luta pela terra ainda prevalece, ainda que as ferramentas para realizar essa resistência tenham evoluído”, diz a equipe do longa.

Saiba mais em: Equipe do filme “A Flor de Buriti” protesta contra o marco temporal em Cannes

Na semana passada, integrantes do filme realizaram um protesto contra o marco temporal no tapete vermelho. Os diretores João Salaviza e Renée Nader, juntamente com os atores Francisco Hyjnõ e Ilda Patpro, esticaram uma faixa que dizia: “O futuro das terras indígenas no Brasil está sob ameaça, não ao marco temporal”

A mostra Um Certo Olhar é considerada a segunda principal do Festival de Cannes e premia cineastas em começo de carreira. A dupla A Flor de Buriti já venceu o troféu do  júri na mostra há cinco anos, com “Chuva É Cantoria na Aldeia dos Mortos”.

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O NASCIMENTO DO SAMBA URBANO GANHA LIVRO DEFINITIVO, POR EDUARDO PONTIN

Maio 27, 2023

Carlos Didier narra a heroica e trágica trajetória do Samba Batucado do Estácio

Eduardo Pontinjornalggn@gmail.com

O nascimento do Samba urbano ganha livro definitivo

por Eduardo Pontin

Série RESENHA DE SAMBA (I)

Carlos Didier é violonista e historiador de nossa música popular, autor, entre outros, de “Noel Rosa: uma biografia” (1990), um dos maiores livros sobre Samba já publicados. A sua mais recente obra, “Negra Semente, Fina Flor da Malandragem:  Samba Batucado do Estácio de Sá” (2022, ed. do autor), nasceu do inquietamento do violonista em não acertar a batida do violão das composições de Ismael Silva. Foi quando o Caôla, apelido de juventude do autor, então com apenas 22 anos, se encontrou com Ismael em 1976 para enfim esclarecer aquele mistério. O jovem violonista percebeu, então, que a pulsação rítmica do violão de Ismael era algo muito distinto e autêntico. Era a pulsação rítmica dos sambas batucados do Estácio. E desvendar essa pulsação rítmica passou a ser a sua missão de vida.

A leitura da mais nova obra de Carlos Didier é uma verdadeira viagem no tempo. O Samba pioneiro do Estácio não é abordado logo de cara. Para chegar ao estalar de tamborins, pancadas de surdo, deslizar de reco-recos, toques de pandeiro e acordes de cavaquinho e violão, Didier apresenta 18 saborosos capítulos introdutórios, o equivalente a 150 páginas.

Os primeiros 6 capítulos são um retrato histórico das práticas perversas de prostituição do século XIX e início do século XX. Essas práticas incluíam o tráfico e a escravização de mulheres. Um tema indissociável da origem do samba carioca. Não só porque o Samba batucado do Estácio nasceu na Zona do Mangue, região do baixo meretrício da então capital federal, como também pelo fato de alguns dos sambistas dessa geração serem cafetões barras-pesadas, como Brancura e Baiaco.

Justamente pela relação perversa de Brancura com a prostituição de mulheres, o sambista é o primeiro a ser abordado na obra de Didier, com 3 capítulos que traçam o seu perfil biográfico e realçam seu talento como compositor, o que muitas vezes foi questionado. A despeito da ausência de virtudes morais de Brancura, trata-se de um grande feito alcançado por Didier, já que o que se conhecia sobre o sambista não passavam de ligeiras notas, poucos depoimentos ou anedotas. O gênio criativo de Brancura não é o mesmo de Baiaco, que, “como compositor, cultivava um único gênero: samba de extorsão”.

Didier comprova que Brancura (esq.), aqui em possível foto do sambista, era compositor dos bons.

É comum em livros que narram a história do Samba encontrar relações de suas origens com a Polca, o Lundu e o Maxixe. Porém, as mais das vezes esses gêneros são ligeiramente citados, deixando dúvidas no ar. No novo livro de Didier é possível conhecer esses ritmos de forma aprofundada, tanto historicamente quanto musicalmente. Com os estudos de Didier, finalmente há o esclarecimento necessário para compreender o vínculo do Samba com a Polca, o Lundu e o Maxixe, caldeirão de sons acrescido de um tempero até então não lembrado pela historiografia de modo geral: a Habanera, gênero afro-cubano.

Cumprindo esse trajeto introdutório, “Negra Semente” demonstra como as raízes da malandragem carioca estão diretamente ligadas aos capoeiras do Rio do século XIX. Já próximo de entrar no universo do samba batucado, Didier apresenta lista original de composições que desde o século XIX recebiam classificações diversas, mas que, na verdade, não passavam de sambas disfarçados com outras nomenclaturas.

Após o extermínio das maltas de capoeiragem do século XIX pelos republicanos, quando a malandragem era um fenômeno coletivo, nascia o “malandro solitário”. Surgiram em cena então o “sócio oculto das princesas de bordéis, o leão de cabarés e tavolagens, o senhor dos domínios da patranha, da artimanha e da arapuca”, além do “malandro da estia”.

Porém, fundamental mesmo para o Samba foi o “malandro-seresteiro”, aquele que conquistava vantagens por meio da sua arte. Descendente direto desta linhagem é o “malandro-sambista”. O capítulo 20, que descreve o nascimento do sambista-seresteiro na figura de Rubens Barcelos, “o criador do samba-canção”, “o Bilac do Mangue”, “príncipe da malandragem”, talvez seja o mais marcante para quem aprecia a história do Samba. Impossível não se emocionar com o repentino desaparecimento de Rubens, aliás, a primeira perda do time do Estácio.

Carlos Cavalcanti: testemunha ocular do Samba batucado do Estácio.

A maior descoberta de Didier no universo da pesquisa é o trabalho do então repórter Carlos Cavalcanti, posteriormente artista plástico. Cavalcanti é, sem dúvida alguma, a pessoa de maior importância na documentação histórica do samba batucado do Estácio. Carlos vivenciou a coisa toda acontecendo, entrevistou os malandros na mesa do Bar Apolo e presenciou um ensaio do legendário grupo Gente do Morro.  Por isso, não há nada mais fidedigno quando o assunto é o Samba do Estácio do que as reportagens de Carlos Cavalcanti, um dos maiores trunfos do livro de Didier. José Ramos Tinhorão em suas obras havia ressaltado a importância do grupo Gente do Morro e da gravadora Brunswick. Didier na humildade de um discípulo seguiu o apontamento do mestre e no capítulo 25 destrinchou a trajetória do Gente e da Brunswick, histórias que se confundem. Didier detalha a composição do grupo Gente do Morro, bem como a instrumentação das suas gravações.

Grupo Gente do Morro em 1930: Benedito Lacerda (flauta); Dario Ferreira (saxofone); Julio dos Santos (cavaquinho); Henrique Britto e Jacy Pereira (violões de 6); Juvenal Lopes (ganzá); Gastão de Oliveira (tamborim) e Bide (tambor-surdo).

A obra é recheada de depoimentos concedidos ao autor de testemunhas oculares dos fatos narrados. Enfim perfis biográficos dignos da grandeza dos sambistas do Estácio foram traçados. Para isso, muito contribuiu a vasta ficha criminal desses malandros. Carlos Didier estudou as profundezas da complexidade do nascimento do samba batucado, sem nenhum tipo de preconceito ou temor em expor uma realidade perversa, violenta e por vezes sangrenta.

Como o autor adverte na apresentação da obra, a história descrita é para “gente grande”. Como a revelação de que Francisco Alves, o maior cantor da música popular brasileira da primeira metade do séc. XX, assim como o grande sambista Ismael Silva, foram cafetões.

Sem deixar de expor a face perversa do movimento do samba batucado do Estácio, Didier traz a lume informações musicais até então inéditas. Como a apresentação de sambas com autorias omitidas. Levando em consideração não o selo original do disco, mas o “selo da história”, temos:

1 “Fui Culpado” (1930, Bide), de autoria de seu irmão, Rubens;

“Vadiagem” (1929, Francisco Alves), de Bide;

“Mulher Venenosa (1929, Brancura), estribilho adaptado de samba de Paulo da Portela;

“Chora, meu bem” (1930, Benedito Lacerda), com omissão de Nilton Bastos;

“Orfandade” (1930, Benedito Lacerda), com provável omissão de Canuto;

“Isaura” (1930, Benedito Lacerda), com omissão de Juvenal Lopes;

“Se Você Jurar” (1930, Ismael Silva e Nilton Bastos), apenas de Nilton;

“Adeus” (1932, Ismael Silva e Noel Rosa), com omissão de Nilton Bastos.

O capítulo 26 narra em detalhes a breve trajetória da primeira Escola de Samba da história, fundada não em 1928, mas “em 1925 ou 1926” ainda como bloco: a Deixa Falar, do Estácio. Sustentando o canto solado, Aurélio Gomes era o gogó de ouro do time, que tinha Tibério na assistência para responder também. A Ala das Baianas vinha junto da bateria, para segurar o jogo rítmico dos batuqueiros num coral fulgurante das pastoras, entre elas Licína, Nair Jumbeba e Diva Lopes. O Diretor de Harmonia era Julio dos Santos, que tocava violão “como ninguém” e o cavaquinho, incialmente, era de Rubens Barcelos e seu irmão, Bide. A Escola possuía bateria com cerca de 40 batuqueiros, entre eles e seus instrumentos: pandeiro Francelino; tamborim Bide, Francelino, Gastão Oliveira, Julio dos Santos, Baiaco, Tibério e Bucy Moreira; cuíca João Mina e, posteriormente, Oliveira da Cuíca; surdo Benedito Lacerda. Os Mestres-Salas eram Juvenal Lopes (Nanal do Estácio) e Onofre da Silva e as Porta-Estandartes Nair Luzia dos Santos e Iracy Seixas Ferreira. Já o declínio como rancho vem a seguir, no capítulo 30: “Após o fracasso, o Deixa Falar se dissolvia”.

A geração da Escola de Samba Deixa Falar é essencial para a música popular brasileira.

Em “Negra Semente”, o que se percebe são horas de contemplação de Didier junto a cada samba analisado. Carlos não apenas escutou exaustivamente as gravações dos sambas do período. Violonista de antigos carnavais, Didier executou meticulosamente cada composição ao violão. O resultado não poderia ser mais completo. A análise poética-histórica-social que Didier realiza se junta a análise precisa do significado melódico de cada samba, numa fina interpretação que até os dias atuais passava em brancas nuvens, mesmo após cerca de 100 anos das gravações dos sambas do Estácio. Didier fez de cada samba do Estácio seu mundo, mudando o seu endereço afetivo para a Zona do Mangue.

Um livro que se faz entender como música, com frases compostas por expressões que bem poderiam dar em samba. Com estilo sintético, Didier com a presente obra lega à posteridade máximas que não devem ser mais esquecidas, passando a compor os esforços de nosso projeto de nação:

“sua história contava a de muitas”; “na mão direita, a África, na esquerda, a Europa”; “a malandragem era flor antiga, nascida da sementeira da capoeiragem”; “Porque o encanto do samba batucado vinha da mistura de dor melódica e virilidade rítmica”; “samba em nome apenas de Francisco Alves se faria samba de autor desconhecido”; “Porque no samba do Gente do Morro, com seus naipes de choro e percussão, a alma do malandro estava inteira”; “Criação de malandros-sambistas, gente dura de encarar na mão, o samba batucado era viril”; “Os malandros amavam apenas a si mesmos”.

“Na mão direita, a África, na esquerda, a Europa”, obra de Leandro Joaquim, séc. XVIII.

Didier recolheu todos os rastros e pistas deixados pelos depoimentos dos sambistas ou por outros historiadores e, na reunião desses fragmentos, reconstituiu um mosaico histórico admirável. Tudo com extremo cuidado e perícia no exame dos dados que se apresentavam. Com tantas informações e depoimentos para serem analisados e ordenados, somente uma engenharia bem engendrada poderia dar conta do recado.

Fora todos os méritos culturais do livro, é preciso levar em consideração que Didier é o próprio editor de sua obra: revisou e diagramou tudo. Importante destacar que Didier fez tudo às próprias custas, sem incentivo financeiro da iniciativa pública ou privada. Da pesquisa, passando pela elaboração do livro até sua publicação, tudo foi pago com o seu próprio suor.

Com um português pra acadêmico nenhum botar defeito, o livro de Didier é uma aula de prosa histórica. Embora seja escrito inteiramente em texto corrido, com citações sem recuos acadêmicos ou precisão de página, todo depoimento e toda informação têm sua fonte devidamente identificada.

Mas o melhor do livro de Didier não são os novos dados e descobertas apresentados, e sim a entrega do autor na confecção da obra. Didier contemplou cada samba, cada sambista, cada rua, cada comércio, cada mulher, cada homem, cada som e cada ritmo que estivessem presentes nas narrativas da origem do samba batucado. Muita reflexão, devoção e carinho, gestos dignos de quem almeja historiar a trajetória de uma expressão cultural e artística. Tudo isso demonstra ser “Negra Semente” uma obra madura de Didier, que com este livro se candidata ao posto de maior historiador de música popular brasileira em atividade, vaga deixada por José Ramos Tinhorão em 2021 após sua passagem.

Quase ao término da obra, o por vezes triste fim dos sambistas do Estácio é descrito em contraste com o recomeço de Ismael Silva nas rodas de intelectuais. Era o fim do movimento do Samba Batucado do Estácio de Sá, uma negra semente plantada pela fina flor da malandragem que semearia muitos frutos na música popular brasileira.

São pequenos retratos dos sambistas do Estácio que tornam o livro de Didier emocionante. Tomar minimamente conhecimento dos encontros entre Bide e Marçal, sem dúvida alguma a maior dupla de compositores de nossa música de toda história, quando papéis voavam pra todos os lados em meio as fagulhas intensamente criativas daqueles bambas, é algo marcante. Como não se emocionar com o grande sambista Armando Marçal que, após dar uma das suas gargalhadas, caía do sofá já sem vida? Ou a forma com que a cuíca artesanal de Oliveira da Cuíca era produzida e consumida pelas mãos ágeis do sambista em 2, 3 dias?

A obra de Didier não apenas narra o nascimento do Samba urbano brasileiro, como nos deixa íntimos de seus protagonistas. E para quem sente o Samba, não há como não derrubar lágrimas com tamanho esforço e sensibilidade. O livro de Didier pode ser encomendado sob demanda, por isso, o mais prudente é garantir um exemplar de “Negra Semente, Fina Flor da Malandragem:  Samba Batucado do Estácio de Sá” o quanto antes. E, garanto, vale cada centavo.

Neste livro de Didier, renascem os dois maiores estudiosos de nossa música popular: Mário de Andrade e José Ramos Tinhorão. Talvez esse seja o livro que Mário gostaria de ter escrito sobre o samba carioca. Com exemplos musicais em partitura, graças ao “ouvido atento” de Didier, a pulsação rítmica percebida pelo jovem violonista foi enfim desvendada. Tinhorão aparece não só no senso crítico de Didier, na afirmação de que Sinhô, até 1926, não havia produzido nada que justificasse o seu trono de “Rei do Samba”, mas também no rigor historiográfico e sociológico, bem como na paixão pelo Samba do Estácio. Nesta obra de Didier, vivem também Carlos Cavalcanti, Juarez Barroso, Francisco Duarte, Humberto Franceschi e todo o time de  sambistas-malandros do Estácio! Quem duvidar, que leia o livro e vá pra balança com Carlos Didier.

SERVIÇO

LIVRO: “NEGRA SEMENTE, FINA FLOR DA MALANDRAGEM: SAMBA BATUCADO DO ESTÁCIO DE SÁ”

ONDE COMPRAR: Site da Amazon (clique aqui)

AUTOR: Carlos Didier

ANO: 2022

EDITORA: Edição do autor

8 DE JANEIRO: OBRA DE VIK MUNIZ LEMBRARÁ ATAQUE À DEMOCRACIA

Maio 26, 2023

Senado fechou parceria com o artista plástico brasileiro para criação de uma obra de arte sobre os ataques bolsonaristas à sede da Casa

Créditos: Agência Senado
Iara Vidal

Por Iara Vidal

CULTURA – 

Os ataques de 8 de janeiro de 2023, em Brasília, foram uma série de atos de vandalismo, invasões e depredações do patrimônio público cometidos por um grupo estimado de 4 mil bolsonaristas extremistas que invadiram e causaram diversos prejuízos ao patrimônio histórico e artístico.

O grupo também saqueou objetos e danificou documentos nas sedes dos Três Poderes da República. No edifício do Senado, os bolsonaristas deixaram um rastro de destruição: vidros quebrados, quadros rasgados, carpetes e móveis danificados que totalizam quatro toneladas de destroços.

Agência Senado – Rastro de destruição deixado por bolsonaristas em 8 de janeiro no Senado
Agência Senado – Rastro de destruição deixado por bolsonaristas em 8 de janeiro no Senado
Agência Senado – Rastro de destruição deixado por bolsonaristas em 8 de janeiro no Senado

Essa sucata, armazenada pela equipe do Patrimônio do Senado, será matéria-prima para o artista plástico brasileiro Vik Muniz criar uma obra de arte sobre o ataque à democracia. 

A ideia é ressignificar esses objetos e criar uma obra que simbolize a tentativa de golpe contra a democracia brasileira.

O material chegou ao ateliê do artista, no Rio de Janeiro, no dia 4 de maio, transportado de caminhão de Brasília à capital fluminense.

No primeiro contato com os destroços, Vik Muniz recordou os ataques.

“Vai ser interessante refazer esse material impregnado de ódio e catarse coletiva. A arte tem a capacidade de deixar marcas que atravessam o período das nossas vidas”, comentou Muniz sobre a obra a ser criada.

A obra será doada ao Senado e ficará exposta na Casa. A exposição faz parte das comemorações do bicentenário do Senado que será celebrado em 2024.

Uma equipe de profissionais da Agência Senado e da TV Senado acompanhou o desembarque dos pedaços de vidro, carpete e outros materiais. Serão feitos um documentário e um livro para mostrar o processo de produção da obra, que ainda não tem previsão de entrega.

Quem é Vik Muniz

O artista plástico brasileiro Vicente José de Oliveira Muniz, que adota o nome artístico Vik Muniz, faz experimentos com novas mídias e materiais e tem o trabalho reconhecido mundialmente.

As obras de Vik Muniz são feitas de materiais inusitados, como lixo, restos de demolição e componentes como açúcar e chocolate. 

Entre as obras mais célebres dele está a série The sugar children (1996), na qual o artista retrata, em açúcar, crianças caribenhas.

Divulgação – The sugar children (1996) de Vik Muniz

O premiado documentário Lixo Extraordinário registra o trabalho de Vik Muniz no aterro de Jardim Gramacho, em Duque de Caxias (RJ).

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Com informações da Agência Senado

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8 de janeiroVik MunizSenado

NETFLIX E O PROCESSO DE DESTRUIÇÃO CRIATIVA, POR LUIZ FERNANDO DE PAULA E JÚLIA BARUKI

Maio 25, 2023

25 de maior de 2923.

Blog: Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

Netflix e o processo de destruição criativa

por Luiz Fernando de Paula e Júlia Baruki

Desde que foi lançado pela Netflix em 2007, o mercado de streaming é uma inovação que além de ter crescido enormente acabou com o mercado de aluguéis de vídeos e DVDs.  Segundo reportagem do Valor de 19/01/2023 , a Netflix alcançou 230,7 milhões de assinantes no mundo no 4º trimestre de 2022, sendo 74,3 milhões nos EUA e Canadá, 76,7 milhões na Europa, Oriente Médio e África, 41,7 milhões na América Latina e 38 milhões na Ásia-Pacífico.

O sucesso da Netflix é um exemplo de “destruição criativa”, um termo criado pelo economista austríaco Joseph Schumpeter, que o descreveu como o “processo de mutação industrial que revoluciona incessantemente a estrutura econômica a partir de dentro, destruindo incessantemente a antiga, criando uma nova estrutura. Este processo de destruição criativa é o fato essencial do capitalismo”.  Para Schumpeter, a introdução de inovações comporta inevitavelmente um certo grau de monopólio: antes que a inovação se difunda, ela é monopólio do empresário; não se trata de um monopólio absoluto, mas de um monopólio temporário, que em condições normais está destinado a desaparecer durante o processo dinâmico da concorrência. À medida em que se difunde a inovação (e proliferam-se os imitadores), o lucro vai diminuindo no setor onde se deu a inovação, ao mesmo tempo em que os lucros temporários dos inovadores tendem a desaparecer.

Pioneira no fornecimento de filmes e séries por plataforma streaming, a Netflix destruiu indústrias estabelecidas e avançou sobre os serviços de TV a cabo, oferecendo um novo serviço que superou velhas empresas em um movimento típico de destruição criativa. Porém, com o passar dos anos, viu o mercado se modificar,  com outras empresas oferecendo  serviços de streaming semelhantes, mais baratos e com mais vantagens, para tentar alcançá-la.

Assim, enquanto a Netflix teve o monopólio da inovação (plataforma de streaming), a empresa teve forte crescimento no mundo e pôde gerar elevadas receitas, gerando o que Schumpeter denominava de “lucros monopolistas”. Com o tempo, a inovação foi sendo copiada por outros concorrentes, com a Netflix passando a concorrer com outros gigantes, como Prime Video (Amazon), Disney+, Apple TV, entre outras, que cresceram bastante no mercado de plataforma de streaming.

Fundada em 1997, a empresa sediada em Scotts Valley, Califórnia, se lançou no mercado como um serviço de aluguel de DVDs. Porém, ao contrário das locadoras tradicionais, a Netflix oferecia um serviço diferenciado para a época.

No seu novo modelo de negócios, o aluguel dos filmes era via correio, com o cliente recebendo em sua casa a seleção de filmes escolhida previamente.  Além disso, não havia multa por atraso na devolução, devendo o cliente retornar os DVDs pelos correios, em um envelope já previamente disponibilizado. Essa comodidade vinha também com um preço de acordo com o mercado na época. O pacote de serviço inicial de seis dólares (4 dólares por filme e 2 dólares de serviço postal) era igual ao da Blockbuster, soberana no mercado norte-americano na  época, com mais de 9 mil lojas nos Estados Unidos em 2004.

A grande inovação veio em 2007, quando a Netflix iniciou o seu serviço de streaming de filmes e séries, primeiro em computadores pessoais e depois em smart TV, tablet, celular etc.

Em 2010, a Netflix bateu a marca de 20 milhões de usuários em ambos os seus serviços, passando a priorizar o serviço de streaming e não mais o aluguel de DVDs.  Já em 2020, a Netflix alcançou a marca de mais de 200 milhões de usuários pagos em  mais de 190 países que possuem o serviço, apenas 3 anos após bater a marca de 100 milhões de usuários.

A Netflix mudou a forma como o cliente tem acesso a todos esses conteúdos, proporcionando ao consumidor a flexibilidade de poder assistir o que quiserem de qualquer aparelho disponível, não sendo mais necessário acompanhar a programação de um canal de TV. Essa inovação gerou uma revolução no consumo, ocasionando a destruição de empresas anteriormente soberanas, em particular as videolocadoras, ao mesmo tempo em que criou um serviço completamente distinto do anterior, se beneficiando em particular da proliferação de smart TVs.

Após o sucesso da Netflix, mais de 110 serviços foram lançados nos Estados Unidos até 2019. Com um cenário cada vez mais fragmentado, com quase todos os grandes conglomerados de mídia reunindo suas produções em um serviço próprio, é comum que os consumidores assinem mais de um ou até selecionem qual pacote irão assinar. Assim, empresas como Amazon, Apple, Disney e HBO entraram no mercado de streaming de filmes e séries e passaram a licenciar produtos originais nas plataformas.

Principal concorrente, com 162 milhões de assinantes no mundo no 1º trimestre de 2023 (contra 232,5 milhões da Netflix), o serviço do Disney+ fez a Netflix perder 20% do  seu catálogo, incluindo grandes campeões de audiência, como a franquia da Marvel e Star Wars. O perigo para a Netflix ficou ainda maior, considerando que sua principal concorrente aumentou em 2022 o número de países que possuem acesso ao Disney+, de 64 para 106 países.

A Netflix teve uma perda de 970 mil assinantes no 2º trimestre de 2022, em boa parte concentrada no seu maior mercado (EUA e Canadá). Já os dados do último trimestre de 2022 mostram que a base de assinantes voltou a crescer em um ano em 4,0%, impulsionada tanto com um novo pacote mais barato que inclui anúncios, quanto pelo sucesso da série “Wandinha” (3ª série mais popular de todos os tempos) e do documentário “Harry & Meghan” (2º documentário mais assistido da Netflix)

Assim, com a disputa cada vez mais acirrada, a resposta da Netflix foi focar mais em   conteúdo original. Deste modo, buscou reagir à concorrência, particularmente investindo em séries populares, filmes e documentários produzidos pela empresa, produções locais dos países, entre outras iniciativas. Ainda líder do mercado, a Netflix procurou não somente oferecer produtos licenciados, mas também produções originais que possuem alta demanda.

A tendência para o futuro é de uma fragmentação ainda maior das plataformas de streaming. Se antes, o mercado era focado nos pacotes de TV por assinatura que centralizavam centenas de canais de acordo com o seu pacote, agora, temos o extremo de inúmeros canais digitais separados. Assim, o consumidor deve avaliar qual serviço assinar, de acordo com sua condição financeira e dos benefícios ele quer usufruir. Por exemplo, de um lado temos a Netflix com inúmeros filmes e séries que são manias entre o público, porém, com um preço podendo ser o dobro do Prime Vídeo que ainda conta com as vantagens da Amazon.

Neste contexto, na busca de expansão, algumas plataformas de streaming já estão com a oferta de planos mais baratos, mas  que exibem propagandas, como o Hulu, Pluto TV e Samsung TV Plus, sendo acompanhado recentemente pela própria Netflix. Portanto, o mercado de plataforma de streaming ainda é um mercado em expansão, com muitas inovações incrementais, o que acirra sobremaneira a concorrência entre as empresas provedoras de serviços.

Blog: Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF

Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas. O grupo objetiva estimular o diálogo e interação entre Economia e Política, tanto na formulação teórica quanto na análise da realidade do Brasil e de outros países. Twitter: @Geep_iesp

Luiz Fernando de Paula – Professor de Economia do IE/UFRJ e coordenador do GEEP/IESP-UERJ.

Júlia Baruki – Bacharel em Economia pela FCE/UERJ.

DE AQUILES RIQUE REIS PARA MIGUEL RABELLO E CÓPIA PARA ROBERTO DIDIO

Maio 24, 2023

Ele tem melodias com intervalos sinuosos, lembrando Guinga, harmonias com expressões de qualidades jobinianas… está tudo em Ciclo de Poder

Aquiles Rique Reisjornalggn@gmail.com

De: Aquiles

Para: Miguel Rabello

Cc: Roberto Didio

Oi, Miguel, você quase me matou com seu novo trabalho, sabia? Ele tem melodias com intervalos sinuosos, lembrando Guinga, harmonias com expressões de qualidades jobinianas… está tudo lá em Ciclo de Poder (Acari Records), seu quarto álbum… que talento é esse, véio?

Ao ouvi-las de você, violonista, cantor e compositor das onze canções inéditas agora gravadas, feitas em parceria com o bom letrista Roberto Didio, transparece que elas são uma bem-vinda lufada de vento novo em nosso cancioneiro popular.

Com ares de “Marta Saré”, do Edu Lobo, a tampa abre com “Ciclo de Poder”. Seu violão, a guitarra de Pedro Franco e a percussão de Marcus Thadeu trazem à tona o primeiro impacto causado por sua criatividade. O coro misto faz valer a força do cantar uníssono. A guitarra improvisa. O violão mantém a harmonia. Sua voz grave soa mais como a de um compositor que canta do que propriamente a de um cantor de ofício, mas é perfeita para mostrar as músicas e os versos de Didio.

Em “Mal Estar”, seu violão e o piano de Breno Ruiz iniciam. Breno canta bem bonito. A melodia, quando menos se espera, faz que vai por ali, mas vai por cá, por onde nem se suspeita que poderia ir. Mas vai e vem na certeza de pôr-nos diante de uma obra que tem tudo de prima, irmã, do que se percebe no talento dos nossos grandes compositores de ontem e de hoje… e você é um deles, Miguel!

“Outra Manhã de Carnaval” é o terceiro movimento da “Quadrilogia Rio-Brasil”. Seu violão e seus vocalizes iniciam ao ritmo de um tamborim que se destaca da percussão. A consciência cidadã desponta na letra bem-feita de Didio. Sérgio Santos dá sua voz à melodia que ele desfila com o carinho e o respeito de um mestre-sala – a harmonia é o estandarte a ser beijado pelo sambista ajoelhado na avenida.

Em “Rumo à Zona Sul”, quarto e último movimento da quadrilogia, você canta o samba com voz firme e intro do seu violão. O ritmo é exato: o surdo se soma aos tamborins, a cuíca geme e o couro come. Vem o piano de Cristovão Bastos, que toca delicadamente, como se temendo se intrometer no trabalho do filho Miguel, que cria com o talento herdado do pai Cristovão e do sobrinho Raphael Rabello. E Didio fecha o papo reto. Vixe, o bagulho é doido!

Em “Vingança das Labás” o violão fala bonito. Os graves do bordão se ajuntam ao som da moringa de Renato Braz, que canta lindo e em terças com você, Miguel. A percussão de Marcus Thadeu ressoa, suingue emoldurado em harmonia e melodia de um jovem criador, de um gênio que tem nome e sobrenome: Miguel Rabello.

Fechando a tampa, vem “Quimera de São Jorge”. Clarinete e flugelhorn (Aquiles Moraes) tocam a intro. O violão chega com eles e atrai o encanto que abençoa os seres vivos da terra. E as bençãos de São Jorge trazem ânimo e esperança a nós que cantamos e amamos os autores que nos representam. Viva vocês, Miguel e Didio, que fazem a música com a cara do Brasil fecundo!

Por fim, deixo aqui um forte abraço aos dois. Fiquem bem!

ROGER WATERS: SAIBA TUDO SOBRE A TURNÊ DE ENCERRAMENTO DA CARREIRA DO MÚSICO NO BRASIL

Maio 23, 2023

PINK FLOYD

Confira aqui locais, horários, preços de ingressos e onde comprar para ver o ex-Pink Floyd pela última vez

Roger Waters – Foto: Divulgação.

Por Alice Andersen

CULTURA – 23/5/2023 · 

Um dos maiores nomes do rock e da eterna banda Pink Floyd lançou sua última turnê no Brasil nesta segunda-feira (22). O vocalista passará ao todo por seis cidades no país, trazendo clássicos de Pink Floyd e de músicas de sua autoria. As apresentações estão previstas para o final do ano, nos meses de outubro e novembro.

A série de shows de “This is Not a Drill”, programada para acontecer em 2020 e adiada para julho do ano passado por conta da pandemia, teve sua estreia nos Estados Unidos em 2022, e agora chegará ao Brasil, contemplando 20 clássicos do cantor e canções marcantes de quando esteve na banda Pink Floyd, da qual ficou conhecido como um dos fundadores no ano de 1965, junto de Nick Mason, Richard Wright e Syd Barrett.


“This Is Not A Drill” é uma nova e inovadora extravagância cinematográfica/rock and roll, é uma acusação impressionante da distopia corporativa na qual todos nós lutamos para sobreviver e um apelo à ação para amar, proteger e compartilhar nosso precioso e precário lar planetário. O show inclui uma dúzia de ótimas canções da Era de Ouro do Pink Floyd ao lado de várias novas, palavras e música, mesmo escritor, mesmo coração, mesma alma, mesmo homem. Pode ser seu último viva. Uau! Minha primeira turnê de despedida! Não percam.” – Roger Waters

Responsáveis pelos shows de Waters no país, as produtoras Bonus Track e 30E afirmaram que os últimos shows da turnê serão na América Latina. Junto ao vocalista nos palcos brasileiros vão estar Jonathan Wilson e Dave Kilminster (guitarra e vocais), Gus Seyffert (baixo e vocais), Jon Carin (teclado, guitarra e vocais), Robert Walter (teclado), Shanay Johnson e Amanda Belair (vocais), Seamus Blake (saxofone) e Joey Waronker (bateria).

Confirmada para acontecer nas cidades de Brasília, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte e São Paulo, a turnê contará com músicas como “Comfortably Numb”, “Us & Them”, “Wish You Were Here”, e “Is This The Life We Really Want?”, que integram a setlist. Segundo informações da produtora do evento, os ingressos estarão à venda a partir desta quarta-feira (24), às 12h, para as cidades de Belo Horizonte, São Paulo e Brasília.No mesmo horário, a venda de ingressos nesta quinta-feira (25) para as cidades do Rio de Janeiro, Curitiba e Porto Alegre.

Na capital paulista, o ex-integrante de Pink Floyd se apresenta no estádio Allianz Parque, no dia 11 de novembro. A compra dos ingressos vai estar disponível no site Eventim e em pontos de venda credenciados.

Confira os locais e valores do ingressos para “This is Not a Drill”:

24/10 – Brasília – Arena BRB Mané Garrincha (ingressos variam de R$ 195 a R$ 1.990)
28/10 – Rio de Janeiro – Estádio Nilton Santos / Engenhão (ingressos variam de R$ 190 a R$ 1.990)
01/11 – Porto Alegre – Estádio Beira Rio (ingressos variam de R$ 170 a R$ 1.990)
04/11 – Curitiba – Arena da Baixada (ingressos variam de R$ 245 a R$ 1.990)
08/11 – Belo Horizonte – Mineirão (ingressos variam de R$ 220 a R$ 1.990)
11/11 – São Paulo – Allianz Parque (ingressos variam de R$ 190 a R$ 1.990)
TEMAS
Pink Floyd
rock
Roger Waters

RS SE DESPEDE DE LUIZ CARLOS BORGES, ACORDEONISTA E COMPOSITOR QUE APOSTOU NA INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA LATINA

Maio 22, 2023
  1. CULTURA

CHAMAMECERO

Nesta segunda-feira (22), artistas amigos programaram uma tertúlia em sua homenagem, no Teatro Renascença

João Vicente Ribas*

 

Músico com formação universitária, tocava violão e principalmente gaita (acordeon, no gauchês), cantava, compunha e arranjava com erudição e sensibilidade – Foto: Zé Carlos de Andrade

Dias após realizar uma festa de 12 horas para comemorar seus 70 anos, no final de março em Porto Alegre, Luiz Carlos Borges acabou se despedindo na última quarta-feira (10). Natural da região das Missões, que integra o noroeste do Rio Grande do Sul a países vizinhos, deixou um legado de cultura transfronteiriça e excelência musical, gravado em 35 discos.

Músico com formação universitária, tocava violão e principalmente gaita (acordeon, no gauchês), cantava, compunha e arranjava com erudição e sensibilidade. Sempre andou rodeado de músicos talentosos, a exemplo de Yamandu Costa, que foi apresentado à cena de festivais nativistas pela mão de Borges, ainda quando guri prodígio. “Ele me deu formação musical, me fez sonhar alto e acreditou profundamente na minha caminhada”, escreveu no Instagram o violonista, hoje reconhecido internacionalmente.

Em episódio da série O Milagre de Santa Luzia, o sanfoneiro pernambucano Dominguinhos apresenta Borges como um dos grandes acordeonistas brasileiros e rememora uma turnê que fez ao seu lado pela Argentina. Na produção, o gaúcho conta sua história e também reverencia Luiz Gonzaga, cuja obra estudou: “Considero ele o verdadeiro patrimônio da música popular brasileira, essa música mais levada ao povo”.


“A morte do Luiz Carlos Borges é um talagaço no peito da gente!”, afirmou Olívio Dutra / Foto: Reprodução Facebook de Luiz Carlos Borges

Para a cena regional gaúcha, Luiz Carlos Borges foi um dos principais responsáveis por arejar os festivais da canção, com seus temas campeiros que encontravam a harmonia clássica e a verve jazzística. Foi idealizador do Musicanto Sul-Americano de Nativismo, promovido em Santa Rosa a partir de 1983 e que abriu o reduto da música gauchesca a ritmos brasileiros e latinos.

Borges também era reconhecido por sua conduta fraterna e diplomática. Fez campanha para candidatos do MDB e assumiu cargos públicos, como a presidência do agora extinto Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore (IGTF). Com a notícia de sua morte, o ex-governador Olívio Dutra, eventual adversário político, revelou nas redes sua admiração: “A morte do Luiz Carlos Borges é um talagaço no peito da gente!” (talagaço é uma expressão gauchesca que se refere a “de um golpe só”).

A partir de sua atitude política, em 1997, o show de inauguração da Ponte da Integração, que passou a ligar as cidades fronteiriças de São Borja e Santo Tomé, acabou contando com “tocadores de baile de fronteira”. Inicialmente estavam previstos apenas astros do rock brasileiro e argentino, mas Borges fez um apelo ao governador na época.

Contemporâneo dos hermanos Antonio Tarragó Ros e Raúl Barboza, colocou seu nome no rol dos chamameceros (músicos que valorizam e renovam a tradição do chamamé, ritmo comum dos dois lados do Rio Uruguai, e que possui origens indígenas e barrocas). Nos anos 2000, em parcerias gravadas com o sul-mato-grossense Almir Sater, também fez a familiaridade do chamamé na música pantaneira ser reconhecida.

O maior nome da música latino-americana cantou uma canção sua. Em 2009, Mercedes Sosa gravou “Misionera”, que tem letra de Mauro Ferreira. No dia de sua morte, a fundação que administra o legado da cantora argentina publicou uma foto dos dois juntos para marcar a despedida: “Acordeonista, cantor, compositor brasilero, un gran amigo y compañero de escenarios de Mercedes”.

E sua influência entre as cantoras persistiu, desde a gaúcha Shana Müller até a uruguaia Catherine Vergnes, que afirmou nas redes que o folclore está de luto: “El cielo se ganó un gaitero de ley”.

Já Bebê Kramer, um dos nomes mais significativos da nova geração de acordeonistas brasileiros, recém havia feito uma homenagem ao mestre compondo uma canção para o aniversário de 70 anos, com letra de Gelson Oliveira. Logo que soube do falecimento, publicou um vídeo nas redes sociais e contou que havia enviado a Borges a música e conversado por telefone, quando já estava no hospital. “Passamos uma tarde maravilhosa à distância, como se soubéssemos que nunca mais iríamos nos falar novamente, de fato nos despedindo”, conta.

Luiz Carlos Borges não resistiu a uma cirurgia para conter um aneurisma de aorta. Seu corpo foi velado no Theatro São Pedro, na capital gaúcha. Deixou pronto um álbum inédito, que deverá ser lançado em breve.

Nesta segunda-feira (22), artistas amigos programaram uma tertúlia em sua homenagem, no Teatro Renascença. Começa às 19h, mas não tem hora pra acabar, bem como Borges gostava.

* Jornalista e apresentador do programa Canciones para despertar en Latinoamérica (Rádio UPF)

PTEROSSAUROS JOVENS TINHAM COMPORTAMENTO SEMELHANTE AO DAS AVES ATUAIS

Maio 21, 2023

Em estudo publicado no periódico científico internacional Historical Biology, pesquisadores do Museu Nacional, da Universidade Regional do Cariri e da Universidade do Contestado identificaram que a maioria dos fósseis da espécie de pterossauro Caiuajara dobruskii, pertencia a indivíduos que estavam em seus primeiros anos de vida.

Segundo a pesquisa, estes animais jovens tinham comportamento semelhante ao das aves atuais. O Caiuajara dobruskii era um pterossauro de pequeno porte, com uma envergadura que podia variar de 0,65 metros (m) a 2,35 m, que viveu durante o período Cretáceo (~90-70 milhões de anos).

Descoberta em 2014, fósseis da espécie foram encontrados no interior do Paraná, em rochas do município Cruzeiro do Oeste e representou um importante achado para a paleontologia nacional. Essa foi a primeira vez que esses répteis alados foram encontrados fora da Região Nordeste. No local do achado, estavam presentes centenas de ossos dessa espécie.

Os pesquisadores constataram que a maior parte dos exemplares, cerca de 80% da amostra, pertencia a indivíduos ainda em estágio juvenil. Deste modo, muito possivelmente os pterossauros usaram a localidade como ponto de reprodução.

“Estes pterossauros quando juvenis, aparentemente, ficavam reunidos em grupos, um comportamento também visto em aves atuais. Esta estratégia de agrupamento dos juvenis é denominada creching, e costuma ser um mecanismo de sobrevivência que permite melhor regulação da temperatura e proteção dos juvenis contra predadores”, disse o líder da pesquisa, o doutorando Esaú Araújo, em nota. Ele é aluno do programa de pós-graduação em Zoologia do Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

“Pela primeira vez foi feito um estudo paleohistológico com um número expressivo de ossos de pterossauros e isto só foi possível dada a abundância de registros desta espécie, um cenário normalmente raro para os paleontólogos que estudam os pterossauros”.

Com um bom número de amostras, foi possível compreender, a partir das microestruturas dos ossos, o grau de desenvolvimento dos indivíduos, sua taxa de crescimento, fisiologia e aspectos comportamentais.

Na constituição óssea do Caiuajara dobruskii foi observado um córtex ósseo extremamente fino com a presença de um complexo ósseo tecidual denominado fibrolamelar. O padrão em questão é bem conhecido na literatura, estando presente em diferentes espécies de pterossauros.

Este tipo de tecido ósseo sugere que o Caiuajara dobruskii apresentava taxas de crescimento altas, também comparáveis às das aves atuais. Ele crescia a um ritmo superior ao de outras espécies de pterossauros, como espécies encontrada na China, Argentina e Alemanha.

“Esse trabalho é fruto da união de cientistas de diferentes instituições que, além da descoberta, estão auxiliando na reconstrução do Museu Nacional/UFRJ. É também mais uma demonstração de que o Museu Nacional Vive”, afirmou, em nota, Alexander Kellner, diretor do Museu Nacional, cuja sede ficou destruída por um incêndio em 2 de setembro de 2018.

Edição: Denise Griesinger