O ano em que o Brasil flertou com o apocalipse
O lançamento será no dia 10 de junho, às 18h, na livraria Da Vinci, no Rio. Estão ainda confirmadas as noites de autógrafos em São Paulo (Livraria Cultura, do Conjunto Nacional), no dia 11, às 19h, e em Salvador (Livraria Cultura, do Salvador Shopping), no dia 13, às 19h.
Os relatos de Magalhães foram escritos a quente, no olho do torvelinho. O livro reconstitui a gênese do “kit gay”, a mentira que mais influenciou uma eleição presidencial no Brasil; a caçada a macacos, como se fossem transmissores da febre amarela; as iniciativas medievais contra a vacina; o fenômeno do feminicídio; a volta da censura; a Copa do Mundo em que Neymar caiu; a ascensão da extrema direita; o surto chamado “Ursal”; a intervenção militar no Rio de Janeiro; o drama do suicídio, de índios a jovens urbanos; as ações do movimento Escola Sem Partido; a paralisação dos caminhoneiros; a militância política do Doutor Bumbum; a politização da Justiça e a judicialização da política; o incêndio no Museu Nacional; a violência física no processo da eleição; as fake news como instrumento para iludir os eleitores; o WhatsApp como meio de difusão de falsidades; as estratégias e os confrontos decisivos entre Jair Bolsonaro e Fernando Haddad; a nostalgia pela ditadura e os ataques aos direitos humanos; o “#EleNão” e outras resistências ao obscurantismo; a ilusão do vira-voto; a história do clã Bolsonaro; os entreveros na fronteira com a Venezuela; o legado de Michel Temer; o “Ninguém solta a mão de ninguém”. Em suma, nas palavras impressas em Sobre Lutas e Lágrimas, as histórias de “um país castigado por dores e inflamado por paixões”.
Quem perdeu episódios do ano em que a polarização política conflagrou o Brasil terá a chance de conhecê-los. Que os viveu os verá/lerá passados a limpo, mês a mês, semana a semana, dia a dia. O livro alinha os fatos cronologicamente. O autor combina ensaio, reportagem, artigo e crônica. Analisa, mas se dedica muito mais a contar _e muitas vezes emocionar. “É um livro indignado, em um tempo que exige indignação”, escreveu Mário Magalhães.
Sua narrativa se opõe à “história oficial” dos vencedores da eleição. Mas é crítica também com os derrotados: “Lula e seus pares se prepararam para a eleição como o general que se arma para a próxima guerra supondo que ela mimetizará a anterior”. E compartilha, no calor dos acontecimentos, o espanto: “Talvez pesquisadores do comportamento, do poder, da mente e da alma jamais cheguem a uma conclusão sobre que mal se abateu sobre nós, para tanta gente acreditar que o prefeito Haddad distribuíra às creches mamadeiras com o bico em forma de órgão sexual. Ou que legalizaria a pedofilia”.
Sobre lutas e lágrimas é um retrato feito quando 2018 se desenrolava. É uma fonte de informação e análise para entender o ano que passou e avaliar as suas consequências, que relaciona passado e presente, de olho no futuro. É um documento para a história.
A ideia do livro nasceu quando Mário Magalhães escrevia colunas de periodicidade semanal para o site The Intercept Brasil. Muitos desses textos reaparecem, retrabalhados, no livro. Mas os capítulos mais importantes e mais longos são absolutamente inéditos, como a introdução “(“O ano que tão cedo não vai terminar”), o balanço do país no fim de dezembro (“Sequelas”) e os relatos sobre a incandescente reta final do primeiro (“Tsunami eleitoral”) e do segundo turnos (“‘Ninguém solta a mão de ninguém’”).
Sobre Lutas e Lágrimas – Uma Biografia de 2018, como o título sintetiza, é uma grande reportagem, entre o épico e o lírico, do ano que o Brasil jamais esquecerá.
Mário Magalhães é jornalista e escritor. Formou-se na Escola de Comunicação da UFRJ. Trabalhou nos jornais Tribuna da Imprensa, O Globo, O Estado de S. Paulo e Folha de S.Paulo, diário em que foi repórter especial, colunista e ombudsman. Recebeu 25 prêmios jornalísticos e literários no Brasil e no exterior, entre eles Every Human Has Rights Media Awards, Prêmio Esso de Jornalismo e Prêmio Jabuti. É autor da biografia ‘Marighella: O guerrilheiro que incendiou o mundo’.
Trechos em destaque
O LIVRO
“Estas páginas não são obra de um cientista político ou social, apesar de análises de numerosos acadêmicos e pensadores serem citadas amiúde para iluminar circunstâncias sombrias. Conto o que testemunhei, vivi, senti e pensei. Os passeios históricos, idas e vindas cronológicas, prestam-se a cotejar retóricas e ações do presente com pregações e práticas do passado, sobretudo de regimes totalitários e movimentos antidemocráticos. Para incorporar valores de outrora, não é preciso ser batizado como Benito, vir ao mundo na Emília-Romanha e envergar camisas pretas.”
BOLSONARO
“Jair Messias Bolsonaro mastiga palavras e engole letras ao falar. Dá trabalho a quem transcreve seus discursos emendar os fragmentos de frases em que sílabas são descartadas no caminho como o palito de um Chicabon. Sua prosódia peculiar contém um cacoete verbal ao fim das orações, indagando se está ok. Ouve-se “taoquei?” (ou “talquei?”). Na juventude, ele embolsou alguns caraminguás elaborando palavras cruzadas para o jornal O Estado de S. Paulo, do qual anos antes tinha sido entregador. Exprime-se como se pronunciasse idiomas de tom imperativo, desses em que uma declaração de amor soa como ordem para o pelotão de fuzilamento atirar. O capitão reformado do Exército repete como um velho disco de vinil empenado que sua política externa não terá “viés ideológico”, contradizendo em seguida suas palavras, ao descrever o que será o Itamaraty ideologizado pelo desvario.”
MARIELLE
“Na quarta-feira 14 de março, a vereadora estava gripada. Monica também, com febre. A conjuntivite pegara Luyara. Na sexta, Maddox faria 12 anos. O cachorro que Marielle dera com menos de um mês de vida para a companheira era alvinegro, “por uma ser preta e a outra ser branca”, relembraria Monica. O cão ganhou o nome de um filho da atriz Angelina Jolie. No domingo, elas receberiam amigos para a inauguração do jardim de 1,95 metro de largura por 8 metros de comprimento que Monica fizera para Marielle na casa da Tijuca onde moravam com Luyara. Marielle não sobreviveu para o aniversário de Maddox, nem para a festa do jardim. Ela e o motorista Anderson Gomes foram assassinados dentro de um Agile. O papa Francisco e Lula telefonaram para confortar a família. Bolsonaro silenciou sobre o atentado.”
A JUSTIÇA NA ELEIÇÃO
“Na reta final, a Justiça reentrou em cena, a três dias do pleito. Em pelo menos duas dezenas de instituições de ensino superior, numa dúzia de estados, fiscais dos tribunais eleitorais apreenderam faixas e panfletos. Os juízes argumentaram que havia propaganda ilícita em dependências públicas. Na Universidade Federal de Campina Grande, recolheram na associação dos docentes cópias do “Manifesto em defesa da democracia e da universidade pública”. Na uff, no prédio da Faculdade de Direito, desafixaram uma bandeira com a inscrição “antifascista”. A juíza que ordenou a ação escreveu que a bandeira “possuiria conteúdo de propaganda negativa” contra Bolsonaro. No sábado, a ministra Cármen Lúcia suspendeu a repressão nas universidades. Ponderou que, “sem liberdade de manifestação, a escolha é inexistente. […] O processo eleitoral transforma-se em enquadramento eleitoral, próprio das ditaduras”. Na véspera, o tse atendera pedido de Bolsonaro para remover um vídeo crítico a ele em que crianças reproduzem frases repugnantes do candidato.”
USTRA, O ÍDOLO
“No discurso da derrota, Haddad disse que “a vida é feita de coragem”. Em seu primeiro pronunciamento como eleito, na internet, Bolsonaro afirmou que “não poderíamos mais continuar flertando com o socialismo, com o comunismo e com o populismo e com o extremismo da esquerda”. Ele será o oitavo presidente pós-ditadura. O segundo, eleito diretamente, a ter apoiado o regime de 1964 (o pioneiro foi Collor). O primeiro capitão a governar o país (antes houve marechal, general e, em juntas, almirante e brigadeiro). No meio da multidão que se aglomerou diante do condomínio onde o deputado mora distinguiu-se a bandeira “Ustra vive!”