Archive for Abril, 2022

DANIELA MERCURY FALA SOBRE O 1º DE MAIO E APONTA: “O BRASIL PRECISA INVESTIR EM GENTE”

Abril 30, 2022

DIA DE LUTA

Cantora vai participar do ato unificado das centrais sindicais no domingo, em São Paulo

Redação

São Paulo |

 Abril de 2022 –

Para Daniela Mercury, “precisamos de uma melhor qualidade de educação e de mais oportunidades de trabalho qualificado” – Ministério da Cultura

A cantora Daniela Mercury estará presente no ato unificado das centrais sindicais, que será realizado no dia 1º de maio, na praça Charles Miller, em São Paulo. Voz atuante no meio artístico na defesa dos direitos humanos, ela falou sobre a importância da data.

“O maior desafio do Brasil é lidar com o desemprego. Nesse ano, mais de 30 milhões de brasileiros ganham menos do que precisam para viver dignamente ou estão desempregados. A fome e o desemprego não podem esperar. Precisamos, nesse Dia do Trabalho, exigir soluções para essa situação gravíssima em que o Brasil se encontra”, pontuou, ao Brasil de Fato.

A cantora ressaltou ainda a importância das políticas públicas para a melhoria do bem estar da população. “O que o governo tinha obrigação de fazer e não fez? No Brasil, o governo tem um importante papel de fomentar muitas áreas. Temos questões urgentes e também temos o futuro nos desafiando com a revolução tecnológica que está mudando o mundo do trabalho”, disse.

“Precisamos de uma melhor qualidade de educação e de mais oportunidades de trabalho qualificado de acordo com as vocações do Brasil. Por exemplo: a indústria cultural é uma grande vocação do país e é a área que gera mais empregos, que mais distribui renda, que menos polui, que traz mais qualidade de vida e que mais cresce no mundo. O Brasil precisa investir em gente.”

Para a artista, o Primeiro de Maio é uma data que simboliza a resistência e a luta cotidiana da população. “E o Dia do Trabalhador também é o dia de celebrar a nossa importância e de valorizar o trabalho digno, decente, em condições de liberdade, equidade e segurança para homens e mulheres. Dia de luta por igualdade de salários e acesso aos cargos de liderança para mulheres e todas as minorias. Dia de lutar por creches e escolas em tempo integral para crianças e adolescentes para que as mulheres possam trabalhar. Dia de exigir políticas públicas eficazes para incluir e trazer igualdade e oportunidades de trabalho para as populações negras e LGBTQIA+ dentre outras.”

Como vai ser o Primeiro de Maio em São Paulo

O ato organizado por CUT, Força Sindical, UGT, CTB, NCST, Intersindical Central da Classe Trabalhadora e Pública Central do Servidor vai começar às 10h, no domingo, e deve se estender até as 18h. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é uma das presenças confirmadas no evento.

Além de Daniela Mercury, o evento contará com shows de Francisco El Hombre, Leci Brandão, Dexter e DJ KL Jay.
 

Edição: Glauco Faria

GRANDE RIO: A ENCRUZILHADA DE EXU ENTRE A FESTA E A LUTA

Abril 29, 2022

Há muito o carnaval canta a liberdade do povo negro. Mas ao descolonizar o orixá e trazê-lo ao centro da avenida, escola fez dele o mito vivo capaz de encarnar tanto a sensualidade e a alegria quanto a fúria e a resistência política

OUTRASMÍDIAS

POÉTICAS

Por Le Monde Diplomatique Brasil

Abril – 2022 –

Por Marina Basso Lacerda para Le Monde Diplomatique Brasil

Mais do que vencedor do Carnaval do Rio de Janeiro de 2022, o desfile da Grande Rio foi intitulado, com absoluta justiça, um dos maiores do século.

Nunca Exu havia sido protagonista de uma escola de samba. É que esse enredo provavelmente estava aguardando décadas, senão séculos de maturação, para que pudesse ser confeccionado e apresentado em toda sua complexidade. E mesmo que consolidasse uma nova fase conceitual e estética na Marquês de Sapucaí.

Um desfile é uma gigantesca obra musical, cênica, plástica e literária. Esse último aspecto é menos evidente. Mas talvez seja ele que tenha feito dos jovens Leonardo Bora e Gabriel Haddad os mais importantes carnavalescos contemporâneos – ao lado de sua ligação fundamental com a comunidade e com a rede de artistas que faz o maior espetáculo da terra.

Reunindo Conceição Evaristo, Helena Theodoro, Alberto Mussa, Luiz Antonio Simas, Luiz Rufino, Alexandre Cumino, Wanderson Nascimento, Nei Lopes, Abdias do Nascimento, Jean-Michel Basquiat, Jorge Amado, Guimarães Rosa e tantos outros intelectuais e artistas, Bora e Haddad fizeram uma obra que, no seu aspecto mais evidente, foi um manifesto contra o racismo religioso, dando continuidade ao trabalho de 2020, que homenageou o pai de santo Joãozinho da Gomeia.

As religiões de matriz africana são as que mais sofrem do mal da intolerância, cujas estatísticas sobem ano a ano. Opondo exus e pombagiras (ligados à figura do diabo) ao Espírito Santo é que muitos cultos cristãos se realizam.

Os carnavalescos lembram que a associação de Exu com as ideias de mal e pecado remonta aos tempos coloniais escravistas, em que o catolicismo se valia de diversas estratégias para se impor, dentre as quais a depreciação de divindades que não a sua, usando a figura do demônio para mobilizar uma “máquina domesticadora de corpos e mentes”. Em contrapartida, os próprios povos de terreiro se apropriaram desse imaginário como tática de sobrevivência: se Exu é o diabo e o diabo é perigoso, que os outros tenham medo dele!

Mas é (ou deveria ser) evidente, e esse é o cartaz da Grande Rio, que Exu não é o belzebu de doutrinas cristãs. É uma energia complexa, que a Escola colocou na avenida em toda sua exuberância. E não poderia ser diferente, pois Exu é o portador do Axé, da energia vital.

Segundo as cosmogonias iorubás, Exu foi criado por Olorum com uma série de potências, inclusive a de dar movimento a deuses e homens e de fazer a mediação entre eles. Exu é o princípio dinâmico, símbolo de mudança, da comunicação, da liberdade. A rua, a esquina e a encruzilhada são seus templos. É o que cobra e dá. É o que abre os caminhos. “Nunca foi sorte, sempre foi Exu”, assim foi nomeada a fantasia da bateria de Mestre Fafá.

Exu é a energia que dinamiza as trocas, povoando mercados e feiras. Esses intercâmbios, reivindica a Grande Rio, não possuem o sentido da acumulação capitalista, mas estão apoiados na ideia de sociabilidade. São representados no imenso carro “Chão de Terreiro, Axé no Mercado” – mercado e terreiro estão juntos porque Exu transborda a dicotomia entre espaços sagrados e profanos.

A alegoria é composta por bancas, barracas e mais de 2 mil caixotes de madeira, inspirados nas instalações do artista ganense Ibrahim Mahama. Exibe também gigantes padês – oferendas de fartos alimentos e cachaça, que o Exu da comissão de frente comia e bebia com gosto. E na sua frente, luminosos, os sacerdotes que os preparam. Um deles era Luiz Bangbala, ogã vivo mais antigo do Brasil, no auge dos seus impressionantes 102 anos.

Exu expressa as contradições humanas; adquire incontáveis corpos e nomes.

Associado a símbolos de virilidade, potência, fecundidade – e criação –, nesse sentido é comparado ao deus grego Príapo. Nas noites de Exu, povoadas de malandros, damas da noite, tranca-ruas, marias padilhas, zés pelintras, as pombagiras levam homens e mulheres ao delírio, à embriaguez e aos jogos de sedução. O carteado, os botequins, os cabarés, a embriaguez, o desvario, os anéis, os batons, os dados, as taças… Todos esses personagens e ícones dos prazeres terrenos foram exaltados no carnaval da Grande Rio… porque Exu é carnaval. Um dos seus títulos é Odará, o Senhor da Felicidade.

Ainda compõe a energia de Exu a “linha do lixo”, pois ele circula por espaços associados ao que é rejeitado pela sociedade. A Grande Rio teve uma seção celebrando os marginalizados, os silenciados, os descartados, os “loucos”, os narradores cujas visões desafiam as certezas. Exu é diversidade que desafia qualquer pretensão de razão unificada.

(Créditos: Gabriel Monteiro/ RioTur)

As roupas e a impressionante alegoria do setor – um cenário diatópico – foram idealizadas em parceria com estudantes de Belas Artes da UFRJ, utilizando-se de sobras de material de todo o processo criativo de várias escolas – Exu é a boca que tudo come, e na composição o Carnaval deglute a si mesmo.

A ala foi dedicada à Estamira, catadora de Gramacho – o maior lixão que já existiu na América Latina, e que ficava em Caxias. Ela conversava com Exu via telefone, saudando-o: “Fala, Majeté”, como o samba se inicia.

Exu Caveira, levado ao conhecimento do grande público por João Bosco, Aldir Blanc e Clementina de Jesus em 1979, não faltou ao desfile, na “linha do cemitério” – expresso principalmente no figurino dos intérpretes, com destaque para Evandro Malandro. Em banto, ensina Nei Lopes, “Kalunga” significa “grandeza, imensidão, mar” e… “morte”. O próprio Atlântico era chamado de “Kalunga Grande”, no sentido de “grande cemitério”.

E aí chegamos no que para mim é o ponto nodal de Exu e da proposta da Grande Rio: a encruzilhada, a começar pela grande encruzilhada do Atlântico, pela qual “atravessaram sabedorias de outras terras que vieram inventadas nos corpos, suportes de memórias e de experiências múltiplas que, lançadas na via do não retorno, da desterritorialização e do despedaçamento cognitivo e identitário, reconstruíram-se no próprio curso, no transe, reinventando a si e ao mundo”, na síntese espetacular de Luiz Antonio Simas e Luiz Rufino.

Ao se ler a diáspora africana – sequestro e travessia forçada de seres humanos, quase seis milhões apenas para o Brasil – como encruzilhada, podemos ver nela o “paradoxo incompreensível aos olhos coloniais”: uma fresta de reinvenção. O oceano acolheu o banzo, mas serviu também de esteira para o não esgarçamento de crenças e pensamentos que foram reconstruídos – assentados – nas Américas.

O primeiro carro da escola representa esse assentamento, essa cruzada atlântica, em um poderoso “mar de dendê”, expresso na melodia e em fantasias, pelas quais os carnavalescos criaram um “fantástico cortejo de Exus africanos em direção ao território brasileiro, deslocado do tempo”, atravessando um terreiro aquático onde são riscados pontos e guardados segredos.

A reinvenção é possível pela resistência, catalisada por Exu, porque resistência – e eis aí mais um paradoxo – é movimento de transformação do mundo. E assim uma alegoria é destinada ao Exu-liberdade, ao Exu-luta, que não se deixa amordaçar ou aprisionar por amarras. Representado por Zumbi dos Palmares, foi interpretado pelo professor, advogado e defensor de direitos humanos Renato Ferreira. Inclusive há um busto de Zumbi na cidade da Grande Rio. O movimento negro, aliás, já reivindicou a troca do nome de Duque de Caxias – símbolo de repressão de revoltas populares e exaltado como o patrono do Exército brasileiro – para município “Zumbi dos Palmares”.

A alegoria do líder negro se emendou com a ala das baianas, que vestiam o emocionante “fogo no canavial”: fazê-lo era um ato de insubmissão e uma estratégia utilizada nas fugas para os quilombos. Suas saias incendiaram a avenida num senso de justiça e liberdade.

Exu, associado a uma noção não linear de tempo e sua figura caleidoscópica, nas palavras dos carnavalescos, serve de “espelho (estilhaçado) para que pensemos o próprio Brasil – país que se faz terreiro, num desfile de Escola de Samba”.

Parabéns pelo prêmio mais do que merecido. Que com ele aprendamos mais sobre quem somos e sobre quem podemos ser. Laroiê!

Marina Basso Lacerda é doutora em Ciência Política e autora do livro O novo conservadorismo brasileiro: de Reagan a Bolsonaro (Zouk, 2019).

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FESTIVAL ESTADUAL DE ARTE E CULTURA DO MST EM BH DEFENDE COMIDA NA MESA E AGROECOLOGIA

Abril 28, 2022

CULTURA

Além das apresentações artísticas, cerca 60 toneladas de alimentos e produtos sem veneno irão compor a feira

Maria Araújo

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |

 28 de Abril de 2022 –

A programação cultural conta com apresentações artísticas e comercialização de produtos fabricados pelas mulheres, como artesanatos, roupas e instrumentos musicais – Foto: Mídia Ninja

Entre os dias 29 de abril e 1º de maio, acontece em Belo Horizonte o Festival Estadual de Arte e Cultura e Feira da Reforma Agrária e Agricultura Familiar do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O evento, que será na Praça da Assembleia, em Belo Horizonte, possui como tema central “Reforma Agrária Popular: cultivando terra, trabalho e democracia” e conta com diversas atividades culturais e artísticas.

Aproximadamente, são 60 toneladas de alimentos e produtos da reforma agrária e da agricultura familiar para compor a feira ao longo de três dias. A ideia do movimento é trazer o acesso para moradores da capital de produtos agroecológicos e debater sobre segurança e soberania alimentar.

“A segurança e a soberania alimentar se complementam. Não dá só para assegurar que as pessoas tenham alimento, mas esse alimento deve ser de qualidade. A comida deve ser produzida de uma forma sustentável, que cuida também dos bens ecológicos. A gente pretende apresentar justamente isso”, explica Maíra Pereira, do setor de Produção, Cooperação e Meio Ambiente do MST de Minas Gerais.

Durante a feira, a “Cozinha da Roça, oferece uma diversidade de produtos e pratos que possibilitam ao público experiências culinárias diversificadas. Tudo feito com produtos agroecológicos e sustentáveis.

“Temos arroz, feijão, hortaliças, carnes, mandioca, mel, alho. Isso também faz parte do nosso projeto de soberania alimentar. Para nós, é importantíssimo trazer esses alimentos produzidos por nós, camponeses, sem-terra, porque assim a gente mostra a importância da agricultura familiar e da reforma agrária”, aponta Maíra.

Diversão e arte

A programação cultural conta com apresentações artísticas e comercialização de produtos fabricados pelas mulheres, como artesanatos, roupas e instrumentos musicais. “É muito importante a autonomia econômica para as mulheres, a partir da comercialização que é feita por elas próprias. Isso visibiliza o trabalho delas”, aponta Maíra.

Entre os artistas confirmados, estão Pereira da Viola, Titane, Sérgio Pererê, Guê Oliveira e Maurício Tizumba. O tradicional Samba da Nossa Terra, que é programação fixa do Armazém do Campo, troca de endereço e traz alegria à Praça da Assembleia. Roda de viola, ensaio aberto do bloco Pisa Ligeiro e atração surpresa que integra o campo e a cidade são algumas das atividades previstas durante a feira.

Fonte: BdF Minas Gerais

Edição: Larissa Costa

GUERNICA, 85: UM GRITO CONTRA O FASCISMO

Abril 27, 2022

Numa tarde de 1937, cidade basca era dizimada. Aviões despejaram toneladas de bombas. Objetivo: inaugurar nova lógica de guerra, em que ninguém está a salvo e a barbárie busca suplantar ideias e resistências. Por que recordá-la hoje?

OUTRASPALAVRAS

HISTÓRIA E MEMÓRIA

Por Ivan Zumalde

Abril -2022 –

Há 85 anos, o mundo conhecia uma nova e covarde forma de guerra. Era início da tarde quando algo inesperado aconteceu. Pessoas circulavam na feira local da pequena vila basca de Guernica, no norte da Espanha, quando o céu anunciou o terror.

Aviões estrangeiros jogaram bombas em casas, estações de trem, hospitais e metralharam pessoas que tentavam fugir. Foi apavorante. Naquela segunda-feira, dia 26 de abril de 1937, os conflitos inauguraram uma nova e triste lógica bélica em forma de barbárie.

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Durante quase três horas, 24 aviões jogaram 40 toneladas de explosivos sobre o pequeno e desmilitarizado povoado basco. A esquadrilha destruiu 70% do vilarejo e assassinou centenas de homens, mulheres e crianças da pequena localidade com cerca de 5.500 habitantes.

Sem aviso e muito menos razão, o 1º bombardeio a uma população civil na Europa marcou as guerras do século XX e deixou rastros e feridas abertas no mundo até os dias de hoje. Mas quem ordenou e, principalmente, porque esse ataque sem lógica militar aconteceu? Para entender o bombardeio, a criação do famoso quadro de Picasso, as relações com a guerra na Europa e as conexões com o Brasil, é preciso imergir na história e no simbolismo de Guernica.

Três homens e a estratégia do ódio pelo poder

A barbárie ocorrida em Guernica tem muitas faces. Para além da tragédia humana, é preciso buscar o contexto histórico e geopolítico da época, suas causas e consequências. São dois os pontos fundamentais para entender o quebra-cabeça da tragédia de Guernica: a Guerra Civil Espanhola e o avanço do nazifacismo na Europa.

Guerra Civil Espanhola

Primeiramente, a Espanha estava em Guerra Civil desde 1936, conflito que dividia o país e que se arrastaria por mais alguns anos, exatamente até 1939, quando começou a Segunda Guerra Mundial. Foi nessa época que bascos e catalães viraram alvo do autoritarismo do general Francisco Franco. Como veremos em detalhes a seguir, a identidade do povo basco e o simbolismo de Guernica foram algumas das razões para o bombardeio.

Mas os motivos não cabiam apenas na Espanha. A Europa passava por profundas transformações sociopolíticas, e o alinhamento ideológico do ditador Franco com líderes de outros países foi determinante.

Nazifacismo na Europa entreguerras

Era o período entreguerras na Europa e final da década de 1930. O continente estava em uma ebulição de ideias e a torre de babel ideológica era complexa e cheia de novas visões de mundo. A Itália criou o fascismo com Benito Mussolini e a Alemanha viu nascer o nazismo de Adolf Hitler. Ao mesmo tempo, o mundo já conhecia o comunismo soviético e o capitalismo americano avançava.

Ou seja, existiam alguns elementos para o estopim de uma guerra a nível mundial, o que acabou acontecendo em 1939, unindo Alemanha e Itália, ambas nações feridas pela 1ª Guerra Mundial, além do Japão. Some tudo isso à necessidade de os dois ditadores europeus literalmente precisarem testar suas armas antes do conflito principal. Estavam dadas as condições para o bombardeio de Guernica.

Lembrem que estamos em 1937, dois anos antes do estopim da Segunda Guerra, enquanto Hitler e Mussolini precisavam testar suas armas, Franco precisava ganhar sua Guerra Civil. Estava montado a tática de poder e ódio onde vidas humanas passariam a ser apenas números dentro de uma estratégia militar.

A Guerra civil Espanhola e o avanço autoritário de Franco

A Guerra Civil na Espanha é considerada por muitos especialistas como um ensaio para a Segunda Guerra Mundial. As questões econômicas, ideológicas e culturais dentro do país ibérico traziam à tona conflitos sociais também existentes no ocidente.

Estava em jogo, dentro da Espanha, embates entre monarquia x república, ditadura x democracia, religião x Estado laico, fascismo x comunismo. O choque de classes sociais era violento e um caldeirão de pensamentos se misturava com uma crise social e política que se arrastava desde o século XIX.

Disputa entre monarquistas e republicanos na Espanha

Ao chegar no século XX, esses conflitos já representavam diversas tentativas frustradas de governo. Em meio a escândalos de corrupção e frente a iminência de revolta social, o caminho para mudanças se abriu e o próprio fim da monarquia e início da república acabaram por acontecer.

Lembremos que, atualmente, a Espanha é uma monarquia parlamentarista. Mas, na convulsão do início do século XX, o rei da época, Alfonso XIII, abdicou do trono para instaurar um regime parlamentar constitucional após eleições que racharam o país em 1931, entre os conservadores monarquistas e os progressistas republicanos. O período acumulava muitas contradições.

A temperatura se acirra depois que republicanos saem fortalecidos das eleições e têm seu representante eleito. O presidente busca reformas, mas encontra dificuldades e insatisfação da sua própria base. O país permanece sem resolver suas tensões sociais que se aprofundam em conflitos e polarização política. Há tentativa fracassada de golpe pelos monarquistas e novas eleições elegem a direita ao poder.

Chega o ano de 1936, e a esquerda republicana ganha novamente e retorna ao governo com margem apertada de votos. A direita questiona, não aceita o resultado e lança outro golpe militar contra a República em 18 de julho de 1936, esse planejado por Francisco Franco e outros militares. O governo republicano reage e o que antes era apenas tensão social se transforma em uma guerra civil entre os dois lados.

Conflito sangrento entre dois lados de um mesmo país

A disputa pelo poder estava em jogo e prontamente ambos os lados buscaram apoio internacional. De um lado, os nacionalistas mais alinhados à monarquia, ao clero e aos valores tradicionais da sociedade espanhola se aproximaram do governos fascistas italiano e nazista alemão. Do outro lado, os republicanos, mais alinhados ao movimento operário e aos valores progressistas, buscaram agregar comunistas, anarquistas e se aproximavam do governo da então União Soviética. Os extremos estavam posicionados nas trincheiras espanholas e contavam com olheiros de fora do país.

O conflito é sangrento e custa, ao final de quase três anos, mais de 500 mil mortos. Alguns estudos chegam a 1 milhão de mortos. Ambos os lados são acusados de crimes, assassinatos e torturas de civis.

A guerra traz tragédias humanas como a fome e órfãos em meio à violência e ao ódio. A barbárie parece se normalizar e o prenúncio da tragédia de Guernica parecia estar se desenhando cada vez mais no horizonte. Em certa altura da guerra, Franco tem dificuldades de conquistar regiões mais desenvolvidas do país e projeta avançar usando outras táticas. O bombardeio se aproxima.

Junto com seus aliados Hitler e Mussolini, a estratégia bélica da Falange fascista de Franco tem alvo e destino diretos dentro do seu próprio país: o povo basco e o norte da Espanha. Uma população com identidade cultural histórica forte em busca de emancipação e que lutava no lado contrário à Franco, o lado republicano.

Por fim, o dia 26 de abril é escolhido por Franco — e a vila de Guernica vira o palco do ódio e da morte. Uma arma fatal e também moral que mudaria o destino do próprio País Basco na segunda metade do século XX.

O Bombardeio de Guernica

Umas das melhores maneiras de trazer a realidade de um conflito é a narrativa dos fatos e a prática do jornalismo feito por repórteres dentro do território onde os conflitos acontecem. É conhecida a frase que diz que a primeira vítima da guerra é a verdade. As notícias falsas podem ter sido potencializadas pelos meios digitais de hoje, mas a disputa de narrativas e mentiras sempre existiu nesses contextos bélicos.

No caso do bombardeio de Guernica, não foi diferente. Por anos, o lado fascista dizia que o ataque foi orquestrado pelos próprios bascos. Graças ao relato do correspondente inglês George Lowther Steer, isso foi desmentido e o horror do bombardeio pôde ganhar a denúncia necessária pelo mundo.

Com carreira dentro do exército britânico, Steer havia se tornado um grande correspondente de guerras. Já havia presenciado outros conflitos pelo mundo, mas sua principal contribuição foi a reportagem feita logo após o bombardeio, publicado no The Times e no The New York Times no dia 28 de abril de 1937, dois dias depois da tragédia.

Aos 27 anos, ele presenciou a barbárie e a morte. Estava cobrindo a Guerra Civil no País Basco e, tanto sua vida, quanto a percepção do mundo sob o conflito, seriam influenciados pelo seu olhar histórico. Pablo Picasso lançaria sua célebre obra de arte Guernica três meses depois e Steer publicaria seu livro, Árvore de Guernica, de 1938.

A seguir, destacamos um trecho do livro:

A cada vinte minutos chegava nova onda de atacantes. E entre as explosões e os jorros de labaredas provocados pelo metal incandescente em contato com cortinas, vigas, portas e tapetes, enquanto uma grande mortalha cinzenta pairava sobre Gernika, suportada pelas colunas brancas ali onde começavam os incêndios, durante as pausas da guerra moderna, a população corria pelas ruas para arrebentar as portas dos abrigos sufocantes, e para retirar as crianças e pertences pequenos e sem valor das casas tomadas pelo fogo.

Houve muitos gemidos em Gernika, muita labuta ofegante para desencavar os feridos antes da chegada dos aviões seguintes. Vinte minutos durava o intervalo entre cada onda de fogo, e os padres aconselhavam as pessoas para que se mantivessem calmas. Nesse momento, algo como um espírito de resistência passiva havia brotado nelas. A face de Gernika transformava-se em cinzas, a face de todos estava cinzenta, mas o terror alcançara um ponto de obstinação submissa jamais visto em Biscaia.

Nos intervalos, as pessoas saíam do vilarejo, mas o temor dos caças e de se separar de suas famílias fez com que muitos permanecessem. E então os aviões retornaram com os tubos de lata, despejando-os sobre Gernika; outra parte foi destruída, e mais gente acabou soterrada nos refúgios.”

George Steer continuou a presenciar conflitos e morreu aos 35 anos em um acidente no dia de Natal em Bengala, Índia, em 1944, em operações britânicas na Ásia durante a Segunda Guerra Mundial.

Árvore de Guernica: um símbolo para os bascos

O símbolo e o espírito de Guernica se espalharam pelo mundo depois de 1937, e um fato em especial surpreende até hoje. Guernica, além de emprestar o nome à cidade e à obra de Picasso é, sobretudo, uma árvore. Um carvalho da espécie Quercus Robur e um símbolo histórico para os bascos.

Durante séculos, o povo e seus líderes se reuniam em assembleias onde reis de outras regiões juravam respeito às liberdades e valores de Bizkaia e, por consequência, a autonomia do povo de Euskal Herria (País Basco).

Existe uma árvore, a Gernikako Arbola, ou ainda Gernika, (a árvore de Guernica, escrita em euskara, a língua basca, se escreve sem a letra u — e com k ao invés da c) plantada há séculos no centro da cidade. Essa mesma árvore, que permanece ao lado do Parlamento Basco ainda hoje, também estava lá no dia 26 de abril de 1937. E sobreviveu de forma impressionante e incólume aos ataques nazifascistas. Um símbolo fortalecido de paz frente ao ódio da Guerra.

Resultados do bombardeio de Guernica

Após o ataque planejado por Franco e executado em conjunto pela Legião Condor de Hitler e a esquadria italiana de Mussolini, o ditador avança. Entre 1937 e 1939, Franco cerca outras importantes cidades no norte da Espanha, além de Barcelona e Madrid.

Outros bombardeios ocorrem no país e as regiões mais industrializadas da Espanha caem sob domínio do tirano e a Espanha acaba nas mãos dos fascistas. Franco declara vitória em 1 de abril de 1939 e implementa sua ditadura de 35 anos até sua morte em 1975. Como todo regime ditatorial e autoritário, oprime seus opositores e derrotados. Milhares de republicanos são mortos e presos e muitos se tornam refugiados.

Após 85 anos, o distanciamento histórico e os fatos conseguem dar luz aos reais motivos do bombardeio e explicar melhor o que significou o ataque à vila de Guernica, suas consequências para a Espanha e para o mundo.

Consequências do bombardeio de Guernica para Espanha e para o mundo

Não resta dúvidas que foi um ataque político contra a população civil para ferir a moral do povo basco e pressionar suas lideranças. Matar pessoas e destruir a cidade — e não as indústrias que ali estavam — mostrava claramente as intenções e as táticas do general Franco.

O “Generalíssimo”, como era chamado, resolveu questões militares pela tática da barbárie. Obrigou a rendição dos líderes bascos, forçando o abandono do lado republicano e, como consequência, feriu o orgulho do povo, amedrontando com seu poder e ódio à população ao aniquilar sua cidade histórica.

Ao mesmo tempo, Franco se fortalecia geopoliticamente com o fascismo e o anticomunismo. De maneira planejada, o ditador também inaugurava uma nova forma de fazer guerra. Após o bombardeio de Guernica, outras táticas como essa também ocorreram do lado oposto. Britânicos e aliados bombardearam a cidade alemã de Dresden, e americanos jogaram as bombas atômicas nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki. A barbárie estava institucionalizada e normalizada.

Na Espanha, a escolha tática e militar somada à ditadura de décadas de Franco promoveu outras consequências. Muitos especialistas asseguram que essas ações e repressões acabaram por promover mais violência.

O grupo Euskadi Ta Askatasuna ou, em basco, Pátria Basca e Liberdade, o ETA, nasceu dentro desse contexto de fascismo e repressão sistemática da ditadura de Franco contra o povo basco, não permitindo, por exemplo, o ensino de suas tradições como a língua basca nas escolas, entre outros costumes. É uma questão complexa, que os catalães também enfrentam e que vão além de uma questão separatista e acabam envolvendo outras matizes sociais, políticas e culturais.

Legado social e cultural de Guernica

A obra de Guernica de Pablo Picasso

A melhor definição de uma das obras mais importantes do século XX foi a resposta de seu autor ao responder a pergunta de um oficial nazista.

A pergunta a Picasso abordava se ele era ele quem tinha pintado a tela, e ele respondeu: “Não, foram vocês”. A potência de sua obra é traduzida no legado político, cultural e artístico que ela representa até hoje.

Mas a história da obra se iniciou antes. Meses antes de criar Guernica, Picasso havia recebido a encomenda do governo espanhol para criar uma obra para representar a Espanha na Exposição Internacional de Paris.

Depois de ver a repercussão iniciada pelos relatos de Steer e as fotos da atrocidade, o artista decide mudar sua criação. Começa a pintar uma tela para representar a barbárie e a destruição da guerra ocorrida em seu país natal.

Guernica é um ato político e tem a arte como forma de mostrar ao mundo o que a humanidade é capaz de criar. Uma obra que retrata a violência, clama pela paz e se torna símbolo mundial contra a Guerra. A obra é um enorme mural feito em óleo sobre tela de tendência modernista com dimensões de 3,51 m por 7,82 m e feita em preto e branco. Inicialmente seria em cor, mas Picasso mudou no decorrer da obra.

Hoje, o mural está no Museu Rainha Sofia em Madrid, mas por décadas ficou no MOMA de Nova York, respeitando a vontade do seu criador de somente estar em solo espanhol quando a democracia e a república fossem restauradas no país.

A obra voltou ao país em 1981, depois da morte de Franco. Antes, fez um tour pelo mundo, incluindo o Brasil, por onde passou em 1953, na segunda Bienal de São Paulo, com grande sucesso de público.

Se buscam compreensões sobre os detalhes dentro do quadro. Há muito significado nos símbolos e elementos como o touro, o cavalo, a mulher com a criança e outros elementos. Mas o próprio Picasso não gostava de explicar e evitava dar razões estéticas e conceituais sobre o quadro. Assim, também tinha consciência do poder de sua arte que, ao final, não era mais só dele, pertencia a todos. Dessa forma, ajudou a imortalizar sua obra e seu legado.

Do fascismo no Brasil até a diáspora basca pós Guerra

E qual a conexão do Brasil com essa história? Assim como hoje, o país já estava conectado com a economia global e já tinha população imigrante europeia.

O país também acabou se envolvendo na Segunda Guerra Mundial e o governo de Getúlio Vargas esteve próximo de apoiar o Eixo, mas depois ficou ao lado dos norte-americanos e aliados. O país não ficou alheio às disputas ideológicas da época e isso acontecia também dentro do território nacional.

Fascismo no Brasil: Movimento Integralista

O Brasil, inclusive, teve um dos maiores movimentos fascistas no mundo e um de seus líderes, Plínio Salgado, teve um encontro com Mussolini na Itália. O Movimento Integralista foi um importante movimento de extrema-direita, teve relações com o governo Vargas e organizou golpes fracassados contra o próprio governo.

Há livros que contam em detalhes esse movimento e os embates com os comunistas que ocorreram na “Batalha da Praça da Sé” em São Paulo, inclusive, com mortes entre civis. Sem se aprofundar muito aqui nesse texto, algumas das razões que explicam o surgimento do Integralismo no Brasil, estão: raízes conservadoras, passado escravista, governos de elites oligárquicas e pouca democracia no país.

Terreno fértil para o advento de movimentos de extrema direita. E podem, inclusive, explicar outros movimentos de cunho racista, xenofóbico, homofóbico e intolerantes vistos hoje, exemplificados no aumento da cultura da violência e no crescimento de grupos neonazistas na internet.

Refugiados da Espanha no Brasil

Ao mesmo tempo, o Brasil também acolheu e recebeu, como consequência do bombardeio de Guernica, da Guerra Civil Espanhola e do pós-Segunda Guerra, homens, mulheres e famílias que fugiram da Espanha em busca de liberdade e melhores condições de vida.

A comunidade basca foi uma delas. Bascos vieram ao país buscando uma nova realidade e fincaram raízes no Brasil, em especial no estado de São Paulo como vemos nos depoimentos abaixo:

Quando saí da grande prisão de Franco e nos encontramos no Brasil, um grupo de cerca de 25 bascos queria formar uma associação. Já existiam associações espanholas e catalãs, mas nós queríamos formar nossa própria batzok (referência a sede do partido basco). A associação “Eusko Alkartasuna” (União e solidariedade basca) foi criada na fábrica Aisola em 7 de setembro de 1957 e, depois a sede se instaurou em uma chácara em Interlagos, onde está nossa “Gernika Kutuna”. (Gernika, querida). Ali, era um lugar para nos sentirmos bascos, sentir o nacionalismo basco e, da nossa maneira, consertar os problemas dos bascos.
José Ramón Zubizarreta – Chegou ao Brasil em 1953 e foi um dos fundadores da Casa Basca em São Paulo

Quando começou a Guerra Civil, eu tinha 15 anos e apesar de não poder pegar em armas, fui como voluntário a cavar trincheiras. A Guerra foi muito dura e ainda mais dura no pós-guerra para os perdedores. Tentei fazer minha vida trabalhando, mas a pressão social era muito forte e muitas vezes a situação se colocava sufocante e insuportável. Não via muito futuro na minha carreira profissional e em 1950 partimos para o Brasil. Aqui, eu e minha família encontramos a liberdade e o espaço necessário para viver e crescer.
Victor Salazar – Nasceu em 1921 em Barakaldo e viveu na cidade de Rio Claro, SP

Filhos de Guernica: Presença de Bascos no Brasil

Outros bascos que sofreram na pele a ditadura também chegaram e ficaram. Entre eles, está Gabriel Otamendi. Nascido em Bilbao, lutou ao lado dos republicanos entre o País Basco e a Cantábria. Foi preso pelos franquistas e passou sete anos carregando pedras na prisão, onde foi quase fuzilado. Chegou ao Brasil em 1951 e se estabeleceu em São Paulo onde trabalhou em diversas atividades e continuou se engajando politicamente. Participou do Centro Republicano Espanhol e também chegou a ser detido na época da ditadura militar brasileira.

Outro basco que teve sua vida marcada pelo fascismo e hoje está em terras brasileiras é Benito Zumalde. De família nacionalista basca, se envolveu ainda jovem na luta em defesa da pátria basca. Pintando muros, colocava ikurriñas (bandeira basca) nas cidades e participava de mobilizações. Foi preso na ditadura e ficou nove anos em Burgos, como muitos outros conterrâneos que eram contra Franco.

Veio ao Brasil de férias por intermédio de seu irmão que já vivia aqui e escolheu o país para ficar desde o início dos anos 2000. Atualmente vive em Ilhéus onde é casado com uma baiana. Em Euskadi, foi pintor e aqui ainda escreve sobre política.

A rede basca no Brasil se estendeu. Não é muito numerosa como em outras partes da América Latina, mas teve algumas ondas importantes de migração. O Rio Grande do Sul, em especial a cidade de Uruguaiana, tem forte comunidade. Lá foi criado Emílio Garrastazu Médici, presidente durante a ditadura militar entre 1966 e 1974.

Do outro lado ideológico, também houve migração. Uma missão de padres e freiras bascos – dentre os quais muitos adeptos da teologia da libertação –, também aportaram no país. A periferia da Zona Leste de São Paulo recebeu mais de uma dezena de religiosos no final dos anos 60, que realizaram um trabalho que deixou muitas raízes até hoje. Como se pode notar, os bascos no Brasil também tinham campos ideológicos plurais e distintos.

Instituições Bascas no Brasil

Além desses imigrantes, empresas bascas também estão por aqui. Iberdrola Irizar são algumas, mas existe grande diversidade de empresários que empreenderam e fundaram negócios ou instalaram sedes aqui – há cerca de 90 plantas bascas no país hoje.

A sede da histórica Casa Basca, inaugurada em 1957, permanece viva e conta com um Frontão – local onde se pratica o popular esporte de pelota basca –, além de promover outras atividades. É liderada por Pilar Alava, filha de descendentes bascos no Brasil.

O legado dos conterrâneos da terra de Gernika segue vivo e nos 85 anos do bombardeio, uma série de atividades é organizada pela Casa Gernika (2022), a Casa Basca de São Paulo (1957) e a Eusko Brasil Etxea (2009). O evento também é apoiado por outras importantes instituições brasileiras como o Instituto Vladimir Herzog e a Câmara Legislativa de São Paulo, o Palácio Anchieta, fundador da cidade que inclusive, tinha ascendência basca por parte materna. Veja a programação aqui.

Em tempos de Guerra, a lição de Guernica para o mundo

Em tempo de guerra e após uma crise social deflagrada pela pandemia, evocar o passado e analisar a história sempre pode trazer respostas para a paz. É fato que iniciar uma guerra é mais fácil do que pará-la e, embora todos nós ganhamos com um mundo sem conflitos e sem violência, as guerras continuam existindo e em todas partes do globo. E com avanço da tecnologia, se tornam cada vez mais destruidoras e letais.

Ao olharmos para o bombardeio de Guernica e trazer paralelos com a guerra entre Rússia e Ucrânia ou ainda outras, diversas semelhanças aparecem. O primeiro e mais visível são os ataques e bombardeios a lugares onde as pessoas têm suas vidas sendo brutalmente interrompidas por bombas e mortes.

O menos visível, mas provavelmente o que determina o início desse ambiente bélico, são sempre questões mais complexas e históricas. A geopolítica, interesses econômicos, as ideologias e decisões de lideranças políticas acabam sendo o pavio de pólvora que determinam nossa paz (ou a falta dela).

Seria certo afirmar que existe uma disputa entre Ocidente e Oriente dentro do conflito europeu? A OTAN fez pressão desmedida ou a Rússia quer remontar seu império?

O fato é que não há mocinhos, nem bandidos e sim países ou blocos de nações buscando hegemonia e um povo habitando um território no meio desse conflito. Lembra a disputa pelo poder na Espanha, o mosaico de nações sob tutela de um Estado e as interferências externas? Em 2022, qualquer semelhança pode não ser uma mera coincidência.

Há evidências claras de que está ocorrendo uma ascensão de um novo tipo de extrema direita no mundo hoje. Ao mesmo tempo, há um neoliberalismo financeirizado causando desigualdades econômicas e instabilidades no Globo. Um rearranjo geopolítico incluindo a China como a nova maior economia do mundo só aumenta o caldo das tensões. São em momentos de desordem social como esse que podem surgir lideranças e ditaduras como respostas.

Sejam elas em formatos mais evidentes e personificadas como Putin ou menos evidentes como organizações militares como a OTAN, lideradas por Biden e companhia.

A Guernica de Picasso foi um alerta feito há 85 anos atrás. Um apelo feito aos gritos. Uma denúncia em forma de arte para relembrar a memória de vidas perdidas em momentos de pouca razão e muito ódio e poder. A falta de democracia real e a intolerância à diferença do outro, seja pela raça, ideologia, credo, língua, orientação sexual, etnia, território, sempre acaba em barbárie.

As coisas podem mudar de nome, mas o culto ao ódio, ao passado, acaba por cegar e afastar as pessoas que estão no poder da capacidade de fazer a paz em vez da Guerra. Assim, a falta de justiça social pode cultivar e inflar o ódio, a violência e a intolerância entre nós mesmos. O caso do espancamento e assassinato do congolês Mouse é apenas um dentre tantas manifestações do Brasil violento.

Não há vitória onde não há paz. E não existe vitória sem a compreensão do passado para evitar a tragédia no futuro. Guernica é uma boa aula para quem deseja a paz e os 85 anos relembrados em 2022 na Semana Gernika Viva, em São Paulo, uma oportunidade para pensarmos o mundo e o país sem extremos e com democracia que todos queremos.


Fontes:

Sites de instituições acessadas:

Sites de reportagens consultadas:

Livros:
STEER, George L., El Árbol de Gernika – un ensayo sobre la Guerra moderna. 1938. Ed. Txalaparta (reedición – 2002)

Lectura pedagógica de la realidad “vasco-brasileña”. UGARTETXEA, Arantxa (org). Cuadernos de educación. 2004. Eusko Ikaskuntza – Sociedad de estudios vascos

BEEVOR. Antony. A batalha da Espanha – a Guerra civil espanhola. Ed. Record. 2007

DORIA. Pedro. Fascismo À Brasileira: Como O Integralismo, Maior Movimento De Extrema-Direita Da História Do País, Se Formou E O Que Ele Ilumina Sobre O Bolsonarismo. 2020. Ed. Planeta

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IVAN ZUMALDE

É comunicador social, ativista e empreendedor cívico. Fundou o portal Aupa de jornalismo de impacto socioambiental, foi assessor legislativo na Câmara Municipal de São Paulo e coordenador nacional do movimento social Raiz Cidadanista. Atualmente se dedica à Casa Gernika no fomento de projetos culturais e pela democracia.

BUMBA MEU BOI COMEÇA CORTEJOS PELO MARANHÃO; FESTA MARCA OS FESTEJOS JUNINOS NO ESTADO

Abril 26, 2022
  1. CULTURA

CULTURA POPULAR

A manifestação é reconhecida como Patrimônio Cultural no Brasil pelo IPHAN e da Humanidade pela Unesco

Lucila Bezerra e Rodolfo Rodrigo

Brasil de Fato | Recife (PE) |

 26 de Abril de 2022 às 15:28

O Boi da Maioba já tem 125 anos e sua celebração já chegou a se estender do Carnaval até o São João. – Governo do Maranhão

Diferente de outros estados nordestinos, embalados pelo forró, no Maranhão o destaque do São João é o bumba meu boi. Na festa, é realizado um cortejo com apresentações e é feita uma encenação através de uma narrativa conhecida como o Auto do Boi, podendo ter também competições entre os diferentes grupos.

Apesar das festividades acontecerem apenas no período junino, a preparação para as celebrações já começou. “No Sábado de Aleluia, que é antes do domingo de Páscoa, todos os bumba meu boi começam suas atividades. Então, até 13 de junho, principalmente os grupos tradicionais trabalham na questão dos ensaios, renovação das indumentárias, construção e criação de toadas que são as músicas cantadas no bumba meu boi. Então, esse é um período de preparação”, destaca Nadir Cruz, mestra do grupo Boi da Floresta, que tem sede no Quilombo Urbano Liberdade, em São Luís (MA) e já existe há 50 anos.

Enraizado no cristianismo e no catolicismo, a celebração do bumba meu boi segue até setembro e envolve a devoção a São João, São Pedro e São Marçal. Só na capital maranhense existem mais de cem grupos de bumba meu boi, onde cada um deles possui um sotaque, uma forma de se expressar, uma vestimenta, uma coreografia e uma escolha de instrumentos próprios e que expressa sua singularidade.

Leia mais: Bumba Meu Boi é eleito Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade

Um desses grupos é o Boi do Encanto São Cristóvão, cujos integrantes não veem a hora de voltar às ruas depois de dois anos sem apresentações devido à pandemia de covid-19.

“A expectativa é grande que a gente apresente, mostre a nossa cultura, porque a população, os nossos integrantes, todos nós estamos sedentos de cultura né? Então a expectativa é grande demais, é boa demais, a gente tá naquele período de bordados, de finalização de detalhes. Então a gente tá fazendo o máximo possível pra que até o dia 1º de junho a gente já esteja com tudo pronto pra que até o dia 8 a gente já esteja batizando e participando ativamente do São João”, afirma a fundadora Edylene Sena.

Essa celebração é tão importante que em 2011 o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) declarou o bumba meu boi como Patrimônio Cultural do Brasil. Já em 2019, a festa foi eleita Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Esse reconhecimento fortalece as comunidades e promove a valorização da cultura centenária que existe no Maranhão em todo o País e no mundo. 

::  Estilo maranhense de dançar reggae “agarradinho” pode virar Patrimônio Cultural ::

Outra representação que marca a história da festa é o Boi da Maioba, que tem 125 anos e é considerado um dos maiores do Maranhão. Sua celebração já chegou a se estender do Carnaval até o São João.

“Há 19 anos, eu criei o CarnaBoi. Você já imaginou em meio ao carnaval que é uma festa popular estupenda, gostosa em todo canto do Brasil, praticamente do mundo, e você implantar o bumba boi dentro dessa festa? Eu consegui fazer isso! Criei o CarnaBoi, a gente começa o carnaval e depois insere o bumba boi dentro da festa do carnaval”, destaca o mestre do Boi Maioba, José Inácio, que conclui: “É algo fantástico em aceitação do público e contagiante, de modo que nós estamos nessa luta fazendo com que as pessoas possam transpirar e respirar o bumba meu boi o ano inteiro”.

Fonte: BdF Pernambuco

Edição: Vanessa Gonzaga

NO BRASIL, 44% DA POPULAÇÃO NÃO LÊ E 30% NUNCA COMPROU UM LIVRO, DIZ RAFAEL GUIMARÃES

Abril 25, 2022
  1. CULTURA

ENTREVISTA

No Dia Mundial do Livro, o escritor comenta o desafio de escrever e editar em um país que não lê

Walmaro Paz

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |

Abril de 2022 –

Rafael Guimaraens, um escritor e editor de seu tempo – Larissa Ferreira

Rafael Guimaraens começou como jornalista transitando por várias redações, entre elas a do lendário Coojornal, virou assessor de imprensa e descobriu-se escritor para, em nova autodescoberta, tornar-se editor, ao lado de sua companheira Clô Barcellos. É a dobradinha que, pilotando a editora Libretos, há mais de 20 anos escava, esmiuça e mapeia a história política, social e cultural de Porto Alegre.

Nesta jornada, todos nós ficamos sabendo mais sobre a enchente que arrasou a cidade em 1941, a efervescência local do movimento estudantil sob a ditadura, o levante dos gaúchos contra o fracassado golpe militar urdido pelos militares contra João Goulart em 1961, a trajetória dos teatros de Arena e de Equipe, a epopéia de quatro anarquistas que assaltaram uma casa de câmbio em 1911 deixando a provinciana capital em polvorosa e muitos outros episódios, instituições e personagens.

Para marcar o Dia Mundial do Livro, 23 de abril, o Brasil de Fato RS conversa com Rafael Guimaraens. Na pauta, o duplo ofício de escritor e editor, o baixo índice de leitura nacional, a ascensão dos e-books, a extinção das políticas de apoio ao livro, a privatização acelerada dos espaços públicos de Porto Alegre, o apagamento seletivo da memória da cidade e os ataques à Cultura no país.

Brasil de Fato RS – Que papel tem o livro na sua vida?

Rafael Guimaraens – Cresci num quarto com uma estante de livros que ocupava toda a parede, que pertenceram ao meu avô, o poeta Eduardo Guimaraens, e ao meu pai, jornalista e intelectual. Com tantos livros, aprendi a ler sozinho, aos quatro anos. Desde então, houve época em que eu lia muito e outras em que eu lia menos, por falta de tempo. Trabalhei como jornalista, mas só comecei a escrever livros depois dos 40 anos. Hoje, estou sempre envolvido em projetos literários. Termino um livro e já tenho outro em mente, e isso tem sido a minha vida.

Vemos os influencers produzindo conteúdos irrelevantes para milhões 

BdF RS – Na história da humanidade, o livro teve o papel de guardar a memória e contar as histórias dos que os escreviam, mas o acesso era restrito porque se tratavam de manuscritos. Com o advento da imprensa houve uma democratização da leitura?

Rafael Guimaraens – O livro é um fabricante de memória, assim como os jornais. A questão da efetiva democratização da informação, nos dois casos, é mais complicada. Os livros ainda são restritos e os jornais, no caso do Brasil, são vinculados a grupos com interesses econômicos e políticos bastante específicos. Muitas vezes, misturam a informação jornalística, que é de interesse público, com os interesses do proprietário. Talvez por isso estejam perdendo leitores para as redes sociais, o que é preocupante. Vemos os tais influencers, muitos sem qualquer preparo, produzindo para milhões de pessoas conteúdos irrelevantes, que muitas vezes reforçam preconceitos, ou atuam na área da fofoca e do culto a celebridades fabricadas pelos escritórios de gestão de imagem.

BdF RS – Como define a tarefa de editar livros em um país que não lê?

Rafael Guimaraens – Um desafio enorme. Estamos sempre atentos ao segundo “L”, o da Leitura, ou seja, o acesso ao livro como direito de cidadania. Participamos de feira, realizamos doações a bibliotecas comunitárias, promovemos ações de contação de histórias e, para cada livro lançado, realizamos eventos abertos sobre o tema tratado. Também procuramos manter uma política de preços mais acessíveis, mesmo que isso signifique diminuição da nossa margem. E, como editora, nos envolvemos em ações promovidas por entidades da área e frentes parlamentares em defesa do livro.

No Brasil, 30% da população nunca comprou um livro na vida 

BdF RS – De acordo com a publicação Retratos da Leitura no Brasil, 52% (ou 100,1 milhões de pessoas) dos brasileiros, dedica-se à leitura, sendo a bíblia e jornais os mais lidos. A que se deve esse percentual aquém do ideal?

Rafael Guimaraens – É baixíssimo. Por exemplo, os franceses leem 21 livros por ano, cinco vezes mais do que os brasileiros. No Brasil, 44% da população não lê e 30% nunca comprou um livro na vida. E o pior: o país vem perdendo leitores a cada nova pesquisa.

O estímulo à leitura só pode ser feito através de políticas consistentes de acesso, redução do preço de capa, estímulo a programas de leitura nas escolas e comunidades, incentivo a bibliotecas, promoção de eventos. Essa é uma tarefa da sociedade e do poder público, que, obviamente, não será assumida pelo atual Governo. Não vamos esquecer as palavras do atual mandatário a respeito dos livros didáticos: “Um montão de amontoado de muita coisa escrita”.

Parece que a cidade perdeu sua alma 

BdF RS – A pesquisa aponta também Porto Alegre como a 14ª capital no quesito leitura, mesmo abrigando a maior feira a céu aberto da América Latina. A que se atribui isso?

Rafael Guimaraens  – É um dos efeitos do processo de apagamento da memória do período áureo que a cidade vivenciou durante a década de 1990 e início dos anos 2000, quando Porto Alegre chamava a atenção do mundo por soluções democráticas originais que combinavam participação popular com maior qualidade de vida, com ênfase na Cultura.

Para os interesses econômicos que passaram a mandar na cidade, era necessário desmobilizar a cidadania, através de um lento e proposital esvaziamento dos processos de participação popular, o sucateamento dos órgãos de defesa do meio ambiente e a extinção de políticas culturais de apoio aos artistas e democratização da Cultura – cito, como exemplo o fim do Fumproarte (Fundo Municipal de Apoio à Produção Artística e Cultural).

Fico com a impressão de que a cidade foi anestesiada por uma sucessão de ações desmobilizadoras das administrações seguintes, que, embora de partidos diferentes, seguiram e seguem a mesma política. Parece que a cidade perdeu sua alma. Aquela cidadania viva, atuante e participativa tornou-se desanimada e conformista. Evidentemente que há bolsões de resistência, especialmente pelo trabalho dos artistas, dos lutadores sociais, e a transformação da cidade, na minha opinião, passará por eles.

Estamos vendo coisas que nem a mente mais tresloucada poderia imaginar 

BdF RS –  “Quando ouço alguém falar em cultura, puxo o meu revólver”. A frase atribuída tanto a Himmler quanto a Goebbels, ministros de Hitler, ganhou uma atualização inesperada com a decisão da Secretaria da Cultura de Bolsonaro de recomendar o uso da Lei Rouanet para incentivar a adoção de armas pela população como acaba de ser denunciado. Qual a sua opinião enquanto escritor e editor?

Rafael Guimaraens – “Abaixo a inteligência, viva la muerte!”, diziam os fascistas espanhóis. Essa proposta é uma caricatura bizarra e indecente deste governo, a Cultura instrumentalizada não para o prazer e o esclarecimento da cidadania, mas para estimular a indústria da morte. Estamos vendo coisas que nem a mente mais fértil e tresloucada poderia imaginar. Me parece que na reta final, Bolsonaro toma medidas ou faz acenos para, mesmo que não ganhe a eleição – e não ganhará -, consolidar o bolsonarismo como força política. Este será seu único e indesejável legado para a História do Brasil.

BdF RS – Como foi ser escritor nesses dois anos de pandemia?

Rafael Guimaraens – Meus livros têm o perfil de construção da memória. Assim, no meu caso, além da revolta, como cidadão, por assistir, impotente, ao extermínio de milhares de cidadãos pela covid somada à irresponsabilidade criminosa do governo, a pandemia dificultou o acesso aos locais de pesquisa.

BdF RS – Qual o papel do livro em sua vida? Fale também sobre a sua parceria com a Clô Barcellos na editora Libretos.

Rafael Guimaraens – A Libretos foi criada há pouco mais de 20 anos e se mantém no mercado como uma editora reconhecida por seu catálogo de obras relevantes. Ao longo deste tempo, busca se aperfeiçoar, principalmente por iniciativa da Clô, que está sempre ligada nas questões do mercado editorial. Não editamos todos os livros que gostaríamos, mas todos os que editamos nos orgulham. A Clô dirige a Libretos e é responsável pelo design de quase todos os livros que publicamos neste período – e já são mais de duzentos. Além disso, me garante todas as condições para que eu possa trabalhar com tranquilidade.

Uma assinatura de streaming custa metade do preço de um livro 

BdF RS – Neste século, com as novas mídias, o papel do livro continua o mesmo?

Rafael Guimaraens – O papel do livro é o mesmo: uma fonte de prazer que provoca a reflexão e estimula a imaginação de forma mais completa do que outras formas de expressão artística. Em relação às outras mídias, bem, e-book é livro. Em outro formato, mas é livro. Sua evolução, de início, foi mais lenta do que o anunciado, mas cresceu muito durante a pandemia. Hoje, vende-se um e-book a cada 42 livros no Brasil, mas três anos atrás a relação era um e-book para cada 95 livros físicos vendidos.

Os leitores jovens, em geral, estão aderindo ao livro digital, portanto é natural que essa relação se torne equilibrada. Além disso, o livro físico enfrenta um momento delicado. Os custos gráficos aumentam em patamares superiores à inflação. No caso do papel, estão vinculados ao dólar – e essa é uma vantagem dos digitais. O preço de capa do livro físico não consegue acompanhar os custos, pois as vendas diminuiriam. Tivemos um momento grandioso em 2005, com a Lei do Livro que desonerou o IOF (12%) da cadeia produtiva do livro e provocou um aumento excepcional no número de obras editadas e nas vendas de livros. Essa iniciativa do Governo Lula era complementada com uma série de iniciativas de estímulo à cadeia dos três “L”s (livro-economia, leitura-direito de cidadania, literatura-estímulo aos escritores).

Em relação a outras mídias de entretenimento, há uma relação desigual. Por exemplo, a mensalidade de uma assinatura de streaming, em muitos casos, é a metade do preço de um livro. Em outros países com mais tradição, o livro sobrevive com vigor. No Brasil, sem uma ação governamental mais consistente, o problema do livro irá se agravar.

A paisagem da cidade vem sendo violentada por uma enxurrada de torres e espigões 

BdF RS – Seus livros trazem como ambiente a cidade de Porto Alegre. A cidade está passando por transformações, com a orla sendo renovada, a Redenção ganhando um espaço gourmet, o centro cultural do Gasômetro abandonado, o anúncio da demolição do anfiteatro Por do Sol, o encaminhamento das privatizações do DMAE e da Carris. Como vê este momento em que os projetos da cidade em andamento são aqueles que envolvem a iniciativa privada?

Rafael Guimaraens – Porto Alegre, na minha opinião e na de muita gente, está sendo descaracterizada de forma abrupta e acelerada. A paisagem da cidade vem sendo violentada por uma enxurrada de torres e espigões que põem abaixo o casario tradicional da cidade e sequestram da população as paisagens mais nobres, deixando os graves problemas da cidade à sua sombra.

Aos exemplos mencionados na pergunta, acrescento a situação do Cais do Porto, a área mais importante da cidade do ponto de vista histórico, fechado há mais de dez anos, com seus armazéns abandonados pelo descaso e sendo corroídos pela ferrugem. Este é o resultado de uma privatização irresponsável na qual o poder público cedeu a área, não se sabe em troca de quê, para a instalação de torres e de um shopping center no local. O projeto fracassou e a carta de concessão do cais tornou-se uma espécie de moeda, passando de mão em mão para grupos cada vez mais desqualificados e sem compromisso com o patrimônio histórico. A prometida revitalização transformou o Cais em escombros. O governo estadual foi obrigado a retomar a área, a contragosto, mas não adotou nenhuma iniciativa no sentido de recuperá-la. O Cais Embarcadero, instalado entre o Cais e a Usina é uma espécie de maquiagem para esconder a colossal incompetência para enfrentar o problema.

Qual a cidade do mundo que permitiria que seu cartão postal, um de seus espaços mais importantes, fosse tratado desta forma? O movimento Cais Cultural Já é uma iniciativa importante no sentido forçar a abertura os portões e destinar a área para atividades artísticas e da economia solidária, o que, na minha opinião, é uma solução natural e inteligente.

Hoje, não se proíbe a impressão, mas se extingue políticas de apoio ao livro 

BdF RS – O Brasil tem uma história de proibição e da impressão e da manutenção do analfabetismo como política de governo durante a maior parte de sua história. O que representa isso na indústria do livro?

Rafael Guimaraens – Manter o povo na ignorância é o recurso mais óbvio utilizado pelos dominadores. Hoje, não se proíbe a impressão, mas se extingue políticas de apoio ao livro, como, por exemplo, o fim ou a redução das compras de livros pelo governo, que garantiam o acesso dos leitores e devem fôlego às editoras. Aliás, a extinção do Ministério da Cultura – ou sua transformação em secretaria no âmbito do Ministério do Turismo –  demonstra o enorme receio dos governos déspotas em relação à potência da Cultura como ferramenta para o esclarecimento das massas.

BdF RS – O que está lendo no momento?

Rafael Guimaraens – Estou lendo Quatorze camelos para o Ceará, do jornalista Delmo Moreira, e recomendo com muito entusiasmo.


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Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Ayrton Centeno

CARNAVAL: ESCOLA DE SAMBA ROSAS DE OURO TRAZ “BOLSONARO” VACINADO POR UMA DRAG, SE TRANSFORMANDO EM JACARÉ

Abril 24, 2022
  1. CULTURA

NEGOCIONISMO

Rosas de Ouro foi uma das últimas a desfilar no Sambódromo, já neste domingo (24)

Redação Rede Brasil Atual

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 24 de Abril de 2022 –

Vacinado, presidente vira jacaré: escolas mantêm a crítica social – Reprodução/Montagem RBA

Quase no encerramento do desfile das escolas de samba do Grupo Especial de São Paulo, neste domingo (24), a Rosas de Ouro ironizou a postura do presidente da República sobre a vacinação contra a covid-19. Um personagem que representava o presidente se transformava em jacaré depois de receber uma dose. Ainda em 2020, ele declarou que não tomaria vacina e falou, como de hábito sem dados, em efeitos colaterais. Depois, decretou sigilo sobre o assunto.

Sexta escola a entrar no Sambódromo paulistano, a Rosas trouxe um enredo que abordou a cura dos males por meio da fé, magia e ciência. E do samba.

Desfiles sexta e sábado

Na primeira noite, na sexta (22), desfilaram Acadêmicos do Tucuruvi, Colorado do Brás, Mancha Verde, Tom Maior, Unidos de Vila Maria, Acadêmicos do Tatuapé e Dragões da Real. De ontem para hoje, Vai Vai (que voltou ao grupo principal), Gaviões de Fiel, Mocidade Alegre (com homenagem a Clementina de Jesus), Águia de Ouro (campeã de 2020, com tema sobre educação), Barroca Zona Sul, Rosas de Ouro e Império da Casa Verde. Última a desfilar na manhã de hoje, com o dia já claro, a Império fez homenagem aos comunicadores, de ontem e atuais, trazendo o “influenciador digital” e humorista Carlinhos Maia.

::Saudosos do Carnaval, blocos do Nordeste mantêm a esperança de sair às ruas em 2023::

Já a Gaviões, sem dar um nome específico, levou um “governante fascista” à avenida. O cabeleireiro Neandro Ferreira desfilou em uma ala cujos componentes estavam vestidos de militares.

Zeca Pagodinho: a música é o remédio

Quem assistiu ao desfile na segunda e última noite foi o sambista carioca Zeca Pagodinho. Ele aproveitou para pedir à população que se manifeste politicamente. Preocupado com a situação do país, disse que pode sair do Brasil. “O povo precisa se manifestar, mesmo através da música, porque caso contrário o Brasil vai continuar assim, do jeito que está”, afirmou ao portal UOL. “Não quero ir embora daqui, mas do jeito que está eu penso em ir” (..) O samba é a solução para o momento difícil atual. O samba, a MPB, a bossa nova. A música é o remédio.”

::”Carnaval só tem quando tem carnaval de rua”, diz pesquisador::

No Rio de Janeiro, o desfile principal terminou com a apresentação da Vila Isabel, que homenageou o compositor e cantor Martinho da Vila, presidente de honra da escola. Antes, passaram pelo Sambódromo a Paraíso do Tuiuti, Portela, Mocidade Independente, Unidos da Tijuca e Grande Rio, que trouxe um evento sobre Exu, buscando combater o preconceito contra religiões de matriz africana. Na noite anterior, Imperatriz Leopoldinense, Mangueira, Salgueiro, São Clemente, Viradouro e Beija-Flor. A apuração será realizada na próxima terça-feira (26).

DOCUMENTÁRIO SOBRE MARIELLE TEM EXIBIÇÕES EM FESTIVAIS DA ITÁLIA E DA FRANÇA

Abril 23, 2022
  1. CULTURA

MARIELLE

Crime completou 1.500 dias nesta sexta. Até hoje, não se sabe quem foi o mandante

Redação Rede Brasil Atual

|

 23 de Abril de 2022

A pergunta que é feita há 1.500 dias persiste: Quem mandou matar Marielle? – Mídia Ninja

Lançado em 2021, o documentário Elle, sobre Marielle Franco, volta a ser exibido na Europa. Neste sábado (23), o curta fará parte do Immaginaria Film Festival, evento dedicado às lésbicas “e outras mulheres rebeldes”, cuja 17ª edição começou ontem, em Roma, e vai até a próxima segunda-feira (25). Em 9 de maio, Elle terá exibição em Paris, com distribuição do Centro Audiovisual Simone de Beauvoir (criado em 1982 por militantes feministas) e cachê doado à família de Marilelle Franco, cujo assassinato completou 1.500 dias justamente ontem.

Dirigido por Liliane Mutti e Daniela Ramalho, o documentário já foi exibido em mais de 20 festivais, ganhando prêmios em Milão e Cannes. Com pouco mais de oito minutos, o curta mostra a ida dos pais da vereadora (pelo Psol) e ativista, Antônio e Marinete, para a inauguração do Jardim Marielle Franco, em Paris, em 2019. A capital francesa teve manifestações de protesto contra o crime ocorrido em março de 2018, quando Marielle e Anderson Gomes, seu motorista, foram mortos a tiros na região central do Rio de Janeiro.

O curta tem falas em off e passagens de ato em Paris, além de imagens de arquivo: fotos da infância à vida adulta de Marielle e pronunciamentos da vereadora, eleita em 2016 com 46.502 votos, para o período 2017-2020. Ela foi a quinta mais votada no município. “A gente tem lado, tem classe e tem identificação de gênero”, afirma em uma das falas. “Não serei interrompida. Vai ter que aturar mulher negra, trans, lésbica ocupando a diversidade dos espaços.” Marielle morreu aos 38 anos.

Crescimento da milícia

“Dona Marinete, mãe de Marielle, tem enfrentado problemas de saúde. O poeta João de Mello, do conselho da Associação Cine Nova Bossa (responsável pelo filme, em parceria com o Coletivo Ubuntu Audiovisual), ligou contando que ela está sem plano de saúde. Então, decidimos participar dessas iniciativas de amigos do Rio para ajudá-la e estamos muito felizes que o filme possa fazer a sua parte”, conta Liliane Mutti. “Marielle e Anderson infelizmente não foram um caso isolado com o crescimento da milícia na cidade do Rio de Janeiro”, acrescenta.

O crime ainda está sem solução. Acusados pela execução foram presos, mas ainda não houve julgamento. O mandante segue desconhecido. A tragédia já foi tema de outras obras, entre documentários e homenagens de escolas de samba. Mas a pergunta que é feita há 1.500 dias persiste, agora com uma versão francesa: Qui a ordonné le meurtre de Marielle? (Quem mandou matar Marielle?).

Confira aqui o trailer do documentário.

FERNANDA SOUZA E EDUARDA: O PAR ROMÂNTICO NESTA TERCEIRA DÉCADA DO NOVO MILÊNIO

Abril 23, 2022

Para os fãs, a atriz passou a integrar o “vale”, gíria fofa dos LGBTs para “um lugar imaginário onde todos viveriam juntos, livres e felizes”.

Eduarda e Fernanda Souza.Créditos: Reprodução/Youtube

Por Hildegard Angel

DEBATES – 23/4/2022 ·

O parquinho do Twitter pega fogo desde que Fernanda Souza postou no Instagram a revelação que está amando uma mulher, Eduarda.

Se na década de 80 o casal da vez era “Eduardo e Mônica”, a música de Renato Russo, nesta terceira década do novo milênio o par romântico é Eduarda e Fernanda.

Tão impactante quanto o anúncio, feito nos últimos minutos do Dia do Descobrimento do Brasil, é a comoção dos fãs de Fernanda desde quando ela interpretou a “Chiquitita Mili”, na primeira versão da novela do SBT(a menina de colete vermelho com a boneca igual).

Para os fãs, a atriz passou a integrar o “vale”, gíria fofa dos LGBTs para “um lugar imaginário onde todos viveriam juntos, livres e felizes”, conforme aprendi no Twitter, verdadeira enciclopédia dos costumes.https://d-23107421902920629977.ampproject.net/2203281422000/frame.html

Fiz um compilado desses comentários [veja abaixo] para animar e ilustrar o sábado e a vida de todos nós, neste novo mundo sem preconceitos, ressentimentos, ódios nem homofobia.

Poderão dizer que faço apologia da diversidade sexual. Responderei que enalteço as pessoas de boa cabeça e de boa vontade, que não se deixam congelar como cubos de preconceitos, mas se derretem ao calor da compreensão humana, com a sensibilidade de crescer e se adequar ao novo e saudável mundo dos direitos e liberdades individuais.https://www.instagram.com/p/CcsjuGLuPTw/embed/captioned/?cr=1&v=12

Veja também a declaração de Fernanda Souza na redehttps://www.instagram.com/p/CcrLrjAs-l5/embed/captioned/?cr=1&v=12

TEMAS

Fernanda SouzaHildegard Angel

ANGELI PARA DE DESENHAR: TRAÇO DO CARTUNISTA RESUME DÉCADAS DE POLÍTICA E COMPORTAMENTO

Abril 22, 2022
  1. CULTURA

UNDERGROUND

Diagnóstico de afasia, doença degenerativa, fez com que cartunista decidisse parar de desenhar, após meio século

Redação Rede Brasil Atual

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 20 de Abril de 2022 às 15:17

Los 3 Amigos, Rê Bordosa, Bob Cuspe, Wood&Stock: o universo entre a crítica política e a contracultura – Montagem

Aos 65 anos, com 51 de carreira, o paulistano da Casa Verde (zona norte) Arnaldo Angeli Filho anunciou sua aposentadoria, por motivos de saúde. Ele para de desenhar cartuns, mas deve continuar participando de exposições e outras atividades. Assim, o criador de personagens como Bob Cuspe, Rê Bordosa, Meia Oito e Wood&Stock, entre outros, vai parar de desenhar por causa de um diagnóstico de afasia, uma doença degenerativa. Foram décadas de olhar crítico, humor agressivo e capacidade de síntese das transformações do país. Agora, dos chamados Los 3 Amigos oficias, apenas a cartunista Laerte se mantém na ativa. O terceiro, Glauco, morreu há 12 anos, assassinado junto com seu filho Raoni. O quarto, não-oficial, Adão Iturrusgarai, também está em atividade. 

“O Angeli tem o peso de um Pasquim inteiro em matéria de influência e significado de uma época”, afirmou Laerte ao jornal Folha de S.Paulo, para o qual colabora há décadas, assim como seu amigo. “Ele foi vital para a existência do que entendemos como humor em São Paulo”, acrescentou.

Contracultura

Angeli desenhou desde pequeno. Adolescente, observou o trabalho de nomes como Jaguar, Millôr e Ziraldo. Mas também teve forte influência de autores ícones da chamada contracultura e do underground, como o americano Robert Crumb e o francês Georges Wolinski, que sempre tiveram como característica, cada qual a seu estilo, a aguda crítica social e de costumes. Com pai funileiro e mãe costureira, admirador do avô ferreiro, Angeli já desenhava desde os 14 anos – teria começado na revista Senhor. A partir de 1973, passou a publicar na Folha, colaborando com diversos periódicos.

cartunista angeli
Angeli fez história na página de Opinião da Folha (Reprodução)

“Eu tinha verdadeira adoração pelo Crumb, e ele foi decisivo para me convencer de que eu teria de fazer algo autoral, falar da minha vida, das coisas que eu gostava, das raivas que eu tinha, do meu desprezo à burguesia, mas eu estava fazendo charge política na Folha, em uma época em que não se podia apontar o dedo ou desenhar generais”, disse Angeli à revista Brasileiros em 2018. “Foi então que falei que queria sair da charge e comecei a produzir tiras. Só havia tiras americanas na Folha, e os embriões da Chiclete com Banana surgiram nesse novo espaço que defendi. A observação crítica é o que me levou aos personagens.”

Chiclete com Banana foi uma revista lançada em meados de anos 1980. No melhor momento, vendeu em torno de 100 mil exemplares em banca. Durou cinco anos Não apenas com os três amigos, mas com uma geração de cartunistas que vinha surgindo. E também dando espaço a desenhistas “clássicos” como Luiz Gê.

Editora prepara livro

O anúncio do fim dos desenhos de Angeli vem acompanhado da notícia de que a Companhia das Letras está organizando uma seleção de seu trabalho, que deverá ter aproximadamente mil obras, reunidas em dois volumes, com publicação prevista ainda para este ano. O projeto é organizado pelo editor André Conti e Carolina Guaycuru, mulher do cartunista.

“O Angeli só não é famoso mundialmente como Robert Crumb porque escreve em português”, afirma o também cartunista Adão Iturrusgarai, que durante um período se integrou à trupe de Los 3 Amigos.