Uma das mais importantes compositoras que o Brasil já conheceu. Primeiro por ser a primeira mulher a encarar e se eleger a uma Ala dos Compositores de uma escola de samba. Segundo pois com sua humildade e vivências é uma mulher ativa e solta em seus versos produtivos. E por fim pois compõe não só sambas, mas afetos alegres sendo a eterna madrinha do samba brasileiro.
Esta é Dona Ivone Lara que desde os 12 anos compõe e produz uma existência alegre e com uma vontade de saber e fazer. Com mais de 300 composiçõe e conhecida em bastante conhecida na Europa, Japão e Africa, Dona Ivone transbordou sua escola e se tornou madrinha de diversas gerações de sambistas que continua até hoje.
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Nasci em Botafogo, Rio de Janeiro, Rua Voluntário da Pátria no ano de 1921. Não deixa estar, o que é que tem… não tá bom, vou dizer já que tem… (nasci em) 17 (risos)…. Pronto. Olha na Rua São Clemente eu me lembro muito pouco por que quando eu saí da Rua São Clemente, ali do Voluntário da Pátria, do Bairro Botafogo eu tinha apenas 4 anos e já não me lembro de nada, nada, nada.
Já era órfã de pai e minha mãe era muito moçinha ainda. Nós fomos morar no Largo da Segunda Feira na Tijuca e lá eu tinha um primo por nome de Valentino, o fuleiro já era rapazinho, Hélio, o Tio Hélio que era criança também. Tem muita coisa, naquele tempo eu era bem criança.
Naquela época uma música que eu me lembro bastante que o Francisco Alves cantava “Por que sofres tanto assim rapaz, chega já é demais… se é por causa de mulher é bom parar”, tinha uma porção de música naquela época. “Esta mulher a muito tempo me provoca, dá nela, dá nela.” Era música daquela época…
Olha minha mãe cantava muito, ela era uma soprano com uma voz muito bonita modéstia a parte e minha mãe era crooner do Ameno Rezedá. Minha mãe saia num rancho (Flor de Abacate). Ela cantava uma música muito bonita. O que sei do meu pai tocava violão de sete cordas e saia no bloco dos Africanos lá na Vila Isabel que só saia homem. Pixinguinha e Jacó do Bandolim não saíam da casa do meu tio, Dionísio Bento da Silva, que era músico e de vez enquando a gente fazia parte e cantava também, aprendíamos a cantar.
Alí na Serrinha tinha o Jongo e criança não entrava em Jongo, por que Jongo é uma dança mística, uma religião de muito respeito. A Tia Tereza quando ia pro dia do Jongo, fazer uma coisa maior, eu pedia: Tia Tereza deixa eu ir…. pois gostava de ver os velhos dançar o jongo, elas botavam aquelas saias rodadas, mas e o respeito que tinha e eu adorava vê-los cantar e o batuque.
A minha mãe depois conseguiu um internato para mim na Escola Orcina da Fonseca, pertencia ao Orfeão Artístico de lá. Fui aluna de Lucilia Guimarães Villa-Lobos e com dona Izaíra de Oliveira, casada com o compositor Donga. Nós éramos criados por umas solteironas que era só rezar e meter um monte de coisas na cabeça da gente que eu tinha um medo de homem que me pelava. Eu cantava na escola, mas nunca pensei em ser cantora. Tanto que optei por fazer a faculdade de enfermagem quando terminei o 2º grau.
Eu começei no samba… nem sei se dizer se comecei, pois quando eu nasci tava todo mundo já sambando e resolvi também sambar… Eu já vivia naquele meio, tinha parentes que eram compositores, me levavam pra sair no bloco, eu saia. Agora mais tarde eu não tive oportunidade de pertencer logo a escola de samba, por que havia um preconceito na minha família, viu. Eu tinha uma tia que achava que a escola de samba era marginalizada.
Eu só pude aparecer no samba mesmo de 47 em diante, que com minha tia era uma censura que só você vendo. Ela não admitia samba e eu criado por ela, já era órfã de pai e mãe não podia aparecer de jeito nenhum. Eu fazia meu sambas, o (Mestre) Fuleiro levava pra Serrinha e eu continuava a incógnita. Agora acontece que em 1947, foi a coisa mais engraçada da minha vida, eu vim me casar com o filho da escola de samba Prazer da Serrinha, aí eu saí na Escola.
A COMPOSITORA DONA IVONE LARA
A primeira música que eu fiz foi em homenagem a um pássaro que eu ganhei e eu era muito muleca e não tinha boneca, não tinha nada disso, então eu tinha meu primo Fuleiro que eu amava, era um irmão que eu tinha na época então todas as vontades ele me fazia. Ele caçava muito passarinho e uma vez ele saiu e quando ele voltou, ele voltou com um tiê-sangue e disse assim: Ô prima, Vona, como ele me chamava, e disse olha aqui, olha a sua boneca e eu fiquei numa alegria que só vendo. Dalí eu comecei a fazer versinhos pro tiê. E ele disse está bem, então vou ser teu parceiro nisto aí. Agora o pessoal lá em casa usava o passarinho de chantagem comigo, por que eu era muito levada e então qualquer coisinha eles prometiam soltar o meu tié…. Até que um dia soltaram mesmo, viu. Então fiz uma música pro tiê
Aí um dia o Délcio telefonou pra mim e eu disse: Olha, vem cá que eu estou com uma música que está aqui mais de uma semana na minha cabeça e você vem aqui pra nós completarmos esta composição. Ele foi lá em casa, aí eu cantei pra ele a composição e disse: Agora já está tudo muito bem. Ele disse assim: Não, a senhora já está me dando letra…. – Mas como estou te dando letra ?… É que hoje estou inspirado… A única coisa que quero que você ponha é que “sonho meu vai buscar quem mora longe, sonho meu”. Aí foi quando ele fez “Sonho Meu”. Eu ia pra casa de Rosinha de Valença (grande violonista) e a gente brincava, eu cantava e Rosinha me pediu então esta música pra Maria Bethania gravar e não tinha ninguém gravando e eu disse pode levar. Aí deixei com Rosinha de Valença e ela acompanhou e quando fez uma semana pra surpresa minha ligo o rádio e Maria Bethania estava cantando junto com Gal Costa.
IMPÉRIO SERRANO
Eu fui pro Império Serrano pois com a desistência da Serrinha fez com que eu fosse pro Império Serrano. E meu sogro foi convidado logo em seguida pra ser presidente da Império Serrano e ele deu dois carnavais à Império Serrano… primeiro lugar e todo mundo se mudou pra lá.
Foi quando Fábio Melo, grande jornalista, ficou me conhecendo e vendo minha atividade aquelas coisas todas e me disse por que você não faz parte da Ala dos compositores ? Eu digo, é tou aí… Em 1965, o Império Serrano ficou assim ó: Mangueira, Portela, Unidos de Luca, este pessoal todo foi lá pra conhecer a mulher que pertencia à ala dos Compositores fazendo Samba Enredo.
Pra mim desde o dia que fui pra Ala das Baianas em 1965, pra mim me realizei. Por que estava na Ala dos Compositores, fui madrinha dos compositores, estas coisas… Mas aí isto fica sendo, e ninguém aceita então fui convidado para destaque e eu fiquei nesta Ala até hoje(…) Só que hoje é tudo diferente, agora não é escola de samba, é bloco de embalo. Por que antigamente era escola de samba, e agora não, você tem 80 minutos pra parar (terminar) e você tem impressão que é um boi indo pro matadouro.
Olha é de momento, eu não me sento pra fazer uma música. Muitas vezes eu até estou fazendo na cozinha uma coisa e outra e vêm aquela intuição, aquela melodia gostosa e eu aproveito sento e boto no gravador.
Eu não tenho tristezas, eu passo por cima, pois Graças a Deus tenho esta força para que eu pudesse enfrentar tudo que eu passei na vida. E até hoje curto a juventude e me sinto jovem. Ser sambista a gente se diverte, diverte os outros e é uma coisa que eu acho ótimo na vida, me sinto realizada.
Eu tenho orgulho de ser negra. Nos últimos tempos, o racismo vem diminuindo. O pessoal já está compreendendo que essa história é bobagem. Inteligência todo mundo tem. Todo mundo nasce com potencial. Não tem branco. Não tem preto. O pessoal vai apanhando e vai vendo que do mundo nada se leva. Somos todos iguais e temos as mesmas capacidades.
Trecho transcrito primeiro dos programas MPB Especial-Ensaio, entrevistas sendo uma da revista Raça.
Dona Ivone Lara e conjunto (com o apadrinhado compositor Jorge Aragão no banjo) durante a gravação do programa Água Viva.
Dona Ivone Lara foi a grande atração do Projeto Pixinguinha-1980
Moacyr Luz beija a mão da rainha (que junto com a Quelé Clementina são parte viva de nossa história)
Antonio Vieira, Ivone Lara e Riachão
Dona Ivone Lara é louvada por diversos artistas, sendo que alguns não são de se louvar também