Archive for Novembro, 2016

“Na morte de Fidel” – um poema

Novembro 30, 2016

 

“É urgente um verso vermelho | que ponha de novo em movimento os comboios da imaginação | azeite puro em manivelas de razão quente”

Por Boaventura de Sousa Santos*, no blog Outras Palavras

É urgente um verso vermelho
que suspenda a animação deste desastre
pensado para durar depois do inverno

É urgente um verso vermelho
com todas as cores do arco iris
e o vento natural do universo

É urgente um verso vermelho
que ponha de novo em movimento os comboios da imaginação
azeite puro em manivelas de razão quente
o peso da história de novo levíssimo
a rodar sobre perguntas livres e ruínas vivas
a paisagem mudar primeiro lentamente
enquanto vão entrando vozes ainda submersas
e corpos mal refeitos da desfiguração da guerra e do comércio
das crateras e promoções

É urgente um verso vermelho
que desate os nós da memória e do medo
e resgate os rios da rebeldia
a palavra cristalina inabalável
inconfundível com as mordaças sonoras
à venda nos supermercados da ordem

É urgente um verso vermelho
para anunciar barco polifónico da dignidade
pronto a navegar
os rios libertos das barragens calcinadas
dos sistemas de irrigação industrial da alma

É urgente um verso vermelho
uma luz manual portátil que vá connosco
sem esperar a que virá no fundo do túnel se vier
porque a cegueira da viagem é sempre mais perigosa
que a da chegada
talvez só entrega
talvez só paragem

É urgente um verso vermelho
que trace um território inacessível
aos vendedores de mobílias espirituais
e turismo de acomodação

É urgente um verso vermelho
vinho de bom ano para acompanhar
sonhos sãos e saborosos
preparados em brasas de raiva e a brisa da alegria

É urgente um verso vermelho
sem solenidades nem códigos especiais
para devolver as cores ao mundo
e as deixar combinar com a criatividade própria dos vendavais

*Boaventura de Sousa Santos é doutor em sociologia do direito pela Universidade de Yale, professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, diretor dos Centro de Estudos Sociais e do Centro de Documentação 25 de Abril, e Coordenador Científico do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa – todos da Universidade de Coimbra.

SONS DA REVOLUÇÃO CUBANA.

Novembro 27, 2016

Y en eso llego Fidel, de Carlos Puebla

Novembro 26, 2016

Documentário “Raízes” faz busca pela ancestralidade negra brasileira

Novembro 24, 2016

Cena em que aparece Kelton, personagem que busca seus ancestrais  - Créditos: Reprodução

Filme que tem lançamento previsto para 2017 denuncia o apagamento da história dos negros no Brasil

Teti: o movimento musical Pessoal do Ceará foi revolucionário

Novembro 23, 2016

A cantora Teti afirmou que se sente felicíssima cada vez que vê surgir uma nova geração de compositores, intérpretes e músicos cearenses. “Eu me sinto mãe e irmã. Irmã da minha geração e mãe de todas gerações que vieram depois da nossa”, afirmou a artista cearense. “Fui uma das pessoas que abriram essa trilha pra música aqui no Ceará, as coisas estão acontecendo e acho que vão acontecer ainda mais”, frisou Teti. Para ela “os estudantes, os universitários têm um papel maravilhoso nessa história de mudar, de fazer esse movimento, de mudar esse Brasil, que tem que ser mudado e a força vem de vocês, jovens, com certeza”.

Dia da Consciência Negra tem teatro, cinema e exposição em São Paulo

Novembro 18, 2016
Nesta semana, capital paulista sedia apresentações de dança e capoeira, peça sobre identidade cultural do brasileiro e mostra sobre o artista e militante Abdias do Nascimento
por Redação RBA
São Paulo – O feriado de 20 de novembro é dia de luta para o movimento negro. Em São Paulo, algumas das mobilizações são artísticas e propõem reflexões sobre a questão racial. Uma delas é a mostra de cinema Pérola Negra – Ruth de Souza, que exibe até o próximo dia 28 no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) filmes em homenagem à atriz que completou 70 anos de carreira em 2015. Estão programados filmes e programas de TV que contam a história da primeira atriz brasileira que recebeu uma indicação em um festival internacional. Entre os filmes selecionados estão Osso, Amor e Papagaios,Candinho, Quem Matou Anabela, O Assalto ao Trem Pagador e Sinhá Moça, entre outros. A mostra também promove debates sobre o encontro entre Ruth e Carolina de Jesus e sobre o negro no cinema brasileiro. A programação completa pode ser conferida no site do CCBB-SP.

O Instituto Itaú Cultural sedia até 15 de janeiro a Ocupação Abdias Nascimento em homenagem ao poeta, ator, escritor, dramaturgo, artista plástico e militante que dedicou toda sua carreira ao combate à discriminação. A exposição reúne documentos históricos, pinturas, fotografias, vídeos, entrevistas, leituras dramáticas e outros materiais que resgatam a trajetória de Abdias nas várias áreas nas quais atuou. Entrada gratuita de terça a sexta-feira, das 9h às 20h, e aos sábados, domingos e feriados, das 11h às 20h, na Avenida Paulista, 149.

No domingo (20), o Teatro do Incêndio (Rua 13 de Maio, 53, na Bela Vista) será ocupado por manifestações culturais e apresentações artísticas e de resistência. As atividades começam às 15h com apresentação de capoeira seguida de maculelê. Às 16h, o corpo artístico do Ilê Asé Yá Oju Omim apresenta o espetáculo de dança de orixás Oba Ti Àlà.

As celebrações terminam com a apresentação do espetáculo O Santo Dialético, de Marcelo Marcus Fonseca, às 19h. A peça do grupo Teatro do Incêndio discute a perda da identidade cultural do brasileiro e explora sua formação pelo estudo de nossas raízes. A montagem faz parte do projeto “A Teoria do Brasil”, na qual o grupo investiga os vestígios da essência ancestral do brasileiro por meio de pessoas que, vivendo em São Paulo, perderam o contato com suas origens. Os ingressos são contribuições voluntárias.

Consuelo de Paula: produção independente valoriza a cultura popular

Novembro 15, 2016
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“Precisamos de todas as expressões artísticas”, diz a cantora. Do pop, toada, do samba, “de outras que vêm do barro do chão, dos rios, das montanhas, do pólen, da pedra, do asfalto, outras do pó”
por Vitor Nuzzi, da RBA
São Paulo – “Canto como quem tenta apenas transmitir poesia enquanto baila entre a aparente imobilidade e o invisível voo”, diz Consuelo de Paula, nascida em 1962 na Rua 7 de Setembro, na pequena Pratápolis, sudoeste de Minas Gerais. Desde sempre, artista inquieta. “Queria loucamente fazer qualquer coisa que fosse próxima à vida que levo hoje: fazia canções, cantava, inventava peças de teatro, tocava instrumentos de percussão, tocava violão e dançava! Ouvia com paixão os congados, os moçambiques, as folias, o carnavais, as serenatas, os LPs da minha avó e dos meus pais…”, conta.

Antes que a música se tornasse o verdadeiro ofício, Consuelo foi estudar Farmácia na Universidade Federal de Ouro Preto. “Cantei na Casa da Ópera de lá e foi incrível” recorda. O primeiro violão, ela ganhou dos pais, aos 13 anos. “Nunca mais me separei dele. Nunca foi meu instrumento principal – minha voz é meu instrumento –, mas me ajudou muito a construir o meu universo de expressão.”

Da cidade histórica mineira, ela seguiu em 1988 para São Paulo, onde, como diz, começou a preparar a sua obra e a construir sua história, que hoje já tem seis CDs, um DVD e um livro (A Poesia dos Descuidos, 2011). “Eu me lembro que fiquei meio perdida quando saí de Ouro Preto e só voltei a me sentir bem em São Paulo”, diz. “Intuitivamente eu soube que aqui teria condições para desenvolver a minha arte.”

Cecília e Adoniran

O primeiro disco, Samba, Seresta & Baião, é de 1998, exatamente dez anos depois de chegar e se instalar em São Paulo. O trabalho mais recente é O Tempo e o Branco, lançado em 2015. Com muitas melodias de Rubens Nogueira, o Rubão (o parceiro mais constante de Consuelo morreu em 2012), arranjos de Toninho Ferragutti (acordeon) e de Neymar Dias (violão e viola caipira), o álbum tem a presença permanente de Cecília Meireles, que inspirou várias canções, como Revoada, que abre o CD (“Minha mão espera seus pássaros/ Uns pousam, outros passam”).

No show que lançou o disco, no ano passado, Consuelo surpreendeu ao apresentar uma “parceria” com Adoniran Barbosa. Era um melodia de 1934, dele e do músico Copinha. A cantora recebeu de um admirador um link com participação de Copinha no programa Ensaio, da TV Cultura. A melodia ganhou letra, escrita quase de imediato – e o nome de Valsa para Mathilde, nome da companheira de Adoniran por décadas. “Amor, quando eu partir, ouça a canção que eu lhe fiz/A flor que prometi, a minha mão, os bem-te-vis/Nossa paixão, a nossa casa, o céu do meu país/O som da valsa, a vida que eu quis/ Teu nome, o nosso tempo mais feliz (…)”

Consuelo ouve de tudo, a raiz, o profundo. “Se formos falar do que a grande mídia divulga, não estaremos falando da realidade. Claro que esta divulgação tendenciosa acaba influenciando a realidade, mas o que noto em minha experiência é que sabemos, sim, quais são os nossos sons. O Brasil sabe, o brasileiro sabe, principalmente em sua mais essencial emoção, em sua pele, em suas células. E na produção musical independente você percebe fortemente isso.”

O que não significa negar influências, das mais diversas. “Mesmo num som que sofre forte influência do mundo – e influências naturais são sempre bem-vindas, e as “influências naturais” não resultam de apenas um país ou de apenas um ritmo, pressupõe-se que podem vir de múltiplos povos, de infinitas convivências –, é o nosso som, é a forma de expressão daquele artista, com a história dele, com a alma dele, com o corpo dele. Isso se for uma expressão de arte.”

Arte e mercado

Mas é preciso ouvir e ouvir, pondera a cantora. “A música veiculada pela grande mídia tem outros objetivos e na maioria das vezes não vemos influências, mas sim imitações. Não estou dizendo que não pode haver música de arte sendo veiculada nos grandes meios de comunicação, mas geralmente as grandes gravadoras estragam o que poderia ser realmente verdadeiro, transformador e transcendente. Acho que existem motivos políticos e não só econômicos.”

Para ela, o objetivo do mercado não é a arte. “Estou no Brasil, seria natural ouvir nas rádios e televisões pelo menos mais de 50% de canções brasileiras de milhares de artistas, músicas distintas com suas organicidades e estranhezas. E cada artista com sua respiração particular, com seus silêncios e pausas, cada um com seu ritmo, com sua poesia. Quem precisa ouvir música, quem se alimenta com arte musical, tem que descobrir as produções independentes. Por isso é importante que a gente se preocupe com a possibilidade de continuar existindo a produção independente. O mundo não precisa de todas as espécies de aves? Quando alguma destas aves é ameaçada de extinção, choramos. Pois então, precisamos de todas as expressões artísticas: daquelas que vêm dos mistérios das toadas, de outras que vêm do universo do samba, das expressões que respiram como na música pop, de outras que vêm do barro do chão, outras dos rios, outras das montanhas, outras do pólen, outras da pedra, outras do asfalto, outras do pó, outras de tudo isso, outras do nada.”

Pesquisadora, Consuelo de Paula enfatiza a diversidade, “que demostra nossa criatividade em produzir canções contemporâneas e surpreendentes, quando nos inspiramos em nossas vivências ou quando sofremos influências naturais da música do mundo”. E a expressão poética, diz, só se dá por necessidade, quando precisa vir. “Se houver outro objetivo, essa senhora exigente chamada arte retira-se.”

Também é preciso ganhar estrada para ver e ouvir arte. “Cresci vendo congos e moçambiques passando nas ruas da minha cidade natal. Depois, assim que cheguei a São Paulo, fui assistir a muitas festas populares, participei do grupo Abaçaí, do grande Toninho Macedo (Antonio Teixeira de Macedo Neto, atual diretor cultural da organização social). E até hoje, pelo menos três vezes ao ano, vou a festas populares. Da mesma forma que amo frequentar rodas de samba, rodas de choro. Da mesma forma que frequento shows dos meus colegas de ofício. Enfim, amo música e naturalmente, amo a música brasileira.”

Esse amor se direciona tanto à cultura popular como àquela que nela se inspira. “A nossa música rural ou urbana, do interior ou dos grandes centros, tem sua essência em algum raminho da música de nossa cultura popular. Adoro a nossa música urbana que traz em sua alma os rastros e os perfumes da nossa paisagem, mesmo quando o resultado é totalmente contrastante”, diz Consuelo.

E é por isso que ela vive, canta, escreve e trabalha, afirma. “Faço parte de uma geração que produz mesmo quando o mundo diz não. Poderíamos ter feito mais e melhor, mas os dias eram e são assim. Continuaremos criando, pois é nosso ofício neste mundo. Ser artista hoje é como remar contra a maré, mas é também um ofício que nos dá muito prazer e força, um ofício que nos provoca a vontade de recomeçar a cada nova canção…”

Documentário ‘Lute como uma Menina’ celebra novas energias em movimento

Novembro 13, 2016
Lute
Produtores antecipam acesso ao filme para estimular luta estudantil em defesa da educação. Trabalho retrata ocupações em São Paulo, no ano passado, e destaca papel da energia feminina no movimento.
por Redação RBA
São Paulo – O movimento que abalou São Paulo em 2015 é a inspiração do documentário Lute como uma Menina, concluído no início deste ano e agora disponível no Youtube. O ativismo autônomo dos secundaristas, não ligados a organizações tradicionais, obrigou o estado a recuar da imposição de um projeto de “reorganização” que implicaria fechamento de centenas de salas de aula e levou à queda de um secretário da Educação.

Iniciadas em 9 de novembro de 2015 – nas escolas estaduais Diadema, no ABC Paulista, e Fernão Dias, na zona oeste da capital –, as ocupações que alcançariam mais de 200 escolas públicas tiveram como particularidade a força das jovens secundaristas, que despertaram atenções para um feminismo rejuvenescido. A energia do movimento e das jovens mulheres que o protagonizaram são a matérias-prima do filme produzido por Beatriz Alonso e Flávio Colombini.

Com 76 minutos, o filme apresenta a experiência de suas organizações internas, o enfrentamento das autoridades e da violência policial, a luta pela autogestão, o amadurecimento político, intelectual e cultural e o sonho de milhares de pessoas que nunca haviam participado de nenhum tipo de mobilização de que é possível construir um país melhor – e agir por ele. Lute como uma Menina deve funcionar como ferramenta de reflexão e também de estímulo às novas lutas estudantis, segundo seus idealizadores, a exemplo de Acabou a Paz – Isso aqui vai virar o Chile, de Carlos Pronzato.

“Tínhamos planos de lançar o filme em festivais, pois seria também uma possibilidade de levar a luta para outros estados e outros setores da sociedade. Mas percebemos que se trata de um circuito meio fechado, difícil de ser penetrado. Então resolvemos antecipar as exibições e a exposição no Youtube para que possamos contribuir com esse momento de efervescência”, diz Beatriz. “Acho que não teríamos espaço no circuito convencional embora ainda tenhamos esperança de lançar ao menos no Netflix. “Assim como os secundaristas foram inspirados por um documentário sobre a rebelião pinguina, no Chile, esperamos poder inspirar muita luta. Inclusive ele está sendo legendado em inglês e espanhol. Enfim, fizemos esse documentário pra ser visto.”

As exibições, seguidas de debates, já vêm acontecendo há várias semanas. As próximas, neste mês, estão marcadas para dia 17 na Unifesp da Barra Funda e dia 24 em Paraty, no Cine Mulher. “Já exibimos na Federal do ABC (UFABC), no Instituto Federal de São Paulo, na Biblioteca Mario de Andrade, centro da capital, em Caraguatatuba, Guarulhos, em ocupações. Em uma ocasião, uma menina veio nos cumprimentar chorando muito, dizendo que se sentiu muito representada como feminista, que o filme é muito inspirador e a fez sentir mais forte. Foi emocionante ouvir isso”, conta a produtora.

Assista aqui


Direção: Flávio Colombini e Beatriz Alonso
Este filme só foi possível devido à colaboração especial do cinegrafista Caio Castor, dos Jornalistas Livres, e de muitos outros cinegrafistas e fotógrafos que documentaram a luta secundarista. Imagens (Danilo Ramos) e reportagens da RBA são usadas no filme

As raízes cearenses da Guerra de Canudos, 120 anos depois

Novembro 11, 2016

 Casa onde morou a família Maciel, de Antonio Conselheiro

Há 120 anos, acontecia o estopim para um dos conflitos mais sangrentos da história brasileira. A Guerra de Canudos tem suas raízes fincadas em Quixeramobim, cidade natal do beato e líder Antônio Conselheiro.

Por Domitila Andrade

Foi promessa e necessidade. A igreja maior, nunca concluída, abrigaria a multidão de fiéis quepassava de 20 mil, em Belo Monte. A madeira paga e encomendada em Juazeiro da Bahia não chegou ao destino, e o ajuntamento para ir buscá-la fez correr como pólvora o falatório: os conselheiristas iriam invadir Juazeiro. Ou nem iam, mas, até que se explicasse, já havia sido pedida a presença da tropa militar. O embate em Uauá, num dia 7 de um décimo primeiro mês, há 120 anos, inaugurou a guerra, a de Canudos, e principiou a resistência sertaneja sobreposta pelo massacre. Foi o estopim, mas não foi motivo único. O desenrolar das birras de Igreja, coronelismo e Estado com Antônio Conselheiro, o beato dito louco, já contava mais de um par de décadas. E as raízes se fincam 700 km distantes do arraial.

Rebento de Quixeramobim, no Sertão Central cearense, o peregrino nasceu Antônio Vicente Mendes Maciel, em 13 de março de 1830 na casa que ainda hoje segue de pé no Centro da Cidade. Muito se fala que, da terra natal, Antônio só carregou fracasso e tragédia. Mas, vivendo em Quixeramobim até os 27 anos e no Estado até os 43, Antônio se construiu como beato ainda pelas veredas do Ceará.

A religiosidade perene na trajetória tem princípio quando o pai, Vicente Mendes Maciel, quis o filho ordenado padre. “Por um determinado tempo ele se vocaciona para isso, estuda latim, tem contato com língua estrangeira”, reconta Bruno Paulino, escritor e professor que leciona em Quixeramobim disciplina específica sobre a vida do filho da terra.

Outro ponto dessa aproximação com a fé se dá com Padre Ibiapina, como detalha Ailton Brasil, historiador e presidente do Instituto do Patrimônio Histórico, Cultural e Natural de Quixeramobim (Iphanaq). “Os Macieis (família de Antônio) têm historicamente um conflito com osAraújos, e Antônio cresce vendo como a justiça funcionava, sempre a favor dos Araújos, o lado abastado da peleja. Quem faz alguma justiça pela família dele é o padre Ibiapina, que foi o primeiro juiz de paz daqui”, aponta. Um novo encontro com a missão do padre e seu catolicismo de ação se dá mais a frente, no Cariri, quando Antônio já havia se encontrado com sua sina.

Endividado depois de tentar seguir com os negócios do pai falecido, o recém-casado

Antônio deixa Quixeramobim. O fracasso nos negócios já mostrava, para Bruno, sinal do humanista que Antônio era. “Quixeramobim o formou intelectualmente e foi também a cidade que o expulsou. A história oficial tenta colocar como um fracasso. Eu acredito que isso mostrava que ele estava destinado a voos mais altos. Conselheiro foi professor, rábula (advogado prático), arquiteto, líder, um pacifista, um homem de múltiplas facetas que ensinava o conviver com o outro e com a terra”.

A pecha que recai sobre o homem, na tentativa de diminuir sua história, era a de corno. A narrativa imprecisa da traição de Brasilina, a esposa, coloca Antônio em desespero. Era dali que partia o segundo infortúnio, a loucura, a ele imputada como que para enfraquecer a obstinação.

“Essas pechas servem para esvaziar o ideal que ele representava”, afirma o psicanalista Osvaldo Costa Martins, um dos fundadores, na Quixeramobim de 1990, do Movimento Antônio Conselheiro. Apontando a loucura como “categoria social, que serve a todo tipo de estigmatização”, Osvaldo, analisou os manuscritos deixados pelo Conselheiro, e pondera que não tem elementos para diagnosticá-lo. “Ele era tido pela psiquiatria da época como monomaníaco religioso. Mas no texto do Conselheiro não tem elementos que apontam para um delírio, uma paranoia. É um texto muito bem construído, bem argumentado”, acredita.

Apartado da esposa, outra mulher teve, talvez, mãos mais fortes na moldura do beato de vestes azuis, profusão de pelos e pés descalços. Longe de Brasilina e dos dois filhos cujos destinos se perderam, Antônio se enlaça, em Santa Quitéria, com uma mística e tem com ela Joaquim Aprígio, o rebento que a luz da história alumiou. Joana Imaginária talhava santos. Santo também foi alcunha que seguiu Antônio.

Legado

Pedir no Centro da Cidade informações de onde fica a casa onde nasceu Antônio Conselheiro é receber informações imprecisas. Além da casa, o bairro abriga o Instituto Antônio Conselheiro, que guarda informações do peregrino e carece de cuidados. Ao lado dele, o único ponto comercial que carrega o nome do andarilho. Para quem leva tenta sustentar viva a memória do beato, esses são sinais de que os rótulos nele fixados ainda estão presentes e os ideais defendidos por Antônio seguem perigosos até hoje.

A família Maciel traz um orgulho quase tímido do parente distante. O pastor Roberto Maciel, da quarta geração posterior a Antônio, se ressente da falta histórica de apoio à família. Ele mesmo tem se inteirado da trajetória de Antônio pelas heranças do tio Marcílio Maciel. Falecido em 2015, Marcílio sabia de cor os caminhos do Conselheiro e queria que Antônio não fosse esquecido.

“Ele nos ensinou que a gente tinha o dever de repassar os ideais de Antônio. Quando morreu me deixou a missão de ir conhecer Canudos. Eu me apaixonei, foi uma das maiores emoções da minha vida”.

Conselheiro só passou a ser tema de pesquisa na década de 90, com o Movimento Antônio Conselheiro. Hoje, Quixeramobim tem o evento Conselheiro Vivo, que envolve escolas e movimentos sociais e rememora a vida do beato, no dia 13 de março, feriado na Cidade. Uma procissão também vai a Canudos anualmente em outubro. Para Neto Camorim, historiador que todo ano viaja a Canudos e perfaz os caminhos do Conselheiro na Bahia, Antônio deixa como legado “a resistência, a determinação, a teimosia”. “Ele era à frente do seu tempo e dá uma lição para as políticas públicas de que uma sociedade comunitária, num sertão seco, é viável”, diz. Bruno Paulino complementa: “Conselheiro ensina que o sertão é possível”.

Signo de tragédia

A peleja de Araújos e Macieis (esses acusados de roubo de cabeças de rês por aqueles), com baixas de ambos os lados; e a morte da mãe, Maria Joaquina, quando Antônio só contava quatro anos, principiam a vida marcada pelo signo da tragédia. Antônio cresce sendo maltratado pela madrasta; endivida-se ao assumir os negócios do pai; é traído por Brasilina; e já na Bahia é preso e trazido para o Ceará, acusado injustamente dos assassinatos de mãe e esposa. No percurso, Antônio sofre, passivamente, uma série de torturas.

Uma casa amarela toda azul

A casa de cinco portas, preparada para um comércio, construída na rua principal de Campo Maior, como era chamada a vila de Quixeramobim, segue de pé até hoje. Erguida pelo pai de Antônio Conselheiro, Vicente Mendes Maciel, no século XIX, a casa hoje amarela e vermelha já abrigou a família do músico e arquiteto Fausto Nilo. É sobre ela a música “Casa Toda Azul”, dizeres escritos na fachada, quando a casa de paredes largas e pé direito alto foi, além de residência, loja de tecido do pai do arquiteto, também de nome Fausto Nilo. O arquiteto conta que, depois da família Maciel, a casa passou para posse do coronel João Paulino, que a vendeu para Luiz Pereira, e depois para seu avô Benjamin Frutuoso. Hoje, vendida ao Governo do Estado, a casa espera restauro e a conclusão do tombamento.

Cronologia da Guerra de Canudos

1893

Neste ano, conselheiristas, no município de Tucano, enfrentaram e venceram um destacamento da Polícia Baiana. Este foi o primeiro conflito armado do grupo. O motivo foi a imposição de impostos. Nos primeiros dias de junho, Conselheiro e seus acompanhantes alcançaram o povoado de Canudos que tomou a denominação de Belo Monte. Começava uma nova era na vida sertaneja e nacional.

1896

Antônio Conselheiro encomendou madeira para a capela em construção com comerciantes juazeirenses. Sem a entrega, espalhou-se em Juazeiro, que os jagunços iriam buscar o material. Temendo uma invasão, preparou-se uma tropa de linha de 120 homens, comandada pelo tenente Pires Ferreira, que resolveu marchar contra Canudos e foi surpreendido, no povoado de Uauá, pela jagunçada. Estava iniciada, em 7 de novembro, a Guerra de Canudos.

1897

A expedição de Febrônio de Brito, a segunda, sofreu violento ataque dos jagunços e precisou recuar, no lugar conhecido por Taboleirinhos de Canudos.

O coronel Antônio Moreira César foi nomeado comandante da terceira expedição, formada por mais de 1,2 mil homens. A espetacular expedição foi desbaratada em março, vitimando seu famoso chefe, o Corta-Cabeças. A terceira expedição saiu de Canudos derrotada e deixou as armas necessárias à resistência.

A quarta expedição, com mais de 10 mil homens, foi dividida em duas colunas, partindo uma de Monte Santo e a outra de Aracaju na direção do Belo Monte, que resistiu durante alguns meses causando grandes perdas aos militares. Os ataques iniciados em junho somente em outubro dariam a vitória às armas republicanas.

O Conselheiro morreu em 22 de setembro, de disenteria, estilhaços de granada ou encantamento. O povoado foi dominado em 5 de outubro, com a queima do arraial e a dizimação de grande parte dos mais de 20 mil moradores.

O cadáver de Antônio Conselheiro, sepultado na casa em que morava, foi encontrado em 6 de outubro. Sua cabeça foi levada para Salvador para ser estudada por uma mestre da Medicina Legal, Nina Rodrigues, que concluiu se tratar de cérebro normal.

( Escritos do Historiador José Calasans)

 

Jovens indígenas criam grupo de rap para denunciar o preconceito

Novembro 8, 2016

Rappers são da aldeia Jaguapiru Bororó, que fica em Dourados (MS), região marcada por conflitos com fazendeiros.

por Redação RBA

São Paulo – O grupo indígena de rap, Bro MC’s, utiliza os versos e rimas para expressar os conflitos que enfrentam na reserva e os problemas da população indígena no Brasil. Em suas músicas, cantadas em português e em tupi guarani, eles denunciam o preconceito.

“A gente usa o rap como ferramenta para se defender do preconceito que sofremos na aldeia, para denunciar a violência, falar da questão da terra que sofre maus tratos”, afirma Bruno Veron, um dos rimadores do grupo. “O Bro Mc’s surgiu para quebrar esses preconceitos e mostrar a verdade da aldeia”, completa Clemersom Batista.

O grupo é formado por Bruno, Kelvin Peixoto, Clemersom e Charlie Peixoto. Os rappers são da aldeia Jaguapiru Bororó, que fica em Dourados (MS). Uma reserva indígena de 3.600 hectares, onde vivem 16 mil índios da etnia Guarani Kaiowá – região marcada por muitos conflitos com os fazendeiros.

Segundo a backing vocal do grupo, Dani, o Bro MC’s é mais reconhecido fora do estado do Mato Grosso do Sul. “A base da economia do nosso estado é o agronegócio, além disso, a principal briga entre os povos indígenas e os não indígenas é a questão da terra. O Bro não surge para brigar com ninguém, mas pra defender o direito que todas as pessoas têm.”

O grupo existe há seis anos e tem alcançado fãs em todo o país, principalmente, pela internet. “Quando a gente está em uma cidade como São Paulo, onde as pessoas não conhecem de fato o que acontece lá, as pessoas gostam de nós e nos recebem muito bem. Isso não acontece muito no nosso estado, poucas pessoas nos recebem bem lá.”

Assista a reportagem de Michelle Gomes no Seu Jornal, da TVT: