Endividado depois de tentar seguir com os negócios do pai falecido, o recém-casado
Antônio deixa Quixeramobim. O fracasso nos negócios já mostrava, para Bruno, sinal do humanista que Antônio era. “Quixeramobim o formou intelectualmente e foi também a cidade que o expulsou. A história oficial tenta colocar como um fracasso. Eu acredito que isso mostrava que ele estava destinado a voos mais altos. Conselheiro foi professor, rábula (advogado prático), arquiteto, líder, um pacifista, um homem de múltiplas facetas que ensinava o conviver com o outro e com a terra”.
A pecha que recai sobre o homem, na tentativa de diminuir sua história, era a de corno. A narrativa imprecisa da traição de Brasilina, a esposa, coloca Antônio em desespero. Era dali que partia o segundo infortúnio, a loucura, a ele imputada como que para enfraquecer a obstinação.
“Essas pechas servem para esvaziar o ideal que ele representava”, afirma o psicanalista Osvaldo Costa Martins, um dos fundadores, na Quixeramobim de 1990, do Movimento Antônio Conselheiro. Apontando a loucura como “categoria social, que serve a todo tipo de estigmatização”, Osvaldo, analisou os manuscritos deixados pelo Conselheiro, e pondera que não tem elementos para diagnosticá-lo. “Ele era tido pela psiquiatria da época como monomaníaco religioso. Mas no texto do Conselheiro não tem elementos que apontam para um delírio, uma paranoia. É um texto muito bem construído, bem argumentado”, acredita.
Apartado da esposa, outra mulher teve, talvez, mãos mais fortes na moldura do beato de vestes azuis, profusão de pelos e pés descalços. Longe de Brasilina e dos dois filhos cujos destinos se perderam, Antônio se enlaça, em Santa Quitéria, com uma mística e tem com ela Joaquim Aprígio, o rebento que a luz da história alumiou. Joana Imaginária talhava santos. Santo também foi alcunha que seguiu Antônio.
Legado
Pedir no Centro da Cidade informações de onde fica a casa onde nasceu Antônio Conselheiro é receber informações imprecisas. Além da casa, o bairro abriga o Instituto Antônio Conselheiro, que guarda informações do peregrino e carece de cuidados. Ao lado dele, o único ponto comercial que carrega o nome do andarilho. Para quem leva tenta sustentar viva a memória do beato, esses são sinais de que os rótulos nele fixados ainda estão presentes e os ideais defendidos por Antônio seguem perigosos até hoje.
A família Maciel traz um orgulho quase tímido do parente distante. O pastor Roberto Maciel, da quarta geração posterior a Antônio, se ressente da falta histórica de apoio à família. Ele mesmo tem se inteirado da trajetória de Antônio pelas heranças do tio Marcílio Maciel. Falecido em 2015, Marcílio sabia de cor os caminhos do Conselheiro e queria que Antônio não fosse esquecido.
“Ele nos ensinou que a gente tinha o dever de repassar os ideais de Antônio. Quando morreu me deixou a missão de ir conhecer Canudos. Eu me apaixonei, foi uma das maiores emoções da minha vida”.
Conselheiro só passou a ser tema de pesquisa na década de 90, com o Movimento Antônio Conselheiro. Hoje, Quixeramobim tem o evento Conselheiro Vivo, que envolve escolas e movimentos sociais e rememora a vida do beato, no dia 13 de março, feriado na Cidade. Uma procissão também vai a Canudos anualmente em outubro. Para Neto Camorim, historiador que todo ano viaja a Canudos e perfaz os caminhos do Conselheiro na Bahia, Antônio deixa como legado “a resistência, a determinação, a teimosia”. “Ele era à frente do seu tempo e dá uma lição para as políticas públicas de que uma sociedade comunitária, num sertão seco, é viável”, diz. Bruno Paulino complementa: “Conselheiro ensina que o sertão é possível”.
Signo de tragédia
A peleja de Araújos e Macieis (esses acusados de roubo de cabeças de rês por aqueles), com baixas de ambos os lados; e a morte da mãe, Maria Joaquina, quando Antônio só contava quatro anos, principiam a vida marcada pelo signo da tragédia. Antônio cresce sendo maltratado pela madrasta; endivida-se ao assumir os negócios do pai; é traído por Brasilina; e já na Bahia é preso e trazido para o Ceará, acusado injustamente dos assassinatos de mãe e esposa. No percurso, Antônio sofre, passivamente, uma série de torturas.
Uma casa amarela toda azul
A casa de cinco portas, preparada para um comércio, construída na rua principal de Campo Maior, como era chamada a vila de Quixeramobim, segue de pé até hoje. Erguida pelo pai de Antônio Conselheiro, Vicente Mendes Maciel, no século XIX, a casa hoje amarela e vermelha já abrigou a família do músico e arquiteto Fausto Nilo. É sobre ela a música “Casa Toda Azul”, dizeres escritos na fachada, quando a casa de paredes largas e pé direito alto foi, além de residência, loja de tecido do pai do arquiteto, também de nome Fausto Nilo. O arquiteto conta que, depois da família Maciel, a casa passou para posse do coronel João Paulino, que a vendeu para Luiz Pereira, e depois para seu avô Benjamin Frutuoso. Hoje, vendida ao Governo do Estado, a casa espera restauro e a conclusão do tombamento.
Cronologia da Guerra de Canudos
1893
Neste ano, conselheiristas, no município de Tucano, enfrentaram e venceram um destacamento da Polícia Baiana. Este foi o primeiro conflito armado do grupo. O motivo foi a imposição de impostos. Nos primeiros dias de junho, Conselheiro e seus acompanhantes alcançaram o povoado de Canudos que tomou a denominação de Belo Monte. Começava uma nova era na vida sertaneja e nacional.
1896
Antônio Conselheiro encomendou madeira para a capela em construção com comerciantes juazeirenses. Sem a entrega, espalhou-se em Juazeiro, que os jagunços iriam buscar o material. Temendo uma invasão, preparou-se uma tropa de linha de 120 homens, comandada pelo tenente Pires Ferreira, que resolveu marchar contra Canudos e foi surpreendido, no povoado de Uauá, pela jagunçada. Estava iniciada, em 7 de novembro, a Guerra de Canudos.
1897
A expedição de Febrônio de Brito, a segunda, sofreu violento ataque dos jagunços e precisou recuar, no lugar conhecido por Taboleirinhos de Canudos.
O coronel Antônio Moreira César foi nomeado comandante da terceira expedição, formada por mais de 1,2 mil homens. A espetacular expedição foi desbaratada em março, vitimando seu famoso chefe, o Corta-Cabeças. A terceira expedição saiu de Canudos derrotada e deixou as armas necessárias à resistência.
A quarta expedição, com mais de 10 mil homens, foi dividida em duas colunas, partindo uma de Monte Santo e a outra de Aracaju na direção do Belo Monte, que resistiu durante alguns meses causando grandes perdas aos militares. Os ataques iniciados em junho somente em outubro dariam a vitória às armas republicanas.
O Conselheiro morreu em 22 de setembro, de disenteria, estilhaços de granada ou encantamento. O povoado foi dominado em 5 de outubro, com a queima do arraial e a dizimação de grande parte dos mais de 20 mil moradores.
O cadáver de Antônio Conselheiro, sepultado na casa em que morava, foi encontrado em 6 de outubro. Sua cabeça foi levada para Salvador para ser estudada por uma mestre da Medicina Legal, Nina Rodrigues, que concluiu se tratar de cérebro normal.
( Escritos do Historiador José Calasans)