Archive for Outubro, 2016

Livro “A hora do teatro épico do Brasil” é relançado após 20 anos

Outubro 28, 2016

Da esquerda para direita, Helena Albergaria, Iná Camargo Costa e Sérgio de Carvalho - Créditos: Nadine Nascimento/Brasil de Fato

Iná Camargo Costa traz nova edição da obra em debate sobre arte e resistência em São Paulo (SP).

Nadine Nascimento
 
O teatro político foi tema do debate de relançamento do livro A hora do teatro épico do Brasil, de Iná Camargo Costa, realizado nesta quarta-feira (26), no estúdio Latão, zona oeste de São Paulo (SP). Reunindo atores, dramaturgos, pesquisadores acadêmicos e militantes, o encontro comemorava os 20 anos da primeira edição da obra.
O ciclo de debates A hora do teatro épico no Brasil e o trabalho crítico de Iná Camargo Costa teve em sua mesa de abertura, além da própria autora, os intelectuais Rafael Villas Boas, professor da Universidade de Brasília (UNB), e Sérgio de Carvalho, da Companhia Latão e professor da Universidade de São Paulo (USP). A mediação ficou sob a responsabilidade de Helena Albergaria, também da Companhia Latão.

Os debatedores relembraram a trajetória de vida e de militância política de Iná até chegar ao seu objeto de estudo do doutorado, o teatro épico. A pesquisadora foi vítima da perseguição política aos grupos de teatro durante a ditadura militar.

“A minha pergunta era: o que tem de tão grave que a ditadura precisa perseguir estudantes fazendo teatro? Isso foi o que me levou a integrar de forma muito empenhada um grupo de pesquisa, criado no fim dos anos de 1970 na USP, que se dedicou a fazer o levantamento mais exaustivo possível de materiais relativos à produção da arte política dos anos 1960”, lembrou Iná.

A autora foi influenciada, principalmente, pelas ideias do dramaturgo alemão Bertolt Brecht, um dos maiores nomes do teatro épico. Segundo ela, esse tipo de teatro deve “partir de um problema e não de um tema”; portanto, deve fazer uma análise crítica da sociedade, levando o espectador a reagir e a tomar posição.

20 anos depois

O livro, que tem sua reedição publicada pela Expressão Popular, foi disponibilizado originalmente em 1996. Questionada por Carvalho sobre a recepção da obra na época, Iná lembrou sobre a grande procura por grupos de teatro.

“Quando o livro foi publicado veio a pergunta: ‘Estamos no início dos anos 1990. Quem se interessa por esse tipo de livro? Para minha surpresa, o primeiro sinal de recepção foi de um grupo de teatro gaúcho. E, assim, eu descobri que o que eu escrevi como uma tese de doutorado era legível para grupos de teatro. Eles sofriam aquela mesma repressão que eu sofria na ditadura. O livro gerava uma interlocução que eu sonhava sem saber”, afirmou.

Para ela, essa reedição “é um aviso aos novos grupos sobre a importância de não desistir da luta”.

Teatro e resistência

A certa altura, o debate relacionou o relançamento do livro com a atual situação política do Brasil e os ataques aos direitos dos trabalhadores. Para Iná, a política de conciliação de classes dos últimos anos é um dos principais motivos da crise.

“Hoje no Brasil podemos dizer que a política de reformas ‘pavimenta avenidas’ para o fascismo. A política da social-democracia de alianças, que paralisa a luta dos trabalhadores, também caminha para o fascismo. Assim que Temer assumiu, passamos a ter um governo oficialmente fascista. Eles mobilizaram a classe média, que é a grande massa fascista. A gente viu isso desde 2013 até agora. E é o capital financeiro que patrocina tudo isso”, analisa Iná.

Segundo ela, o teatro e a cultura têm importância “secundária” em relação à intervenção política. Iná acredita que o mais importante é “a formação política e teórica, bem como a organização da militância para a a luta propriamente dita”. Quando estas questões estiverem devidamente contempladas, o próximo passo seria “cuidar da cultura em geral e da cultura específica da luta”.

Edição: Camila Rodrigues da Silva

Livros sobre Corumbiara e Vandré concorrem ao Prêmio Jabuti

Outubro 27, 2016

Vencedores da 58ª edição serão conhecidos em 11 de novembro. Jornalistas com história na RBA estão entre os finalistas nas categorias “Reportagem e Documentário” e “Biografias”

por Redação RBA

São Paulo – No próximo dia 11 de novembro, durante evento na Câmara Brasileira do Livro (CBL), em São Paulo, serão conhecidos os vencedores da 58º edição do Jabuti, principal prêmio literário do país. Na semana passada, foram divulgados os nomes dos finalistas nas 27 categorias, entre mais de 2.400 inscritos. A cerimônia de entrega será realizada no dia 24, no Auditório Ibirapuera, também na capital paulista. Há ainda uma premiação para livros do ano (Ficção e Não Ficção).

Em Reportagem e Documentário, um dos dez finalistas é Corumbiara, Caso Enterrado, do jornalista João Peres, que trabalhou de 2009 a 2014 na Rede Brasil Atual. O livro, publicado pela Editora Elefante, detalha o chamado Massacre de Corumbiara (RO), que completou 20 anos em 2015. Outro livro é São Paulo Deve ser Destruída(Record), do jornalista e professor Moacir Assunção, que conta a história do bombardeio à cidade em 1924.

No quesito Biografia, aparece, entre outros, Geraldo Vandré – uma canção interrompida, do jornalista Vitor Nuzzi, que está na RBA desde 2010. A obra foi editada pela Kuarup e conta a trajetória do autor de Pra não Dizer que não Falei de Flores (1968) e Disparada (1966, em parceria com Theo de Barros).

“Vandré” veio para estar no rol dos grandes livros-reportagens da MPB

O trabalho jornalístico e literário obstinado de quase uma década do jornalista Vitor Nuzzi acabou sendo recompensado por três importantes acontecimentos neste ano de 2015. O primeiro deles, a decisão do autor de lançar sua obra de maneira independente. O segundo, o julgamento do STF favorável à publicação de biografias não-autorizadas. E o terceiro, a aposta na qualidade da obra por parte da editora Kuarup.

Com os pés onde correu sangue, jornalista conta história de Corumbiara

Medo e angústia tomavam conta de Claudemir em sua vida na clandestinidade. Foi nessa condição que um ativista sindical apresentou o sem-terra à reportagem da RBA, onde João Peres trabalhava. Em abril de 2011, o caso foi reportagem na Revista do Brasil, a partir de entrevistas do trabalhador ao site e à TVT. Foi o início de um longo trabalho de reconstituição da história do Brasil.

Além dessas duas, o Jabuti completa as categorias Adaptação; Arquitetura, Urbanismo, Artes e Fotografia; Capa; Ciência Humanas; Ciências da Natureza, Meio Ambiente e Matemática; Ciências da Saúde; Comunicação; Contos e Crônicas; Didático e Paradidático; Direito; Economia, Administração, Negócios, Turismo, Hotelaria e Lazer; Engenharias, Tecnologias e Informática; Gastronomia; Ilustração; Ilustração de Livro Infantil ou Juvenil; Infantil; Infantil Digital; Juvenil; Poesia; Projeto Gráfico; Psicologia, Psicanálise e Comportamento; Romance; Teoria/Crítica Literária, Dicionários e Gramáticas; e Tradução.

No primeiro Prêmio Jabuti, no final de 1959, Jorge Amado foi escolhido na categoria Romance pela obra Gabriela, Cravo e Canela. O escolhido como Personalidade Literária do Ano foi o escritor, crítico, professor, tradutor e pintor Sérgio Milliet,  primeiro presidente da Associação Brasileira de Críticos de Arte e diretor artístico do Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo.

Criolo: “Diga não à PEC 241, diga não à reforma do ensino médio”

Outubro 25, 2016

Ao lado do DJ Dan Dan e de Daniel Ganjaman, o cantor Criolo deu um salve e mandou boa energia para as pessoas que estão ocupando as escolas contra a PEC 241 e a reforma do ensino médio. Indigando, Criolo afirma que  “não tinham mais o que inventar para destruir a vida de um professor, a vida de um aluno, a construção de uma cidadania”. O artista, sempre engajado nas lutas do povo, deixa seu apoio aos que tentaram “construir uma vida melhor através da edução”.

‘O Que Se Rouba’: dança urbana e reflexão de graça na Galeria Olido

Outubro 23, 2016

A partir de entrevistas feitas com infratores, policiais, filósofos, sociólogos e advogados, o grupo de dança Zumb.boys pondera o que pode ser roubado das pessoas, muito além das questões materiais.

por Redação RBA

Em 2014, o grupo de dança urbana Zumb.boys investigou os impulsos e os fatores que determinam o ato de roubar: a emoção, o desejo, os motivos, a racionalidade, a irracionalidade, o desafio e a fuga dos padrões… Ladrãodeu origem a uma outra peça que amplia a reflexão sobre o roubo. O Que Se Rouba, que estreou há um ano no Teatro Flávio Império, em São Paulo, volta a ser apresentado, de graça, entre os próximos dias 27 e 30 na Galeria Olido, no centro da capital paulista. O espetáculo valoriza as danças urbanas, como a break dance e o hip hop, e reflete sobre o que pode ser roubado de cada um de nós além de coisas materiais.

A coreografia impactante foi criada a partir da pesquisa sobre o tema “roubo” e sobre a movimentação urbana representada no espaço cênico. Se em Ladrão o grupo se concentrava nos infratores, em O Que Se Rouba, eles vão além e também entrevistam policiais, filósofos, sociólogos e advogados.

“A nossa intenção é expor tudo o que pode ser roubado e não nos ater apenas aos roubos materiais. Roubos imateriais, certamente são roubos concretos e de reverberações tão ‘violentas’ quanto qualquer outro. Um grande roubo pode ser o das possibilidades, por exemplo. Quando a sociedade diz a um indivíduo onde ele precisa chegar, mas não apresenta condições e recursos para que ele possa ir – como uma educação de qualidade, hospitais, segurança pública –, ela está roubando o desenvolvimento desse indivíduo. É desse roubo das possibilidades, de poder construir e de poder ser, que estamos tratando. O roubo da oportunidade, da infância, da vida, dos sonhos, do direito a igualdade”, afirma Márcio Greik, diretor do Zumb.boys.

A reflexão que a coreografia propõe passa pelo desejo de “querer ter” e pela necessidade de pertencer e se sentir parte de algo. Ela trata sobre a importância de ter algo ou alguém que nos pertença e sobre o como o consumismo acaba sendo uma das maiores motivações para a maior parte dos roubos, sejam eles materiais ou não.

Na primeira peça sobre o tema, a “correria” dizia respeito às fugas dos ladrões; nesta, ela representa a incansável corrida “para não ficar para trás na vida”, um movimento para tentar encurtar a distância entre aqueles que sempre estiveram à frente as nas oportunidades e os que pouco têm acesso à elas.

O cenário de O Que Se Rouba é uma prisão imaginária que representa as prisões imateriais presentes no cotidiano das pessoas: “Você não está preso fisicamente, mas está preso a um modo de existir que muitas vezes não te permite arriscar e se libertar de amarras abrigadas em demarcações invisíveis”, afirma Márcio Greik.

O espetáculo que foi contemplado pelo 17° Edital de Fomento à Dança de São Paulo tem trilha sonora de Ana Fridman e Eder Rocha, figurino de João Pimenta e a interpretação de Danilo Nonato, David Castro, Márcio Greyk e Guilherme Nobre.

O Que Se Rouba
Quando:
dias 27, 28, 29 e 30 de outubro
De quinta a sábado, às 20h, e aos domingos, às 19h
Onde: Centro Cultural Galeria Olido
Avenida São João, 473, Centro, São Paulo (SP)
Quanto: grátis
Duração: 45 minutos
Classificação: livre
Mais informações: www.zumbboys.com

Ficha técnica
Direção geral:
Márcio Greyk
Intérpretes criadores: Danilo Nonato, David Castro, Márcio Greyk e Guilherme Nobre
Consultoria de pesquisa: Ana Teixeira
Professores de técnicas: Flávio Rodrigues, Hugo Campos e Maristela Estrela
Figurinos: João Pimenta
Trilha sonora: Ana Fridman e Eder Rocha
Operador de som: Alex Araújo
Design de luz: Alexandre Zullu
Técnico de iluminação: Renato Lopes
Assessoria de imprensa: Luciana Gandelini
Produção: Kelson Barros – Cazumbá Produções Artísticas
Fotos: Mari Turco e Kelson Barros

Teatro Oficina prepara rito-orgia contra o golpe

Outubro 19, 2016

coro_bacantes-2016_foto-jennifer-glass-1POR REDAÇÃO

Companhia de Zé Celso reapresenta e ressignifica “Bacantes”. Escrita por Eurípedes há 2,5 mil anos, peça propõe estraçalhar e devorar poder absoluto e impostor

Pelo Núcleo de Comunicação do Oficina


Bacantes, de Eurípedes, Zé Celso e Teat(r)o Oficina
Em São Paulo
+
De 21 a 23 de Outubro no Sesc Pompeia
+ De 28 de Outubro a 23 de Dezembro no Oficina
Sábados e domingos, às 18h (duração: 5h40)
Participantes de Outros Quinhentos pagam R$ 20 (preço normal: R$ 60)

Bacantes põe em cena
o poder da presença
diante da presença do poder.

Como a ascensão da direita e riscos de fascismo em tantas partes do mundo, As Bacantes, de Eurípedes — peça que o Teatro Oficina estreia nesta sexta-feira, em São Paulo, ganha nova potência política. O rito vive a chegada de Dionyzio (Marcelo Drummond), filho de Zeus (Sergio Siviero) e da mortal Semelle (Camila Mota), em sua cidade natal, Tebas, que não o reconhece como Deus. Trava-se o embate entre o mortal Penteu (Fred Steffen), filho de Agave (Joana Medeiros), que, através de um golpe de estado, tomou o poder do avô, o governador Kadmos (Ricardo Bittencourt e Sergio Siviero) e tenta proibir a realização do Teatro dos Ritos Báquicos oficiados por Dionyzio e o Coro de Sátiros e Bacantes nos morros da cidade.

Penteu é a personagem mais contemporânea da peça. Ele está presente na cabeça dominante do golpe no Brasil, herança de nosso legado racista, patriarcal, escravocrata e sexista, que tem na propriedade privada a legitimação de genocídios; é a possibilidade concreta de Donald Trump tornar-se presidente dos Estados Unidos; é o discurso de grupos de ódio que não conseguem contracenar com as diferenças; é a cara nova, do privatizante e “apolítico” projeto neoliberal.

 

No terceiro ato, o coro de Bacantes e Sátiros estraçalha e devora Penteu, num trágico banquete antropofágico. Bacantes e Sátiros presentificam a multidão – as lutas sociais, o movimento das mulheres que reexiste frente ao machismo. São conduzidos por sua mãe. É um rito de adoração da adversidade, que abomina práticas de neutralização ou extinção de outras culturas, pensamentos, estéticas e visões de mundo.

Nesse movimento, o coro se revela mais contemporâneo que Penteu, pois vai em direção ao primitivo, num retorno ao pensamento em estado selvagem com percepção da cosmopolítica indígena. Esta nos mostra, hoje, como totemizar a predação e o trauma social do capitalismo e do antropocentrismo que atravessam continentes e séculos carregando a mitologia do Progresso a qualquer custo.

Com músicas compostas por Zé Celso e seu amadorismo de macaca de auditório da Rádio Nacional, incorporando o Teatro de Revista,Bacantes vai muito além do musical norte-americano. Além disso, depois de 20 anos da estreia, a evolução musical do Coro do Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona, desde as montagens de Os Sertões até as imersões nas obras de Villa Lobos e Paul Hindemith, preparou a companhia para a atuação nesta ópera eletrocandomblaica com a qualidade que lhe é devida. A música é executada ao vivo pelos coros & banda.

A peça e a cosmogonia de uma encenação: da Grécia Antiga ao Teatro Oficina

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405 a.C.

Bacantes, Bakxai, é a última tragédia escrita por Eurípedes, o terceiro grande dramaturgo grego, que dedicou a maior parte de suas peças a um conteúdo social, onde era frequente a ausência de mitos. Na velhice, é exilado na Macedônia em uma casa situada ao lado de um terreiro de velhas bacantes, onde escuta celebrações dos ritos da origem do teatro, preservados por elas. Eurípedes documenta e reconstitui esses ritos, bem mais remotos que ele, em 25 cantos e cinco episódios.

1983 – 1986

O Teatro Oficina prepara a primeira versão do texto, finalizada em 1987. Nos anos 80, a companhia realiza diversos trabalhos de coro, composição de músicas e constrói uma dramaturgia antropófaga. São co-autores dytirambistas dos tyasos dionizíacos Eurípedes, Zé Celso, Catherine Hirsch, Denise Assunção e Marcelo Drummond.

Segundo Fernando Peixoto, em texto sobre a tradução feita pela companhia,

José Celso é mais dionisíaco que Eurípedes. Seu texto, proposta para um espetáculo, estímulo para a encenação, partitura de palavras em busca de uma partitura musical com estrutura de ópera, avassalador e criativo vômito de frases poéticas que incorporam até mesmo como citação explícita elementos da vida nacional e popular do Brasil de hoje, não é nem uma acadêmica tradução e muito menos uma livre e desenfreada adaptação. As Bacantes que ele elabora como texto ou pré-texto para um projeto de espetáculo capaz de integrar o terreiro de nossas religiões afro com a múltipla presença de aparelhos de vídeo, necessitando música que mescle o atabaque com o sintetizador eletrônico, é fruto de uma insólita e mediúnica parceria: Eurípedes–José Celso. Direitos autorais a serem divididos 50% (…) E ambos devem parte de seus direitos às mais autênticas, espontâneas e transgressoras religiões-tradições de de seus povos: Eurípedes seria pobre sem os mitos da religião grega, assim como José Celso seria mais pobre sem os rituais das religiões

 

1993

O texto de 1987 é matriz e incorpora em sua estrutura poética peças que serão encenadas a partir da década de 90. E antes da montagem do espetáculo, a dramaturgia se materializou na construção do terceiro Teatro Oficina, de Lina Bo Bardi e Edson Elito, paradoxalmente inaugurado com Ham-Let, de Shakespeare, em 1993, e com projeto arquitetônico inspirado diretamente nas necessidades dos elementos da arquitetura cênica de Bacantes: terreira eletrônica, extratoporto, chão de cimento com tira de terra crua, céu aberto em teto móvel para comunicação com os urânidas, jardim túmulo de Semele, fogo, fonte de Dirce – cachoeira. Esse espaço, dramaturgicamente arquitetado, em 2015, foi eleito o melhor teatro do mundo, segundo o The Guardian.

A peça é a grande diretora da linha estética desenvolvida pela companhia: tragykomédyOrgyas, óperas de carnavalelektrocandomblaicas.

bacantes

Penteu estraçalhado pelas Bacantes (de um afresco em Pompeia)

1995

Bacantes teve sua primeira montagem encenada no Teatro de Arena de Ribeirão Preto. Uma multidão lotou o teatro ao ar livre em uma sessão realizada pelo Sesc no dia 11 de agosto, aniversário do Dionyzio Marcelo Drummond.

1996 – Público atuador

Estreou em 1996 no Teatro Oficina, já terreiro eletrônico de Lina Bo Bardi e Edson Elito, encenada como ópera de Carnaval para cantar o nascimento, morte e renascimento de Dionyzio, Deus do Teatro, do vinho e do carnaval.

O público, apaixonado pela pulsão teatral, na primeira temporada de Bacantes passou pelo rito de passagem à outra Re-iniciação: do Teatro Orgyástico, aberto para todas as democracias, vivo, como a Multidão nos Coros da Tragédia Grega ou nos antígos carnavais. Foi o embrião de um coro que nas décadas seguintes atuou no dia a dia dos espetáculos da companhia.

1997 – 2011

O texto phalado em brazyleiro, pra boca de todos, é encenado em diversos teatros de estádio – espaços cênicos construídos com estrutura semelhante ao Teatro Oficina, sempre em formato de pista, e Bacantesé apresentada para multidões em muitas cidades do Brasil e do Mundo: Araraquara, Brasília, Salvador, Recife, Belém, Manaus, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Fortaleza, Liége e Lisboa.

 

Serena em ascensão

Outubro 18, 2016

Por Alexandre Matias

A primeira música é dedicada a Leonilson e reúne o dramaturgo Zé Celso às cantoras Karina Buhr e Luê. A segunda saúda o Profeta Gentileza e tem vocais de Tulipa Ruiz e Tatá Aeroplano. A terceira traz o casal Curumin e Anelis Assumpção celebrando João da Baiana e Noriel Vilela. A quarta, para Luz Del Fuego, traz Moreno Veloso, Domenico Lancelotti e Bem Gil. Depois, o trio Metá Metá aparece ao lado do baixista Alfredo “DJ Tudo” Bello e da percussionista Simone Sou em uma música feita para Iyá Sandra Apega e Dorival Caymmi. Pelo resto do disco cruzamos com Filipe Catto, Tetê Espíndola, Lettieres Leite, Céu, Mau, Klaus Sena, Luz Marina, Mariana Aydar, Paula Pretta, Bruno Barbosa, Xênia França, Marcelo Pretto e Juliana Kehl, entre outros músicos e intérpretes, homenageando, a cada canção, nomes como Nina Simone, Pai Joaquim de Angola, Elis Regina, Clementina de Jesus, Mahatma Ghandi, Geraldo Filme, Clara Nunes, Madame Satã, Paco de Lucia, Mahalia Jackson, Pai João, Egbomi Cidalia, Heitor Villa-Lobos e Mãe Menininha do Gantois.

Descrito assim, por sua ficha técnica e pelas dedicatórias à cada música no encarte, o disco Ascensão, de Serena Assumpção, parece uma celebração da diversidade cultural brasileira, mais um registro musical que celebra um cânone plural em movimento, que ergueu a identidade de um País que passa longe da coroa portuguesa, da bossa nova, da Rede Globo, de Brasília. E também um encontro da nata dos representantes atuais deste cânone musical, traçando conexões e pontes entre músicos e intérpretes que sempre estiveram próximos, mas num grande disco de celebração à própria importância como geração.

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Essas leituras, no entanto, mudam completamente de fi gura quando sabemos que a primeira música se chama Exu, a segunda Ogum, a terceira Pavão, a quarta Oxumaré, depois Xangô, Iansã, Oxum, Iemanjá, Iroko, Nanã, Obaluaiê, Oxalá e Do Tata Nzambi – e que suas letras falam especifi camente de cada um desses orixás. Sabendo disso, a escolha dos intérpretes e os homenageados de cada faixa dão uma dimensão extra a cada letra, a cada batida, a cada acorde, a cada nota. Ascensão não é um simples disco de celebração da cultura brasileira – é algo muito mais profundo, intenso e ancestral do que o próprio Brasil. Fora a voz onipresente de Serena, uma liga que soa milenar ao conectar cada canção com o imponente todo.

“Serena recebeu essa ‘missão’ em um jogo de búzios no terreiro que frequentava, que ela então seria a responsável por gravar um disco com músicas desse terreiro, Ilê De Obá De Dessemi De Odé”, me explica o músico e produtor Rodolfo Dias Paes, o Dipa,que acompanhou o nascimento de Ascensão desde o início, ajudando Serena a concretizar a obra. “E essas músicas são as que são cantadas no próprio Ilê.”

“Serena já havia escolhido praticamente todo repertório que formaria o disco quando me chamou”, continua o produtor do disco. “Entrei no processo logo no início, em 2009. Antes ela havia gravado duas músicas no estúdio do Alfredo Bello, o DJ Tudo. Mas por conta de agenda e proximidade, me convidou para continuar esse projeto, ainda sem nenhum tipo de custeio externo, fazendo às próprias custas. Havia me encantado e disse que mergulharia com ela nisso.”

“Lembro que nos encontrávamos nos estúdio duas ou três vezes antes de gravar apenas para ouvir as melodias, que ela gravava no celular, e aí pensar quem poderia gravar, qual seria a melhor instrumentação para aquela canção”, continua o produtor. “Sobre os convidados, ela tinha bem claro quem gostaria que participasse – e pensando em quem cantaria, nós pensávamos qual seria a melhor instrumentação, tudo isso para poder ‘dar certo’, fazer fl uir o dia que teríamos para gravar todos juntos no estúdio determinada música. E assim foi. Quase todas as músicas nasceram no encontro de no máximo dois dias no estúdio. Escolhíamos os músicos e intérpretes e a música nascia no processo coletivo mesmo! Todos no estúdio e criando juntos. Começamos assim em 2009, e assim continuamos até a conclusão do disco em 2015.”

“Serena sempre soube bem os caminhos que ela queria para esse trabalho, se ela não soubesse a maneira técnica pra falar algo que ela queria expressar na música, ela sempre dava referências e do sentimento que a música poderia ter”, explica Pipo Pegoraro, o outro produtor do disco, que entrou no meio do processo “ajudando a reorganizar e produzir os materiais que já haviam sido gravados”. “No estúdio, no meio dos takes de gravação, diversas vezes ela chegava perto do microfone e falava uma palavra ou um som para a pessoa pensar naquele momento – e certamente mudava algo ali!”

“Teve um dia em que antes de irmos pro estúdio, ela reuniu as pessoas que iriam gravar e ofereceu um almoço baseado nas comidas que são ofertadas para aquele Orixá, que mais tarde seria musicado por nós”, continua Pipo. “Esse tipo de relação com o trabalho estava sempre presente.”

“Serena tinha um grande conhecimento nesse quesito”, completa Dipa. “Ela tinha propriedade quando falava dos Orixás, suas referências, contos, origens, cores, sabores, matérias… Com certeza ela escolheu a dedo cada intérprete para cada Orixá. E conversou bem com cada um que iria participar. Serena gostava muito disso, ela convidava para passar na casa dela, fazia um bolo delicioso ou um almoço, chás, sucos e fi cávamos conversando sobre o assunto. Assim foi também com todos os intérpretes. Todos que cantaram chegaram lá com bagagem da Sereninha. E mesmo durante as gravações, no estúdio, ela trazia mais referência, mais subtextos para os intérpretes.”

“Serena sempre teve bastante consciência do que ela estava querendo”, continua Pipo. “Ela queria falar das crenças e da importância disso na vida dela, expressar a beleza de nossa autêntica cultura e religiosidade, e fazer algo por isso, juntando a energia de cada um que se envolvia no projeto e acreditava. Juntar todas essas pessoas para ela foi algo meio que natural, sabe?”, conta Dipa. O disco foi lançado ofi cialmente nos dias 7 e 8 de julho, com shows no Sesc Pompeia que reuniram Karina Buhr, Tulipa Ruiz, Filipe Catto, Céu, Anelis Assumpção, Tatá Aeroplano, Luz Marina, Juliana Kehl, Luê, Mauricio Bade, Xênia França, Paula Pretta, Leo Cavalcanti, Marcelo Pretto, Ana Lomelino e Laura Lavieri, acompanhados pela banda Tono.

“Serena já havia deixado tudo pronto e aprovado, não mudamos uma vírgula, das músicas à lombada do CD”, lembra Dipa. “Já falávamos bastante sobre como poderia ser o show. Ela já havia escrito duas propostas de projeto para o Sesc para esse lançamento, já havia deixado marcado com a Banda Tono para ser a banda de base que a acompanharia, o Ryck Staff faria a direção geral do show, a Julia (Rocha, autora do projeto gráfi co do disco) as projeções; a Isadora Gallas o fi gurino e por aí foi. Tudo já anotado, assessoria de imprensa e tudo mais que pensar.”

“Com a partida da Serena pensamos que faria todo sentido convidar os intérpretes que participaram do disco. Nem todos puderam fazer o show por conta de agenda. Outros somaram no dia, pois eram artistas, amigos muito próximos a Serena e sentimos que nesse formato, eles mesmos não estando no disco faziam parte. E assim foi”, lembra o parceiro. A partida da fi lha de Itamar Assumpção, que saiu de cena devido ao câncer no dia 16 de março deste ano, foi anunciada pela irmã Anelis no dia seguinte: “Serena foi voar / Nadar nas profundas águas / Num canto de sereia / Serena voou encantos / Foi navegar seus ultramares / Serena agora está livre / Livre e mais Serena / pra sempre / Serena.” Ascensão, no entanto, torna-a viva – e intensa – para todos que não a conheciam.

O disco é um dos mais envolventes da história da música brasileira, não apenas deste século. E Dipa não acha que seu ciclo terminou com os shows no Sesc: “Ainda não sabemos como fazer, mas foi tão especial que merece ainda ser pensado”, explica o produtor, adiantando também que “existe uma faixa que gravamos e não saiu no disco físico, com participação do Caetano Veloso. Vamos lançar essa faixa em breve para download gratuito e continuar espalhando essas sementes.”


♦ Alexandre Matias, 41 anos, é jornalista e dono do site Trabalho Sujo (www.trabalhosujo.com.br) e também mantém um blog no Uol (www.matias.blogosfera.com.br).

OCUPAÇÃO CAMBRIDGE UNE LUTA E ARTE PELO DIREITO À CIDADE

Outubro 16, 2016

Ocupação Cambridge 

  Matéria escrita pela jornalista Carolina Caffé.

 Ocupar está em voga na cidade de São Paulo. Secundaristas, massa crítica, hortelões comunitários, Ministério da Cultura (MinC), fábricas de cultura, Minhocão, jornadas de junho, ­rolezinhos foram e são fenômenos que apontaram para movimentos de apropriação e ressignificação dos espaços públicos e da vida pública. São insurgências distintas, na maioria um pontapé da juventude. E que, apesar de separadas no mapa, possuem pontos comuns: resistência, prática autônoma e discurso apartidário. Uma experiência chama especial atenção nesse fluxo, principalmente pelo cruzamento entre diferentes tribos urbanas – militantes, artistas, jornalistas, psicanalistas, arquitetos, médicos e refugiados: a Ocupação Cambridge, fruto de um movimento não tão novo, mas importante na história das lutas sociais da cidade, pela moradia digna.

Eliana

Situado no primeiro quarteirão da Avenida 9 de Julho, vizinho do Vale do Anhangabaú, o Hotel Cambridge é dos tempos da “terra da garoa”, inaugurado em 1951. Cerrou as portas em 2002, resistindo ainda algum tempo – antes de fechar de vez – como espaço de festas e eventos, num lobby agitado encimado por andares abandonados. Acabou ocupado na noite de 22 de novembro de 2012 pelo Movimento dos Sem Teto do Centro (MSTC). O edifício sem elevador tem 15 pavimentos e 241 quartos. Após a ocupação, um mutirão de limpeza removeu 15 toneladas de lixo em caçambas de quase 60 caminhões. A reciclagem não era apenas do lixo, mas também do espaço, que deixava de ser um lugar sem função social para abrigar mais de 170 famílias, cerca de 500 pessoas.

“Além de moradia, aqui promovemos ações e debates, para que o direito constitucional que garante a moradia seja cumprido pelo Estado, corrigindo as falhas cometidas há décadas pelo poder público na distribuição urbanística e habitacional das cidades brasileiras”, afirma Carmen Silva, líder da ocupação e da Frente de Luta por Moradia (FLM). O movimento atuou no centro, pois entende que a morada digna não é apenas “telhado e quatro paredes”, mas estar cercada por serviços públicos como transporte, escola, posto de saúde, creches, faculdades e oportunidades de trabalho. A luta é pelo direito à cidade.

Crianças

Shopping rua

Chamam a atenção na ocupação diversos aspectos, entre os quais a gestão coletiva do espaço. As famílias dividem a limpeza e se responsabilizam pelas áreas comuns do prédio. Quando há um morador novo, uma força tarefa busca nas ruas móveis e objetos que possam ser reutilizados (o que eles chamam de “shopping rua”). Há horários limitados para visita, não se tolera o uso de drogas e todos devem participar das assembleias e ações do movimento pela cidade. Para quem vem de fora, impressiona o nível de participação dos moradores em assembleias, fóruns, conferências municipais, passeatas e decisões sobre o orçamento público da cidade. Uma verdadeira aula de cidadania e cuidado com o bem comum.

A liderança feminina também se destaca. “Temos muitas heroínas por aqui”, conta Carmen. “As mulheres ocupam cada vez mais o espaço de luta, defendendo suas famílias e a moradia digna.” Ela própria é uma dessas. Cansada das agressões domésticas, trocou Salvador por São Paulo. Deixou com a família os sete filhos e voltou para buscá-los anos depois. Chegou em São Paulo com as mãos vazias e cheia de esperança no peito. Morou de favor na casa de amigos até saber de uma ocupação no centro. Começava ali a emocionante trajetória de uma vida política marcada por lutas e conquistas, até se tornar líder do movimento que abriga, em mais de 60% dos casos, mães solteiras como ela.

Também nas ocupações do centro vários refugiados encontraram base para nova vida. A ausência de políticas públicas para imigrantes e refugiados faz das ocupações uma alternativa de adaptação e integração com a cidade. Vindos do Congo, Haiti, Senegal, Togo, Camarões, Benin, Colômbia, Peru, Bolívia, República Dominicana e Palestina, procuram, além de uma vida melhor, emprego e um meio de enviar dinheiro para seus familiares nos países de origem. “Quando o refugiado chega na cidade não tem onde dormir. O Brasil abriga cerca de 9 mil refugiados, e em São Paulo são apenas 340 leitos no centro de acolhida”, afirma Pitchou Luambo, refugiado da guerra pelo minério na República Democrática do Congo – e morador da Ocupação Cambridge.

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Cinema colaborativo

A diversidade cultural resultante desse encontro entre brasileiros de diferentes regiões, imigrantes e refugiados, inspirou a cineasta Eliane Caffé a produzir o filme Era o Hotel Cambridge. “O que me interessava retratar era o choque cultural entre refugiados e brasileiros, e aí apareceu o tema das ocupações. Mas no lugar do choque encontramos semelhanças: tanto os refugiados como os trabalhadores de baixa renda dividem esse problema em comum: a falta da moradia”, diz.

Nas oficinas preparatórias, em que Eliane reuniu os refugiados para o estudo e escolha dos “personagens”, foi formado o Grupo dos Refugiados e Imigrantes Sem Teto (Grist), que decidiu expandir os encontros para além do filme. Hoje, o Grist promove debates e palestras sobre refúgio, história africana, xenofobia, racismo e descriminação e promove cursos, campanhas, festivais e shows para difusão e valorização da cultura. Em um ano, o grupo realizou o 1º Fórum dos Refugiados e Imigrantes Sem-Teto de São Paulo, o 1º Festival Musical dos Refugiados de São Paulo (no Largo da Batata, tradicional palco de manifestações na zona oeste) e o evento Conexão Cultural (no Museu da Imagem e do Som, o MIS).

E não foi o único coletivo que se originou no contexto da gravação de Era o Hotel Cambridge. O filme inspirou a formação e o cruzamento de novas ações e movimentos. Um verdadeiro laboratório social e cultural, fazendo São Paulo despertar para uma forma incomum de pensar o cinema: como um legado social. A experiência desafiou as estruturas hierárquicas e tradicionais de direção e produção, propondo uma forma participativa, colaborativa e inclusiva.

O filme mistura ficção e documentário e narra a trajetória de um grupo de refugiados recém-chegados, que se unem aos sem-teto e dividem a ocupação de um antigo edifício no centro de São Paulo. Foi realizado por meio de um processo colaborativo entre a Aurora Filmes, um grupo de estudantes de arquitetura da ­Escola da Cidade e o MSTC. O elenco reúne atores profissionais, como José Dumont e Suely Franco, e atores sociais: os moradores, que interpretam a própria história.

Durante a fase de criação do roteiro, pesquisa e seleção dos personagens, além dos encontros dominicais com o grupo dos refugiados, foram realizadas oficinas de vídeo com os moradores da ocupação, e o observatório web, com exibições e debates. Toda a produção artística envolveu moradores, não apenas como parte da equipe, mas usando dos seus saberes e tecnologias, como o shopping rua.

A professora de Desenho e Arquitetura Carla Caffé, da Escola da Cidade, também diretora de arte de Era o Hotel Cambridge, elaborou um curso para que os alunos colaborassem com o desenho e produção de arte, como na definição de cores, tecidos, imagens, animações, figurinos e cenários. A ideia foi fazer um “cinema de intervenção” em vez de um “cinema de passagem”. Tudo o que fosse construído para os cenários não deveria ser desfeito, e sim ter uma função, um legado, enquanto a ocupação existir.

A disciplina foi realizada com 21 estudantes e o professor Luís Felipe Abbud. A atividade experimental uniu ensino de arquitetura ao de direção de arte cinematográfica. A disciplina trouxe à tona problemáticas urbanas como a compreensão e atuação com um movimento social de luta por moradia (MSTC) e o reúso inteligente de materiais descartados, em oficinas com o Coletivo Basurama. “Equipamos a biblioteca, o brechó, a área das costureiras e o saguão de entrada do hotel”, diz Carla. “Equipamos os pontos de encontro e interação dos espaços comuns do edifício, para incentivar o espírito de coletividade do movimento.”

Os encontros de pesquisa e criação com os personagens sociais começaram a reunir entusiastas de todos os campos e ganhar vida própria. Mesmo depois de as gravações terminarem, o intercâmbio social e cultural era tão forte que muitos da equipe do filme resolveram continuar­ suas ações e oficinas, e novos movimentos começaram a brotar na ocupação: a fome dos paulistanos em ocupar, sair das bolhas, cruzar fronteiras e desafiar a ordem.

A construção da horta comunitária no telhado do prédio – com o Coletivo Habitacidade –, aulas de dança africana, intervenções de jornalistas independentes, grupos de trabalho em psicanálise – conduzidos por profissionais do Instituto Sedes Sapientiae –, a formação do Centro de Assistência à Saúde dos Imigrantes e Refugiados (Casir) e ações do coletivo interdisciplinar Linha de Frente e da Residência Artística Cambridge são algumas das ações que acontecem hoje no local.

Era o Hotel Cambridge ganhou prêmio e foi lançado em setembro deste ano no Festival San Sebastián, na Espanha, um dos mais importantes do mundo. Ganhou reconhecimento internacional em exposições como no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (o MIT, nos Estados Unidos), em março. No Brasil, deve entrar em cartaz no início de 2017.

“Eu gostaria de seguir esta experiência de um filme expandido também na fase de comercialização”, diz Eliane. “Os festivais convidam, pagam passagem ­aérea geralmente para diretor e produtor. Quando você chega lá no tapete vermelho tem a mídia imensa esperando você passar, e quando a gente fala em lançamento expandido, quer dizer não deixar o pessoal do movimento fora dessa, e aproveitar a oportunidade para fazer novas articulações similares em evento que estão acontecendo no mundo, de ocupação e de refugiados.”

Na Espanha, Carmen Silva, do MSTC, conheceu e fez alianças com lideranças da Plataforma de Afetados pela Hipoteca (PAH), associação surgida em fevereiro de 2009 em Barcelona. “Estamos conseguindo levar para fora a nossa luta”, celebra Carmen. “É uma grande oportunidade de dar visibilidade ao movimento que sempre foi muito discriminado pela mídia. O filme permitiu mostrar que não somos vândalos, e sim famílias e trabalhadores lutando pelos direitos garantidos na nossa Constituição.”

Direito de ocupar

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Fachada do Cambrige, no centro de São Paulo: ocupação em hotel fechado em 2002 reúne 500 pessoas



Em tempos em que o espaço público das cidades se vê ultrajado por bombas de efeito moral e balas de borracha, ocupar virou palavra de ordem para quem defende a democracia e a vida. Como diz o poeta Hamilton Faria, sociólogo do Instituto Pólis: “É preciso desobedecer as práticas antidemocráticas: na vida cotidiana, nas instituições e na sociedade em geral. Ocupar não é invadir. É entrar pacificamente e dizer ‘olha, eu tenho voz e isso me pertence’. A Funarte não é do Ministério da Cultura, as escolas não são do governo estadual, os espaços públicos não são do governo. Eles são públicos”.

O conceito do Direito à Cidade tem ganhado visibilidade e reconhecimento, não apenas entre a sociedade civil mas também dos governos mundiais (como a inclusão do termo na Nova Agenda Urbana, documento oficial da Organização das Nações Unidas). A arquiteto e curador Guilherme Wisnik lembra que a ideia de Direito à Cidade para Henri Lefebvre (filósofo francês, autor do conceito) implicava não em um direito aos serviços da cidade exatamente, mas um direito de transformar a cidade. Inventar uma nova cidade a partir do real.

Segundo Wisnik, o pensamento ficou esquecido por no mínimo duas décadas (de 1980 e 1990) de predominância do pensamento neoliberal de que tudo aquilo que foi postulado como possibilidade transformadora nos anos 60 tinha se revelado impossível, segundo o raciocínio pragmático. “Mas na virada do século aconteceu por diversas frentes uma espécie de ataque ao coração do sistema, e essas manifestações se desdobraram em possibilidades reais de que o sistema pudesse ser mudado”, afirma.

A Ocupacão Cambridge não é apenas um marco de resistência ao modelo individualista, competitivo e alienado das cidades modernas capitalistas. É, ao mesmo tempo, um modelo a ser observado e aprendido como paradigma de cidade e relações humanas. As soluções para os grandes problemas que vivemos nas cidades não precisam ser inventadas, mas reconhecidas e fortalecidas. Era o Hotel Cambridge é um exemplo de apropriação das tecnologias e saberes produzidos nas ocupações.

Assista à reportagem da TVT sobre o filme.

Peça investiga essência dos brasileiros a partir da perda de origens

Outubro 15, 2016

‘O Santo Dialético’ celebra os 20 anos do grupo Teatro do Incêndio. Em cartaz de 15 de outubro a 4 de dezembro, em São Paulo, espetáculo oferece jantar com pratos típicos de várias regiões do Brasil.

por Xandra Stefanel

São Paulo – Um voo interior rumos às próprias raízes. É o que propõe a peça O Santo Dialético, do Teatro do Incêndio, que reestreia neste sábado (15), às 20h, na sede da companhia, no bairro da Bela Vista, no centro de São Paulo. Com direção de Marcelo Marcus Fonseca, a montagem parte do projeto “A Teoria do Brasil”, na qual o grupo investiga os vestígios da essência ancestral do brasileiro por meio de pessoas que, vivendo em São Paulo, perderam o contato com suas origens.

Dividido em dois atos, o enredo traz histórias paralelas que criam uma espécie de mosaico da mistura racial brasileira: um índio, tirado aos oito anos de sua tribo por padres, retorna do seminário para reencontrar sua aldeia; uma moradora de rua se sente chamada para uma missão e encontra o sincretismo pelo caminho; um casal de evangélicos negros vive o drama de não conseguir ter filhos e o marido é atormentado por antigos sons que desconhece; e um publicitário não se encontra no próprio corpo enquanto sua mulher sofre de uma doença terminal.

Em uma mistura de teatro, dança e música ao vivo, as histórias são contadas a partir do ponto de vista de pessoas comuns que, sentindo que perderam referências importantes de suas próprias trajetórias, partem em busca de uma mitologia com a qual possam se identificar. A peça “propõe o entendimento da descaracterização do negro, do índio e do próprio europeu (transformados em outra raça), indo à procura desse ‘novo povo’, o brasileiro, levando cada personagem numa espécie de voo interior rumo à própria raiz”, apresenta a sinopse.

O Santo Dialético estuda um Brasil vilipendiado, massacrado, proibido. Um Brasil que destrói diariamente a sua identidade, que faz de sua igualdade para a qual tem vocação, diferenças profundas, separações de cores, ideias e negação de saberes nascidos do encontro de povos e esperanças. Resgata um país invisível, utópico e verdadeiro, vivo na força sutil de toda matéria criadora oriunda do espírito de um povo com uma só cor: cor brasileira”, afirma o diretor Marcelo Marcus Fonseca.

O espetáculo itinerante percorre os dois andares do Teatro do Incêndio e, durante o intervalo, a companhia oferece comidas típicas da culinária brasileira por um valor adicional (R$ 20). Baião de dois, galinhada, acarajé, arroz carreteiro, farofa nordestina, entre outros pratos, são preparados pelo próprio diretor durante o primeiro ato do espetáculo e são servidos em grandes mesas comunitárias.

“Comida é memória. Cada prato criado aqui tem a mistura de um mundo novo, possível, ao lado de um outro mundo, corrupto, nascido da opressão. Mas a invenção da comida na necessidade deu origem a pratos sofisticados vindos, às vezes, quase que dos restos. Cozinhar é libertar e dar afeto. Como em uma festa popular, num terreiro, no interior, o espectador é convidado a partilhar um espaço de refeições coletivas, intimamente ligado a todo o desenrolar da história, ou das histórias da peça. A comida, assim como a música e a palavra, é parte orgânica de um espetáculo que trata de raízes, essência e comunhão humana”, declara Marcelo.

Até 4 de dezembro, O Santo Dialético terá 16 apresentações em São Paulo, aos sábados, às 20h, e domingos, às 19h.

O Santo Dialético
Quando: de 15 de outubro a 4 de dezembro
Aos sábados, às 20h, e domingos, às 19h
Onde: Teatro do Incêndio
Rua 13 de Maio, 53. Bela Vista/SP.
Quanto: pague quanto puder (dinheiro ou cartão de débito)
Jantar: R$ 20,00 (opcional)
Duração: 150 minutos
Gênero: drama musical
Classificação: 14 anos
Capacidade: 80 lugares

Texto e direção geral: Marcelo Marcus Fonseca
Direção musical, composições originais e música ao vivo: Bisdré Santos
Figurino: Gabriela Morato
Iluminação: Helder Parra e Marcelo Marcus Fonseca
Preparação vocal: Alessandra Krauss Zalaf
Assistência de direção: Sérgio Ricardo
Assistência de produção: Victor Castro
Adereços: Fabrízio Casanova
Trilha sonora mecânica: Marcelo Marcus Fonseca e Bisdré Santos
Coreografia: Gabriela Morato
Operação de luz: Helder Parra
Operação de som: Victor Castro
Responsável técnico: Antonio Rodrigues
Fotos: Giulia Martins e João Caldas
Realização e produção: Cia. Teatro do Incêndio
Atores: Gabriela Morato, Francisco Silva, Elena Vago, Valcrez Siqueira, André Souza, Victor Dallmann, Pamella Carmo, Juan Velasquez, Thiago Molfi, Lígia Souto e Anderson Negreiro

TOM ZÉ, 80 ANOS: ‘CANÇÕES ERÓTICAS DE NINAR’ E OUTRAS CANÇÕES

Outubro 14, 2016

  Artigo publicado pela Rede Brasil Atual.

 

tom zé

São Paulo – O cantor e compositor Tom Zé completa hoje (11) 80 anos em meio ao lançamento do disco Canções Eróticas de Ninar que, como ele escreve no encarte do álbum, resgata “os assuntos do sexo como eram tratados (ou não) na minha infância e juventude”, abordando também a opressão sofrida pela mulher. “As famílias não falavam nada de sexo. Só vim saber que meu pai transava com a minha mãe aos 16 anos”, contou em entrevista a Oswaldo Luiz Colibri Vitta, no programa Hora do Rango, da Rádio Brasil Atual.

“Nós, que fomos crianças na década de 1940, vivíamos em um ambiente no qual as relações humanas eram completamente diferentes. O namorado não podia transar com namorada e as moças eram obrigadas a viver dentro de casa. E onde tem mais repressão é que surgem as coisas mais ousadas”, contou o baiano de Irará, relembrando sua primeira experiência sexual. “Naquela época era comum homem frequentar prostíbulos. Um belo dia um amigo te leva lá e alguém te socorre.”

As 13 faixas que compõem o disco contam, no estilo marcante do artista, sobre o tabu da virgindade feminina e a educação sexual pelo contato com os empregados. O álbum foi lançado no início deste mês no Sesc Pompeia, em São Paulo. No próximo dia 22, o trabalho chega ao Rio de Janeiro, no Circo Voador. “Meu segredo é que eu sempre fui doente e aí eu tive que viver tendo um cuidado danado. Sou precavido na vida.”

“A canção brasileira é uma coisa muito importante na vida da gente”, diz o artista. “A universidade King’s College, de Londres, fundou um Centro de Estudos da América Latina com um setor apenas para o Brasil. A principal fonte de estudo desse centro é a canção do Brasil.”

Sobre planos, Tom Zé afirmou que prefere guardá-los para si. “Na Bahia tem um provérbio que diz: ‘Mulher que fala muito perde logo seu amor’. Então, a gente não pode falar dos planos que tem senão esfarela. O segredo provoca uma combustão que é necessária para você ter força para trabalhar”.

Com bom humor, Tom Zé lembrou de momentos marcantes do seu trabalho, inclusive aqueles que não foram bem aceitos em determinados nichos. “Em 1973, fiz o disco Todos os Olhos, que hoje é um sucesso, mas na época me tirou de circulação. Em 1976, fiz Estudando o Samba e também não tive aprovação em lugar nenhum. Em 1989, eu estava me mudando de volta para Irará para trabalhar no posto de gasolina de um sobrinho, quando soube que (o músico norte-americano) David Byrne estava interessado nesse trabalho. Ele veio para cá, conversou comigo e o disco fez muito sucesso na Europa e nos Estados Unidos.”

O compositor se recusa a servir de exemplo para quem pensa em se aposentar e parar de exercer suas atividades profissionais. “Não posso dar recado para quem está se aposentando. As pessoas se aposentam quando querem, quando acham necessário, quando esgota a veia”, diz. “Eu comecei muito tarde na música. A primeira vez que cantei na TV foi em 1960, já tinha uns 24 anos. Foi em um programa de calouros que chamava Escada para o Sucesso e eu apresentei a música Rampa para o Fracasso e encaixou muito bem”, lembra.

“A gente tem que ser compreensivo com a vida de cada pessoa. Às vezes, a pessoa não quer mais fazer, já fez o que tinha que fazer. O Chico Buarque, por exemplo, é admirável, um melodista incrível e agora está escrevendo mais livros. A pessoa pode entrar em outro círculo de interesse, em outra onda.”

Confira a entrevista na íntegra, que contou com a participação da professora da Unicamp Regina Machado, que produziu um disco só com músicas de Tom Zé.

BOB DYLAN GANHA NOBEL DE LITERATURA

Outubro 13, 2016

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O cantor, compositor, articulista e pintor Bob Dylan foi escolhido para abiscoitar o Prêmio Nobel de Literatura, ano 2016. Nascido em 1941, em Minnesota, com o nome bastimal Robert Allen Zimmerman, é imigrante de judeus-russos e começou a compor com dez anos de idade.

     Como roqueiro, Bob Dylan tem como tema de suas principais baladas questões, politicas, sociais como oposição às guerras imperialistas impostas pelas grandes nações aos povos subdesenvolvidos, racismo, defesa dos direitos das mulheres, de todas as minorias. Com essas questões sempre foi observado pelos órgãos de repressão dos Estados Unidos e de outros países opressores, como ocorreu com John Lennon.

    Cantar a liberdade é sua vocação como artista. Há porém, há um certo signo de contradição para quem sempre se postou como sujeito produtor de sinais libertários como ele. O Prêmio Nobel tem um ranço claro de propósito glamorizante reacionário, mesmo que escolha personagens, muitos deles com consciência progressista. Tem o efeito de amaciar desavisados que ocultam suas vaidades. Muitas escolhas suas foram claramente comprometidas com o status quo da dominação. Exemplo, escolha de Obama.

       Quem entendeu muito bem a sutileza do Nobel foi o filósofo Sartre que rejeitou sua indicação. Dois princípios tocaram-lhe para não aceitar. Sua condição de filósofo. Já que filósofo não precisa de reconhecimento, visto seu engajamento existencial como homem que produz seu projeto ontológico muito além do bem e do mal daqueles que procuram reconhecimento por seus reconhecimentos. Como faz o Nobel. Outro, como ele afirmou, porque ao receber o prêmio estaria traindo os que lutam pela liberdade. Receber toda a grana que lhe daria condição de não se preocupa por muito tempo com o capital para sobreviver as auguras da existência, não seduzia. Principalmente, por seu o filósofo engajado contra a mi´séria dos povos. Miséria produzidas por muitos que amparam o Nobel. 

      Claro, Bob Dylan, como Obama, não é Sartre e muito menos filósofo, mas é uma cara talentoso para o que se propôs. Inclusive à vaidade de aceitar a premiação como reconhecimento de sua obra.

        Faz parte.