A criação do livro, como se sabe, é anterior à invenção da imprensa por Gutemberg. Mas é exatamente com a imprensa que o livro vai tomar o impulso-coletivo. Torna-se um objeto literário mais socializado. O livro já não será um ente-literário específico de alguns privilegiados. Ele vai poder ser movimentado além das classes sociais específicas.
Embora, o conteúdo do livro seja o substrato de valor para quem o adquire, entretanto, os primeiros impressores iniciaram aquilo que seria a vitrine do livro: sua capa. A preocupação dos que trabalhavam com o livro não estava resumida ao seu substrato-literário. Estava também com sua capa. A capa representava o primeiro signo-sensorial-cognitivo da relação do leitor com o conteúdo literário.
As obras filosóficas, científicas, religiosas, artísticas, etc., todas tinham suas capas trabalhadas. Muitas vezes em alto-relevo para destacar a importância da obra e do autor. Muitas capas tiveram – e ainda têm – os títulos da obra em ouro. Tornou-se até uma profissão, o trabalho artesanal de impressão a ouro. Obras clássicas, com capa dura, tinham os títulos e os nomes dos autores em ouro.
Com o aperfeiçoamento da tecnologia de impressão dos livros, ou seja, o fator gráfico, a ascensão da democracia e mais o capitalismo organizado e de consumo, os conteúdos dos livros variaram e variaram com eles suas capas. Livros de aventuras, romances, mistérios, anedotas, científicos, fantasiosos, para cada tema uma capa específica. Mas também apareceram capas que nada indicavam do conteúdo do livro. O objetivo era mais seduzir pelos olhos o leitor.
Entretanto, quando o mercado editorial se solidificou, e passou a representar o lucro ligado ao leitor mais exigente, o leitor crítico, as editoras tiveram que criar uma política especial para s criação das capas. As capas dos livros passaram a ser um código de forte indicação do valor da obra literária. Os leitores passaram a apreciar as capas dos livros como obras de arte. E que realmente muitas capas correspondem a essa realidade. Como muitas vezes verdadeiras expressões de artesanato.
Hoje, encontram-se capas feitas com fotografias, pinturas, xilogravuras, entre outras criações. No Brasil, no tempo da ditadura civil-militar que imprimiu o terror na sociedade entre os anos de 1964 e 1985, as capas dos livros considerados para intelectuais se apresentavam de duas formas. Quando o livro chamava muita atenção, por exemplo, um livro sobre política socialista, a capa era bem simples. Para não dar bandeira. Outras vezes, as capas escancaravam para desviarem a atenção da censura. Muita bandeira, quer dizer que não tem conteúdo subversivo. Ironia.
Tratando-se do mercado editorial de consumo de mercado, a preocupação com a capa é pura e exclusivamente de atingir os sentidos visual e táctil do comprador, embora também o sentido olfativo. Tem gente que gosta de cheirar livro capa de livro. Estes são os olfatos-maníacos. Ou olfatoslíterosfílicos. Os que compram livros só para cheirar. Acabou o cheiro, acabou o interesse. Assim, a ordem é embalar a boneca como dizem os críticos da sociedade de consumo, os filósofos Adorno e Marcuse. A capa do livro de consumo, a chamada literatura fácil, como a de Paulo Coelho entre muitos, essa literatura do tipo de gente que assiste a TV Globo, compra Veja, Época, Estadão Folha de São Paulo. Nessas capas não há nada de arte, mesmo que o semiólogo mais porra-louca queira.
Sem mais delongas, o que este Esquizofia quer dizer com este texto, é que a partir de hoje, durante uma vez na semana, ele irá publicar umas capas de livros que contém algumas expressividades estéticas de seus criadores. E para essa situação foi escolhido, para designar a coluna, o nome Vide a Capa.
Hoje, escolhemos quatro livros. De psiquiatria, teatro, antropologia e semiótica. Todos da Bibliosofia da Associação Filosofia Itinerante (Afin). Gramatica da Vida, do psiquiatra David Cooper. Editora Presença de Portugal (1974). Capa de Saldanha Coutinho. A Câmara Clara, do semiólogo e filósofo Roland Barthes. Editora Nova Fronteira (1980). Capa de Victor Burton. Foi um dos grandes criadores de capas na década de 70. O Pensamento Selvagem, do antropólogo Claude Lévi-Strauss. Editora Companhia Editora Nacional (1976). Capa de Elisa & Riedel. Teatro Dialético, de Bertolt Brecht. Editora Civilização Brasileira (1967). Capa de Marius Lauritzen Bern.
Boa Vide a Capa!