Archive for Setembro, 2020

QUINO, ARGENTINO CRIADOR DA MAFALDA, FALECEU AOS 88 ANOS

Setembro 30, 2020
HOMENAGEM

Joaquín Salvador Lavado tinha 88 anos e vivia em sua cidade natal, Mendonza, na Argentina

Redação
Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

 

Ouça o áudio:

Play

00:38
00:59
Mute

Download

Quino e sua personagem Mafalda, conhecida internacionalmente como a menina que questiona as desigualdades do mundo – Miguel RIOPA / AFP

Faleceu, nesta quarta-feira (30), o cartunista Joaquín Salvador Lavado, conhecido como Quino.

Um dos maiores legados de Quino é sua personagem Mafalda, cujas tirinhas foram publicadas pela primeira vez em 1964, no contexto da ditadura argentina.

A primeira tradução das tiras de Mafalda no Brasil aconteceu na década de 1970. Apesar das tirinhas se passarem no contexto argentino, elas tinham caráter universal.

O escritor e filósofo Umberto Eco, por exemplo, dizia que Mafalda era “uma heroína zangada, que não aceita o mundo como ele é”. Na última terça-feira (29), a personagem completou 56 anos.

O cartunista argentino tinha 88 anos, viva em Mendoza, sua cidade natal. Sua morte foi confirmada através das redes sociais pelo seu editor, Daniel Divinsky.


Homenagem do Brasil de Fato à Mafalda, em seu aniversário de 52 anos (2016) / Brasil de Fato

Quino foi o cartunista de língua espanhola mais traduzido para outros idiomas. Através das redes sociais, outros cartunistas e personalidades homenageiam e se despedem do autor.

 

 

 

Edição: Luiza Mançano

PRETA FERREIRA É PREMIADA NO FESTIVAL DE GRAMADO. “TENTARAM ME SILENCIAR, VOLTEI GRITANDO”

Setembro 29, 2020
ARTE E RESISTÊNCIA

Pela atuação no curta brasileiro “Receita de caranguejo” comissão concedeu Prêmio Especial do Júri à artista que, no ano passado, foi vítima de prisão arbitrária

Reprodução/Instagram

Pelas redes sociais, Preta comemorou a honraria e dedicou Kikito “a toda população indígena e preta desse país. Aos favelados, aos sem-teto, aos encarcerados, aos minorizados”, escreveu

São Paulo – A publicitária e “artivista” Janice Ferreira da Silva, a Preta Ferreira, foi premiada, neste sábado (26), com o troféu Kikito da 48ª edição do Festival de Cinema de Gramado. O prêmio foi concedido por sua atuação como atriz no curta Receita de Caranguejo (2020). Dirigido por Issis Valenzuela, o filme também recebeu um Kikito pelo “Melhor Desenho de Som”, assinado por Isadora Torres e Vinicius Prado Martins.

O anúncio foi feito pela realizadora audiovisual Juliana Balhego e a cineasta e fotógrafa Safira Moreira, ambas mulheres negras. Na cerimônia, realizada de forma virtual e transmitida pelo Canal Brasil, pela TVE-RS e pelas redes sociais, Juliana abriu o discurso lembrando que no “país que insiste em criminalizar a narrativa de corpos pretos ao longo do séculos”, as mulheres negras “seguem lutando e construindo outros modos de existência e resistência. Resistimos através das artes, da música, da dança. Resistimos através do cinema”, destacou. 

Safira prosseguiu, afirmando que essa população faz da sétima arte “mais um espaço de liberdade e inventividade. Por isso ver na tela o trabalho de uma mulher negra, que é tantas, merece destaque. Por mais que tentem rotular, encarcerar, aniquilar nossas existências, mostramos que somos muitas. Podemos ser artistas, cantoras, produtoras, ativistas, atrizes num só corpo. É por isso que o Prêmio Especial do Júri vai para Preta Ferreira por sua atuação no curta ‘Receita de caranguejo”, anunciou a cineasta. 

“Voltei gritando”

Em 24 de junho do ano passado, Preta foi presa por sua luta por moradia, sob acusações frágeis e arbitrárias. Ela é filha da coordenadora do Movimento Sem-Teto do Centro (MSTC) e da Frente de Luta por Moradia (FLM), Carmem Silva, candidata à vereadora pelo PT em São Paulo. A artista chegou a perder vários papéis e contratos que tinha como atriz durante os 100 dias que ficou na prisão. “Quem vai me devolver o tempo e os trampos perdidos? (Para) Onde mando a conta”, denunciou pelo Twitter, em julho deste ano. 

Ao receber a notícia do prêmio, comemorou. “Ano passado tentaram me silenciar, esse ano eu voltei gritando”, ironizou. Ela dedicou a estatueta “à toda a população indígena e preta desse país. Eu ofereço aos favelados, aos sem-teto, aos encarcerados, aos minorizados”, escreveu em sua conta no Instagram. “A todos que vivem de arte nesse país: ofereço esse prêmio a todas as pessoas que têm o sonho de serem inseridas no mercado cinematográfico – lugar tão estático e seletivo. Nós vamos estar em todos os espaços de poder”, garantiu a artista e ativista. 

Outros prêmios 

Vencedor na categoria de melhor curta-metragem brasileiro do Festival de Gramado 2020, O Barco e o Rio também mostra a importância da representatividade. Com a direção de Bernardo Ale Abinader, a produção amazonense venceu também os prêmios de Melhor Fotografia, Melhor Direção de Arte, Melhor Direção e Júri Popular. 

“Eu espero que as pessoas assistam mais as nossas narrativas, as histórias do Amazonas contadas por amazonenses. Que esse prêmio sirva de inspiração para saber que podemos sim fazer cinema sobre o Amazonas, no Amazonas”, afirmou o diretor do curta. 

O longa pernambucano “King Kong en Asunción”, de Camila Cavalcante, conquistou quatro Kikitos, entre eles o de Melhor Filme. A 48ª do Festival de Cinema de Gramado também premiou a obra “La Frontera”, de David David como o Melhor Longa Estrangeiro. 

Confira todos os vencedores do Festival de Gramado

Longa-metragem brasileiro

Melhor Filme – King Kong en Asunció

Melhor Direção – Ruy Guerra, por Aos Pedaços

Melhor Ator – Andrade Júnior, por King Kong en Asunción

Melhor Atriz – Isabél Zuaa, por Um Animal Amarelo

Melhor Roteiro –  Felipe Bragança, por Um Animal Amarelo

Melhor Fotografia – Pablo Baião, por Aos Pedaços

Melhor Montagem – Eduardo Gripa, por Me Chama Que Eu Vou

Melhor Trilha Musical – Salloma Salomão, por Todos os Mortos, e Shaman Herrera, por King Kong en Asunción

Melhor Direção de Arte – Dina Salem Levy, por Um Animal Amarelo

Melhor Atriz Coadjuvante – Alaíde Costa, por Todos os Mortos

Melhor Ator Coadjuvante – Thomás Aquino, por Todos os Mortos

Melhor Desenho de Som – Bernardo Uzeda, por Aos Pedaços

Prêmio Especial do Júri: Elisa Lucinda, por Por que você não chora?

Menção Honrosa do Júri: Higor Campagnaro, por Um Animal Amarelo

Longa-metragem estrangeiro

Melhor Filme – La Frontera

Melhor Direção – Mariana Viñoles, por El gran viage al país pequeño

Melhor Ator – Anibal Ortiz, por Matar a un Muerto

Melhor Atriz – Daylin Vega Moreno (Diana), Sheila Monterola (Chalis), por La Frontera

Melhor Roteiro – David David, por La Frontera

Melhor Fotografia – Nicolas Trovato, por El Silencio del Cazador

Prêmio Especial do Júri: El Gran Viaje al País Pequeño

Longa-metragem gaúcho

Melhor Filme – Portuñol, de Thaís Fernandes

Curta-metragem brasileiro

Melhor Filme – O Barco e o Rio

Melhor Direção – Bernardo Ale Abinader, por  O Barco e o Rio

Melhor Ator – Daniel Veiga, por Você Tem Olhos TTristes

Melhor Atriz – Luciana Souza, Inabitável

Melhor Roteiro – Inabitável,  Matheus Farias e Enock Carvalho

Melhor Fotografia – O Barco e o Rio, para Valentina Ricardo

Melhor Montagem – Você Tem Olhos Tristes, para Ana Júlia Travia

Melhor Trilha  Musical – Atordoado, eu permaneço atento, para Hakaima Sadamitsu, M. Takara

Melhor Direção de Arte – O Barco e o Rio, para Francisco Ricardo Lima Caetano

Melhor Desenho de Som – Receita de Caranguejo, Isadora Torres e Vinicius Prado Martins

Prêmio especial do júri: Preta Ferreira, por Receita de Caranguejo

Júri Popular

Curta Brasileiro: O Barco e o Rio, de Bernardo Ale Abinader

Longa Estrangeiro: El gran viaje al país pequeño, de Mariana Viñoles

Longa Brasileiro: King Kong en Asunción, de Camilo Cavalcante

Júri da Crítica

Curta Brasileiro: Inabitável

Longa Estrangeiro: El Gran Viaje al País Pequeño

Longa Brasileiro: Um Animal Amarelo

Redação: Clara Assunção

CAETANO: “É DOLOROSO PARA O BRASIL NÃO TER ENFRENTADO OS CRIMES DA DITADURA”

Setembro 29, 2020
OUTRAS PALAVRAS

“Ninguém no Chile se elege elogiando os torturadores. Nem na Argentina. Aqui, um deputado que elogiava os torturadores se tornou presidente da República”, lembra o compositor, em entrevista a procuradores

Reprodução

Em ‘live’ da ANPR, cantor e compositor manifestou receios sobre a democracia no Brasil, mas acrescentou que mesmo assim o país consegue avançar

São Paulo – Duas canções de Caetano Veloso, ambas dos anos 1980, de certa forma resumem a participação do artista em live organizada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), ontem (23) à noite. Em Podres Poderes (1984), que ele cantou ao final, há o questionamento: “Será que nunca faremos senão confirmar/ A incompetência da América Católica/ Que sempre precisará de ridículos tiranos?”. E em Nu com a Minha Música (1981), citada indiretamente no programa, existe otimismo: “Vejo uma trilha clara pro meu Brasil/ Apesar da dor”.

“Eu tenho 78 anos. Eu já passei por muitos momentos no Brasil que parecia que você não tinha direito de ter esperança”, disse Caetano na mesma passagem em que ele fala do período autoritário e de suas consequências. O tema do programa era democracia e liberdade de expressão. Com moderação da vice-presidenta da ANPR, Ana Carolina Roman, a live teve participação dos procuradores da República Fabiana Schneider e Sérgio Pinel.

Medo do presente

Caetano falou do período de prisão e exílio, entre 1969 e 1972, retratado no recente documentário Narciso em Férias. Aos procuradores, disse recear que “coisas terríveis” aconteçam no momento atual. Um medo mais pensado do que sentido. “Não medo sentimento, medo preocupação. Tenho, e acho que a gente, como sociedade, poderá enfrentar coisas mais difíceis.”

A uma das perguntas, sobre o fato de alguns defenderem o retorno do regime de exceção, Caetano falou sobre a colonização brasileira e a dificuldade de enfrentar o passado. “É preciso que as pessoas, principalmente os jovens brasileiros, saibam quão restritivo e empobrecedor foi esse período. (…) Acho que estamos num momento difícil, muita gente fica iludida com o período autoritário como se fosse uma salvação. (…) Acho que é dificultoso para o Brasil não ter enfrentado o problema dos crimes da ditadura”, afirmou, lembrando que países vizinhos – Argentina, Chile , Uruguai – fizeram esse movimento.

“Ninguém no Chile se elege elogiando os torturadores. Nem na Argentina. Se você não enfrenta os sintomas mais gritantes de tudo isso, como crime de tortura, você fica atrasado no espaço que você necessariamente terá que dar. É um pouco doloroso que no Brasil não nós não tenhamos quanto a isso a clareza que nossos vizinhos de língua espanhola tiveram. Aqui, um deputado que elogiava os torturadores se tornou presidente da República”, comparou o cantor. Ele acrescentou que nesses outros países sul-americanos, mesmo os conservadores, “não arriscam dizer elogios a torturadores porque a sociedade está claramente informada a respeito dos crimes que eles cometeram”.

Ditaduras de opinião

As redes sociais contribuem em grande parte para isso, acredita. Caetano lembrou que, no surgimento da internet, discordou do otimismo de alguns amigos, que acreditavam em democratização da informação e discussão de ideias. “Eu temia um pouco o que está acontecendo muito. E que é apavorante”, comentou, mencionando “pequenas ditaduras de opinião que às vezes não são tão pequenas” e pessoas botzadas – menção a robôs.

Ele observa que há um “grande quantidade de pessoas sem acesso à informação política” ou com certa visão mítica sobre o tema, esperando um “salvador” ou alguém que seja “contra tudo”. A polarização torna muita gente “impermeável” ao debate. “O importante é que as pessoas saibam é que há muitas nuances e que há complexidade na vida social, para ser pensada”, ponderou Caetano. “Se eu pudesse convencer três jovens, tentaria convencê-los disso. Ou convencê-las.”

Considerado subversivo

Sobre o período da ditadura que antecedeu sua prisão, houve um episódio curioso. Segundo Caetano, a repressão começou a “prestar atenção nele” entre 1966 e 1967, por causa de um suposto disco – que ele nunca gravou e do qual constaria uma música chamada Che, que ele nunca cantou ou compôs. Na semana passada, ficou sabendo por um amigo da existência de um cantor chamado Cataneo, que gravou uma música assim. Para o compositor, a “semente” de sua prisão, já no final de 1968, está nessa falsa informação.

Ele acabou sendo preso por uma denúncia também falsa, de que teria cantado uma versão desrespeitosa do Hino Nacional. Caetano recorda que nunca foi dito o porquê da prisão dele e de Gilberto Gil, pouco depois do Natal de 1968. Os dois moravam em São Paulo e foram levados para o Rio de Janeiro. Ficaram em duas unidades da Polícia do Exército e depois em um batalhão dos paraquedistas. Foram dois meses assim, quatro meses de confinamento em Salvador e, por fim, o exílio em Londres.

Carolina vira carabina

O procurador Sérgio Pinel contou que leu o processo e observou que, mesmo para um regime de exceção, a lei não foi cumprida. O que já mostrava a presença do AI-5, que entre outras arbitrariedades suspendeu o habeas corpus. Só depois de feita a prisão – que nunca foi comunicada a um juiz – é que se iniciaram diligências para tentar justificá-la. E citou outro fato curioso, que hoje ganha ar de anedota.

No processo, os acusadores reproduzem trechos de letras do compositor, entre as quais a da música Baby, de 1968: “Você/ Precisa saber da piscina/ Da margarina/ Da Carolina”. Mas no lugar de “Carolina” está “carabina”, o que mostraria mensagem subversiva subliminar. Caetano mostrou espanto ao saber da história. Ao falar do ato institucional, lembrou do ex-ministro Delfim Netto: “O cara assinou o AI-5. Não dá. Eu não consigo admitir. Admitir como uma coisa correta. Não é recuperável isso”.

Limites da democracia

Caetano contou ter composto algumas músicas recentemente, duas já no período da pandemia. “Algumas falam do Brasil, outras são mais pessoais.” Elogiou o cantor Thiago Amud (“Prosódia perfeita, muita instigante, arranjos com orquestração muito bem escrita”) e falou de seus interesse por fenômenos de massa, como o axé e o funk. E pelo próprio sertanejo, em sentido sociológico, quanto a um processo de interiorização do país.

Ele também foi questionado sobre como conciliar democracia e liberdade de expressão, tema da live, que está disponível nos canais de Youtube do artista e da ANPR. “Há limites intransponíveis. Você não pode fazer uma campanha genocida, ou de extermínio de uma raça ou de um grupo social”, comentou. Mas acrescentou que “não há ainda uma maneira de legislar que tenha se tornado eficaz”. Destacou a importância do Ministério Público, observando que “tem que ser independente na prática”.

Liberalismo e marxismo

Mais para o final, falou sobre sua “mudança de pensamento”, por influência do escritor e professor pernambucano Jones Manoel, marxista. Textos do autor chamaram a atenção de Caetano para o filósofo italiano Domenico Losurdo – interessado, o artista comprou e leu três livros dele. Disse continuar admirador “da tradição liberal”. Mas acrescentou: “Eu vinha vendo há algum tempo o liberalismo, com o apelido de neoliberalismo, fazer coisas com as quais eu não concordo”.

Ele disse ainda considerar “abominável” vigilância ao exercício profissional dos professores. Lembrou que, na época da faculdade, um professor foi detido por ser considerado subversivo. Quando os interrogadores perguntaram se ele era, afinal, “comunista” ou “filocomunista”, respondeu que era “kantiano”, referência ao filósofo Immanuel Kant. Deixou os agentes com cara de interrogação.

“As coisas andam”

Outro professor, que coordenava a área de filosofia da universidade, tornou-se censor. Caetano descobriu isso anos depois, quando tentava liberar a apresentação de um show. Foi convocado pela autoridade, o censor, que queria saber o significado da palavra “reggae”, incluída na letra da canção Nine out of ten. Acreditava que tinha caráter subversivo.

Ao citar o Ministério (hoje Secretaria) da Cultura, a Cinemateca Brasileira e Casa de Ruy Barbosa, Caetano observou que todos os ambientes de cultura estão sendo “minados”. Mas lembrou que a arte e o país conseguem avançar. “No ano em que eu cheguei (de volta ao Brasil), estourou Ney Matogrosso, estourou Secos&Molhados. As coisas andam, independentemente desses que pensam que controlam as coisas.”

WILSON RAMOS FILHO (XIXO): MERENCÓRIO

Setembro 28, 2020

 

Merencório

por Wilson Ramos Filho (Xixo)

Certas palavras entram em moda. Outras saem das ruas e textos e restam esquecidas no fundo de esquizofrênicas gavetas do passado e nos dicionários. Gosto delas. Das da moda, muito menos. Irritam-me tanto quanto os anglicismos intrusos em nosso cotidiano. Por isso, debochado, grafo-os foneticamente, répiauar ou laive, e tento evitar as modinhas de usar palavras como ressignificar, empatia e narrativas, por exemplo. Sou esquisito, bem mais que o Fernando Morais, que também implica com algumas palavras.

Lembrei de uma encontrada em músicas antigas ao assistir, na Netflix, o filme francês chamado Eu Não Sou um Homem Fácil.

Um sujeito machista bate a cabeça e desperta em um universo paralelo onde os papéis sociais se invertem. Mulheres têm atitudes masculinas e os homens, as femininas segundo estereótipos.

Não se trata de uma comédia, embora provoque risos nervosos, desconcertados, a cada identificação. Nada a ver com a proposta do divertido filme nacional com Tony Ramos e Gloria Pires. Neste, europeu, há várias camadas de crítica das relações sociais onde os estereótipos são usados para criticar a estereotipização e a normalização dos papéis, com metáforas inteligentes, para provocar reflexão.

O filme ressignifica, criando empatia, com as distintas e opostas narrativas. Brincadeirinha. Viram como essas palavras que me irritam empobrecem o texto?

Ao problematizar as relações sociais o enredo nos conduz, de maneira sutil, nada didática, a um angustiante desconforto. Não esperem portanto um filme, digamos, fácil. É francês, não estadunidense, logo, evita oferecer-se como padrão de conduta desejável, não é normativo nem maniqueísta. Prestem atenção nos detalhes, na conversa com a psicanalista, na cena final, no nome do filme, na normalização progressiva dos papéis, na estigmatização invertida dos gueis (esta cena é genial), na velada crítica à emasculação do masculino e no empoderamento (outro anglicismo insuportável) feminino naquilo que desbordam do que seria razoável. Não há mulheres ou homens fáceis, não há análises fáceis diante de questões complexas.

Nesses tempos soturnos, sombrios, merencórios, em que proliferam propostas normativas para condutas alheias, onde pessoas, grupos, movimentos se sentem no direito, na obrigação moral, de reprimir e punir os desviantes demais, em que competem como extremos as caretices e as posturas aparentemente libertárias se metendo e fiscalizando a vida dos outros, vamos ficando, sem que nos apercebamos, merencórios como a luz da lua, como nas músicas antigas, fora do tempo, incomodados com a maneira de existir em sociedade que nos impõem, sorrateiramente ou não, como normal e desejável.

Recomendo que assistam esse filme de Eleonore Pourriat, diretora e roteirista, sem esperar uma comédia romântica ou mero entretenimento imbecilizante, que só admitem opções binárias. A vida, assim como a arte, é mais que isso. Afortunadamente.

Wilson Ramos Filho (Xixo), doutor em direito, professor na UFPR, preside o Instituto Defesa da Classe Trabalhadora.

VÍDEO DOS DETONAUTAS, HEY MICHEQUE, QUE RECEBEU PEDIDO DE CENSURA PELA PRÓPRIA

Setembro 27, 2020

Michelle Bolsonaro pede proibição de música “Micheque”, do Detonautas

Ouça a música dos Detonautas antes que primeira dama Michelle consiga proibí-la
Canção satiriza depósitos que teriam sido realizados por Fabrício Queiroz na conta da primeira-dama

Por Hassan Farias, no NSC

A primeira-dama, Michelle Bolsonaro, quer a proibição da música “Micheque”, da banda Detonautas, por injúria, calúnia e difamação.

Ela prestou queixa na Delegacia de Crimes Eletrônicos contra a canção, divulgada no início de setembro e que faz menção ao caso envolvendo Fabrício Queiroz.

A informação foi publicada pelo jornal O Globo neste sábado (26).

A música satiriza os depósitos de cheques no valor de R$ 89 mil que teriam sido realizados pelo ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos), na conta da primeira-dama.

O caso também rendeu uma série de postagens no Twitter, em que os usuários perguntavam o motivo dos supostos depósitos. Em um dos versos da música, por exemplo, a banda pergunta: “Hey, Michelle, conta aqui para nós, a grana que entrou na sua conta é do Queiroz?”.

Michelle prestou queixas à Delegacia de Crimes Eletrônicos de São Paulo e alegou ser vítima de injúria, calúnia e difamação.

Ela quer a retirada da música de todas as plataformas digitais, além de pedir a proibição dela ser executada em lugares públicos ou privados.

A canção foi composta pelo vocalista da banda, Tico Santa Cruz, e conta com a participação do humorista Marcelo Adnet.

Ele aparece imitando a voz de Jair Bolsonaro no início da música, em alusão ao caso em que o presidente disse a um repórter: “a vontade é encher tua boca com porrada”.

“O DILEMA DAS REDES”: ENTRE A HUMANIDADE E A TECNOLOGIA

Setembro 26, 2020

Estamos presos à conectividade, às redes sociais e aos efeitos que elas produzem, e esse é um caminho sem volta

Carolina Maria Ruy Portal Vermelho
|

 

O que “O dilema das redes” mostra não é um esquema ilegal, mas o funcionamento normal e legal das empresas – Reprodução

Uma pessoa dentro de um tubo de ensaio. É esta a sensação que o filme O dilema das redes, de Jeff Orlowski, transmite. Não é só uma sensação, eles dizem. É real. E dizem mais. Já se tornou lugar comum a ideia de que, se não pagamos para usar, nós somos o produto. Mas, mesmo que possamos tentar não ser o produto, de nada adianta se a grande massa de usuários continua a ter seus dados vendidos e manipulados, contribuindo, desta forma, para a disseminação generalizada de discursos de ódio e de notícias falsas.

“As redes sociais são um cérebro e seus usuários, os neurônios”. Pode parecer uma analogia assustadora, mas é com ela que ex-funcionários do Facebook, Google, Twitter, Instagram definem, no filme, o modus operandi das redes sociais em escala global. É interessante, mas o que me vem à mente é uma metáfora mais vulgar onde os usuários são átomos de uma peça em um tabuleiro de War.

O impacto nocivo das redes sociais na política e nos rumos da sociedade já foi bem documentado no filme Privacidade Hackeada (Karim Amer, Jehane Noujaim, 2019), que releva o uso ilegal de dados do Facebook de pelo menos 87 milhões de pessoas em campanhas para o referendo do Brexit, no Reino Unido, na eleição do presidente Trump, nos Estados Unidos, e na eleição de Jair Bolsonaro, no Brasil.

::: Facebook é cúmplice nas campanhas de ódio e no ataque à democracia, diz jornalista :::

O tema também é abordado no livro A máquina do ódio (2020), no qual a autora, Patrícia Campos Mello, demonstra como, influenciados pelas redes sociais, eleitores tendem a valorizar políticos extremistas ao invés de moderados. Isso porque: “Só políticos com ideias polarizadoras têm usado as mídias sociais de forma eficiente para manipular eleições”.

O que O dilema das redes mostra, porém, não é um esquema ilegal, mas o funcionamento normal e legal das empresas. Um sistema que parecia se limitar a ficções como as de Aldous Huxley e de George Orwell, com suas obras visionárias, O Admirável Mundo Novo (de 1932) e 1984 (de 1949).

Mais de trinta anos depois do ano de 1984, quando se daria a distopia imaginada por Orwell, o admirável mundo das redes sociais permite acesso fácil e barato a informação, entretenimento, comunicação e até a criação de conteúdo, mas castiga o mesmo globo que conecta, abrindo caminho para políticos e movimentos histriônicos e irresponsáveis em um ambiente de polarização que faria a Guerra Fria corar.

O interessante do filme O dilema das redes está justamente nos relatos duros de pessoas que estavam dentro da engrenagem. Além disso, ele conta com o apelo de uma realidade trágica: Brexit, Trump, Bolsonaro e toda a ofensiva obscurantista desafiando a lógica em plena era da tecnologia da informação. Uma realidade que se ergueu justamente sobre as bases expostas no documentário.

Me pergunto como chegamos a este ponto se alarmes sobre os perigos do uso massivo e descontrolado da internet e das redes sociais soam há tanto tempo. Tecnologia que, apropriado ressaltar aqui, foi criada para uso militar e amplamente utilizada na reestruturação do setor financeiro.

Autores que buscaram compreender os fundamentos da sociedade moderna, como Theodor Adorno, Max Horkheimer e Michel Foucault, já problematizavam questões como a reprodução em série, a massificação cultural, a perda da identidade, a vigilância e o controle social. Eles trazem em suas teorias pistas de como o mundo poderia chegar à situação que o filme nos apresenta.

Mas não são apenas estas teorias abstratas as referências. Desde a segunda década deste século o jornalista e ativista Julian Assange tem demonstrado claramente o sistema de controle político e social perpetrado pelas empresas que dominam a internet. Ele disse, por exemplo, no prefácio à edição brasileira de seu livro “Quando o Google encontrou o Wikileaks”, de 2014, que “O Google exemplifica os terríveis perigos da internet corporativa. Desde muito cedo, seus fundadores perceberam que o processamento de informações em grande escala os colocaria no centro de tudo”; e que: “Os brasileiros devem se conscientizar de que, quando usam os ‘serviços’ do Google, estão sendo aliciados para entrar em um relacionamento com uma mega corporação estrangeira global muitos milhões de vezes mais poderosa do que eles e sujeita a poucos mecanismos de prestação de contas”.

::: Acompanhe a cobertura completa do julgamento do jornalista Julian Assange :::

Assange conta no livro como as redes sociais manipularam as mega manifestações que varreram o Oriente Médio e o Norte da África, em uma série de eventos que se tornaram conhecidos como “Primavera Árabe”.

Trazendo para a realidade brasileira, constatamos que o mesmo fenômeno inflou o nosso Junho de 2013, roubando, naquele momento, o protagonismo de entidades organizadas (e com propósitos). Daquela catarse social, na qual a opinião pública se confundia com likes e retuítes, nasceram as condições para se viabilizar a Lava Jato, a derrubada de uma presidente eleita democraticamente, o governo Temer, a retirada de direitos sociais, a prisão injustificada do ex-presidente Lula e a eleição de um deputado federal caricato e do baixo clero como presidente da República.

Na esteira destas contradições e injustiças sociais, Julian Assange, que escancarou o verdadeiro dilema das redes sociais, é tratado pelo establishment como um marginal. Um dilema entre a democratização da informação e da comunicação, por um lado, e o controle político sobre os indivíduos através da apropriação de seus dados nas redes, por outro.

Não há resposta fácil. Estamos presos à conectividade, às redes sociais e aos efeitos que elas produzem, e esse é um caminho sem volta. A velocidade da informação e da comunicação já reorganizou o mundo e a tendência é ela se aprofundar. Renunciar também seria uma forma de alienação e de pouco adiantaria. A questão é: seremos um neurônio em um grande cérebro virtual, um átomo em uma peça de War? Nos deixaremos dominar ou dominaremos essas sedutoras ferramentas? Eis o dilema existencial que aflige a humanidade desde que o homem começou a transformar a natureza.

EUGENIO MERINO, O ARTISTA QUE TRANSFORMOU A “CABEÇA” DE BOLSONARO EM BOLA DE FUTEBOL

Setembro 26, 2020
TRANSGRESSÃO

Imagens circularam esta semana e causaram controvérsia nas redes; artista espanhol explica qual foi a intenção

Maiara Marinho
Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

 

“Cabeça” de Bolsonaro usada como bola de futebol gerou polêmica nas redes – Jason Goodrich/Indecline

O que você sentiu ao se deparar com uma réplica da cabeça de Jair Bolsonaro levando pontapés ou estufando as redes, como uma bola de futebol?

Obras artísticas nem sempre são bem recebidas, e às vezes causam controvérsias. Para muitas, o objetivo é justamente estimular um debate mais profundo sobre o tema retratado, mesmo que a obra não seja aceita “à primeira vista”. Ou seja, as polêmicas ajudam a expressar o perfil cultural de uma população e demonstram quais temáticas ainda são um tabu na sociedade.

Um dos casos mais emblemáticos no Brasil foi o da exposição Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira, exposta no Santander Cultural, em Porto Alegre (RS), em 2017. A visitação às obras, que tinha como temas transversais a diversidade sexual e de gênero, foi cancelada um mês após a abertura ao público. Outro caso conhecido foi o da performance “La bête”, de Wagner Schwartz, no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM), em que o público interagia com o artista nu, em 2015.

Esta semana, o artista plástico espanhol Eugenio Merino, em parceria com o coletivo de arte estadunidense Indecline, produziu este vídeo em que atores jogam uma partida de futebol com a “cabeça” de Bolsonaro. A produção faz parte do projeto Freedom Kick, que em português significa “chute de liberdade”.

O grupo já fez gravações na fronteira do México com os Estados Unidos, com um grupo de pessoas jogando com a réplica da cabeça de Donald Trump, e outro na Rússia, com a réplica da cabeça de Vladimir Putin. Segundo Merino, o projeto não tem um final determinado. “Começamos com Bolsonaro, Trump e Putin, mas a ideia é continuar com outros políticos como Viktor Orbán [primeiro-ministro da Hungria] ou como o presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte. É um projeto com uma intenção global”.


Cena do vídeo que causou debate ao longo da semana / Jason Goodrich/Indecline

Histórico

Merino nasceu e cresceu no norte de Madrid, capital da Espanha, em uma família católica e conservadora. Na escola, já se interessava por arte, mas foi durante os estudos na Faculdade de Belas Artes, da Universidade Complutense de Madrid, que começou a entender sua função e seu valor.

“Quando terminei a graduação, comecei a trabalhar com diferentes galerias de arte. Depois de alguns anos, me dei conta de que o que eu estava fazendo não me interessava, então comecei a considerar meu trabalho como uma extensão do meu posicionamento político. Foi aí que começou a construção da minha identidade como artista”, relata.

Eugenio Merino sofreu dois processos da Fundação Nacional Francisco Franco, na Espanha, por duas obras que faziam críticas ao ditador espanhol, de mesmo nome da fundação. As críticas e ataques se estendem, como no caso do Brasil, com o projeto Freedom Kick.

Em sua página no Instagram, há diversos comentários que o acusam de apologia à violência. O artista afirma estar sempre “bem assessorado” juridicamente e acredita “firmemente na liberdade de expressão e criação”. 

“Acredito também que a arte possa ser uma ferramenta de transformação social. Ela visibilidade às contradições do neoliberalismo e do fascismo, da desigualdade e da exploração”, completa.

A produção feita no Brasil apresenta elementos presentes na história do país, como a homofobia, o machismo e o racismo. 

O vídeo inicia em um local com pinturas de diversas mulheres negras e com uma imagem centralizada de Marielle Franco, vereadora do PSOL assassinada em 2018, no Rio de Janeiro (RJ). Sentada em uma escada, uma jovem assiste a um vídeo de Bolsonaro com declarações em que ele escancara homofobia e ódio às mulheres. Em seguida, a menina vai até um cemitério e pega um saco que contém a réplica da cabeça do presidente. Então, se inicia a partida de futebol com atores escolhidos para representar a diversidade sexual, de gênero e de raça.

Merino conta que não é um grande fã de futebol e que na Espanha trata-se apenas de “esporte de distração”, além de ser um “negócio multimilionário”. Mas, “no caso do projeto Freedom Kick, a ideia era utilizar o futebol como esporte em comunidade, livre, antirracista, integrador, antifascista, feminista ou LGTBI. Um futebol em que o importante não é ganhar da outra equipe, mas entender quem é o inimigo”.

Estão presentes nas obras do artista críticas referentes a figuras políticas que ele considera autoritárias, e que representariam a união do conservadorismo com o capitalismo.

“O capitalismo é capaz de se adaptar a todos os modelos, tanto econômicos como morais. O capitalismo iniciou nutrindo-se da riqueza gerada pela escravidão das colônias e hoje segue explorando a mão de obra escrava através do offshoring. É um modelo explorador, tanto do capital humano como do meio ambiente”, analisa. “O conservadorismo, ainda que defenda ideias racistas e homofóbicas, é impulsionador do livre mercado. Políticos como Bolsonaro são a consolidação do capitalismo mais devastador e não supõem um perigo para o capital global, muito pelo contrário”.

Neste sábado (26), será inaugurada a exposição This is America | Art USA Today, no museu Kunsthal Kade, em Amsterdã, na Holanda, com a exibição dos vídeos do projeto Freedom Kick. A parada seguinte será na Espanha, em novembro. O restante da agenda ainda não está definido, mas há planos de trazer a exposição ao Brasil.

Edição: Daniel Giovanaz

CINEGNOSE LANÇA LIVRO ‘CINEMA SECRETO’: TEMAS GNÓSTICOS, ALQUÍMICOS E QUÂNTICOS NO CINEMA, AUDIOVISUAL E CULTURA POP

Setembro 25, 2020

Cinegnose lança livro ‘Cinema Secreto: temas gnósticos, alquímicos e quânticos no cinema, audiovisual e cultura pop’

por Wilson Ferreira

Este editor do Cinegnose está lançando o livro: “Cinema Secreto: Temas Gnósticos, Alquímicos e Quânticos no Cinema, Audiovisual e Cultura Pop”. O livro é o resultado dos dez anos de pesquisa deste blogue em mapear as principais mitologias gnósticas presentes no cinema (o Mito do Demiurgo, o Mito da Alma Decaída, o Mito do Salvador, o Mito do Feminino Divino etc.) e a sua categorização: filmes CosmoGnósticos, TecnoGnósticos, PsicoGnósticos, AstroGnósticos e CronoGnósticos. E as implicações tanto na cultura pop quanto na Ciência que esse conjunto de filmes sugere: as conexões do Gnosticismo com as filosofias herméticas, Alquimia e Física Quântica. 

O livro começa com a descoberta, em 2017, da mais antiga cópia de um texto cristão apócrifo gnóstico em meio ao acervo da Universidade de Oxford: uma edição em grego do “Primeiro Apocalipse de Tiago”.

Esse texto já era conhecido em copta dentro de uma coleção descoberta em 1945, no Egito, conhecida como “Biblioteca de Nag Hammadi”. O documento de 1.600 anos atrás descreve como Jesus passa o conhecimento da “prisão terrena” para Tiago, além de revelar que o mundo é protegido por figuras demoníacas que bloqueiam o caminho da elevação espiritual após a morte através dos diversos céus, mantendo-nos prisioneiros do mundo material.

Desde a descoberta dos assombrosos comportamentos das partículas subatômicas na mecânica quântica, a Física começou a estabelecer um diálogo com a mitologia gnóstica derivada da Cosmologia presente na Biblioteca de Hammadi. Essa mitologia vai incendiar a imaginação da Literatura e Cultura Pop (Arte, Moda e Música), chegando ao mainstream hollywoodiano. Do auge do Gnosticismo Pop com Show de Truman e Matrix, hoje o Gnosticismo Cristão e Hermético (com temas alquímicos e cabalísticos) fundamentam cada vez mais temas e argumentos de filmes, séries e animações da indústria audiovisual.

Esse é o ponto de partida de “Cinema Secreto: Temas Gnósticos, Alquímicos e Quânticos no Cinema, Audiovisual e Cultura Pop”. O livro mostra a presença da mitologia gnóstica tanto em filmes cults como Zardoz ou Donnie Darko, ao mainstream das grandes produções hollywoodianas como Prometheus ou Mãe!

São analisadas séries como Mr Robot e The Man in the High Castle, revelando as secretas conexões entre a Cosmologia gnóstica e conceitos da mecânica quântica. Além de analisar o cinema alquímico de Beleza Americana ou do filme de Charlie Kaufman Sinédoque, Nova York.

O livro atualiza e estende as análises já feitas pelo Cinegnose. E também procura fazer uma didática exposição dos elementos básicos do Gnosticismo histórico e suas vertentes herméticas, como a Alquimia.

Mas, principalmente, através das narrativas cinematográficas e audiovisuais, tenta responder à seguinte questão: como escapar da Matrix?

O livro está à venda na Amazon na versão e-book Kindle – clique aqui.

CARNAVAL 2021: ESCOLAS DE SAMBA DO RIO DE JANEIRO ANUNCIAM ADIAMENTO

Setembro 25, 2020
FOLIA ADIADA

Representantes das escolas afirmam que não há condições de realizar a festa sem a vacina; nova data não foi definida

Redação
Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |

 

“Discutimos hoje não o cancelamento, mas uma possibilidade de um adiamento”, disse o presidente da Liesa, Jorge Castanheira – Mauro Pimentel/ AFP

O desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro no carnaval de 2021 foi oficialmente adiado na noite da última quinta-feira (24), após reunião da  Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa) e representantes das agremiações. A nova data para a festa ainda não foi definida. 

Depois de debaterem a pauta na plenária, os representantes das escolas chegaram a conclusão de que não há condições de garantir a realização do carnaval em fevereiro do ano que vem por conta das indefinições a respeito da vacina contra o novo coronavírus.

“Discutimos hoje não o cancelamento, mas uma possibilidade de um adiamento, uma solução alternativa, algo que venha num momento com segurança contribuir para a cidade do Rio de Janeiro”, afirmou o presidente da Liesa, Jorge Castanheira, à imprensa.

“Não temos como fazer em fevereiro. As escolas já não vão ter tempo nem condições financeiras e de organização de viabilizar até fevereiro”, acrescentou Castanheira. Novas reuniões serão feitas para decidir como ficará a festa no ano que vem.

Fonte: BdF Rio de Janeiro

Edição: Mariana Pitasse

ENCONTRADO SONETO DE PABLO NERUDA NAS LEMBRANÇAS DE UMA AMIGA FALECIDA

Setembro 24, 2020
CHILE

Versão preliminar de ‘Sangre de Toro’, datilografada e assinada pelo poeta chileno em 1965, estava escondida entre fotos antigas e cartas

Berta Teitelboim mostra a versão preliminar recentemente encontrada do soneto ‘Sangre de Toro’, em 22 de setembro em Santiago.
Berta Teitelboim mostra a versão preliminar recentemente encontrada do soneto ‘Sangre de Toro’, em 22 de setembro em Santiago.ELVIS GONZALEZ / EFE

Santiago Do Chile.
 

Exatamente 47 anos depois sua morte, em 23 de setembro de 1973, um soneto datilografado do poeta Pablo Neruda foi apresentado no Chile. É a primeira versão de Sangre de Toro, um poema de 1965 em homenagem a um popular vinho húngaro. Ele o escreveu durante uma viagem de lazer que fez em agosto daquele ano à Hungria, junto com o escritor guatemalteco Miguel Ángel Asturias e suas respectivas esposas.

Ambos escreveram versos enquanto viajavam pelo país, comiam e bebiam, sem imaginar que logo receberiam o Nobel: Asturias em 1967 e Neruda em 1971. “Revendo as lembranças de minha mãe, que acabara de falecer, encontrei uma caixa de plástico com fotos antigas, documentos e cartas. De repente, apareceu um papel, fino e em razoáveis condições. Era um poema de Neruda, assinado por ele”, diz a médica chilena Marcia Telteinboim, que fez a descoberta.

O poema diz assim:

“Robusto vino, tu familia

no llevaba diademas ni diamantes:

sangre y sudor pusieron en su frente

una rosa de púrpura fragante.

Se convirtió la rosa en toro urgente:

la sangre se hizo vino navegante

y el vino se hizo sangre diferente.

Bebamos esta rosa, caminante.

Vino de agricultura con abuelos,

de manos maltratadas y queridas,

toro con corazón de terciopelo.

Tu cornada mortal nos da la vida

y nos deja tendidos en el suelo

respirando y cantando por la herida”.

Quatro anos depois da viagem, em 1969, os dois poetas publicaram o livro Comiendo en Hungría. Foi publicado em húngaro, castelhano, francês, alemão e russo. Ao contrário da primeira versão que agora aparece, o poema incluído naquela edição tem uma palavra adicional no primeiro verso: “Robusto vino, tu familia ardiente”, diz o poema definitivo.

Para Grínor Rojo, professor do Centro de Estudos Culturais da Universidade do Chile, estudioso da obra de Neruda, o chileno “foi quem escreveu o poema, sem dúvida”. “É um poema muito nerudiano, pela sua riqueza figurativa. Neruda é um poeta de extraordinária imaginação sensorial e os cinco sentidos estão presentes neste brevíssimo texto. Este é Pablo Neruda na íntegra”, explica Rojo.

O primeiro dos textos que compõem o livro de 1969 dá conta do espírito com que foi composto:

“Comer está na moda!

Com pedra e pau, faca e cimitarra, com fogo e tambor as pessoas avançam para a mesa. Os grandes continentes desnutridos explodem em mil bandeiras, em mil independências. E tudo vai para a mesa: o guerreiro e a guerreira. Sobre a mesa do mundo, com todo mundo à mesa, voarão as pombas.

Busquemos no mundo a mesa feliz.

Busquemos a mesa onde o mundo aprende a comer. Onde aprende a comer, beber, cantar!

A mesa feliz.”

O soneto Sangre de Toro tem outra particularidade notável: trata-se de um soneto (uma composição poética muito especial) escrito por um autor que, justamente, não se caracterizou por escrever com formas estabelecidas. “Acredito que, nesse sentido, a escrita formal de Neruda pode ser comparada à pintura realista de Pablo Picasso. Não é o que o artista faz ou fez principalmente, em nenhum dos dois casos. Mas quando isso acontece, o resultado é um esbanjamento de maestria”, diz Rojo, que indica que outra exceção na obra de Neruda são os Cien Sonetos de Amor, de 1959.

Sergio Teitelboim e Perla Grinblatt, o casal de amigos de Neruda que guardou seu soneto ‘Sangre de Toro’, fotografados nos anos sessenta.
Sergio Teitelboim e Perla Grinblatt, o casal de amigos de Neruda que guardou seu soneto ‘Sangre de Toro’, fotografados nos anos sessenta.ARCHIVO FAMILIAR

O poema datilografado foi salvo quase milagrosamente. O poeta e sua mulher, Matilde Urrutia, eram muito amigos do advogado Sergio Telteinboim e de sua esposa, a graduada em comércio exterior Perla Grinblatt. Compartilhavam a filiação ao Partido Comunista e, nos anos sessenta, quando os Telteinboim viviam com suas três filhas na cidade de Viña del Mar, compareciam com frequência aos almoços e às famosas festas que Neruda realizava em sua casa em Valparaíso, La Sebastiana. O poeta acolhia seus convidados com bebida, boa mesa e com versos inéditos, que distribuía em pequenos pedaços de papel que hoje são um tesouro: “Qualquer manuscrito ou texto datilografado dele que tenhamos em nosso poder, como este de Sangre de Toro, é uma joia”, observa o professor Rojo.

Os Telteinboim Grinblatt chegaram a ter uma quinzena desses versos de Neruda, mas a maioria não durou para além do golpe de Estado de 1973, quando as casas das famílias de esquerda foram invadidas pelos militares e os próprios moradores se desfizeram dos papéis e documentos comprometedores, em meio à repressão política. A mais nova das filhas, Marcia, tinha 11 anos e se lembra daqueles dias de “turbilhão e medo” em que boa parte da memória material de sua família foi perdida. Com a morte do pai, em 2006, as descendentes nunca imaginaram que Sangre de Toro tivesse sobrevivido entre as lembranças do apartamento de sua mãe em Santiago.

“Provavelmente nem ela sabia que esse documento estava guardado”, diz Marcia, cuja mãe morreu em Santiago no dia 14 de julho, aos 94 anos. Junto com esse papel “fino e em razoáveis condições” onde o poema foi datilografado, naquela noite de inverno a médica também encontrou um convite de 1961 para a inauguração de La Sebastiana. Junto com suas irmãs Patricia e Berta, decidiram doar os dois documentos ao Arquivo Central Andrés Bello da Universidade do Chile, em uma cerimônia virtual que aconteceu nesta quarta-feira.