Instrumentistas refinadas e experientes, a dupla aproxima a brejeirice, a virtuose e a dolência do choro com a liberdade criativa do jazz e a acuidade da música de câmara
Sax e piano, Daniela e Sheila. E um Jacob do Bandolim renovado
por Carlos Motta
Amigas de longa data e parceiras musicais há 20 anos, a saxofonista Daniela Spielmann e a pianista Sheila Zagury debruçaram-se sobre a extensa obra de Jacob do Bandolim, juntas a um invejável time de músicos, imprimindo frescor e contemporaneidade a ela.
O disco “Entre mil..Você!” (Kuarup) chega em formato de CD físico e digital com participações especiais de Almir Côrtes (bandolim), Soraya Ravenle (voz), Catherine Bent (violoncelo), Clarice Magalhães (pandeiro, caixa de fósforo), Roberta Valente (pandeiro), Rodrigo Villa (baixo acústico e elétrico) e Xande Figueiredo (bateria).
Instrumentistas refinadas e experientes, a dupla aproxima a brejeirice, a virtuose e a dolência do choro com a liberdade criativa do jazz e a acuidade da música de câmara, além de prover uma delicada e sensível feminilidade que abraça por completo, inclusive, a própria trajetória do homenageado – foi a mãe de Jacob do Bandolim, Raquel Pick, quem lhe deu o primeiro bandolim; sua esposa Adylia administrava seu arquivo e Elena, sua filha, foi a fundadora e 1ª presidente do Instituto que leva o seu nome, além do fato de, aos 18 anos, ter descoberto uma das maiores cantoras do Brasil, Elizete Cardoso.
Cavaquinista e diretor do Instituto Jacob do Bandolim, Sérgio Prata, que assina o texto do encarte do CD, resume assim o repertório: “Entre mil…Você!, choro que dá nome ao disco, recebe aqui um elegante arranjo com ares bossanovísticos. “Receita de Samba” e “Ginga do Mané”, esse dedicado a Mané Garrincha, ganham um frescor com o bandolim de Almir Cortes, desaguando o primeiro em um criativo arranjo e o segundo, em um delicioso ragtime. Quem achava que depois de gravados centenas de vezes, “Vibrações”, “Migalhas de Amor” e “Doce de Coco” não teriam mais o que revelar, precisa ouvir esse comovente encontro entre os sopros de Dani, as teclas de Sheila e as cordas de Catherine Bent. Enquanto” Bole Bole” vai ‘bolindo’ com nossa alegria, o incansável “O Vôo da Mosca” dá asas ao virtuosismo dessa dupla genial, que ganha repouso nas lindas “Modinha” e “Naquela Mesa”, ambas de autoria de Sergio Bittencourt, filho de Jacob, aqui delicadamente apresentadas por Soraya Ravenle. Finalizando, a valsa “Santa Morena” surge em ambiente oriental, que vai transbordando em uma vibrante atmosfera flamenca, sem perder, porém, a sua característica original. De arrepiar.”
Daniela Spielmann
Saxofonista, flautista, compositora, arranjadora, pesquisadora e professora, tem como grandes trunfos a força interpretativa somada à criatividade de suas composições e arranjos. Em 2001, lançou seu primeiro CD solo – “Brazilian Breath”, indicado ao Grammy Latino em 2002. Fez parte da banda Altas Horas do programa homônimo, comandado pelo apresentador Serginho Groisman, do ano 2000 a 2014 na TV Globo, elaborando arranjos semanais. Já lançou 12 CDs em grupos como Rabo de Lagartixa, Mulheres em Pixinguinha e o último em 2018, “Afinidades”, inteiramente autoral. Em 2019, foi convidada para tocar no primeiro Rio Montreux Festival.
Frequentemente convidada para dar oficinas, workshops e seminários no Brasil e no mundo, Daniela Spielmann desenvolve uma intensa carreira nacional e internacional, já se apresentando com artistas de porte do cenário da MPB, como Sivuca, Zé Menezes, Zé da Velha e Silvério Pontes, Anat Cohen, Aurea Martins, Moyseis Marques, Zélia Duncan, dentre outros. Em 2008, concluiu a dissertação de mestrado, na UNI-RIO, sobre Paulo Moura, obtendo o título de mestre em música. Concluiu seu doutorado em musicologia em 2017, sobre as gafieiras no Rio de Janeiro ,recebendo menção de louvor. Atualmente, é professora de Música do Cefet-RJ Maracanã e participa de pesquisas na area da musicologia. Recebeu moções honrosas da Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro e São Paulo, prêmios e menções de destaque em diversas áreas em que atua.
Sheila Zagury
Pianista de formação eclética, com passagem na música erudita e no jazz, já atuou com vários artistas e grupos de renome, como Eduardo Dussek, Ângela Rorô, Rio Jazz Orchestra, UFRJazz, Neti Szpilman, Áurea Martins, Marianna Leporace e em numerosos espetáculos de teatro e shows em todo o Brasil e no exterior. Com a saxofonista Daniela Spielmann, lançou, em 2007, o CD intitulado “Brasileirinhas”. Mantém também um duo com José Staneck, há 20 anos, participando da gravação do CD do gaitista “A Poética de uma Harmônica Brasileira”, Em 2010, o duo se juntou ao violoncelista Ricardo Santoro, formando o Harmonitango, trio dedicado à obra de Astor Piazzolla, apresentando-se em várias cidades pelo Brasil, lançando seu primeiro CD em 2017. Além de participações em outros discos – como o CD de Edu Kneip, “Da Boca prá Dentro” – a pianista é integrante de grupos como a Cyclophonica, Orquestra Lunar e Orquestra de Gafieira, exclusivamente composta por mulheres, cujo CD de estreia, de 2007, foi indicado ao Premio Tim de Música em 2008.
É professora da Escola de Música da UFRJ. Ela também atua na área de pesquisa em música, participando de vários congressos de pesquisa em música no Brasil e no exterior, como a ANPPOM e a IASPM. Terminou em 2014 seu doutorado em música na Unicamp, defendendo tese sobre choro nos anos 1990 no Rio de Janeiro. (Informações da assessoria de imprensa das artistas)
Livros, filmes e músicas são formas de se entreter e aumentar o universo cultural e de aprendizado
Lorena Carneiro
Brasil de Fato | Salvador (BA)
O distanciamento social provocado pela pandemia de covid-19 tem possibilitado, para uma parte da população, um tempo maior em casa e a necessidade de ampliar e reinventar as formas de lazer durante esses dias. Livros, filmes e séries são algumas das formas de se entreter e, ao mesmo tempo, aumentar o nosso universo cultural e de aprendizado. Pensando nisso, o Brasil de Fato Bahia pediu aos jovens do Levante Popular da Juventude algumas dicas culturais para aproveitar durante a quarentena.
A primeira dica é o filme Queen & Slim (2019), dirigido por Melina Matsoukas. O filme narra a trajetória de um casal de afro-americanos que, após se defenderem de uma abordagem policial truculenta e acidentalmente matarem um policial branco, passam a ser perseguidos pelo Estado. “O caso não se transforma apenas num espelho da experiência negra, mas um espelho da experiência de comunidade negra. Uma rede de apoio, um elo, um quilombo que se forma na sua trajetória de fuga e que incide na disputa das relações de poder”, afirma Atailon Matos, de Conceição da Feira, que indicou a obra. “É uma narrativa além do ato e da perpetuação da violência do racismo, mas que nos permite olhar para dentro da nossa comunidade e ver a solidariedade como estratégia política de sobrevivência. Queen & Slim é sobre nós por nós”, salienta.
Livro
Ainda sobre o tema de resistência negra, Diogo Fernandes, que é do Rio de Janeiro e atualmente reside em Salvador, indica o livro “História dos Candomblés do Rio de Janeiro” (ed. Bertrand Brasil – 2019), de José Beniste. “É um ótimo livro para estudar a formação do Povo Brasileiro a partir da sua religiosidade de matriz africana. Oriunda de tantas etnias, pela presença cultural do povo Yorubá, Fon e Bantu, com suas raízes de resistência, percorreram entre Bahia e Rio de Janeiro na dedicação de formar, por meio do culto às divindades africanas, o que hoje compreendemos como candomblé, uma religião brasileira”, afirma Diogo.
“A leitura do livro nos sensibiliza para reconhecer o valor imaterial dos terreiros de candomblé hoje”, observa Diogo / Divulgação
A história dos Candomblés na metrópole carioca é um ponto de partida para percorrer os muitos caminhos que africanos e afro-brasileiros fizeram em muitas cidades brasileiras, em diferentes estados do nosso país. “É sobre a construção de casas e terreiros para cultuar divindades africanas, e foram historicamente, segundo o livro, espaços de resistência preta, africana e que dariam através do tempo uma religiosidade brasileira própria.
As casas ou os terreiros reuniram escravizados e libertos para traçarem também planos de revoltas ao sistema vigente da época e seguem resistindo até os dias de hoje. A leitura do livro nos sensibiliza para reconhecer o valor imaterial dos terreiros de candomblé hoje, assim como o quanto a religiosidade brasileira se apresenta como um belo rio que percorre pela contribuição africana na nossa formação de identidade nacional”, destaca.
Música
A galera do Rio Grande do Norte indica o trabalho de uma militante do Levante das terras potiguares: Patrícia CZ. Patrícia é atriz e cantora e acabou de lançar o single Salinha 3, cujo clipe foi gravado nas quatro zonas da cidade de Natal. Em tempos de pandemia, é importante apoiar o trabalho dos artistas locais que estão produzindo arte e cultura pro nosso povo. Os clipes de Patrícia CZ podem ser encontrados no seu canal do YouTube.
O rapper MV Bill lançou o clipe da música “Quarentena há três semanas” / Reprodução
E a última dica é de Pan Magaiver, de Fortaleza, Ceará. Ela indica o trabalho do rapper MV Bill, que há cerca de três semanas lançou o clipe da música “Quarentena”. “O cara tá mandando a ideia pra nós, das comunidades, das perifas, pra gente fazer a nossa parte. É nós por nós salvando os nossos, irmão”, ressalta a estudante de Serviço Social.
Luiz Millan concebeu as faixas como o ourives trata a joia rara – e é aí que o álbum se torna uma caixinha de música, daquelas que, quando levantamos a tampa, surge uma bailarina rodopiando
Hoje, o CD a ser conferido por nós é Achados & Perdidos (independente), o novo álbum do cantor e compositor paulistano Luiz Millan.
Desde o primeiro disco lançado em 2011, Millan já revelara ser do ramo: bom compositor e letrista inspirado, transformara o seu álbum de estreia, Entre Nuvens (igualmente independente), num belo cartão de visita. Foi quando senti que a sua passagem pela grande porta da música brasileira de qualidade se mostrava aberta.
Pois bem, leitores, foi aí que eu quebrei a cara. Conferindo o release do Achados & Perdidos, vi que me perdera e não achei nada, nadica de nada. Vi que entre os CDs de 2011 e o atual (2020), Millan lançou outros dois álbuns… O Dia Em Que São Paulo Floresceu (2014) e Dois Por Dois (2018).
Brincalhão: não me conformo, quer dizer que Luiz Millan lançou mais dois CDs e não me avisou? Deixa estar, tenho o coração grande o suficiente para não me deixar abater. Aliás, não sei se o que me deixou mais arrasado foi o Millan não ter me dito sobre os dois outros CDs ou a quarentena que me prende dentro de casa. Falando sério? Claro que foi a quarentena!
Poxa, Millan, pense bem, a distância entre o lançamento de CDs mexe com a ansiedade de quem torce para que você logo se torne um nome para estar lado a lado com os maiores. Mas, é claro, há tempo de sobra para quem tem o seu talento.
Leia também:As deusas esquecidas do jazz, no The New York Times
Brincadeiras e ironias à parte, ao ouvir algo novo, no caso o belo trabalho de Luiz Millan, me veio à cabeça os versos finais de Morte e Vida Severina, do poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto: “(…) É belo porque corrompe, com sangue novo, a anemia/ Infecciona a miséria, com vida nova e sadia/ Com oásis, o deserto, com ventos, a calmaria”. A emoção é inevitável…
Voltando à vaca fria: assim como eu tive o prazer de receber o seu álbum de estreia e gostei do que ouvia, o mesmo se dá agora, sem dúvida alguma, com Achados e Perdidos.
Produzido por Luiz Millan e Michel Freidenson, este que também criou os arranjos, tem a participação da ótima cantora Giana Viscardi. Um grupo de dez instrumentistas extraclasse se mostra envolvido pela concepção artística idealizada por Millan.
Para seguir seu rumo, Luiz Millan concebeu as faixas como o ourives trata a joia rara – e é aí que o álbum se torna uma caixinha de música, daquelas que, quando levantamos a tampa, surge uma bailarina rodopiando (minha mãe tinha uma dessa), ou um fuxico, com a magia da mutação heterogênea.
Apreciei o assovio em “Choro Para Lisboa” (Maurício Detoni e Luiz Millan), bem como gostei muito da flauta e do cello no tema instrumental “Dissonâncias” (Luiz Millan) e da delicadeza amorosa da letra e do som do flugelhorn (Bruno Soares) em “Movimento” (LM e Marília Millan), e fiquei bem surpreso ao sacar que a voz de Millan está mais firme e apurada do que estava no primeirão…
Ô Millan, quando for lançar outros CDs, me avisa, valeu?
Aquiles Rique Reis, vocalista do MPB4
As brincadeiras são proporcionais ao grande valor que têm os álbuns de Luiz Millan.
Ele começou a tirar fotografias de sua vida, incluindo instantâneos de seus pais; o quarto dele; sua babá Dudu jogando uma bola no ar; seu irmão pulando de um barco.
Direito de imagem Jacques Henri Lartigue / 2020 Ministère de la Cul Image caption Quarto de Lartigue, 1906
Um novo livro de Louise Baring explora a infância privilegiada de Lartigue e o início da carreira no contexto da La Belle Époque da França, uma era de otimismo político, comercial e criativo.
Direito de imagem Jacques Henri Lartigue / 2020 Ministère de la Cul Image caption Lartigue na cama com seu gato Zizi (obturador liberado por Dudu, a babá da família), 1904
Lartigue continuou fotografando as invenções de seu irmão Zissou, incluindo um planador decolando em uma rajada de vento, e seus primos correndo em karts caseiros.
Direitos autorais da imagem Jacques Henri Lartigue Legenda da imagem Simone Roussel, Rouzat, 1913
Desde tenra idade, Lartigue dominou o meio da fotografia usando sua câmera Kodak de mão – introduzida pela primeira vez em 1888 – para aproveitar o imediatismo do instantâneo.
Ele fotografou o desfile social no Bois do Boulogne, um grande parque nos arredores de Paris, onde foram exibidas as modas dos escalões superiores da sociedade.
Outros assuntos incluíam uma mulher de peles atraindo um olhar avarento de um transeunte masculino; as linhas brilhantes de um carro de corrida; esportes de inverno na Suíça; e verões nas praias de Étretat e Trouville, onde, ele escreveu: ‘Nada impede meus olhos de vaguear, vagando sem parar …’
Lartigue frequentemente capturava seus assuntos no meio do gesto, como na vida real, criando uma nova linguagem visual para o século XX.
O livro de Louise Baring inclui fotografias, desenhos e trechos de diários, revelando o talento prodigioso de Lartigue, mas também oferecendo uma perspectiva adolescente de Paris antes do início da Primeira Guerra Mundial.
No final de sua vida, Lartigue foi aclamado como um dos fundadores da fotografia moderna.
Em 1963, o Museu de Arte Moderna de Nova York fez uma exposição do trabalho de Lartigue.
O colega fotógrafo Richard Avedon escreveu para ele depois de ver a exposição: “Foi uma das experiências mais emocionantes da minha vida.
“Você me trouxe para o seu mundo, e esse não é, afinal, o objetivo da arte?”
Fotografias cortesia de Jacques Henri Lartigue / 2020 Ministère de la Culture – França / AAJ HL
Esperava ter chegado horas antes, mas a velocidade dos rios assim não o permitia.
Já estava habituado. Era dessa maneira que muitos enfermos se perdiam. No caminho, entre uma beira e outra. Com isso, sua tarefa resumia-se a uma simples observação, dada entre as vozes dos padres e dos pastores. Como conseguiam chegar sempre antes? Eles tinham um faro apurado para o cheiro de sangue.
-Antes tarde, antes tarde do que nunca – disse-lhe a esposa.
Na diminuta palafita, saltava a miséria. Espaços vazios entrecortados por redes e um arremedo de cama, onde jazia o homem. Ofereceram-lhe água, que tinham mandado buscar no vizinho, a quem cabia resguardar a geladeira. Por um momento, quis concentrar-se em capturar o abandono ao redor, mas ficou constrangido. Virou os olhos e passou a cuidar do moribundo.
Uma febre inesperada, um calafrio, uma falta de ar crescente. O declínio, disseram-lhe, foi absolutamente inexplicável. Num dia falava, no outro sequer levantava o braço. Uma queda abrupta, dorida e famélica para quem tinha nele o único meio de sustento. As faces dos filhos já começavam a empalidecer.
-Foi depois da feira, foi depois da volta do porto.
Ele já vira outros casos, outros doentes. Os informes oficiais tinham lhe dado as instruções e normativas quanto à gravidade do assunto. Precisava explicar a todos a necessidade de afastamento. Mas como fazer isso? A ajuda chegava em no mínimo dois dias. Ninguém tinha agora para onde ir.
Fez anotações, receitou os remédios, deixou alguns frascos sobre a mesa. Aproximou-se do doente, a fim de auscultar-lhe o peito. A voz ergueu-se como se fosse vinda de um abismo.
-Então?
-Você vai ficar bem.
Na saída, antes de tomar a voadeira, deu alguns trocados a um dos meninos. Pensou em pedir para chamarem o padre ou o pastor, mas sabia que não era preciso. Certo que seguiriam ligeiros pelo rastro lúgubre. Assim como os políticos. Já no meio do rio, lançou ainda um olhar para a palafita, cuja luz interior esvaziava-se por completo. Era chegada a hora do desaparecer do dia.
“Victor Leandro é filósofo, escritor, doutor e professor da Universidade do Estado do Amazonas (UEA).
Grupos de pesquisa trazem sugestões de como estimular o apreço pela leitura entre crianças durante o isolamento social
Nara Lacerda
Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Quase um mês após a chegada da pandemia do coronavírus ao Brasil e com escolas fechadas em todo o país, o desafio de manter, cuidar e educar as crianças em casa continua central na vida de muitas famílias.
Mesmo as que já conseguiram se adaptar a nova rotina, se deparam com os obstáculos de garantir a continuidade das atividades educativas, lidar com o tédio – comum até mesmo entre os adultos – e explicar para os pequenos o que está acontecendo com o mundo.
Pensando nisso, o Grupo de Estudos e Pesquisas em Infância, linguagem e Educação da Universidade do Rio de Janeiro, compilou diversas atividades online, especialmente voltadas para as crianças.
O material leva em conta a necessidade de interação e do estímulo ao brincar, à imaginação, à criação e à linguagem. São leituras de histórias e poemas, aplicativos literários, livros animados, histórias musicadas, entre diversas outras iniciativas, todas gratuitas.
A coordenadora do grupo, Patrícia Corsino, ressalta que todos os povos da humanidade produzem ou produziram literatura historicamente. Segundo a especialista, o ato de contar histórias é primordial para a formação.
“A literatura nos traz reflexões sobre a gente, funciona como um espelho, mas também funciona com uma janela que se abra ao mundo, pra gente conhecer o outro. A literatura nos forma para o mundo e nos dá a possibilidade de ampliação do nosso próprio horizonte”, afirma.
Mesmo sem livros físicos, Patrícia ressalta que manifestações em música, contação de histórias e até animações podem cumprir o papel de apresentar esse universo às crianças.
Claro que a gente sabe neste momento, como fazem falta os espaços públicos, como escolas e bibliotecas e temos sempre que batalhar por esses espaços. Mas, a gente tem hoje também a internet que nos permitem ter histórias e poemas digitalizados, tem histórias e poemas que são lidos por várias pessoas, livros que são animados, desenhos animados baseados em histórias e até aplicativos literários, que podem ser um respiro dos jogos. As músicas também são poemas, nós temos vários letristas que agradam muito às crianças. A arte não é só direcionada a um público específico. O que é bom agrada todo mundo. A arte não tem idade.
O material preparado pelos pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) ressalta que as crianças têm um alto grau de organização perceptiva e expressiva. Elas são receptivas às interações verbais e, nesses processos, aprendem e produzem seus próprios sentidos. Passam a se conhecer e a conhecer o mundo que as cerca. A seleção que foi feita pelos especialistas, leva todos esses pontos em consideração.
Outro grande desafio para as famílias com crianças é explicar o que é o coronavírus e todas as repercussões e mudanças trazidas pela pandemia. Pensando nisso, o Fórum Mineiro de Educação, ligado à Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, disponibilizou na internet gratuitamente o livro Carta às meninas e aos meninos em tempos de covid-19.
Na obra, que chama atenção pela qualidade estética, os interlocutoras principais são as próprias crianças. O texto não minimiza a gravidade do momento e traz informações confiáveis, mas com foco no protagonismo e na esperança.
Com trabalhos de onze ilustradores, a mensagem explica aos pequenos as repercussões da covid- 19, a necessidade de isolamento social e traz as possibilidade que o momento proporciona. O livro virtual é baseado na Carta para a los ninõs y ninãs en este momento de crisis, das chilenas Isidora Lobo y Carla Infante e pode ser acessado aqui.
Confira abaixo algumas das recomendações dos pesquisadores da URFJ:
É uma extensa família de vírus que podem causar doenças tanto em animais como em humanos. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), em humanos, os vários tipos de vírus podem causar infecções respiratórias que vão de resfriados comuns, como a síndrome respiratório do Oriente Médio (MERS) a crises mais graves, como a síndrome respiratória aguda severa (SRAS). O coronavírus descoberto mais recentemente causa a doença covid-19.
Como ajudar a quem precisa?
A campanha “Vamos precisar de todo mundo” é uma ação de solidariedade articulada pela Frente Brasil Popular e pela Frente Povo Sem Medo. A plataforma foi criada para ajudar pessoas impactadas pela pandemia da covid-19. De acordo com os organizadores, o objetivo é dar visibilidade e fortalecer as iniciativas populares de cooperação.
Cineasta completaria 100 anos. De projecionista no interior de SP a galã da Vera Cruz, conquistou críticos de Cannes e grande público com O Pagador de Promessas. Mas ressentia-se com o Cinema Novo, que o acusava de filmar pra gringo ver…
Quando se pensa em Anselmo Duarte (1920-2009), que faria cem anos no último dia 21, a primeira coisa que vem à mente, claro, é a Palma de Ouro que ele conquistou em Cannes com O pagador de promessas em 1962. Mas sua importância para o cinema nacional vai muito além disso, e sua trajetória singular ajuda a iluminar boa parte da cultura brasileira do século XX.
Há lances romanescos, quase míticos, nessa jornada. A começar de seu primeiro contato com o cinema, em sua cidade natal, Salto, no interior de São Paulo. O irmão era projecionista e Anselmo, aos dez anos, ficava atrás da tela molhando-a de quando em quando para que não incendiasse – um risco real nas projeções daquela época. O procedimento é recriado no penúltimo filme que dirigiu, O crime do Zé Bigorna, de 1977.
Outro lance legendário é sua participação como figurante nas filmagens inacabadas de It’s all true, de Orson Welles, no Rio em 1942. Depois de uma passagem por São Paulo, onde trabalhou como datilógrafo e estudou economia, Anselmo tinha ido tentar a sorte na então capital do país. Esforçado, ambicioso e bonitão, estreou como ator na comédia romântica Querida Susana (1947), de Alberto Pieralisi, contracenando com Tonia Carrero.
Logo se tornaria o principal galã das chanchadas da Atlântida e, depois, dos melodramas da Vera Cruz. Foi nesses estúdios que fez seu aprendizado de um cinema narrativo clássico, tendendo para o acadêmico, que encontraria seu melhor momento no Pagador.
Ancorado num empolgante texto teatral de Dias Gomes, numa tarimbada equipe técnica oriunda da Vera Cruz (como o diretor de fotografia Chick Fowle) e num elenco privilegiado que incluía, além dos estreantes Leonardo Vilar e Glória Menezes, os jovens Othon Bastos, Norma Bengell, Geraldo del Rey e Antonio Pitanga, além do veterano Dionísio Azevedo, Anselmo encantou o mundo com um filme que falava de fé popular, intolerância e preconceito social, regado a capoeira, candomblé, sensualidade malemolente e a beleza do barroco baiano.
Não foi por falta de adversários fortes que o filme conquistou a Palma de Ouro. Naquele ano concorriam obras de Buñuel (O anjo exterminador), Antonioni (O eclipse), Robert Bresson (O processo de Joana d’Arc), Cacoyannis (Electra), Agnès Varda (Cléo das 5 às 7), Sidney Lumet (Longa jornada noite adentro) e Jack Clayton (Os inocentes), entre outros.
Rixa com cinema novo
O pagador conquistou dezenas de prêmios mundo afora e foi indicado ao Oscar de filme estrangeiro (perdeu para Sempre aos domingos, de Serge Bourguignon). Mas foi mesmo a Palma de Ouro que despertou o despeito, a ira e a maledicência dos membros do então florescente cinema novo brasileiro.
Anselmo representava, aos olhos dos cinemanovistas, tudo aquilo que eles queriam suplantar para criar um cinema revolucionário. Oriundo da chanchada e da Vera Cruz, era tido, na melhor hipótese, como um simplório, e na pior, como um oportunista. Fazia, diziam, um cinema acadêmico que vendia “cor local” para gringo ver.
Embora sempre tenha dito que não estava interessado nos louros da crítica e que seu objetivo era entreter e emocionar o público, o fato é que essa rejeição por parte da intelligentsia brasileira, em especial da patota do cinema novo, foi uma mágoa que Anselmo carregou até a morte.
Numa entrevista que me concedeu em 1997, antes de partir para Cannes, onde participaria das comemorações da 50ª edição do festival, o ator e diretor falou um pouco desse seu sentimento, e contou alguns detalhes saborosos de sua participação como jurado do evento, em 1971.
Um episódio que ficou fora da entrevista por falta de espaço foi a desastrada tentativa do produtor do Pagador, Oswaldo Massaini, de fazer um agrado a François Truffaut, então presidente do júri. Anselmo e Massaini estavam jantando num restaurante de Cannes quando avistaram Truffaut, algumas mesas adiante. Massaini teve uma ideia que julgou brilhante. Trazia consigo um LP de música brasileira e resolveu presenteá-lo ao diretor francês. “Fiquei na mesa, olhando de longe”, rememorou Anselmo. “Ao ser abordado, o Truffaut se levantou indignado, jogou o disco no chão, e passou um sermão no Massaini, dizendo que como concorrente ele não devia nem se aproximar de um jurado.”
O fato é que, apesar do vexame no restaurante, o filme venceu. Mas a reação negativa ou desdenhosa do novo establishment cinematográfico brasileiro calou tão fundo em Anselmo que ele resolveu mudar de rumo e mostrar que também sabia fazer cinema autoral, subvertendo as normas clássicas e acadêmicas.
Vereda, aventura autoral
Fez então aquele que talvez seja seu filme mais interessante e perturbador, Vereda da salvação (1965). Mais uma vez baseado numa obra teatral (de Jorge Andrade) e centrado num episódio de fanatismo religioso – uma comunidade rural comandada por um líder messiânico enlouquecido –, o filme entretanto rompia uma série de amarras estéticas anteriores. Em lugar dos planos bem compostos e da montagem picotada do Pagador, entravam em cena os planos longos, os enquadramentos oblíquos e a profundidade de campo da câmera inquieta e delirante do argentino Ricardo Aronovich, que trabalhara em Os fuzis (1964), de Ruy Guerra, e seria parceiro de diretores como Louis Malle, Alain Resnais, Raoul Ruiz e Andrzej Zulawski.
Não só a configuração visual, mas também a atuação alucinada do elenco correspondia ao ensandecimento crescente dos personagens, que culminava em cenas terríveis de exorcismo e assassinato de crianças. Assim como O pagador havia lançado Leonardo Vilar no cinema, Vereda trazia pela primeira vez como protagonista um iluminado Raul Cortez, no papel do líder messiânico.
Mas não adiantou. O filme foi recebido como uma tentativa frustrada de “parecer cinema novo”. Trata-se de uma injustiça histórica. Visto hoje, Vereda da salvação conserva intacta sua vitalidade e sua atualidade. Pena que, salvo engano, não exista nenhuma cópia decente disponível, em DVD ou streaming. Ele está completo no Youtube, mas numa cópia precária, gravada da TV. Mesmo assim, vale uma olhada:
Depois dessa incursão, Anselmo Duarte desistiu de perseguir um caminho autoral e voltou, seja como ator ou diretor, à trilha segura de um cinema mais convencional e, supostamente, popular. Dirigiu, entre outros, o épico gaúcho Um certo capitão Rodrigo (1971), segmentos de pornochanchadas coletivas, um policial estrelado por Pelé (Os trombadinhas, 1980) e o já citado O crime do Zé Bigorna, drama erótico-policial protagonizado por Lima Duarte. Como ator, merece destaque seu papel de tenente de polícia truculento no excelente O caso dos irmãos Naves (Luiz Sérgio Person, 1967).
A impressão que eu tenho é de que, mesmo tendo sido durante décadas um astro popular, um homem bonito e sedutor que foi para a cama com as mulheres mais desejáveis de seu tempo (e que sempre se vangloriou disso), um cineasta que conquistou prêmios internacionais e encantou plateias do mundo todo, Anselmo Duarte nunca deixou de ser o rapaz simplório e ambicioso do interior, que não conseguia entender muito bem tudo o que havia vivido e, principalmente, por que é que nem todo mundo gostava dele.
Lives, vaquinha virtual e até campanhas de doação evitam que o setor pare durante a quarentena
Afonso Bezerra
Brasil de Fato | Recife (PE) |
Há mais de um mês, quando o governador de Pernambuco, Paulo Câmara, assinou decreto proibindo a realização de eventos com público acima de 500 pessoas, no dia 14 de março, as cortinas fecharam, literalmente, para os artistas do estado. Era o endurecimento do isolamento social, medida adotada pelas autoridades para conter o avanço do coronavírus. Impedidos de levar adiante a realização de seus espetáculos ou comercializar produtos, artistas se depararam com dificuldades econômicas e incertezas sobre o que o futuro, após esta pandemia, reserva para o segmento.
Ao contrário dos nomes consagrados nos gêneros forró e sertanejo, que estão promovendo megas exibições nas redes sociais com apoio de cervejarias, os artistas locais apostam em lives com estrutura modesta nas redes sociais, vaquinha virtual, vendas antecipadas de espetáculos e campanhas solidárias para os profissionais que atuam nos bastidores no mundo da música.
Teatro
O Grupo Magiluth há 16 anos leva importantes espetáculos para os palcos recifenses. Em 2020, haveria a estréia da peça Estudo Nº 1: morte e vida. O planejamento levou um corte seco por causa da pandemia e, “como estratégia de sobrevivência coletiva”, o grupo lançou uma campanha de vendas antecipadas dos ingressos exclusivamente para a temporada recifense. A verba arrecadada ajudaria a bancar os custos do grupo durante o período do isolamento. Em contrapartida, quem comprou o ingresso agora já tem o lugar reservado na primeira apresentação após a quarentena. As vendas já foram encerradas.
Giordano Castro, membro do grupo, explica que essas ações, embora muito importantes para o momento, são apenas paliativas. “Infelizmente, a gente não pode ficar apenas recorrendo a este tipo de estratégia. Ficamos felizes com o retorno, o público se mobilizou, mas sabemos que as pessoas também estão passando por momentos de privação e não podem ficar investindo nessas ações. O que avalio como muito importante, daqui para frente, é o investimento do Poder Público no apoio à classe artística”, analisou o ator, que defende o isolamento social.
Música
Na música, o impacto não foi diferente. Sem fazer shows, os artistas buscam não somente presentear o público com novas apresentações durante a quarentena, como também receber pagamento pelos espetáculos e garantir a sustentabilidade em meio à pandemia. Martins, músico pernambucano, tem incorporado à sua rotina as “lives” nas redes sociais, onde apresenta canções de seu repertório e versões de sucessos de outros artistas, a pedido de seus seguidores. Ele sugere, antes das apresentações, um pagamento via Sympla de um valor parar apoiar o trabalho.
O grupo olindense Ela e o Bando também aposta nas transmissões ao vivo como forma de oferecer ao público na quarentena um pouco de arte. Durante a semana, eles apresentam um debate com outros artistas, dialogando sobre o processo produtivo e os desafios do momento, e no final de semana mandam ver com canções do próprio repertório.
“Na terça passada, nós conversamos com uma galera do Rio de Janeiro pra você ter ideia, e no final de semana, mais no horário da tarde, no sábado ou no domingo fazemos nossa live tocando, por enquanto somente no Instagram. Estamos nos organizando pra fazer umas lives pelo YouTube também”, explicou João Alves, integrante da banda.
Jorge Riba está fazendo uma campanha entre seus admiradores para atingir a marca de 1000 inscritos no canal do Youtube / SECOM PMG
Na crise, nem todo mundo consegue explorar as potencialidades das redes sociais. Nome consagrado do projeto Samba da Classe Trabalhadora, que acontece aos sábados no Armazém do Campo, o sambista Jorge Riba está fazendo uma campanha entre seus admiradores para atingir a marca de 1000 inscritos no canal do Youtube. É que a plataforma só autoriza a realização de transmissões para um público acima desse número.
Dança
Orun se dedica às transmissões ao vivo e vídeos no Instagram do projeto Dança para criança / Orun Santana/Divulgação.
O bailarino e professor Orun Santana tinha decidido, ainda em 2019, que este ano seria dedicado exclusivamente à própria carreira. Ele pediu licença não remunerada da escola onde ensina e se organizou para circular nacionalmente com o espetáculo Meia Noite, além de desenvolver novos projetos.
Em Março, Orun se apresentou em São Paulo, na Mostra Internacional de Teatro (MIT). Desembarcou no Recife no dia 16 de Março. No dia seguinte, começou a quarentena por causa do coronavírus. Com isso, toda agenda das apresentações foi cancelada e, agora, sem previsão de retorno, ele se dedica às transmissões ao vivo e vídeos no Instagram do Projeto Dança Para Criança.
“Não existe uma solução imediata. Eu tinha uma organização financeira até agora no mês de abril, mas não sei como será nos próximos meses. Assim que começou a quarentena, eu fiquei observando a demanda das famílias sobre o que fazer com as crianças nesse período, o que fazer para ocupar, e com isso minha companheira me deu ideia de fazer este projeto, Dança Para Criança. Era uma atividade que desejava fazer porque, antes de tudo, acho muito importante cuidar da saúde mental e do corpo”, explicou o bailarino.
Cinema
O cinema pernambucano também tem se mobilizado durante a crise do coronavírus. Em carta, as principais entidades representativas do setor, como Associação Brasileira de Documentaristas e Curta Metragistas de Pernambuco e a Associação Pernambucana de Cineastas, reivindicaram ao governo do estado algumas questões. O setor cobra “diálogo direto com o Conselho Consultivo do Audiovisual”, criação de um grupo de trabalho para dialogar sobre as possibilidades de amenizar a crise aprofundada pelo coronavírus e “empenhar, liquidar e liberar todos os valores disponíveis para projetos em andamento/aprovados que estejam aptos a receber os recursos”, entre outras pautas.
Solidariedade
Além de se desdobrar para que o espetáculo não pare, muitos artistas e produtores culturais pernambucanos estão movimentando campanhas solidárias para ajudar a população mais vulnerável durante esta crise do coronavírus. É o caso da campanha S.A.S Social, que está sendo coordenada por nomes como Maciel Salu, Banda Devotos, Som na Rural, AltoVolts e produtores culturais da cidade. O grupo está recolhendo doações para levar, inicialmente, para as comunidades com vínculo afetivo com boa parte dos artistas, como Alto José do Pinho, Morro da Conceição e Cidade Tabajara, em Olinda. A meta da primeira etapa é arrecadar até R$ 10 mil.
“Nós estávamos inquietos com todo esse processo, não apenas pelo medo do vírus, mas também pelas conseqüências sociais que ele tratará para muita gente. Por isso, resolvemos lançar, no domingo de páscoa, esta campanha encabeçada pelos artistas”, explicou Priscila Moreira, produtora cultural que participa da campanha.
A segunda etapa da campanha deve avançar para novas comunidades, como Chão de Estrelas, Pilar e Coque. Informações sobre como doar ou participar da campanha pelo e-mail s.a.s.campanha@gmail.com
Eis um território esquizófico como desejo imanente atravessado pela Associação Filosofia Itinerante – AFIN. Um território movimentado por intensidades pulsantes. Eis um território esquizo de saberes encadeados como potências virtuais.
Território da poiésis, onde esquizo navega como conceito grego: divisão. Divisão como multiplicidade Ética/Estética/Política produtora de saberes e dizeres que escapam das armadilhas dos tirânicos conceitos dogmatizados.
Nada de divisão matemática e nem geométrica. Muito menos divisão como conceito esquizo da psiquiatria ortodoxa, que o estigmatizou como divisão psicótica da percepção e do entendimento manifestada em alucinações corporificadas como quadro clínico delirante no conceito normatizador da psicopatologia escrita no discurso da sociedade despótica capitalística.
Este território esquizófico, você, amigo internauta, está convidado a compor afetos que possam aumentar nossas potências de agir navegando com Fernando Pessoa, para quem “navegar é preciso” e o “necessário é criar”. Também com navegantes-poiéticos como Epicuro, Lucrécio, Spinoza, Maquiavel, Nietzsche, Marx, Bergson, Sartre, Foucault, Deleuze, Guattari, Toni Negri, Michael Hardt, Hannah Arendt, Beauvoir, Bárbara Cassin, Artaud, Van Gogh, Godard, Kafka, D.H. Lawrence, Becket, entre outras.
Aqui podemos compor bons encontros, mesmo quando as afecções pareçam más. Aqui tentaremos soltar o devir-louco. A intensidade criativa sofística tão ameaçante ao idealismo platônico com sua ordem ideal. Aqui, você, seja acessando, ou postando seus dizeres, atua como corpus que tece cartografias de desejos. Afinal, o desejo é uma enunciação coletiva produtora de comunalidade. E este Hiper-Corpo-Virtual pode muito bem servir de instrumento para esta produção.
Cartografemos esquizos saberes, pois!
“NÃO É APENAS DESENVOLVER INFORMAÇÕES,MAS EXPRIMIR POTÊNCIA…
Por que ter medo de perder-se no oceanos das informações? Sempre haverá uma informação que acrescente um valor à vida, um excedente que a impedirá de perder-se. Quando se navega na rede, surge não apenas o eterno paradoxo do infinito possível e da limitação do meio, mas uma outra tensão paradoxal: a de trabalhador explorado e do rebelde, do hacker, do sabotador: aqui há vida, irredutível, há astúcia e autovalorização. Desculpem a retórica filosófica: aqui estão Maquiavel e Marx”.