“Para mim, cinema é fotografia e o que é interessante é fotografar a realidade”.
Jean Renoir
Hoje, o passeio é um real passeio esquizo dado suas decomposições cronológicas. Vamos passear enquanto seu lobo não vem. Vamos passear por percursos que o lobo não passa. Percursos históricos científicos-tecnológicos.
Antes, gostaríamos (não gostaríamos: gostamos), com a devida venha de todos, nos reportarmos ao comentário de um companheiro, o filósofo e economista, Anderson Litaif, que disse encontra-se aproveitando esse passeio kinema-histórico para fazer um curso de história do cinema. Agradecemos a parceria, mas não sabemos se se trata de um curso, mas que é um suave, alegre e cumpliciado passei, é. Com esse comentário você deixa nossos ‘amigos’ ouriçados.
Para o primeiro passo, uma pergunta não-didática: Quem inventou o cinema? Resposta paradidática: Ninguém. Segundo o talentoso historiador do cinema John Howard Lawson, criador da insigne obra, O Processo de Criação no Cinema, é impossível afirmar “a quem cabe o mérito da criação. Historicamente muitos indivíduos contribuíram para a criação do cinema. E mais, “a ideia de projetar imagens em movimento remonta há muitos séculos atrás”. Daí não se poder apresentar o proprietário da invenção. Ainda bem. Já que tudo não passa de imbricações e composições de corpos, como diz o filósofo Lucrécio.
Esse Lawson é um cara ‘malvado’. Em uma sociedade onde predomina o princípio da lógica da identidade aristotélica, é uma maldade não afirmar quem inventou o cinema. Uma sociedade que prima pela identificação: isto é isto, aquilo é aquilo, não é isto, é isto. Coisa de professores marcadores de poder.
Não saber quem inventou o cinema tem uma importância política. Já imaginaram em uma ditadura com uma censura braba, a força de repressão querer prender, torturar e matar o inventor do cinema, já que é uma arte revolucionária? Não é melhor assim. O cinema não tem inventor.
O que se pode tentar é compor corpos cinematográficos que surgiram nos transcursos históricos e encontrar alguns enunciados dos criadores. Vamos nessa.
Athanasius Kirchener, em 1640, em Roma, apresentou a sua famosa lanterna-mágica Magia Catoptrica. Foi deslumbrante. A galera vibrou. Coisa de louco, mano. Em Viena, Simon Ritter Von Stampfer, no ano de 1832, mostrou o seu revolucionário Estroboscópio. A galera se estroboscopizou. William George Harner, em 1833, apresentou na Inglaterra o seu Dédalo mais conhecido como Roda do Diabo. O cara como inventor era o diabo. Abalava toda fé na impossibilidade de não se fazer a imagem ser projetada em movimento. Na Filadélfia, um engenheiro mecânico conhecido como Coleman Sellers, criou um aparelho chamado cinematoscópio que fora patenteado por ele no ano de 1861.
Saca só o grande salto qualitativo da criação. Os caras, em suas loucuras, sabiam que a comunicação entre o olho do homem e seu cérebro, ou seja, a imagem que é vista é retida em um tempo de um vigésimo a um décimo de segundo, tempo suficiente para que essa imagem se funda com a imagem ulterior. Com esse saque eles, com suas loucuras, experimentaram aparelhos que pudesse expressar essa realidade perceptiva e conceptiva do homem.
Aí, não deu outra. Eles criaram esses aparelhos com um disco rotatório que mostrava as imagens separadas em quadros que quando eram acionados, em um tempo suficiente, cada quadro era gravado na retina e fundido posteriormente com o quadro seguinte. Loucura, pura! Os quadros tinham como conteúdos, imagens desenhadas. Mas, Sellers, que era um pouco mais maluco, não usou desenhos, usou uma série de fotografias. Claro que ele já conhecia os outros aparelhos, por isso foi mais fácil para ele. E, também, a fotografia já era moda. Louis Daguerre, já a havia inventado no ano de 1839. O que não tira de Sellers, sua importante loucura.
A invenção da fotografia é um maravilhoso elemento intensivo para o salto qualitativo que vai levar ao cinema. Ela possibilitou que a câmara realizasse além de uma série de imagens separadas imagens simultâneas que reproduzissem o movimento. O exemplo clássico foi fornecido pelo governador da Califórnia, Leland Stanford, que em 1872, talvez enfadado com sua posição de governador, resolveu apostar que um cavalo correndo levanta as quatro patas. “Não acredito! “Voar é com os Pássaros!” Alguém, ingenuamente, ou supersticiosamente apavorado, deve ter duvidado. E outro deve ter dito: “Cavalo voar nunca vi, mas boi voador, já. Perguntem aos monges da Idade Média”.
O governador, que deitava na grana chamou Eadweard Muybridge, fotógrafo em São Francisco, e mandou o maluco realizar a façanha-cinematográfica. O cara que era também muito louco mandou ver. Resultado: não deu certo, cara. Que horror! O cavalou não voou. No lugar apareceram manchas confusas. Que tristeza. Mais tristeza ainda, porque o dinheiro para pagar o fotógrafo deveria ser público.
Mas não esquenta. Louco é louco e não pode viver sem o produto de sua loucura que quando chega à exterioridade lhe alimenta para novas loucuras. Cinco anos depois, o grande Muybridge, instalou uma bateria de 24 câmaras, acionadas por uma carente elétrica que quando o cavalo passasse diante delas disparava. Cara, loucura! Como diz Lawson, “as câmaras viram o que o olho não podia ver”! Claro, quem é o louco que vai ficar olhando para patas de cavalo. O cavalo voa. Suas patas ficam fora do chão quando ele corre. Não é loucura, é física. Einstein era também capaz de ver o que outros não viam. Nessa loucura-histórica-cinematográfica tem Newton e Einstein.
Muybrideg que era louco, mas não otário, patenteou seu invento como método e aparelhagem para fotografar objetos em movimento. Em 1882, Emile Reynard, em Paris, projetou sobre uma tela com seu invento Praxinoscópio, fotografias criadas por Muybridge…
E o governador, ganhou a aposta? Nunca mais se ouviu falar sobre ele. Pelo menos nós.
Vejam algumas lâminas com texto do crítico de cinema, o português, Armindo Blanco. As lâminas 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 10. As lâminas 1 e 2 já foram publicadas no segundo passeio.