Ontem, esse Esquizofia publicou um texto tratando da obra-relíquia do intelectual brasileiro Leo Gilson Ribeiro, Os Cronistas do Absurdo que apresenta ensaios de vários artistas e intelectuais como Kafka, Brecht, Büchner e Ionesco, além dos principais poetas expressionistas como Ernst Stadler e Geor Heym.
Despois de uma breve abordagem sobre a obra e o autor, foi publicado o poema de Stadler, Diálogo, que mostra que o destino do homem é o próprio. Todas suas nagustias sejam terrenas ou metafísicas são de sua total responsabilidade. Daí não adianta querer buscar em um mundo metafísico, criado por ele próprio, sua salvação. Tanto sua salvação como sua perdição faz parte de sua escolha, como diz o filósofo francês, Sartre. Stadler com sua poesia reafirma o dizer de Protágoras: “Tudo que é humano não me é estranho”. O fez o filósofo Marx a escolher como uma das mais importantes que já conhecera em sua existência.
Hoje, estamos publicando o poema do “poeta do demonismo das metrópoles modernas”, Georg Heym, que morreu aos 25 anos. E para expressar a turbulência dos sentimentos intensos e revoltos que constituem a poesia expressionista, escolhemos o poema, Os Demônios das Cidades.
Os Demônios das Cidades
“Erram, dentro da noite das cidades,
Que, negras, se curvam sob seus pés.
Como barbas de marujos enlaçam-se em seus queixos
As nuvens, enegrecidas pelo fumo e pela densa fuligem.
Sua sombra imensa oscila sobre o mar de casas
E apaga as luzes dos postes nas ruas.
Como névoa, arrasta-se, pesada, sobre o asfalto
E apalpa casa por casa, avançando lentamente.
Um pé calçado sobre uma praça,
A outra perna ajoelhada em cima de uma torre,
Eles se destacam em meio à negra chuva que cai,
E sopram flautas de Pan na tempestade que agita as nuvens distantes.
Em torno a seus pés gira o estribilho
Do mar de cidades com sua triste melodia,
Uma litania imensa, cujo tom, ora opaco, ora estrídulo, varia,
Baixando às profundezas escuras.
Vagueiam junto ao rio que, escuro e largo, flui,
Como um réptil, as costas manchadas de amarelo,
Do amarelo que tomba da luz dos lampiões,
E a escuridão tristemente gira, cobrindo o céu impenetrável.
Encostando-se, pesados, ao parapeito de uma ponte,
Eles enfiam as mãos no cardume de seres humanos, como faunos,
Que à beira de pântanos metessem os braços na lama espessa.
Um deles se levanta. Sobre a lua pálida pendura
U’a máscara negra. A noite,
Que escorre como chumbo líquido, no céu sinistro,
Aperta as casas mais para o fundo do poço,
Do fundo do poço da escuridão.
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Em um quarto invadido pelas trevas,
Uma parturiente grita presa da dor.
Seu corpo volumoso salienta-se, gigantesco, sob a colcha,
Em redor da qual os Satãs, imensos, velam.
Ela segura-se, trêmula, ao espaldar de seu leito de martírio.
O quarto vacila em torno a ela, vibrando ao som de seus urros.
E surge o fruto de seu ventre…
… Um dos diabos parte o rebento em dois.
Os pescoços dos demônios crescem como os das girafas…
O recém-nascido não tem cabeça. A mãe o ergue diante dos olhos
E o horror, com seus dedos de sapo, lhe rasga as costas,
Quando ela cai sobre o leito.
Mas os demônios crescem, gigantescos,
Seus chifres, saídos das têmporas, rasgam o céu, ensanguentando-o.
Terremotos trovejam sobre o regaço da terra,
Circundando suas patas, que línguas de fogo chamuscam”.