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HOMEM MÃE: ‘DESTINO DO HOMEM É AMAR ALGUÉM, AMAR OS OUTROS, ESTAR EM COMUNIDADE’

Janeiro 31, 2020

ENTREVISTA

Inspirada no universo de Valter Hugo Mãe, peça está no Porto Verão Alegre nos dias 31 de janeiro, 1º e 2 de fevereiro

Fabiana Reinholz

Brasil de Fato | Porto Alegre

31 de Janeiro de 2020.

Em entrevista ao Brasil de Fato RS, diretor fala da peça e do atual contexto da cultura no país - Créditos: Foto: Ariel Aguiar
Em entrevista ao Brasil de Fato RS, diretor fala da peça e do atual contexto da cultura no país / Foto: Ariel Aguiar

A democratização dos meios de produção teatral, o acesso das camadas sociais menos favorecidas e a transformação da realidade através do diálogo são elementos que caracterizam o Teatro do Oprimido, de Augusto Boal. São características pertencentes ao universo teatral de Fernando Kike Barbosa, que entre os dias 31 de janeiro e 2 de fevereiro leva ao palco da Sala Carlos Carvalho, às 20h, dentro da programação do Porto Verão Alegre, a peça Homem Mãe. Livremente inspirada no romance O Filho de Mil Homens, do escritor português Valter Hugo Mãe, a peça trabalha com a dualidade de intolerância e preconceito, e amor e afeto.

Em entrevista ao Brasil de Fato RS, Kike fala de como a peça conversa com o contexto atual que estamos vivendo no país e da sua trajetória. Em tempos de ataque às artes, o diretor defende a resistência: “A destruição que está se fazendo na cultura é intencionada, não é gratuita. Essas pessoas que estão lá sabem do perigo, sabem que cultura e educação são ferramentas poderosas na mão das pessoas, do povo, para se entender, conhecer e para transformar a sociedade.”

Kike começou sua trajetória com a Terreira da Tribo, em Porto Alegre, nos anos 90, com um teatro político, crítico, que estivesse sempre ligado com as questões sociais, não só em termos do discurso, mas em termos da prática também. Assim como apontou Boal: “Aquele que transforma as palavras em versos transforma-se em poeta; aquele que transforma o barro em estátua transforma-se em escultor; ao transformar as relações sociais e humanas apresentadas em uma cena de teatro, transforma-se em cidadão.”

Na peça, que estreia hoje, Crisóstomo, um dos personagens da peça, personifica esse cidadão, que na teia das relações humanas e sociais busca por sua metade que trará felicidade. “Ficaram ali, olhando para o mar, intensificados, alterados pelo amor. Eram tanto quanto possível os felizes. Porque a felicidade não se substituía ao resto, a felicidade acumulava-se. Eles acumulavam-se.”

Com direção e adaptação de Fernando Kike Barbosa, o elenco é formado por Edgar Rosa, Elaine Segura, Emílio Speck, Gabriela Magagnin, Katia Marko, Larissa Hoffmeister, Nathan Denck, Ofélia Ferretjans, Rosângela de Britto e Vinícius Magnus.

Veja abaixo a entrevista completa.

Brasil de Fato RS: Gostaria que tu nos falasse um pouco da peça. Como surgiu a ideia de adaptação e como foi o processo?

Fernando Kike Barbosa: O espetáculo é resultado do laboratório de pesquisa e montagem da Cômica Cultural, onde ministro aulas há alguns anos. Em 2015 eu andava lendo muito o Valter Hugo Mãe, e eu tinha ficado muito interessado, empolgado com a obra dele.

O livro O Filho de Mil Homens pareceu um texto muito propício para ser adaptado para o teatro. Eu apresentei para os alunos, atores do curso duas possibilidades de montagem de adaptação, uma era um texto do romance de um outro português, Mateu perdeu o emprego, do Gonçalo Tavares, que é outro autor que eu gosto muito, e que inclusive, talvez, será o tema da oficina desse ano. Levei o romance do Gonçalo Tavares e o do Valter Hugo Mãe, e o grupo escolheu o livro do segundo.

Eu fiz a adaptação, o livro é escrito basicamente em terceira pessoa, se não me engano, e eu passei muito para primeira pessoa. Muitas das descrições, das coisas que eram narradas em terceira pessoa, fui transformando em cena, e transformando também em falas para os personagens. Teve algumas cenas que eu criei, que não estão no livro, mas que são sugeridas. A gente pode imaginar que aquilo teria acontecido por detrás das descrições. Fomos ensaiando e a medida em que a gente ia avançando na história, eu ia trazendo para o grupo as novas cenas que ia escrevendo dentro da adaptação. Junto com o grupo, na hora de encenar, de verbalizar o texto, iam sendo feitos ajustes, cortes ou acréscimos na busca de achar o ritmo da cena.

Peça traz questões muito em evidência atualmente, como os preconceitos, intolerância e violência contra a mulher / Foto: Rose Pereira

BdF RS: Por que Valter Hugo Mãe, e essa obra em particular? Como ela conversa com o contexto que estamos vivendo?

Fernando Kike: O Filho de Mil Homens trata de questões muito presentes na nossa sociedade que estão em evidência atualmente, como a questão dos preconceitos, da intolerância e da violência, da não aceitação do outro. Aparece a questão da homossexualidade, a questão da violência contra às mulheres, o machismo.

Tem a personagem Isaura, que no livro original é a mulher que vai diminuindo, diminuindo, por ser maltratada pelos homens, por ser violentada, enganada, tripudiada, e vai secando um pouco, por falta de amor. Tem o Antonino que é um rapaz homossexual e que tenta se adequar dentro da sociedade, porque a sociedade toda ao redor dele diz que ele não pode ser assim, que é feio ser assim, que é pecado ser assim. Ele tenta se moldar, sofre com a situação, ele garante para mãe, ou promete para ela que vai tentar ser aquilo que não é.

Tem também a história que costura todo o romance. Na peça é esse menino perdido, que vai ser o filho de mil homens no romance. Um menino que perde os pais muito cedo, perde a mãe ao nascer, a mãe morre no parto, e é adotado por um casal de idosos, depois esse casal morre, ele fica sozinho no mundo e acaba sendo adotado por um pescador que é de onde parte a história.

A peça trabalha muito com essas polaridades, da intolerância, preconceitos dentro da sociedade, de como a sociedade é calcada em valores que às vezes são muito rígidos em relação a muitos segmentos. Tem a questão do fanatismo religioso também que aparece na peça, que hoje em dia é uma verdadeira praga no Brasil, a questão da perseguição das religiões afros, por exemplo. Isso não está na peça, mas tem esse lado das religiões neocristãs, ou cristãs mesmo, de qualquer maneira. Das pessoas que radicalizam, que entendem que o cristianismo, ou que a sua religião, seja ela qual for, é a única e verdadeira e que as outras devem ser eliminadas, que as outras são coisas do diabo. E baseado nesses valores que são radicalizados se exerce o poder sobre o outro, a violência sobre o outro, a marginalização do outro.

Ao mesmo tempo que tem todas essas questões cruéis, feias, violentas, tem também o outro lado, que é trazido pelo pescador que adota o Camilo, o menino abandonado. Esse pescador é muito devoto à natureza, a religião dele, digamos, é a natureza, uma religião politeísta. Um homem que chegou aos 40 anos, que se sente sozinho, não tem uma esposa, não tem filhos e resolve adotar uma criança. Ele sai pelo mundo à procura de um filho, e a partir do momento em que consegue adotar esse menino, aparece muito uma questão de afeto, a questão de um amor sem limites.

Essas duas forças na peça aparecem de forma muito contrastante e de forma bastante equilibrada. A peça ao mesmo tempo aponta o terror de coisas, o horror de muita coisa que está acontecendo no mundo, e que de alguma forma sempre aconteceu, mas que é, particularmente neste momento do Brasil. Muito presente, muito forte, mas mostra também esse lado esperançoso, esse lado de seres humanos que acreditam no amor, que acreditam na fraternidade, que acreditam no respeito.

O destino do homem é amar alguém, é amar os outros, é estar em comunidade, isso é dito na peça. Acho que ela traz muita essa questão de como a gente deve valorizar e cultivar a vida em sociedade, no sentido do respeito, do afeto, de construir o mundo com as outras pessoas de uma forma mais igualitária, mais humana, mas principalmente bastante amorosa.

“O destino do homem é amar alguém, é amar os outros, é estar em comunidade, isso é dito na peça” / Foto: Rose Pereira

BdF RS: Como tu analisas a situação da cultura e do teatro no governo atual?

Fernando Kike: Estamos vivendo um momento calamitoso na cultura. É evidente a intenção de desmonte deste governo, de destruir com os meios de estímulo e de sustentação da cultura, da educação, que no meu ponto de vista são sempre as primeiramente atacadas em governos autoritários, em governos que querem manter as pessoas sob o domínio. Se as pessoas têm menos cultura, menos educação, menos informação, têm menos chances de querer mudar, de entender o mundo que vive, o seu tempo, e transformar a sociedade para uma coisa um pouco mais justa, mais igualitária.

A destruição que está se fazendo na cultura é intencionada, não é gratuita. Essas pessoas que estão lá sabem do perigo, sabem que cultura e educação são ferramentas poderosas na mão das pessoas, do povo, para se entender, conhecer e transformar a sociedade. Estamos vivendo um momento muito complicado, com cortes em várias áreas, editais minguando, desaparecendo. E sem falar das pessoas que têm sido escolhidas, como diretor das artes cênicas, diretor da cultura. Hoje não existe mais ministro porque, como a gente sabe, o Ministério da Cultura acabou, foi uma das primeiras medidas que esse governo tomou, já anunciando o que viria pela frente, a intenção deles, a falta de simpatia desses governantes que estão aí com a cultura. Assim que o Bolsonaro foi eleito, a gente já sabia. Foi muito assustador para a maioria das pessoas que fazem arte, cultura e educação nesse país.

Eu não consigo separar muito a ideia de cultura com educação, para mim estão ligadas de um jeito que não tem como separar. O teatro e todas as artes são braços da cultura e da educação. Esses ataques e esse projeto de destruição é bem fundamentado na cabeça dessas pessoas, porque querem um povo submisso, sem poder de entendimento, de análise, de compreensão do tempo que vive, do mundo que vive e das aberrações que estão acontecendo. O último caso que a gente teve, que estarreceu não só o país, mas o mundo inteiro: o episódio do ex-secretário de Cultura, Roberto Alvim, que fez aquele vídeo de inspiração nazista, algo chocante. Sabemos que na cabeça do presidente, na cabeça de muitas pessoas que estão lá, aquilo não tinha nada demais, aquilo é aquilo mesmo.

Acredito que ele só foi demitido pela pressão de certos setores da comunidade, nem tanto da sociedade como um todo. Parece que essa gente está se lixando, são nichos na sociedade que eles ouvem e dão atenção porque são pessoas que no mundo do mercado financeiro têm influência, e podem de alguma maneira atrapalhar os planos deles. Esse governo é obviamente um fantoche do mercado financeiro e das chamadas elites culturais, mas que para elite falta muito. A palavra elite, como disse a Rita Von Hunty, subentende-se que as pessoas têm cultura também, uma elite não é só rica de dinheiro. Essa palavra originalmente trazia a ideia de refinamento cultural também, e é o que a nossa “elite” realmente não possui. Não gostam de cultura, de educação, uma gente grossa, boçal.

BdF RS: O que tu achas da nomeação da atriz Regina Duarte para a pasta da Secretaria de Cultura?

Fernando Kike: A nomeação da Regina Duarte para pasta está de acordo com a mentalidade dessas pessoas que estão lá. Para mim é tudo um absurdo. A Regina Duarte, por exemplo, é mulher de latifundiário, mas não só isso, ela tem muita história, defendendo ataques a indígenas, atacando verbalmente comunidades indígenas. Dando declarações em que ela diz que o presidente é homofóbico na boa, é homofóbico querido, é homofóbico da boca para fora. Ela disse que era como o pai dela, que dizia que lugar de negro é na cozinha, mas era da boca para fora, de um jeito brincalhão.

Em termos institucionais, estamos no fundo do poço com a cultura. Essas pessoas que estão nesses órgãos, que deveriam gerir, estimular, incentivar, estão esvaziando, destruindo a malha da rede produtiva da cultura, da arte no Brasil. A cadeia produtiva da arte no Brasil está seriamente ameaçada, sendo esvaziada, e mais, sendo perseguida. Tem muito discurso dizendo que a maioria dos artistas é vagabundo, é de esquerda, é comunista. Eu tenho a sensação que estou vivendo uma coisa surreal, como um pesadelo, que a gente espera acordar daqui a pouco.

Mas, ao mesmo tempo, a gente resiste, a arte sempre resistiu, a arte nunca morreu. O teatro, por exemplo, foi banido na Idade Média, ou pelo menos foi proibido, mas durante toda a Idade Média tinham os Saltimbancos, tinham os ambulantes que iam de vilarejo em vilarejo trocando por comida sua arte. As artes são como a Fênix, ressurge das cinzas, e vamos seguir resistindo, lutando também junto em todas as frentes que for possível para que esse país possa mudar, transformar-se e que a gente possa vencer esse projeto de destruição da cultura, da educação e da democracia no Brasil.

Diretor e elenco em ensaio em 2018 / Foto: Divulgação

BdF RS: Conte um pouco da tua trajetória.

Fernando Kike: Eu comecei fazer teatro com a Terreira da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz, aqui em Porto Alegre, no início dos anos 90, e de lá para cá trabalhei com muitos diretores diferentes aqui em Porto Alegre. Meu interesse no teatro, minha busca, sempre foi um teatro político, engajado de alguma forma. Eu nunca vi o teatro como uma carreira naquele sentido de virar um super star, de virar um grande ator, de ir para Globo, de fazer qualquer coisa desde que sendo como ator, aceitar qualquer trabalho, qualquer texto.

Sempre tive essa ideia de um teatro político, crítico, que estivesse ligado com as questões sociais, não só em termos do discurso, mas em termos da prática também. Já fiz e sigo fazendo teatro de rua, gosto muito dessa vertente, porque é um teatro onde a gente vai ao encontro da população, principalmente de uma população que não vai ao teatro, por falta de acesso econômico, ou até por falta de conhecimento, por falta de hábito.

Fiquei sete anos na Terreira da Tribo, trabalhei com grandes diretores como Camilo de Léllis, Roberto Oliveira, Patrícia Fagundes, Décio Antunes, e vários outros diretores aqui de Porto Alegre, e principalmente com Adriane Mottola, da Companhia Stravaganza, grupo que eu permaneço até hoje, e que tenho uma relação de trabalho direta com eles.

Ministro oficinas de teatro na Cômica Cultural, de onde surgiu o projeto do Homem Mãe, aulas na Elite Models, uma agência de modelos, mas que tem uma escola onde tem curso de cinema, teatro, e outras modalidades, e onde estou responsável pelas oficinas de teatro. 

Desde 96, dirijo espetáculos tanto para rua quanto para sala. Em 2011 comecei a escrever para teatro, tenho seis textos de teatro, sendo que cinco foram encenados, e também adaptações teatrais. Por exemplo, fiz junto com atriz Nina Raique um recorte de cenas, de histórias que aparecem no Grande Sertão Veredas, do João Guimarães Rosa. Esse espetáculo esteve agora participando do Porto Verão Alegre, na abertura do festival.

Tem uma peça de rua que escrevi que se chama Zona Paraíso, uma comédia de rua que foi montada pelo grupo Povo da Rua e que anda circulando por aí. Estive com a Comédia dos Erros da Companhia Stravaganza.

Trabalho com intercâmbios internacionais, com ONGs da Itália e da Alemanha, desde 1996, onde há anos fazemos trabalhos com jovens de escolas públicas, escolas que recebem um público mais social e economicamente vulnerável. Estamos fazendo, por exemplo, um intercâmbio esse ano com a Escola Cemet Paulo Freire, que tem um público bem heterogêneo, com pessoas com histórias bem diversas. Trabalhamos com esses jovens, colocamos em contato jovens daqui do Brasil com jovens da Alemanha e da Itália que tenham realidade, características e condições semelhantes. Esses jovens tem a possibilidade de conhecer um outro país, outra cultura, outros jovens e de dividir com eles os seus anseios, seus projetos, seus problemas. E dentro destes intercâmbios eu trabalho com teatro, um teatro que vai numa linha de ajudar o debate, ajudar esse grupo de jovens a dialogarem, se expressarem por outras vias que não só da palavra.

Edição: Marcelo Ferreira

TRIBUTO A JAMELÃO, RIDA DE SAMBA E MARACATU SÃO DESTAQUES DA AGENDA CULTURAL NO RIO

Janeiro 31, 2020

AGENDA

Feira de artesanato na Lapa também é opção de programação gratuita para cariocas

Redação

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ)

31 de Janeiro de 2020.

Bloco Tambores de Olokun se reúne para ensaios no Aterro do Flamengo - Créditos: Divulgação
Bloco Tambores de Olokun se reúne para ensaios no Aterro do Flamengo / Divulgação

Atrações gratuitas e ao ar livre fazem parte da rotina do carioca. O Brasil de Fato selecionou algumas opções de atividades culturais e entretenimento que acontecem nos próximos dias na capital. No ritmo de carnaval, blocos e ensaios já se espalham pela cidade, como do ensaio do Tambores de Olokun.

Para bater perna, a recomendação é se programar para percorrer a rua do Lavradio e sua oferta de artesanato e antiguidades. No quesito samba, as opções selecionadas são a roda de samba Pede Teresa, na Praça Tiradentes, e o tributo a Jamelão promovido pelas cantoras Áurea Martins e Ana Costa. 

 

Tambores de Olokun 

O quê? Alfaias e abês dão o tom no ensaio que acontece quinzenalmente e atrai público que curte maracatu. 

Onde? Parque do Flamengo, na altura do Belmonte. 

Quando? Domingo, às 16h30 

 

Feira Rio Antigo 

O quê? Mais de 400 expositores de artesanato, sebos e antiguidades ofertam produtos na Feira Rio Antigo.  

Onde? Rua do Lavradio, Lapa 

Quando: Sábado (1), das 10h às 18h.   

 

Pede Teresa 

O quê? Clássicos do samba são entoados por sambistas e públicos. Roda de samba acontece mesmo com chuva pois o local é coberto. 

Onde? Praça Tiradentes, Centro. 

Quando? Sexta-feira (31), às 18h.  

 

Tributo a Jamelão 

O quê? Sambistas Áurea Martins e Ana Costa sobem ao palco para prestar homenagens a Jamelão, baluarte da Mangueira. 

Onde? Espaço Cultural BNDES (Avenida República do Chile, 100) 

Quando? Quinta-feira (6), às 19h.  

Quanto? Grátis. (Pré-reserva de ingressos a partir de segunda-feira (3) no link: https://bit.ly/2GJV5zf) 

Edição: Vivian Virissimo

CHICO BUARQUE ENALTECE ‘DEMOCRACIA EM VERTIGEM’ E DIZ QUE BRASIL É UM PAÍS GOVERNADO POR LOUCOS

Janeiro 31, 2020
SANATÓRIO GERAL
Crise brasileira começou em 2014, “quando os derrotados não aceitaram o resultado das urnas e começaram a tramar contra o governo de Dilma Rousseff”, afirma Chico
REPRODUÇÃO

“Estavam brincando com a democracia, e o resultado está aí. Temos hoje um país governado por loucos”

São Paulo – Em vídeo enviado à diretora do filme Democracia em Vertigem, Petra Costa, o cantor e compositor Chico Buarque afirmou que o Brasil atualmente  é “um país governado por loucos”. Na mensagem, ele parabeniza a cineasta, que “soube captar, no calor da hora, com sensibilidade, com senso de oportunidade, os bastidores da cena política”. O filme foi indicado ao Oscar de 2020 na categoria Melhor Documentário. A cerimônia de premiação do Oscar, em Los Angeles, acontece no próximo dia 9 de fevereiro.  Confira o vídeo abaixo.

Chico destaca o período “principalmente a partir de 2014, quando os derrotados não aceitaram o resultado das urnas e, com apoio da classe política, da grande mídia, e pelo menos a complacência da Justiça, começaram a tramar contra o governo de Dilma Rousseff”.

Segundo ele, os derrotados por Dilma (liderados pelo então senador Aécio Neves – PSDB-MG) “não souberam esperar mais quatro anos, quando talvez pudessem implantar um governo liberal, um governo conservador”.

‘Democracia em Vertigem’, a força feminina de Petra Costa

Na sequência, Chico Buarque emenda: “Mas o que a gente vê, assistindo às cenas (do filme) hoje, dá a impressão que estavam brincando com a democracia, e o resultado está aí. Temos hoje um país governado por loucos. Obrigado, Petra Costa, parabéns pelo seu filme e boa sorte”, conclui o músico.

Logo após ser reeleito presidente do PSDB, em julho de 2015, Aécio Neves fez discurso na convenção do partido e vaticinou que Dilma não chegaria ao fim do mandato. Disse, então, que tinha perdido a eleição para “uma organização criminosa”.

Também protagonista dos grandes festivais dos anos 1960, em plena ditadura, Caetano Veloso postou vídeo na semana passada, enaltecendo Democracia em Vertigem. “Eu nunca pensei que na minha vida eu veria tanto retrocesso”, disse Caetano.

No vídeo, gravado em inglês, com o propósito de dar um “alerta internacional” contra o fascismo que avança no Brasil, o músico baiano falou da “brutal ditadura militar” contra a qual sua geração foi obrigada a lutar, que “matou e torturou muitas pessoas”, e de sua prisão. “Inacreditavelmente agora vivo em outra situação dentro de uma democracia na qual o fascismo mostra suas garras”.

Caetano afirmou a intenção de “chamar a atenção para o lindo filme” de Petra Costa. Para Chico Buarque, Democracia em Vertigem, “para além de seus méritos cinematográficos, que são muitos, tem um grande valor histórico”.

DEMÉTRIO XAVIER CANTA ATHAUALPA YUPANQUI: O FILHO DA TERRA QUE VEIO PARA NARRAR

Janeiro 30, 2020

MÚSICA LATINO-AMERICANA

Para celebrar os 112 do compositor e músico argentino, o também músico a apresentador gaúcho faz show nessa sexta-feira

Katia Marko, Fabiana Reinholz e Marcelo Ferreira

Brasil de Fato | Porto Alegre

30 de Janeiro de 2020.

Demétrio concedeu entrevista ao Brasil de Fato RS em sua casa; show será no Café Fon Fon - Créditos: Foto: Fabiana Reinholz
Demétrio concedeu entrevista ao Brasil de Fato RS em sua casa; show será no Café Fon Fon / Foto: Fabiana Reinholz

“Cantar a aldeia, com as vozes da Cultura Crioula e os sotaques do Continente de São Pedro e do Continente Latino-Americano.” Assim começava um dos programas mais populares da FM Cultura, rádio pública do Estado do Rio Grande do Sul. Sob o comando de Demétrio Xavier, o Cantos do Sul da Terra trouxe, por sete anos, as vozes mais emblemáticas do continente latino-americano.

Uma dessas vozes é a de Héctor Roberto Chavero, ou melhor dizendo, Athaualpa Yupanqui, “O Filho da Terra que veio para narrar”. Filho de pai quéchua e mãe basca, nascido da província portenha de Pergamino, dizia que em seu sangue galopavam dois avós, um cheio de silêncios, o outro meio cantor. É reconhecido como um dos mais importantes divulgadores de música folclórica da Argentina, com uma “ajudinha” da cantora francesa Édith Piaf. Suas composições foram cantadas por intérpretes como Mercedes SosaAlfredo ZitarrosaVíctor JaraMarie Laforêt e Elis Regina, entre outros, como Démetrio Xavier, que com sua velha “guitarrita”, encontrou seu paisano pessoalmente nos anos 90.

Camino del Indio, primeira música composta por Yupanqui, também a primeira ouvida por Demétrio, os uniu. Nesse encontro, o jovem urbano, nascido em 1966 na Cidade Baixa, um dos bairros mais antigos da área central de Porto Alegre, recebeu a benção para seguir cantando as suas canções. 

“Has de contar… Narrarás”. Recién ahora, en el otoño de mi existencia, con muy largos caminos andados, con muchas noches sin poncho, puedo asumir el Destino de este nombre que me lleva con él, mundo afuera y mundo adentro. Recién ahora, pausadamente y con amor sereno, puedo decir: “Había una vez…”. Y empezar a contar.”, escreveu Yupanhqui cinco anos antes de sua partida.

Athaualpa Yupanqui / Foto: Reprodução

Para recordar os 112 anos de vida do compositor argentino, Demétrio cantará suas canções nessa sexta-feira, no Café Fon Fon (Rua Viêira de Castro, 22 – Farroupilha, Porto Alegre).

O Brasil de Fato RS conversou com Demétrio, sempre acompanhando de sua guitarrita (violão que o acompanhou quando se encontrou com Athaualpa) e o mate amargo. O bate papo foi sobre Athaualpa, sobre sua atualidade no atual contexto latino-americano, sobre o Cantos do Sul da Terra, que saiu da FM Cultura mas continua atuante, através do Salve Sintonia.

Brasil de Fato RS: Demétrio, gostaria que tu nos contasse por que, ainda hoje, lembrar a obra Athaualpa, e qual a importância desse legado?

Demétrio Xavier: Yupanqui era um compositor popular, um escritor um músico, um livre pensador. E que está passando por um fenômeno muito interessante de ter essa obra e seu ponto de vista conhecido cada vez mais mundialmente. Isso confirma muito algo que ele gostava de dizer, ele gostava de sonhar, inclusive citando autores de que ele gostava muito, como por exemplo, o espanhol Antônio Machado: gostava de sonhar com o anonimato no sentido do tornar-se folclórico, tornar-se domínio popular.

Quando a gente pensa num tema como Los Hermanos, todo mundo conhece, mas que nem todo mundo faz a referência imediata ao autor. Ele consegue por aí esse resultado, como aquela história que Antônio Machado diz, o que se perde de fama se ganha de eternidade, quando se passa ao domínio popular.

A importância dele, a atemporalidade dele é essa, alguém que viveu praticamente todo século XX, produziu todo o século e conseguiu fazer, o que ele também gostava de chamar, fixar à sua época. Ou seja, ter um compromisso histórico permanente com sua gente, com sua história, com a sua paisagem, que era uma palavra que ele repetia tanto. Mas ao mesmo tempo que ter alcance, ter uma potência que chega no domínio do filosófico, que invade com tranquilidade, com facilidade uma outra forma de pensar que não costuma ser a forma ordinária de um compositor popular.

Yupanqui sonhava com o anonimato no sentido do tornar-se folclórico, domínio popular / Foto: Fabiana Reinholz

Ele gostava muito de dizer que era um crioulo, que era um mestiço, um resultado de mãe basca, com toda a herança milenar, e quíchua, que vinha pelo tronco familiar do pai dele. Ele gostava de dizer, por exemplo, “me galopam no sangue dois avós, um cheio de silêncios, o outro meio cantor”. Aí ele está falando do índio e do gaúcho, ele gosta de ser o resultado americano da mestiçagem americana, essa é uma das maneiras dele ser histórico, atemporal também, na medida em que ele conseguiu registrar essa forma de ser americana, essa forma de ser crioula. Ele cristaliza, plasma, realiza aquilo que ele diz alguma vez em uma poesia: “Eu canto por ser antigo cantos que já são eternos e até parecem modernos pelo que neles encerramos, com canto nos tapamos para amornar os invernos”.

Com o canto nos tapamos para amornar os invernos. Não é uma filigrana, um prazerzinho fútil, avulso, não, ele tem que estar associado às demandas de um povo, de uma coletividade. Quando se consegue isso, se alcança essa eternidade, e no caso dele por enquanto não se perdeu a fama também porque ainda é o nome celebrado mundo afora. Mas um dia, talvez, se conheça sua obra e não se lembre mais dele, como sempre foi o seu sonho.

BdF RS: Athaualpa Yupanqui não era o nome dele, era um pseudônimo que ele escolheu em homenagem ou para lembrar imperadores Incas. Você conversou quando conheceu ele?

Demétrio: Especificamente sobre isso não. Ele tinha uma proximidade com o idioma, um dos dois grandes troncos idiomáticas que vêm do império Inca, que é o quíchua, ou quéchua, e o Aimará… ele falava algo de quíchua. Se é verdade que ele era um guri estudioso, bem americanista, bem interessado de um ponto de vista americano, um ponto de vista do nosso continente, de um ponto de vista que mais tarde se chamaria de colonial, ele foi buscar duas linhagens importantes de incas, de soberanos, que seriam Yupanqui e Athaualpa. Também é verdade que Athaualpa Yupanqui, numa tradução que a gente pode fazer a ressalva que é aproximada – mas nas línguas indígenas sempre é assim, sempre aproximada – quer dizer “o filho da terra que veio para narrar”.

Na minha opinião, e sobretudo agora que é muito mais fácil depois de ver a obra do cara inteira e o seu caminho de vida completo terminado, esse significado é muito maior do que a referência aos incas Athaualpa e Yupanqui. Esse filho da terra que veio para narrar, de alguma maneira, é a consigna, a vocação e o mandato que ele se dá, quando aos 15 anos, diz algum biógrafo, 17 ou 18 diz outro, pouco importa, ele se dá esse nome.

O ataque aos povos originário é inegável e está em um momento muito grave / Foto: Fabiana Reinholz

Então aquele Héctor Roberto Chavero Aramburu fica para sempre em segundo plano, e dá lugar a esse Athaualpa Yupanqui. E ele aparece para a Argentina numa reivindicação indígena, justamente quando há uma marcha indígena, uma reivindicação que tem a ver com condições de trabalho. Ele vai para o jornal, escreve, apoia, uma postura muito política, mas muito do lado do indígena.

Ao mesmo tempo, e disso eu falei com ele quando a gente conversou, ele tem um tema que é o primeiro registro dele, que se chama Camino del Indio, que por uma sorte minha foi a primeira música que eu ouvi em um álbum triplo de folclore latino-americano. Era no tempo do vinil, em um envelope com três vinis dentro e uma pintura que representa uma abóbora, uma pintura da Olga Dondé. A gente ouve muito na Argentina dizer “más Criollo que Zapallo”, como a abóbora sendo algo muito crioulo. Então está aquela abóbora aberta e o nome da pintura é “La Gran Madre latino-americana”. Neste álbum tem música de todo o continente.

Camino del Indio é aquela velha história de um escritor, um artista qualquer, em qualquer modalidade de arte, fazer mais do que pensa que fez, ou fazer algo diferente do que está pensando que fez, manifesta-se inconsciente, funciona a interação daquela obra com as outras pessoas. Mas ele escreveu sobre o vizinho, sobre um cara que morava lá em cima de uma lomba, que chamavam índio, que era um cara meio misterioso. Escreveu Camino del índio, que era o caminho que levava àquela casa. Só que isso se torna uma página, um momento fundamental da reivindicação indígena no continente.

E está muito atual porque as ameaças ao originário aparecem adormecidas de vez em quando, por um acordo ou por outro, por uma boa vontade de política aqui ou ali. Mas de uma maneira geral, são combatidos desde o momento da conquista do território. Isso é uma constante com seus pequenos oásis, sobretudo por causa da capacidade política que eles têm, não por outra razão, não por outra benesse de ninguém. Mas o movimento constante de ofensa, de ataque ao originário é inegável, e a gente está vendo um momento muito grave disso.

E quando ele faz Camino del Indio, com 17 anos de idade, parece que ele crisma aquele batismo de Atahualpa Yupanqui e mostra sua vocação americana que vai durar quase todo século. E ainda é um cara, como tantos outros artistas, que morre atuando. Ele, com 84 anos, em 1992, dois anos depois de eu conhecê-lo, está em Nine, na França. Em um dado momento ele diz que vai até o hotel por estar se sentindo mal, e morre sozinho no hotel. Dizem que numa posição algo fetal, assim como os indígenas sempre dormem, segundo ele dizia. Ele se deita naquela posição e adormece, e morre assim, saindo do palco.

Durante entrevista, Demétrio cantou clássicos da canção latino-americana / Foto: Fabiana Reinholz

BdF RS: Vários músicos latino-americanos gravaram Athaualpa, como Victor Jara, Mercedes Sosa. Hoje estamos vendo grandes mobilizações em vários países da América Latina, Chile, Bolívia, enfim, tem uma ebulição, e músicas sendo resgatadas, como por exemplo, o hino Chileno El Pueblo Unido. Qual a importância de estarmos lembrando esses músicos que construíram essa história, que cantaram a cultura latino-americana?

Demétrio: Essa pergunta é oportuna em si, mas é mais oportuna porque há muito poucos dias, no marco do Fórum das Resistências, eu fiz uma apresentação cujo repertório foi todo de músicas resistentes, de músicas de combate. Eu trouxe um repertório só daquelas músicas e eu disse, naquela ocasião, que há um punhado de anos, uma meia dúzia de anos atrás, jamais eu faria um espetáculo com repertório igual àquele. E eu disse isso porque eu nunca deixei de cantar cada uma daquelas músicas, mas eu não via uma razão para agrupá-las todas e mostrar como era, como foi, como é esse universo de músicas de luta, dessa tradição musical. Faço isso agora porque considero extremamente necessário, e também considero útil, oportuno. Não é museológico o que a gente está fazendo.

E vou repetir algo que eu disse naquele mesmo espetáculo: eu estou interessadíssimo nas formas de explicação e de resistência nascidas agora, criadas agora para o momento que nós estamos vivendo no Brasil e no continente. Eu quero saber muito do que a poesia contemporânea jovem está fazendo para dar conta disso, a música também, em parte eu até sei.

É preciso, buscar fazer análise contemporânea do que está acontecendo, mas é preciso ser capaz de fazer a comparação com outros momentos de opressão, com outros momentos de exceção, com outros momentos de ataque que os direitos, a justiça e o bem-estar comum sofreram. São recentes, são similares historicamente sobre vários aspectos, mas certamente não sobre todos. Então, eu tenho a oferecer, por causa do meu trabalho, o cancioneiro latino-americano dos anos 60, dos anos 70 e a sua potência para essa luta, mas devem estar presentes também essas outras formas de manifestação. A mesma coisa quanto à ciência social, quanto à história na hora de explicar o que está acontecendo. Quanto disso tem a ver com fenômenos como a extrema-direita do início do século 20, a gente está falando tanto nisso, está usando como adjetivos determinadas palavras que são fenômenos reconhecidos, batizados lá nos anos 20 e 30. Quando a gente fala em fascismo, quando a gente fala em nazismo, quando a gente fala no ciclo de golpes que o continente sofreu entre os anos 60 e 70, não é diferente, existem muitos pontos de contato com as coisas estão sendo vividas agora.

Demétrio considera o Cantos do Sul da terra a coisa mais importante que fez na vida / Foto: Fabiana Reinholz

Mas não todos, há coisas que são específicas e são de agora. Eu aporto algo que já tem os seus anos, as suas décadas, mas é profundamente válido e novo, e isso deve estar ao lado das construções de agora, para que tenha utilidade. E aí eu fiz, naquela ocasião, como faço agora, um resgate, uma citação de uma letra do Sílvio Rodriguez, aquele baita cubano, aquele tremendo compositor, que diz assim: “Arando o porvir como velhos bois”. A gente tem que arar o porvir com velhos bois e com novos bois. Podemos aportar um pouco da sabedoria popular, gauchesca e rural, de lavoura, se vai fazer uma junta de dois bois, pode botar um novo e um velho, um aporta aquela experiência de trabalho, o outro sua energia, seu vigor, e vai se trocando as juntas, bota os novinhos na frente, depois bota no coice, às vezes bota no meio. Enfim, precisamos ter essa perspectiva de dar conta do que se está vivendo agora, com as coisas tradicionais e consagradas, como um Victor Jara, um Athaualpa Yupanqui e com tudo de novo, bonito e potente que está nascendo neste momento.

BdF RS: Falando do Cantos do Sul da Terra, teu programa de rádio, foram quantos anos de programa?

Demétrio: Foram sete anos, começou no dia 5 de setembro de 2011. Eu fui em agosto à casa Athaualpa Yupanqui, que hoje é um museu, onde ele está enterrado; estive lá em agosto em uma festa da Pachamama, na festa da deusa terra, e eu pedi para o sacerdote Victor Acebo, líder indígena, da etnia quíchua, uma benção da Pacha, da Terra, para esse programa, e ele nos deu essa benção em quíchua, inclusive traduzindo trechos do Los Hermanos pro quíchua. A benção aconteceu no meio da festa, no meio da música, no pátio da casa de Yupanqui, quando se enterraram as oferendas para Pachamama.

Sem nós sermos pessoalmente e nem pretendemos muito menos ainda dar qualquer conotação místico-religiosa ao que a gente fazia, por uma questão de cultura popular, de respeito à cultura popular e de indigenismo, de americanismo, nós trouxemos essa benção para começar o programa em 5 de setembro de 2011.

Assim foi até o meio de 2018, quando por razões político-administrativas, por razões que tem a ver com a condução da rádio pública, das emissoras públicas, encerramos ali aquele círculo que foi um tremendo sucesso uma tremenda ausência. Eu me vejo ali dentro, no meio de feras do rádio, fazendo uma experiência de rádio que para mim foi uma coisa magnífica, inesquecível. Foi a coisa mais importante que eu fiz na minha vida, e se um gênio maligno daqueles imaginados pelo René Descartes me dissesse que eu teria que tocar ou fazer o Cantos do Sul da Terra, eu pararia de tocar para fazer o programa, porque acho que consegui de forma mais abrangente, mais completa dizer o que eu sempre quis dizer tocando e cantando.

Assista à entrevista completa:

 

 

 

 

 

 

Edição: Marcelo Ferreira

DANDARA ALVES, CANTORA DE JOÃO PESSOA, IRÁ APRESENTAR PROGRAMA NACIONAL SOBRE SAMBA

Janeiro 30, 2020

A ORDEM É SAMBA

O convite partiu de Adelzon Alves, “O Amigo da Madrugada” da Rádio Nacional – Sistema EBC de Comunicação

Cida Alves

Brasil de Fato | João Pessoa – PB

Divulgação - Créditos: Card
Divulgação / Card

A cantora paraibana Dandara Alves recebeu, recentemente, convite de Adelzon Alves, “O Amigo da Madrugada” da Rádio Nacional do Rio de Janeiro – Sistema EBC de Comunicação, para apresentar, um programa de rádio que aborda o samba dos quatro cantos do país. A programação irá ao ar toda terça-feira, da meia-noite às 3h da madrugada, com estreia no dia 04 de fevereiro. 

“Eu fiquei muito honrada  pelo convite. Foi-me dada toda a liberdade de bolar como será o programa, e eu optei por dar o nome de “A ordem é samba” por conta da música que foi gravada por Jackson do Pandeiro, e que para mim, é muito forte. Também tem a ver com a ideia central, que é trazer e entrevistar músicos, compositores e compositoras, instrumentistas e cantores que moram no Rio mas que não são daqui ou que estão de passagem, de férias ou a trabalho, e que vieram cantar”, conta ela.

Segundo Dandara, a ideia desse espaço é para que os artistas falem da sua trajetória e dos desafios, e que o espaço se consolide para mostrar sambas do país inteiro: “Ainda existe essa resistência das pessoas quanto ao samba que não é do Rio de Janeiro, ainda existe um rótulo de que o samba só é samba se for carioca, e esse é um espaço para a gente desmistificar essa história e mostrar samba e conteúdo do país inteiro”

O programa estreia no dia 04 de fevereiro, na Rádio Nacional, Sistema EBC Am 1.1130. Para acessar ao vivo, o ouvinte tem algumas opções: pode ir pelo site da EBC, ou então, baixar o aplicativo – e ter acesso a todas as rádios do sistema. Também haverá um podcast para que as pessoas tenham acesso ao conteúdo a qualquer hora.

Adelzon Alves / Divulgação

Adelzon Alves – É considerado um mestre do rádio brasileiro, atuando desde 1964. “O Amigo da madrugada” fortaleceu o movimento de valorização dos sambistas pouco conhecidos e compositores do morro. Artistas talentosos que não tinham oportunidade em nenhuma outra emissora do Rio de Janeiro ganharam espaço no seu programa. Lançou diversos singles de diversos artistas do quilate de Clara Nunes, Alcione, Roberto Ribeiro, dentre outros.

Edição: Redação BdF

IZAÍAS ALMADA: A ATUALIDADE DE FERNANDO PESSOA

Janeiro 29, 2020

29/01/2020

por Izaías Almada

A biografia de Fernando Pessoa escrita pelo francês Robert Brechon, cuja tradução foi editada pela Quetzal Editores de Portugal é, sem dúvida, o trabalho mais completo feito sobre a obra do poeta português.

Não bastasse a extensão dos versos de Pessoa e seus heterônimos, cuja criatividade e sensibilidade excedem, por vezes à compreensão daquilo a que ouso chamar de o “homem comum”, o trabalho de Brechon, “Estranho Estrangeiro”, com seiscentas páginas impressas, transformou-se em um dicionário quase que obrigatório para quem admira os versos de Álvaro de Campos, Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Fernando Pessoa, ele mesmo. 

E se tudo vale à pena quando a alma não é pequena, como compreender determinados valores humanos ou humanistas, como a amizade, a solidariedade, o amor, a compaixão, o desejo de justiça social em um mundo dominado pela violência, pelo poder do dinheiro, da fama, do sucesso a qualquer custo? Afinal, a quem estamos querendo enganar?

Pessoa, ainda na primeira metade do século XX, criou uma obra poética que ultrapassou os próprios limites do seu conservadorismo, como neste “Poema em Linha Reta”, do heterônimo Álvaro de Campos. Um poema que desnuda a verdadeira natureza do ser humano e seu lado sombrio, covarde e arrogante. Convido os leitores, aqueles que ainda não o fizeram, a ler os versos abaixo e refletirem sobre o que se passa à sua volta:

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida…

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos – mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

E pensar que estamos iniciando o vigésimo ano do segundo milênio depois de Cristo..

ÁLVARO MIRANDA: A MESQUINHEZ PARASITA DO CAPITALISMO NO IMPACTANTE FILME SUL-CIREANO

Janeiro 29, 2020

 

29/01/2020

por Álvaro Miranda

Para além de uma estranha história entre duas famílias de classes sociais distintas que se cruzam em meio a tramas, terror e ternura, Parasita traz subjacente a condensação da mesquinharia dos valores capitalistas. As pessoas podem até não serem mesquinhas, mas acabam engolfadas pela enxurrada de lances estranhos aparentemente desconexos da vida.

Para os que se julgam apolíticos indispostos com as visões que enxergam política em tudo, lembro que o cafezinho que bebemos é, inevitavelmente, politizável, assim como a boneca Barbie, cujos componentes são fabricados numa rede globalizada de fornecedores de diversos países.

Mas, parafraseando Norberto Bobbio, se tudo na vida fosse política a vida seria uma monstruosidade. Contraditoriamente, de fato – e é por isso que politizamos a vida: para que a vida floresça em suas diferentes dimensões sem que precisemos nos ater à política. Mesmo na estética supostamente desinteressada subjaz uma disposição política.

E qual seria o problema de lançar um olhar político simultaneamente ao estético, mesmo que o artista não teve, se é que foi isso, a intenção política? A monstruosidade é a própria vida na sua estranheza. O diretor Bong Joon-ho teria dito, em entrevista, que as pessoas gostam do quão absurda é a história e que é muito difícil prever seu desfecho.

A enxurrada de lances aparentemente estranhos prenuncia-se no balde de água jogado para espantar o sujeito que urina, de forma recorrente, em frente à casa da família pobre, depois devastada pela enchente que assola o bairro, a mesma chuva que impede o acampamento de lazer da família rica.

A mesquinharia do capitalismo está condensada no seu ícone maior da contemporaneidade, qual seja, a esperança de tudo se resolver pelo aparelho celular e seus aplicativos. É através do celular que as pessoas se fazem como indivíduos em tramas imponderáveis, ficando conectadas numa espécie de distopia de relações.

Esse deslocamento de lugar pode ser visto nas investidas da família pobre de se colocar no lugar da família rica – e esta, por sua vez, na sua disposição de depender de pessoas de classes sociais inferiores para poder tocar a vida. Mais do que eloquente a observação do diretor em suas entrevistas. Segundo ele, todos os personagens vivem “na mesma zona cinzenta”.

A vida é sempre estranha se olharmos de perto. Não por acaso, o desemprego de uma família move toda a história. O filme traz amor, delicadeza, suspense, trama e terror, tudo misturado a um humor sarcástico, em becos sem saídas ou com possíveis fendas sombrias que mantêm a vida em situações improváveis, como o porão da mansão da família rica.

A tragédia da enxurrada pela tempestade que assola a cidade não faz parte do mero acaso e da fatalidade, considerando as condições dos que vivem amontoados em situações precárias de infraestrutura. Assim como não tem nada casual a mesquinhez que se esconde na suntuosidade de uma família rica encantada com futilidades – e deslumbrada em seus instantes fugazes de prazer e busca por uma cinzenta felicidade.

Confirma-se que o diretor tem razão: muito difícil prever o desfecho da história, que se delineia formando essa zona cinzenta onde se encontram pobres e ricos juntos em suas diferenças, contradições e tramas imponderáveis e incertas como a própria vida.

BANDA RUSSA PUSSY RIOT USA ARTE CRÍTICA A BOLSONARO EM SEU PÔSTER DO SHOW EM SP

Janeiro 28, 2020

28 DE JANEIRO DE 2020.

A banda feminista faz show no festival “Verão Sem Censura” na próxima quinta-feira

Divulgação

Em fevereiro de 2012, as integrantes da banda russa Pussy Riot foram presas. Elas subiram subiram no altar da Catedral de Cristo Salvador, que fica em Moscou, e pediram à Virgem Maria que virasse feminista e livrasse a Rússia de Putin.

O que elas chamaram de “Oração Punk” durou 40 segundos, que mudaram a vida daquelas mulheres. Elas denunciavam o papel crescente da Igreja Ortodoxa nas questões do Estado e acabaram sendo condenadas por vandalismo e ódio religioso. Foram presas e ficaram mais de um ano encarceradas.

Uma das integrantes, Masha, está lançando um livro sobre esses “Dias de Tumulto”, título da obra, publicada no Brasil pela Editora Hedra.

No lançamento, que acontece em São Paulo na próxima quarta-feira (29), haverá debate e exibição do documentário “Crime e castigo”, de Yevgeni Mitta, que conta uma história da qual as mulheres do Pussy Riot são protagonistas: o feminismo e a resistência política na Rússia.

O show da banda acontece quinta-feira (30), às 20h, junto com a cantora e também ativista Linn da Quebrada, em frente ao Centro Cultural São Paulo, no festival Verão Sem Censura, promovido pela prefeitura da capital paulista.

O Pussy Riot esteve no Brasil em 2019 com um show recheado de recados para Jair Bolsonaro. Dessa vez, elas escolheram estampar uma arte com um “Chernobolso” no cartaz de divulgação do show.

CARTA MAIOR CINEMA: MISSÕES (QUASE) IMPOSSÍVEIS

Janeiro 28, 2020

Um grande filme inglês de guerra, ‘1917’, e um policial brasileiro, ‘A Divisão’, colocam seus personagens em incumbências desafiadoras

 

Por Carlos Alberto Mattos

 

Missão em linha reta


1917 sobe ao panteão dos grandes filmes de guerra não tanto pelo seu enredo, relativamente simples, mas pela façanha de sua realização e como ela transmite a tensão e o horror de estar em meio ao conflito. Nada mais básico do que a saga dos dois soldados encarregados de levar uma mensagem através do front inimigo até outro batalhão, a tempo de cancelar um ataque e evitar um massacre das forças britânicas na I Guerra Mundial. A inspiração veio do avô de Sam Mendes, que foi incumbido de missão semelhante.

Trata-se de uma tarefa em linha reta. Os dois rapazes têm oito horas para alcançar o objetivo e não podem pestanejar nem olhar para trás. Um deles tem um irmão no outro batalhão, que está ameaçado por uma armadilha dos alemães. Chegar a tempo é, portanto, uma questão não só de pátria, mas também de família. Através de muros de arame farpado, trincheiras abandonadas e casamatas traiçoeiras, arrastando-se na lama e tropeçando em cadáveres e animais mortos, só lhes resta avançar.

Para dar conta desse trajeto inexorável, Sam Mendes optou por uma narrativa igualmente incessante, num falso plano contínuo de duas horas de duração. Ainda que se percebam claramente alguns cortes (em áreas escuras, explosões, mergulhos e num desmaio do cabo Schofield), cada longo plano-sequência leva ao paroxismo o tempo real, as distâncias reais e o esforço real dos atores.

Sustentar tal realismo em movimento permanente, terrenos irregulares e situações as mais diversas – com destaque para a queda e explosão de um avião no mesmo plano em que estão os dois soldados – exigiu técnicas arrojadas da equipe de fotografia dirigida pelo grande Roger Deakins. As câmeras eram conduzidas em steadicams a pé e continuamente acopladas a jipes, motocicletas, gruas e drones, passando de um para outro sem interrupção das tomadas (veja este making of em inglês). A estabilização era feita pelo sitema Trinity da Arri, que combina estabilizações mecânica e eletrônica. Não menos extraordinária é a direção de arte, que provê os mais diferentes cenários, incluindo uma cidade destruída e cerca de dois quilômetros de trincheiras construídas para os extensos travellings ininterruptos.

Longas-metragens em um único plano sem cortes (ou com cortes dissimulados) não são novidade desde Festim Diabólico (1948), de Hitchcock. Outros exemplos notáveis são Arca Russa, de Sokurov, Birdman, de Iñarritu, Time Code, de Mike Figgis, e os brasileiros Ainda Orangotangos, de Gustavo Spolidoro, e Estamos Vivos, de Filipe Codeço. O que 1917 tem de mais espantoso é a quantidade de desafios a que se propôs e a organicidade entre tema e estética. O movimento contínuo reflete o senso inabalável de dever e os compromissos pessoais assumidos por Blake e Schofield.

A guerra não está ali como fato político nem como motor de ação, mas sim como uma prova individual, inclusive de amizade, para os dois soldados. A sucessão de perigos no caminho deles tem semelhanças com reality shows de sobrevivência, o que não é exatamente um grande elogio. Mas a alternância de momentos grandiosos com cenas intimistas, o resultado técnico primoroso e as atuações intrépidas de George MacKay e Dean-Charles Chapman levam o filme a um patamar muito superior. No quesito elenco, note-se o luxo adicional de ter os superastros Colin Firth e Benedict Cumberbatch em pequenas pontas como os oficiais nos dois extremos da linha de comando.

Polícia em área de sombra moral

A série A DIVISÃO, exibida no Globoplay em 2019, virou filme para contar ficcionalmente como a Divisão Antissequestro da Polícia Civil terminou com a onda de sequestros que assombrou o Rio de Janeiro na segunda metade dos anos 1970. Alguns personagens são identificáveis com figuras reais, como o general (Nilton Cerqueira) que comandava a Secretaria de Segurança Pública e o chefe da Polícia Civil, decalcado em Hélio Luz. Outros deslizam entre a corrupção e a ultraviolência, conferindo uma mancha de amoralidade ao sucesso da operação.

Como costuma acontecer, a coisa pega fogo quando um membro da elite se torna vítima. A filha de um poderoso deputado, candidato a governador do estado, é sequestrada. A DAS (no filme identificada com um “A” a mais) precisa, então, agir decisivamente. É quando se instala o conflito entre os métodos utilizados pelo comandante da Divisão (Silvio Guindane), um novo integrante acostumado a extorquir bandidos (Erom Cordeiro) e o delegado vivido por Marcos Palmeira.

A proposta do filme, um pouco na trilha de Tropa de Elite, é mostrar o trabalho da polícia numa área de sombra moral. Os fins poderiam ou não justificar os meios. E os que posam de heróis nem sempre têm a conduta correspondente. Os sequestros, por sua vez, são evocados como uma rede de negócios onde não só os bandidos se beneficiavam dos pagamentos de resgates.

A DIVISÃO é uma bomba de testosterona, suor e sangue. Vicente Amorim usa sua tarimba eclética junto a uma equipe de primeira no gênero do filme de ação. Não há espaço para sutilezas nem aprofundamento de personagens. A estética de série de TV prevalece sobre a do cinema mediante insistentes closes, ritmo acelerado e uma edição que desorienta espacialmente o espectador em troca da produção de adrenalina.

A mim incomoda a fetichização dos ícones policiais (armas, distintivos, viaturas, tatuagens) e da favela e da periferia como meros cenários de tiroteios estetizados. A brutalização reiterada da moça sequestrada também parece apelar ao instinto mais básico de certas plateias. Quanto à caracterização dos “homens da lei”, imperam os semblantes e entonações de policiais americanos, numa amostra de fidelidade maior aos cânones do gênero do que aos modelos da realidade.

HORA DO RANGO ENTREVISTA A CANTORA MARIEL

Janeiro 28, 2020