O Conselho Universitário da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Consuni/UFRJ) concedeu, nesta quinta-feira (25) o título póstumo de doutora honoris causa para a escritora Carolina Maria de Jesus, que faleceu em 1977.
A titulação, que significa “por causa de honra”, reconhece aquelas personalidades com destaque na sociedade por suas virtudes e atitudes, independentemente da instrução educacional. Os agraciados com o título passam a ser reconhecidos igualmente àqueles que concluíram um doutorado acadêmico.
Quarto de despejo
A obra mais famosa de Carolina Maria de Jesus é “Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada”. Sucesso de público e de crítica, a obra é considerada uma dos mais importantes do Brasil. Em 2020, o livro completou 20 anos desde a sua publicação. O título vendeu mais de 1 milhão de cópias e foi publicado em mais de 40 países.
Nele, em formato de diário, a autora mineira narra como garantia a própria sobrevivência e dos três filhos trabalhando como catadora de papéis e, também, o cotidiano na favela do Canindé, em São Paulo.
Ao chegar à capital paulista, em 1937, a escritora experimenta o impacto da cidade grande. Foi empregada doméstica, catadora de papel e criou sozinha seus três filhos. Apesar da frieza de São Paulo, é no meio urbano que ela encontra espaço para ter seus escritos publicados na forma de livros.
Nas redes sociais, a novidade foi comemorada. A deputada federal Renata Souza (Psol-RJ), celebrou: “É Doutora Honoris Causa pela UFRJ, nossa escritora preta e favelada Carolina Maria de Jesus”. E também relatou que ouviu “de uma figura que sua obra não era literatura por ser uma escrita ingênua, um diário. Perguntei qual seria a diferença entre sua escrita e o Diário de Anne Frank”.
Manuela D’Ávila, do PCdoB, também comemorou. “Viva Carolina de Jesus. Símbolo de aplausos, a escritora brasileira recebeu o título de Doutora Honoris Causa pelo Conselho Universitário da UFRJ. Uma linda homenagem para a mulher que marcou tanto nossa história”, afirmou em sua página no Twitter.
Na mesma linha, a deputada estadual Dani Monteiro (Psol-RJ), também celebrou a conquista nas redes sociais. “Que seu Quarto de Despejo, Diário de uma Favelada sejam leituras obrigatórias na reconstrução deste país tão desigual. Que mais favelados conquistem esse título, que a gente sempre lute pela reparação, justiça e que a gente passe a reconhecer potências ainda enquanto vivem. Viva a Doutora Carolina Maria de Jesus!”
Estima-se que existam mais de 50 tipos de afinação de viola caipira
Um instrumento verdadeiramente brasileiro, que sempre acompanhou as festas, alegrias, dores e sonhos do povo do campo. Essa é a viola caipira. Você já deve ter ouvido. Mas você conhece sua história?
A viola chegou ao Brasil pelas mãos dos jesuítas, que tocavam o instrumento para encantar os indígenas, especialmente os curumins. Um dos seus mais famosos tocadores dessa época foi José de Anchieta.
Logo, o instrumento se interiorizou, e nas mãos dos trabalhadores do campo, ganhou o nome de viola caipira.
A versão abrasileirada tornou-se então peça central nas festas, folguedos e folias das comunidades rurais. Era por meio dela também, que o povo podia cantar a poesia da roça e da vida junto a natureza.
Felinto Procópio, conhecido como Mineirinho, violeiro do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), explica essa relação de paixão entre o violeiro e seu instrumento.
“Ele usa a viola para retratar o lúdico, de forma poética, cantar esse sertão, cantar essa felicidade, cantar essa alegria de viver. Então a viola caipira tá ligada à essência da vida, a reprodução da vida, na sua essência e na sua beleza.”, explica Mineirinho.
Essa inspiração gerou uma miríade de ritmos. Estima-se que existam mais de 50 tipos de afinação de viola caipira. E os ritmos pelo Brasil são incalculáveis. Alguns dos mais conhecidos são: a moda de viola, o cateretê, o pagode de viola e o cururu.
Apesar da riqueza, foi só em 1930 que a cidade foi conhecer a música do campo. A primeira gravação foi feita por Cornélio Pires, depois que o produtor conheceu as músicas cantadas durante os mutirões de trabalho no campo.
Com a urbanização e o avanço do agronegócio, a vida no campo mudou. Mas os violeiros que cantam as belezas da natureza e da vida rural ainda resistem.
Um deles é Zé Pinto, violeiro e integrante do MST. Ele, junto de Mineiro, são responsáveis pela conservação e animação da tradição da viola junto àqueles que lutam pela reforma agrária e em defesa da natureza.
“A gente quer falar do amor por essa terra, quer questionar os maus tratos que um projeto que a gente sabe qual que é, faz com a terra, judia, envenena. E para isso, a viola é um instrumento maravilhoso porque se você vai fazer uma viagem para falar da lua, das estrelas, da roda de prosa. O som da viola parece que vai abrindo pra gente passar”, conclui.
Com teatros e salas de concerto fechadas, a música clássica também encontrou nas tecnologias e mídias digitais o suporte para continuação de parte de suas atividades no contexto da pandemia do coronavírus que já se estende por mais de um ano.
Lives streamings através de plataformas como Zoom, Youtube, Facebook entre outras, com variados conteúdos e propósitos se multiplicaram no último ano tornando-se o melhor meio de enfrentar as restrições de mobilidade e reunião impostas pela pandemia em todo o mundo.
Muitos músicos relutaram em aderir, ainda que temporariamente, à “virtualização da música”. Tanto para as orquestras quanto para outras formações de músicos, incluindo solistas, as perdas decorrentes da improvisação de recursos técnicos e de infraestrutura, a falta do público é também sentida e influi nos resultados.
Conexões de internet de alta velocidade e recursos de áudio e vídeo de alta definição se tornaram fatores decisivos para a boa transmissão e recepção dos espetáculos de música provocando desequilíbrio em termos do que deve ser o essencial.
Há questionamentos hoje entre músicos e outros artistas quanto ao risco destas experiências virtuais contingenciais passarem a ser a regra.
O prolongamento desse tempo suspenso tem levado jovens músicos e outros artistas a experimentarem novas formas e inovarem em conteúdo para manter ou criar relações com o público.
Se por um lado deve ser louvado o esforço criativo desses músicos e artistas por outro é preocupante o impacto desestruturador que essa situação pode ter sobre as tradicionais instituições da música e das artes em geral.
Em meio a tudo isso, tivemos a oportunidade de entrevistar o violonista brasileiro Plinio Fernandes, que vive em Londres desde 2014 e que em setembro passado concluiu com honras seu mestrado na Royal Academy of Music. Nessa terceira parte da entrevista (as outras duas também foram publicadas neste jornal GGN, cujos links estão reproduzidos abaixo) o músico expôs suas percepções e experiências a respeito do uso dessas tecnologias digitais no contexto da pandemia e dos lockdowns no Reino Unido.
AC – Conte-nos um pouco sobre como foi a prova final de seu mestrado na Royal Academy of Music. Em função da pandemia do coronavírus, a ausência de uma plateia no momento de sua prova teve algum efeito sobre você?
PF – Num cenário ideal eu teria a plateia repleta de pessoas queridas e amigos para me prestigiar e comemorar comigo esse momento tão importante, mas do limão tentei fazer uma limonada, e tentei ver os jurados como membros de uma plateia dispostos a me impulsionar. A acústica e demais características do lugar serviram de inspiração.
AC – Qual avaliação você faz da experiência vivida durante o confinamento em Nottingham (na casa da família do músico Sheku Kanneh-Mason) de tocar para o público das redes sociais? Você acredita que essa prática de produzir lives como tem ocorrido em todo o mundo poderá continuar no pós-pandemia? Você vê o ambiente virtual como um meio para a democratização do acesso à música clássica?
PF – Foi uma experiência incrível ter passado parte do confinamento em Nottinghan com a família do Sheku e um aprendizado maravilhoso ter tocado nas lives streamings para um público enorme de pessoas ao redor do mundo. Essas lives foram feitas através do canal do Facebook do Sheku que tem mais de 150 mil seguidores espalhados pelos vários continentes. Foi uma experiência enriquecedora e muitas pessoas passaram a me seguir também nas redes sociais. Foi muito bom dividir música com as pessoas nesse momento tão doloroso que tem sido o da pandemia. As lives aconteciam semanalmente, e nós recebemos muitas mensagens de pessoas que diziam que aquele momento tinha se tornado importante para elas, que estavam em suas casas, lidando com perdas e sobrevivendo à pandemia. Isso para nós foi muito tocante e nos motivava a criar um repertório cada vez mais variado para que as pessoas pudessem aproveitar aquele momento. Foi muito bonito.
Ao mesmo tempo em que eu acredito na democratização da música através do uso das ferramentas tecnológicas digitais como as lives streaming e as redes sociais, eu acho difícil que isso continue com tanta força no pós-pandemia, quando os teatros reabrirem, pois eu acredito que a experiência ao vivo que a apreciação não só musical, mas artística de modo geral propicia é insubstituível e as ferramentas digitais não dão conta de suprir a necessidade que temos da arte.
AC – Como foi a sua experiência em tocar numa emissora de tv de arte em Paris com alcance para mais de 2 milhões de espectadores? Experiência similar poderá ser experimentada no Brasil?
PF – Foi uma ótima experiência e a melhora nesse tipo de performance só ocorre fazendo mais disto. Tocar ao vivo em televisão, rádio ou lives streamings exige um tipo de concentração diferente da de concertos. Saber que há um imenso número de pessoas te assistindo sem as ver, entrar na casa de tantas pessoas, ao mesmo tempo que proporcionam uma sensação muito bacana é estressante. Em Paris eu toquei em duo com o Sheku para o lançamento do cd dele e na mesma semana tocamos na rádio BBC de Londres.
No dia seguinte à participação na televisão francesa seguimos para a estação de trem de Paris para retornar a Londres e muitas pessoas nos reconheceram, elogiaram, foi uma sensação muito gostosa e gratificante.
Quanto a reproduzir essa experiência no Brasil, imagino que seja possível e pode ser bem bacana. A recente entrevista que demos para o Jornal Hoje da Globo, gravada em Londres, foi muito boa, teve uma grande repercussão com ótimo feedback. São sempre bem vindas as oportunidades de divulgar a música clássica e instrumental brasileiras.
Proibido nascer em Noronha: filme retrata ilha onde hospital não faz parto desde 2004
Documentário “Proibido nascer no paraíso” tem pré-estreia nesta quarta (24) na ilha e estreia nacional em 11 de março
Da RedaçãoBrasil de Fato | Recife (PE) | 23 de Fevereiro de 2021 às 11:32
Desde 2004, mulheres da ilha de Fernando de Noronha, em Pernambuco, têm que viajar para outros lugares, especialmente para Recife, para terem seus bebês em hospitais, isso porque o único hospital local não está preparado para realizar partos.
Esse é o tema do documentário “Proibido nascer no paraíso”, de Joana Nin, que será exibido em pré-estreia na ilha nesta quarta-feira (24), às 20h, no Muzenza, casa noturna que fica na Vila dos Remédios.
A capacidade máxima do local de exibição é de 90 pessoas, já com limite reduzido por causa da pandemia de covid-19.
O filme será lançado comercialmente nos cinemas do Brasil a partir de 11 de março, pela Boulevard Filmes.
Assista ao trailer do documentário Proibido Nascer no Paraíso:
Além da exposição, fazem parte do projeto falas com as/os artistas participantes, educativo para mediação com o público e a oficina mediada pelo artista visual e arte-educador Wellington Soares. É possível encontrar vídeos também da equipe falando sobre os aspectos curatoriais que levaram a exposição e que formataram os processos de mediação.
No site é possível encontrar ainda o catálogo desenvolvido pelo artista visual e design gráfico Carlos Henrique e o Material Educativo elaborado pelas artistas e arte-educadoras Maria Macêdo e Jaqueline Rodrigues, sob a orientação de Wellington Soares.
Organizadores
A exposição virtual coletiva tem direção geral de Wandeállyson Landim e curadoria de Vita da Silva. O projeto foi selecionado pelo Edital Arte Livre: Edital de Criação Artística, realizado pela Secult Ceará e fomentado pela Lei Aldir Blanc de Emergência Cultural do Ceará, de 2020.
“A exposição não estabelece compromissos com os limites entre realidade e ficção, uma vez que é difícil dissociá-las. Assim também como não é de seu interesse disseminar uma compreensão única sobre corpo, gênero e sexualidade”, destaca Vita da Silva .
Adaptações
Originalmente idealizada como mostra física em um espaço de galeria, o projeto foi todo repensado devido aos decretos de isolamento social em vigor durante a pandemia do novo coronavírus, sendo assim a exposição não poderia ser realizada a não ser em um espaço virtual.
Coletivo de escritores e artistas visuais realiza campanha de financiamento; conheça o projeto
RedaçãoBelo Horizonte | Brasil de Fato MG | 22 de Fevereiro de 2021.
Um coletivo de escritores e artistas visuais se reuniu para construir o projeto de uma revista literária, a Revista Temporã. O objetivo da Temporã é “construir um espaço de encontro entre a literatura brasileira contemporânea e várias formas de expressão artística”, como colocado na descrição do projeto.
Para se realizar, a Revista está fazendo um financiamento online para conseguir arcar com os custos e desenvolver a primeira edição da Temporã. O financiamento conta com doações a partir de R$20,00 com recompensas que variam de acordo com o valor doado. Confira aqui.
Quem quiser uma amostra do que vem aí, pode acessar o Instagram da revista, que já está a todo vapor apresentando as futuras colunas, os colaboradores e alguns trabalhos dos organizadores da Temporã. E claro, as dicas de literatura também já estão rolando.
Com a pandemia, escritores, editoras e livrarias entraram em uma das maiores crises do ramo. Isso soma-se à tradicional desvalorização da literatura no Brasil e ao agravamento no contexto político que ataca cultura e expressão.
Os idealizadores da Revista Temporã acreditam que são em momentos como esse que a literatura e a arte são mais essenciais. E assim se forma a Temporã: com uma estética brasileira, que perpassa cores e simbologias e memórias culturais, valorizando clássicos e novatos da literatura brasileira. A Temporã nasceu para ser uma ode e uma apresentação da literatura do Brasil.
“Queremos valorizar os clássicos da literatura brasileira, mulheres e homens que estão sempre nos guiando – Guimarães Rosa, Ruth Guimarães, Graciliano Ramos, Clarice Lispector, Lima Barreto e tantos outros – mas mostrar também quanta coisa boa está sendo produzida, hoje, em nosso país, pelas escritoras e escritores contemporâneos. Já estamos em contato com várias autoras e artistas incríveis!”, diz o projeto.
A campanha de financiamento coletivo vai até 15 de março e doando R$ 20 o colaborador já garante seu exemplar digital da primeira edição da revista.
Uma visão particular sobre a Revolução Russa. Em obra de coletivo literário, personagens históricos dão contornos a instigante ficção científica. No centro, limites do Estado em superar o imaginário capitalista e a urgência de outras cosmovisõesOUTRASPALAVRASPÓS-CAPITALISMO
Coletivo Wu Ming em entrevista a Bernardo Gutiérrez, no CTXT| Tradução: Gabriela Leite
Sovietes e eletricidade, arte proletária e ficção científica, assaltantes de bancos e utopistas ferrenhos, experimentos científicos e alienígenas. Wu Ming está de volta. Em seu formato mais habitual: um romance. Com o método que sempre usaram: escrever a muitas mãos. Com o pano de fundo mais comum em suas criações literárias: a revolta social. Nesse caso, com a Revolução em maiúsculas, como contexto: a Revolução Russa. Em Proletkult [lançado na Espanha pela editora Anagrama, 2020], o coletivo italiano Wu Ming, em sua formação atual, na qual resistem três de seus cinco fundadores, revela as dobras e matizes de uma das grandes revoluções de todos os tempos. Se o romance tivesse um slogan, seria “naves espaciais na Praça Vermelha”. A figura histórica de Alexander Bogdanov — médico, filósofo, romancista, planejador de roubos, revolucionário heterodoxo, herege excomungado pelos marxistas ortodoxos — guia uma narrativa trepidante por momentos surpreendentes da Revolução Russa. No último romance de Wu Ming, o movimento de arte proletária Proletkult, que buscava um novo tipo de beleza distante dos cânones burgueses, convive com o “interplanetarismo” defendido por Alexander Bogdanov em Estrela Vermelha, seu livro mais famoso.
Desde que os membros de Wu Ming publicaram o romance Q em 1999, livro assinado com seu primeiro nome coletivo (Luther Blisset), os italianos escolheram contextos de forte agitação política e social para a maioria de seus livros. Em Q, retrataram a guerra dos camponeses alemães (1524-1525), em que a multidão revoltada se autoidentificava com uma identidade coletiva comum, “poor Konrad”. Em Manituana se narra a insurreição que acabou provocando a independência dos Estados Unidos a partir da perspectiva dos indígenas e mestiços. Em O Exército dos Sonâmbulos, seu penúltimo romance, Wu Ming abordou a Revolução Francesa com olhar (e protagonistas) feministas e com o nascimento da hipnose como paisagem e estratégia narrativa. Proletkult é a nova peça de uma saga tão inconclusa como as revoluções do passado. “Uma revolução não é suficiente, precisamos de cem revoluções”, afirma Denni, uma das protagonistas do romance.
Nessa entrevista, realizada por correio eletrônico, Wu Ming medita sobre o “cosmocomunismo” defendido por Bogdanov, sobre a conjunção de ficção científica e revolução, sobre a relação entre arte e realidade, invenção criativa e ação política. Os membros do Wu Ming, firmes defensores do copyleft e da livre circulação do conhecimento, insistem em criar uma nova “cultura vinda de baixo” que não tem que partir da linguagem, nem da forma nem do conteúdo, senão da “forma de fazer cultura, de distribuí-la, de usá-la, de criar momentos de encontro, de fazê-la acessível”. Na entrevista também refletem sobre a crise do neoliberalismo, sobre os vislumbres pós-capitalistas que a pandemia de covid-19 nos deu e sobre a classe trabalhadora, que ficou visível repentinamente por causa da crise.
Em Proletkult, a Revolução Russa é um processo bastante diverso. Os sovietes + eletricidade, Lenin e o Partido Comunista, são apenas uma espécie de pano de fundo. Vocês dão luz a outros aspectos da revolução. O espaço, a ficção científica comunista marciana e o movimento artístico proletário Proletkult estão no epicentro. Tinham essa ideia clara antes de escrever o romance? A intenção era fazer mais complexa e diversa a ideia de Revolução Russa?
Em certo sentido, sim, era nossa intenção. Como fizemos em outros romances, em Proletkult buscamos um ângulo oblíquo para enxergar a Revolução Russa. No livro, não contamos a Revolução em si, mas a história de um homem, Alexander Bogdanov, dentro da Revolução, seu ponto de vista, suas contradições. Foi médico, filósofo, romancista, planejador de roubos a banco e revolucionário herege. Sua biografia é um grande tema literário e sua visão era um inquietante olhar sobre a Revolução que estávamos buscando.
A escolha de Alexander Bogdanov como personagem principal parece, então, crucial em Proletkult. Como teve influência em vocês o universo marciano comunista recriado em Estrela Vermelha, a novela mais famosa de Bogdanov? E a vida e obra do autor?
Conhecemos Bogdanov como personagem por acaso. Nossa ideia inicial era falar da Revolução Russa e da União Soviética a partir de uma perspectiva extraterrestre, pós-humana e oblíqua. Pensamos em uma trama ambientada na década de 1920, um enredo que reuniria os primeiros experimentos sobre viagens espaciais, contato com extraterrestres e socialismo, e comprimimos tudo isso sob um slogan: “Naves espaciais na Praça Vermelha”. Em seguida tivemos esse encontro muito próximo com Bogdanov. Nos fascinaram especialmente três características: seu pensamento sobre si mesmo como o primeiro “herege” excomungado pelos marxistas ortodoxos; sua tentativa de interpretar qualquer coisa segundo a Tektologia, a “ciência da organização” que inventou; e sua capacidade, em seu livro Estrela Vermelha, de narrar uma utopia, a utopia do socialismo marciano, descrevendo também as contradições da ideia de “Progresso”.
A personagem de Denni é muito interessante para mim: uma mulher, quase uma menina, que não sabemos exatamente se veio de Marte ou se tem problemas mentais. Em um momento fala da ideia do interplanetarismo, uma espécie de sentimento solidário e comunista de apoio mútuo entre planetas. No romance, Bogdanov, em uma conversa com Leonid Voloch, descreve a si mesmo como um “marxista marciano”. Por que esse “cosmocomunismo”, tão presente em Proletkult, os interessa tanto?
O “cosmocomunismo” é interessante porque é a conjunção de ficção científica e revolução. Nosso romance também fala da relação entre arte e realidade, invenção criativa e ação política. Denni encarna o interplanetarismo e, ao mesmo tempo, é um personagem vivo tirado de uma novela de ficção científica. Para ela, não há solução de continuidade entre a vida e a fantasia, entre a literatura e a realidade. Mas todo revolucionário precisa de imaginação, bem como de uma leitura eficaz da realidade, se quer tentar fazer real um mundo que ainda não existe.
O livro evoca o processo do movimento Proletkult para encontrar uma nova estética proletária, um novo tipo de arte coletivista que busca as conexões entre as pessoas e uma nova forma de organizar a experiência do mundo. Essa frase, tirada do livro, é bastante impactante e poética: “Queimaremos Rafael, respiraremos uma nova beleza”. Por que trataram de recriar o espírito do movimento Proletkult? Qual foi sua importância real? Era/é possível uma arte e uma cultura proletária e popular produzida de baixo para cima?
Na verdade Bogdanov não estava de acordo com a ideia de queimar Rafael, pensava que seria suficiente deixar de imitá-lo, repetindo as mesmas coisas de sempre. Sua ideia de cultura proletária também conquistou Gramsci, que fundou um instituto inspirado no Proletkult na Itália. Agora é lugar comum pensar que a realidade e a linguagem não podem se separar, mas naquele momento dominava o dualismo, e a ortodoxia marxista dizia que caso se quisesse mudar a mentalidade das pessoas, sua consciência, primeiro haveria de mudar as condições materiais, a forma em que viviam.
Bogdanov acreditava que essa distinção tinha que ser superada: se a cultura dominante era a expressão da classe dominante, então a batalha cultural era parte da luta de classes, exatamente na mesma medida que as greves dos trabalhadores e a autogestão das fábricas. É importante recuperar uma perspectiva deste tipo porque hoje a cultura dominante é tida como certa e o capitalismo se aceita como uma segunda natureza, uma condição inevitável. Experimentar com novas linguagens e formas já é uma forma de cultivar alternativas, de mostrar que as possibilidades são possíveis. Mas a nova “cultura vinda de baixo” — e Bogdanov tinha a mesma opinião — não tem que partir da linguagem, nem da forma, nem do conteúdo: tem que vir da nossa forma de fazer cultura, de distribuí-la, de usá-la, de criar momentos de encontro, de fazê-la acessível, de discuti-la. Pode-se renovar todas as formas que quiser, mas se você escreve um poema para ler em um salão, não está fazendo nada de novo.
Bogdanov foi um dos pioneiros das transfusões de sangue. Mas no livro ele entende a transfusão como um caminho de irmandade, como um regalo recíproco, como um método para uma sociedade coletivista. Me parece que esse é um efeito especial de Wu Ming. Ou estou equivocado?
Não contamos nada além das teorias de Bogdanov, que queria encontrar formas de mudar a percepção que os humanos têm da realidade. Acreditava que sem essa ação cultural, apoderar-se do poder e dos meios de produção não haveria sido suficiente para revolucionar verdadeiramente a sociedade e a humanidade. Compartilhar sangue, o fluido corporal que nos faz viver, não só aumentaria a imunidade social das enfermidades, mas também o sentido de coletividade na vida das pessoas. Era “comunismo de sangue”, ao mesmo tempo comunismo biológico e psicológico.
Aleksandra Kolontai, outra personagem histórica que aparece em Proletkult, em uma conversa com Bogdanov, sustenta que a transfusão de sangue não é suficiente para a coesão de uma sociedade. Defende que as relações sociais, de classe e de gênero, são as chaves para ativar essa conexão. A vida coletiva e a coletividade como sujeito político são centrais em seu romance. Por quê?
Porque é central em nossas vidas: somos um coletivo de narradores que já trabalhamos juntos há 25 anos, e nesse tempo nossas histórias estimularam uma vasta comunidade de pessoas que escrevem, tocam música, fazem trilha, brigam, debatem… É o nicho biológico que criamos para nós mesmos, seríamos pessoas muito diferentes sem ele. O culto ao indivíduo é letal. Aqueles que têm camaradas não morreram.
Em Proletkult, voltam a abordar o tema das histórias coletivas, sempre presentes na obra de Wu Ming. Mas com uma tonalidade nova. “Nunca um único narrador narra. O narrador também escuta, não se pode saber com o que cada um contribui”, escrevem no livro. O ouvinte como possível e futuro narrador. Seguimos na guerra entre histórias fechadas (com direitos autorais) e histórias abertas (com licenças livres)? Ou o fluxo de informação digital dificulta o controle das histórias e sua autoria, e as histórias de código aberto vão ganhar a batalha?
Temos ambas tendências hoje em dia, e evidentemente estão vinculadas entre si. Por um lado, o crescente fluxo de informação e o desenvolvimento de tecnologias digitais tornam cada vez mais difícil “confinar” a criatividade. Por outro lado, o capital persegue as consequências de suas mesmas inovações com novos “cercamentos” para salvaguardar a propriedade privada e os benefícios econômicos. É uma das contradições sistêmicas mais evidentes das últimas décadas. Por exemplo, quando te pedem milhares de euros para poder citar um verso de uma canção em um romance, você consegue se dar conta de que a contradição está produzindo monstros. Por causa disso o Proletkult não abriu com um verso de Starman de David Bowie, como deveria ter sido, mas com uma citação de um escritor que viveu há dezoito séculos atrás, Luciano de Samosata.
Denni diz no livro que uma revolução não é suficiente, que precisamos de cem revoluções. Em outra parte do livro, Bogdanov diz que “mudar a opinião das pessoas é um processo mais lento”. Parece que Bogdanov fez uma viagem ao futuro e viu como Margaret Thatcher trabalhava nesse ponto, não?
Bogdanov previu grande parte do que o mundo experimentou depois de sua morte. Não pode construir uma nave estelar, mas certamente tinha uma máquina do tempo escondida em algum lugar.
Mudar a mentalidade das pessoas requer muito tempo. Além disso, o processo nunca se completa. A maior parte das pessoas adota conceitos e pensamentos contraditórios segundo cada situação. Isso significa que não importa quanto tempo faz que tenha sido imposta uma cosmovisão, sempre é possível encontrar um ponto de alavancagem para dar-lhe a volta.
Franco Berardi Bifo diz que a humanidade — principalmente a esquerda e os movimentos sociais — tem uma espécie de nostalgia do comunismo. Não do sistema comunista que existiu, mas de uma utopia, da possibilidade de futuros. Durante décadas, o fim da história proclamado por Francis Fukuyama e a hegemonia do neoliberalismo dificultaram o simples feito de imaginar um mundo novo. Vocês percebem algum vislumbre de esperança em meio ao colapso da covid-19? Poderemos acabar com o neoliberalismo e construir novas/velhas formas de vida e cosmovisões mais sustentáveis e cooperativas?
Com muito gosto, deixamos as profecias aos profetas. Somos contadores de histórias. O que podemos dizer é que pelo que vimos em 2020, percebemos três efeitos colaterais evidentes da pandemia. O primeiro é que durante os meses em que a produção industrial e o transporte desaceleraram e diminuíram por causa do isolamento, a emergência climático-ambiental se deteve e a tendência até se reverteu.
O segundo efeito é a recessão econômica, cujas consequências sociais devastadoras já começamos a ver. O terceiro efeito é o aumento da paranoia, a infopatia e a enfermidade psíquica do corpo social. Significa que, por um lado, não é possível salvar o planeta sem mudar o sistema econômico e sem livrar-se da ideia chantagista do “aumento da produção ou recessão”. Por outro lado, não é possível criticar o sistema econômico sem tratar da psicopatologia social produzida pelo auge de sua crise. Esse segundo ponto nos leva de volta a Bogdanov e suas teorias sobre a saúde e o cuidado coletivos.
Esses últimos anos do neoliberalismo tornavam visíveis, novamente, as classes. Pode ser que não seja a mesma classe proletária, já que a desindustrialização do Norte global é grande, mas um novo tipo de autoescravidão de trabalhadores pobres/despossuídos/24 horas por dia. Estão de acordo?
No pedestal do túmulo de Karl Marx no cemitério de Highgate, se pode ler: “Trabalhadores de todas as terras, uni-vos”. “Trabalhadores” é um termo mais direto que “proletários”. Hoje em dia, poucas pessoas se descrevem como proletárias, mas muitas, muitas pessoas podem dizer que são trabalhadoras: pessoas que ganham um salário por seu tempo, habilidades, inteligência e trabalho. Quando o neoliberalismo podia depender do crescimento econômico, ainda podia garantir a certos trabalhadores um nível de bem-estar e direitos que os faria sentir diferentes dos demais trabalhadores. Quando entrou em crise, a bolha estourou, e agora a classe trabalhadora é mais visível, e seu tamanho é mais notável, é muito maior que a quantidade de pessoas que exploram o trabalho de outros.
Termino com uma provocação, uma citação de Meme Wars, um livro editado pela revista Adbusters em 2012. No capítulo “Uma nova estética”, escrevem sobre um novo sentido da beleza. “Se vamos continuar mais mil anos… teremos que desenvolver uma nova narrativa, um novo roteiro … um novo tom, estilo, sentimento, humor… uma nova estética… uma nova forma de ‘estar’ no mundo. Teremos que iniciar um empurrão global, uma insurreição espiritual. Teremos que utilizar a criatividade para destruir o velho mundo, a velha estética comercial e dar à luz um novo sentido da beleza.” Não é a mesma busca de beleza presente em Proletkult?
Em certo sentido, é isso. Em uma cena de nosso romance, Denni ensina Bogdanov uma palavra no idioma de seu planeta. A palavra é “adaeth” e significa “bonita e útil”. Em uma sociedade livre da obsessão pelo valor de troca, teremos a união do valor de uso e do valor estético em um mesmo conceito. Depois de tudo, não é nada diferente do que foi teorizado, há um século e meio atrás, por William Morris e o movimento “Arts and Crafts”. Morris perdeu a revolução. A Lenin faltava ter consciência de que tomar o poder político e o controle dos meios de produção não implica necessariamente em uma revolução da mentalidade, que é o sistema mais difícil de apagar. Bogdanov carecia da capacidade política para afirmar suas intuições frente aos reveses da história. Mas diga o que disser Fukuyama, a história nunca termina. Ainda estamos procurando um caminho.
As águas caem no tropical amazônico, porém não somos todos nós que a vemos, no que reside amplo o primeiro indício da segregação. Na ideia de Kant, está aí exatamente o princípio sublime. Só se pode falar do magnânimo quando se está em segurança. Mas bem assim não é com o povo, não é a ele que a música se dirige.
Porque das palafitas e dos telhados vagos o que sobra é a angústia, o frio. Também o desespero de ver perdidos os poucos pertences, afora as doenças invisíveis. Diante desse receio, estendido por horas progressivas, quem poderá dormir? Não pode ser canção a queda dos dardos prateados que ora ferozes os atingem.
Mas o poeta ainda entoa. Sim, sente-se regozijado, e é isso. A tempestade é algo natural e não tem culpa. Contudo, culpa é uma palavra que não tem nada a ver com o assunto.
O olhar chover humano como direito social, é tudo a ser discutido.
*Victor Leandro é filósofo, escritor, analista-político, doutor e professor da Universidade do Estado do Amazonas (UEA).
Filme dirigido por uma mulher na era do #metoo, ‘A Assistente’ tem ambiguidades que soam desconcertantes
Por Carlos Alberto Mattos 02/2021.
Créditos da foto: (Divulgação)
Um dia no trabalho de Jane (Julia Garner), no que parece ser o departamento financeiro de uma produtora de cinema em Nova York. Jane é a primeira a chegar e a última a sair. É uma faz-tudo: lava louça, arruma a sala do chefe, faz reservas, puxa relatórios – e ainda tem que articular os encontros sexuais do chefão tipo Harvey Weinstein com suas amantes e inventar desculpas ao telefone para a mulher dele. Desde que despontou em festivais, em 2019, A Assistente (The Assistant) tem sido objeto de debate no cinema da era do #metoo.Na tal produtora, os assuntos importantes rolam somente entre os homens, em conversas fora do quadro. Jane é como uma sombra, que parece só existir quando é para cumprir ordens ou ser admoestada. Só os dois colegas de sala se dirigem eventualmente a ela, fazendo sempre com que ela se conforme ao figurino esperado: servir, pedir desculpas e ficar quieta.
Um bom acerto do roteiro é enfatizar a ausência frequente do chefe ou sua presença apenas insinuada no extra-quadro. Isso ajuda a compor a figura do predador evasivo, que usa o staff para exercer seu poder.
Em contrapartida, há elementos que causam estranheza, quando não comprometem bastante a proposta denunciatória do filme. Para começar, o clima hostil, meio conspiratório e em geral silencioso não condiz com a ideia que se tem de uma produtora de cinema independente em Nova York, mesmo que ali não seja o setor de criação.
Mais estranhas ainda são as atitudes de Jane. Ela engole em seco o tempo todo e, em dado momento do dia, procura outro chefe de departamento para denunciar o seu chefe por se aproveitar de candidatas a atriz ou a assistente. A cena é muito boa, especialmente pela forma como o homem encurrala Jane até mandá-la enfiar a viola no saco. Mas o efeito é desastroso para a personagem, passando a impressão de que ela estava preocupada com um ameaça ao seu posto, ou mesmo que tinha uma obsessão pelo chefe a ponto de sentir ciúme das mulheres que ele assediava. A contenção dela, sob uma capa de obscuridade, chega a irritar e deixar dúvidas sobre o que a movia, afinal de contas.
Em filme dirigido por uma mulher, Kitty Green, essa dose de ambiguidade soa desconcertante. De resto, A Assistente me pareceu frio, propositalmente burocrático e um pouco aborrecido.
>> A Assistente está nas plataformas AppleTV, Amazon Prime, Google Play e Youtube on demand
Sem chances no mercado formal, estudante viu nos vídeos uma saída para gerar renda com a ajuda da família e de vizinhos
Mariana CastroBrasil de Fato | Imperatriz (MA) | 17 de Fevereiro de 2021.
No interior do Ceará, uma mulher trans transforma os impactos do isolamento social, do desemprego e da pobreza em motivos para rir da vida ao criar seu próprio espaço de trabalho.
Rafaela Maia Magalhães, a Faela, deixou Jaguaribe, no interior do Ceará, para tentar a sorte no mercado formal de Fortaleza, onde cursou quatro semestres de Teatro e cinco semestres do curso de Psicologia.
Sem condições de se manter nos cursos sem estágio e sem emprego, esbarrou nas inúmeras dificuldades encontradas por pessoas sem experiência e transexuais e retornou para Jaguaribe.
Vivendo com cerca de R$ 30 por mês e na expectativa de prestar concurso para a prefeitura de sua cidade, cancelado no início da pandemia, Faela decide investir na produção amadora de vídeos que já fazia desde 2018, como a webnovela Pobreza Brasil.
“Em abril, o concurso [para a Prefeitura de Jaguaribe] foi cancelado, praticamente tudo fechado e eu dependendo apenas da minha mãe. E no começo do ano de 2020 foi muito difícil para mim, sobrevivendo apenas com R$ 30 por mês. Foi aí que eu decidi retomar os vídeos. Não a novela em si, mas os vídeos aleatórios. Eu fazia mais para ter uma forma de me distrair na pandemia. As pessoas dentro de casa, isoladas, com medo, foi uma forma de me distrair e distrair as pessoas”, relata.
Assista ao primeiro capítulo da webnovela Pobreza Brasil:
Em três plataformas
Em novo formato, os vídeos que já eram disponibilizados pelo YouTube agora migraram também para o Instagram e o Facebook, com versões mais curtas e acessíveis.
É justamente com um vídeo de quatro amigas no que seria um barzinho clandestino em plena pandemia, que as produções viralizaram. Com linguagem popular, no quintal de uma casa, com roupas no varal e causos do cotidiano contados com humor e simplicidade, eles ganham o gosto do público.
Além de criar o roteiro e editar os vídeos, Faela Maya (à esquerda) participa de alguns episódios dos vídeos / Reprodução
O elenco é composto por pessoas da família e vizinhos de Faela, que acreditaram no projeto e hoje também já conseguem uma renda a partir das produções. Entre eles estão Ivone Maia, Ivonilce Maia, Yslla Maia, Nineide Alves, Pedro Vitor Alves, Talia Ferreira, Joelma Ferreira, Neymar Ferreira, Maria do Socorro de Lima, Maria Helena de Lima e Letícia Pereira.
Entre os milhares de comentários, destacam-se as recomendações dos vídeos para pessoas em profundo desânimo e depressão, como uma forma de renovar as energias em meio ao isolamento social.
Familiares e vizinhos compõem o elenco que conquistou o público / Reprodução
Com criatividade e compromisso, Faela já construiu o seu próprio espaço no mercado de trabalho, que antes lhe foi negado. Hoje são 302 mil inscritos no canal do Youtube, mais de 380 mil seguidores na página do Facebook e 320 mil seguidores no Instagram.
“Eu me sinto realizada, porque, de certa forma, estou sendo inserida no mercado de trabalho. Foi uma forma criativa, uma forma original que eu encontrei de ter um trabalho, de ter uma renda. Eu estava desempregada, não conseguia nada, porque você sabe que a situação é complicada no Brasil para as pessoas trans, não é? Eu não conseguia de forma alguma arrumar emprego”, encerra.
Eis um território esquizófico como desejo imanente atravessado pela Associação Filosofia Itinerante – AFIN. Um território movimentado por intensidades pulsantes. Eis um território esquizo de saberes encadeados como potências virtuais.
Território da poiésis, onde esquizo navega como conceito grego: divisão. Divisão como multiplicidade Ética/Estética/Política produtora de saberes e dizeres que escapam das armadilhas dos tirânicos conceitos dogmatizados.
Nada de divisão matemática e nem geométrica. Muito menos divisão como conceito esquizo da psiquiatria ortodoxa, que o estigmatizou como divisão psicótica da percepção e do entendimento manifestada em alucinações corporificadas como quadro clínico delirante no conceito normatizador da psicopatologia escrita no discurso da sociedade despótica capitalística.
Este território esquizófico, você, amigo internauta, está convidado a compor afetos que possam aumentar nossas potências de agir navegando com Fernando Pessoa, para quem “navegar é preciso” e o “necessário é criar”. Também com navegantes-poiéticos como Epicuro, Lucrécio, Spinoza, Maquiavel, Nietzsche, Marx, Bergson, Sartre, Foucault, Deleuze, Guattari, Toni Negri, Michael Hardt, Hannah Arendt, Beauvoir, Bárbara Cassin, Artaud, Van Gogh, Godard, Kafka, D.H. Lawrence, Becket, entre outras.
Aqui podemos compor bons encontros, mesmo quando as afecções pareçam más. Aqui tentaremos soltar o devir-louco. A intensidade criativa sofística tão ameaçante ao idealismo platônico com sua ordem ideal. Aqui, você, seja acessando, ou postando seus dizeres, atua como corpus que tece cartografias de desejos. Afinal, o desejo é uma enunciação coletiva produtora de comunalidade. E este Hiper-Corpo-Virtual pode muito bem servir de instrumento para esta produção.
Cartografemos esquizos saberes, pois!
“NÃO É APENAS DESENVOLVER INFORMAÇÕES,MAS EXPRIMIR POTÊNCIA…
Por que ter medo de perder-se no oceanos das informações? Sempre haverá uma informação que acrescente um valor à vida, um excedente que a impedirá de perder-se. Quando se navega na rede, surge não apenas o eterno paradoxo do infinito possível e da limitação do meio, mas uma outra tensão paradoxal: a de trabalhador explorado e do rebelde, do hacker, do sabotador: aqui há vida, irredutível, há astúcia e autovalorização. Desculpem a retórica filosófica: aqui estão Maquiavel e Marx”.