Cartola foi muito mais que um sambista fundador da Estação Primeira Mangueira (fundada em 28 de abril de 1928). Ele foi uma entidade revolucionária dentro do samba, influênciando toda o pessoal da velha guarda tanto aos sambistas mais jovens.
Com quinze anos estava solto no mundo, solta na Mangueira e nos carnavais do morro conseguiu lugar no Bloco dos Arengueiros. Tentou trabalhar numa tipografia, mas era um local muito quieto e ele queria agitação. Começou a trabalhar de pedreiro quando começou a compor e logo a vender composições para ganhar um troco . Sempre elegante usava um chapéu coco para que o cimento não grudasse em sua cabeça e logo recebeu o apelido de Cartola. Com a Mangueira fundada é um membro ativo até quando começou o barulho e desorganização do Carnaval das Escolas de Samba, quando o samba desceu o morro. Nos anos 40 fica conhecido internacionalmente, pois Villa-Lobos faz uma gravação dele junto com Pixinguinha, Donga, Zé da Zilda, João da Bahiana, Jararaca e a Orquestra da Juventude Americana.
Mesmo assim a vida músical é dura e não muito rentável e Cartola continua no trabalho de pedreiro. Um belo dia de 1948 Cartola desaparece da Mangueira sem dizer nada a ninguém. Ele só foi encontrado novamente em 1956, ou 1957 por Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, como um paupérrimo lavador de carros em Ipanema. Doente de meningite Cartola levou quase um ano pra se recuperar. Logo mais conseguiu um emprego em uma repartição pública e conheceu Dona Zica, uma cozinheira de mão cheia com quem casou e abriu o lendário boteco Zicartola, que ficava na Rua da Carioca e foi o espaço de surgimento e produção de muitos novos sambas e sambistas. De aí em diante a vida melhorou um pouco para Cartola e aos 65 anos ele gravou seu primeiro em 1974 um LP pela Disco Marcus Pereira “História das escolas de samba:Mangueira”. Logo surgiram outros solo. Trocando a Pinga pela Cerveja Cartola continuou cantando. Continuou compondo e tocando até sua morte em 1980.
—————-———————-————————————-——–———————–
Meu nome todo é Angenor de Oliveira, e só, não é Agenor, AN. Não tenho culpa se eles botaram errado, meu pai diz que botou Agenor, mas botou um N para atrapalhar e aumentou um bocadinho, ficou por isso mesmo.
Carlos Cachaça é meu amigo, é meu padrinho de crisma, embora ele me tome a bença. É um grande escritor, ele tem músicas maravilhosas, muito bonito. Eu tenho diversas músicas com o Carlos. Eu conheço ele há muitos anos, ele foi nascido em Mangueira. Eu não. Eu fui pra Mangueira com 11 anos. Eu já o encontrei lá ele era vagabundo, jogador bebedor, mas com todas estas bagunças que ele fazia, ele estudou. Estudou muito e aposentou-se como escriturário da estrada de ferro Central do Brasil. Um dia eu passei na casa do Carlos Cachaça, e conheci a cunhada dele, mocinha mas já viúva. Esta mesma Zica que está aí. A gente combinou logo, desde o início, e num instante estava vivendo junto.
Como nasceu a Estação Primeira? È muito simples, uma estação com o nome Mangueira, tinha uma árvore com o nome de mangueira também com umas frutas e umas folhas verdes e aí nasceu a mangueira. Mas não é em todo lugar que a mangueira é como a mangueira da Mangueira, que as mangas são gostosas como as nossas. Um grupo de rapazes, jovens como eu era também. Naquela época eu, Marcelino, falecido Pedro Caymmi, Saturnino que foi o primeiro presidente da Escola e nós formamos a estação Primeira em 1928, não… Nós começamos a pensar na escola Estação Primeira de 27 pra 28 e quando saiu pra 28, já saiu com cores, com nome oficial, tudo preparado… Os Sambas enredo surgiram em 1938 mais ou menos. Era samba de quadra, no tempo que o samba era um samba lento, calmo, bonito, não é que nem agora que é aquela correria, que ninguém agüenta aquela zoada e o samba de hoje tem que ser corrido, tem que cantar correndo. No meu tempo não, era lento…
O primeiro concurso de escolas de samba foi promovido em 1929 ou 1930, na Parça Onze,pele José Spinelli.Ele comprou umas taças numa loça da Praça Onze mesmo, sentou-se como único juiz numa cadeira e assistiu ao desfile das poucas escolas que havia. Ganhou a Mangueira.
Bom os compositores do passado da Mangueira foram Geraldo Pereira, Zé com fome, que era Zé da Zilda, eu modéstia a parte, Carlos Cachaça, Aluízio e era só. Da nova geração tem aqui a Leci, que vocês já conhecem é uma grande compositora, tem Padeirinho, tem o Zagaia também muito bom, tem o menino parceiro da Leci, o Darci, bom compositor, o Darci da Mangueira, Darci do Violão e tem um outro pequeno que fez um samba muito bonito também. É uma turma, sabe como é que é, eu quase não vou lá, eu me aposentei e hoje é difícil ir na Mangueira. Me aposentei com todos os direitos, tenho minha carteira de trabalho, de sócio benemérito, entro e saio a hora que quero. Não volto mais lá pois minha escola de samba agora é eu, meu violão e minha patroa me preocupo com estas coisas, eu o violão, a patroa e minhas músicas. Agora a Mangueira eu torço, mas longe dela, fico do lado de fora torcendo.Não deixo de sentir aquela emoção. Vibro quando o povo sauda a Mangueira. Só que a zoada é muito grande. Foi um tal de colocar surdos, taróis e cuícas que não existe tímpano que agüente. Antigamente era muito mais bonito, o tamborim reinava na bateria. Nos primeiros tempos da Mangueira, a escola era conhecida de longe pelo ruído das sandálias de suas pastoras na avenida, marcando o compasso do samba. Hoje, com o excesso de barulho, isso não é mais possível.
A Zica foi dá uns passeios por aí, a Zica não para. Ela chegou em São Paulo vira mais paulista do que eu. Eu levanto as vezes e procuro a Zica e ela já deixou um bilhete e saiu, foi em Mirim, não sei o que lá, Bairro de Santa Maria.
Meu samba tem um ritmo sincopado, um pouco lento. Não sei explicar exatamente por que, mas minha linha melódica é inconfundível. Como também são as de Zé Keti, Paulinho, Nelson Cavaquinho. Reconheço à primeira vista a música deles. Ainda continua a aprender e acho que, daqui para os cem anos, estou fazendo coisa boa.
Transcrição do programa MPB Especial Cartola e Leci Brandão (1974) e pequenos trechos do fascículo Nova História da Música Popular Brasileira.
Cartola foi figura presente no Morro da Mangueira e no início da escola de samba. “Somente” sainda da Mangueira no fim da vida quando foi morar em Jacarépagua.
Cartola e seu grande companheiro o violão, instrumento em que Cartola poetisou e ritmou nossas músicas, nossos sambas.
Cartola trabalhou com diversas coisas, mas seu maior trabalho é o imaterial em seus sambas.
Cartola em 1976, gravando o segundo LP, em companhia de sua filha Regina
Dona Zica e Cartola no beiral da janela de sua casa em Mangueira, que foi capa do disco de 1976. Juntos até os fins eles foram um casal produtivo e alegre, e criaram o espaço cultural do Zicartola
Festa de aniversário de 33 anos de Hermínio Bello de Carvalho, na Churrascaria Tijucana. Da esquerda para a direita: o jornalista Arley Pereira, Jacob do Bandolim, Cartola (em pé), e Brício de Abreu.