Archive for Maio, 2018

AQUILES RIQUE REIS: SABEDORIA DE MESTRE

Maio 31, 2018

por Aquiles Rique Reis

Com voz prodigiosa, Izza Beatriz é uma menina de 17 anos – aos 28 sua voz permanecerá como é hoje? Ou mudará, como é próprio da natureza humana?

Informações: Coração de Alface (Sete Sóis) é o primeiro CD de Izza. Tem apenas seis músicas, todas parecendo feitas sob medida para sua voz. São melodias com poucas passagens pelas regiões mais agudas, privilegiando regiões médias e, em algumas ocasiões, chegando às mais graves – pois é precisamente nessas regiões, as médias e graves, que Izza brilha, num disco que já despontou maturado.

A direção artística e a pré-mixagem do álbum couberam a Rovilson Pascoal, ele que ainda tocou baixo, guitarra, violões de aço e de 12 cordas, órgão, percussão e lap steel, e dividiu os arranjos com Flávvio Alves.

Incrédulo: caramba! A menina tem o dom de cantar regiamente, e a pouca idade, até agora, não interferiu na emissão e na extensão de sua voz… Só que essa madureza vocal pode ser ilusória, pois a natureza poderá se encarregar de mudar o timbre e o alcance de sua voz. Ainda assim, meu espanto só faz crescer.

Devaneando: perdoem-me os que não conheceram Zé Trindade (1915/1990), um dos nossos maiores comediantes da era das chanchadas. Mas peço licença para usar um de seus famosos bordões safadinhos: “O que é a natureza!”. Pois é, seu Zé, parece que a Izza veio para “desrespeitar” a natureza – não a do seu bordão, mas a humana.

Comentando: o “desrespeito” começa com “Algo Que Valha a Pena” (Daniel Groove), um reggae que o baixo e a guitarra impulsionam à frente. Com intervenções de teclado, viradas da batera e vocalises abertos em vozes, Izza vem que vem. Vixe!

“Coração de Alface” (musicaço de Carlos Careqa) vem a seguir. A intro é do piano e da guitarra, ela que ainda brilha num intermezzo. Graças à sua plenitude vocal, talvez seja nessa música que Izza mais demonstra equilíbrio na emoção, com a qual os versos se agigantam.

“Dos Dois” (Juliano Gauche) trata da pungente separação de um casal. Ela “voando para um novo amor”, ele “esperando pelo mesmo amor”. A intensidade do drama ganha contornos ainda mais dramáticos na voz da garota. A melodia é bela; o arranjo, também.

A tampa fecha com “Primeira Cantiga” (Fred Martins e Manoel Gomes). Izza dobra a voz em uníssono: “Meu silêncio vai embora/ Na espera de me ouvir cantar (…)”. Assim Izza Beatriz se entrega à arte de cantar.

Sonhando: se eu tivesse alguma amizade lá nas lonjuras do céu de todos os credos, solicitaria que não mexessem na voz da moça. Que a deixassem seguir cantando como hoje. Falaria a eles sobre afinação, suingue e divisões rítmicas, virtudes às quais Izza dedica zelo máximo. E direi que ela dignifica o canto que irrompe de sua garganta privilegiada. E, por fim, anotarei que a arte de Izza tem uma poderosa virtude: sabedoria de mestre.

Clamando: que a natureza seja benevolente e permita a Izza Beatriz seguir driblando a natureza e cantando do mesmo jeitinho que canta hoje. A música brasileira agradecerá.

Aquiles Rique Reis, vocalista do MPB4

O ONTEM E O HOJE DA CIDADE NÃO TÃO MARAVILHOSA

Maio 30, 2018

Rio de Eduardo Paes e Marcelo Crivella lembra o de Pereira Passos

Aline Novaes*

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ)

 Cronista João do Rio mostrou mazelas da cidade no início do século passado - Créditos: Reprodução
Cronista João do Rio mostrou mazelas da cidade no início do século passado / Reprodução

Numa sequência de gestão Eduardo Paes e Crivella na prefeitura do Rio de Janeiro, somada à crise do estado, os cariocas não escondem suas preocupações. Aumento de violência, descaso com a saúde pública, desemprego, o crescente número de moradores de rua. Tudo isso está, paradoxalmente, presente na Cidade Maravilhosa. A cidade dona desse título, na verdade, sempre se revelou partida, como informou o jornalista Zuenir Ventura em seu livro de 1994. 

A bem da verdade, suas mazelas sempre estiveram presentes, até mesmo quando a cidade se encontrava no período denominado belle époque, outro paradoxo. A “beleza” da época foi apenas para alguns, como ocorreu recentemente nas reformas urbanas orquestradas por Eduardo Paes sob a justificativa dos eventos olímpicos. 

Na belle époque, quem estava à frente era o então prefeito Pereira Passos. De um lado, um Rio que queria ser Paris: alargamento de ruas, saneamento urbano, embelezamento de praças, construção do Teatro Municipal e da Avenida Central (atual Av. Rio Branco), entre outros projetos de urbanização e modernização. No entanto, para isso, foram demolidos prédios e casas. Na construção da Avenida Central, por exemplo, foram demolidos 550 prédios. Dados do Censo Demográfico de 1906 do Rio de Janeiro revelam que no Distrito de São José, onde foi construída a Avenida Central, o número de habitantes por prédio era de 24,2 pessoas. Isso significa que, aproximadamente, 13 mil pessoas foram desalojadas, ou seja, 6% da população da cidade. Ao aplicar esse índice sobre o total da população atual do Rio de Janeiro, chega-se a 388 mil pessoas. Para se ter ideia da dimensão do bota-abaixo, é como se toda população dos bairros do Flamengo, Botafogo, Leme, Copacabana, Ipanema e Leblon fosse desalojada.

Assim, grande parte dos moradores dessas regiões foi viver nos subúrbios e outra passou a habitar os morros do centro da cidade, os quais eram até então pouco ocupados. O que existiu foi uma reforma excludente, um aburguesamento em detrimento das camadas populares. A população de baixa renda ficou, então, fadada a viver sem as benesses oferecidas pelas renovações urbanas. 

Essas contradições da modernização do Rio de Janeiro ficaram eternizadas nos textos do cronista João do Rio, publicados na “Gazeta de Notícias”. Está aí uma das importâncias do papel do jornalista e da imprensa: ser a escrita de um tempo, como bem nos fala a historiadora Margarida de Souza Neves. No caso do jornalista, que também se revelou escritor, a relação com a cidade estava marcada no seu próprio nome. Paulo Barreto se tornou João do Rio. Em seus textos do início do século XX, nos deparamos com os problemas que permanecem até os dias atuais: excesso de benefícios para a classe política brasileira; corrupção; má gestão pública que, segundo o jornalista, é peça fundamental para atrasar o crescimento de um estado e a qualidade de vida dos que nele vivem; diferenças entre a Zona Norte e a Zona Sul; enchentes em dias de chuva; precárias condições de trabalho; exploração de mão de obra; falta de acesso à saúde pública. Depois de mais de um século, percebemos que não faltam problemas. O que está faltando, honestamente, é um projeto que rompa com a política de manutenção de privilégios e governe para toda a população. Em ano de eleição, não custa olhar para o passado a fim de tentar compreender o presente. 

* Aline Novaes é professora titular do IBMEC-RJ. Doutora em Literatura, Cultura e Contemporaneidade e mestre em Comunicação Social, desenvolveu pesquisa de Pós-Doutorado na PUC-Rio. É autora do livro “João do Rio e seus cinematographos: o hibridismo da crônica na narrativa da belle époque carioca” (Mauad X/Faperj, 2015), indicado ao Prêmio Rio de Literatura, e co-organizadora de “Rio Circular: a cidade em pauta” (Autografia, 2016).

Edição: Eduardo Miranda

ARTISTAS BRASILEIROS GRAVAM VIDEOCLIPE EM DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS

Maio 29, 2018
CANÇÃO-PROTESTO
Lançada pela Anistia Internacional, canção “Manifestação” conta com a participação de mais de 30 artistas, como Chico Buarque, Criolo, Ellen Oléria e Fernanda Montenegro
por Redação RBA.
REPRODUÇÃO/YOUTUBECriolo

Ao lado do rapper Criolo, dezenas de artistas denunciam as violações de direitos humanos no Brasil

São Paulo – Para comemorar os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e 57 anos da fundação da Anistia Internacional, mais de 30 artistas brasileiros gravaram o videoclipe Manifestação. A letra da música, composta por Carlos Rennó, aborda as violações de direitos humanos frequentes no Brasil e conclama a sociedade a se mobilizar.

Com música de Russo Passapusso, Rincon Sapiência e Xuxa Levy, participam do videoclipe os artistas Criolo, Péricles, Rael, Rico Dalasam, Paulo Miklos, As Bahias e a Cozinha Mineira, Luedji Luna, Siba, Xênia França, Ellen Oléria, BNegão, Filipe Catto, Chico César, Paulinho Moska, Pretinho da Serrinha, Pedro Luís, Marcelino Freire, Ana Cañas, Marcelo Jeneci, Márcia Castro, Larissa Luz, Ludmilla e Chico Buarque. A gravação também tem a participação das atrizes Camila Pitanga, Fernanda Montenegro, Letícia Sabatella e Roberta Estrela D’Alva.

“O lançamento deste clipe é um marco para lembrarmos que, mesmo após 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a mobilização para que nossos direitos sejam garantidos continua sendo crucial. A letra da música descreve graves violações de direitos humanos, como a violência que sofrem as populações negras, indígena, quilombola, LGBTI, bem como refugiados, mulheres e pessoas que vivem em favelas e periferias. No país que tem o maior número de pessoas assassinadas por ano, a canção-protesto transmite a força e ânimo que tanto precisamos para continuar lutando”, afirma Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional.

“Através das 32 vozes que a gravaram, a canção busca dar voz aos silenciados, invisibilizados, excluídos, discriminados, às vítimas de preconceito, racismo e intolerância, aos violentados brasileiros citados à exaustão em Manifestação”, diz Carlos Rennó.

Assista ao videoclipe:

CIGARROS E NIILISMO GNÓSTICO NO FILME “LUCKY”

Maio 29, 2018

por Wilson Ferreira

Um homem solitário e ranzinza confronta a chegada da morte. Com quase 90 anos, ele segue uma rotina espartana: faz alguns exercícios de ioga pela manhã, depois pega o chapéu e caminha através de uma paisagem árida de cactos numa cidadezinha no meio do nada. Trava conversas aleatórias sobre religião, filosofia, moral, game shows da TV, saúde e a morte numa cafeteria e num bar. Enquanto fuma muitos, muito cigarros. E entre seus interlocutores está o famoso diretor David Lynch, que faz um homem que tem uma tartaruga chamada “Presidente Roosevelt”. Esse é o filme “Lucky” (2017) sobre um protagonista ateu que entra na lista de produções sobre personagens excêntricos de uma América profunda. Mas Lucky tem um ateísmo de natureza muito especial – é dotado de um niilismo gnóstico. Ele não crê num propósito ou sentido para a vida. Pelo menos, não para esse mundo.

Paulie: A amizade é essencial para a alma”

Lucky: Isso não existe!

Paulie: Amizade?

Lucky (gritando): A alma!

Conecte essa linha de diálogo com essa do filme Clube da Luta (1999): “É apenas depois de perder tudo que somos livres”. Então, compreenderemos o ateísmo militante do protagonista chamado Lucky. Todo ateísmo é niilista. E todo niilismo é gnóstico. A busca por sentido é paralisante para a liberdade e a felicidade. Deus, alma, etc. não existem… pelo menos não nesse mundo.

O filme Lucky (2017) inicia com imagens de um deserto no oeste americano. Vemos uma tartaruga caminhando entre pedras, poeira e cactos. E depois, a versão humana desta tartaruga: Lucky, interpretado por Harry Dan Stanton, na época com 89 anos e que morreria poucas semanas antes do lançamento comercial desta produção.

Ao longo dos 88 minutos do filme, passamos em companhia do protagonista, seguindo sua rotina espartana. A única coisa que dá sentido à sua vida: acordar, fazer alguns exercícios de ioga, pegar o seu chapéu e sair caminhando pela cidadezinha no deserto, parar na cafeteria local e conversar com o cozinheiro, a garçonete e seu amigo Howard (interpretado de forma magistral pelo diretor David Lynch). 

E voltar para casa fumando muitos, muitos cigarros. E fazer palavras-cruzadas enquanto assiste aos game shows da TV. Um volumoso dicionário aberto repousa num púlpito no meio da sala, ao qual Lucky recorre esporadicamente para encontrar sinônimos. Ou ligar para um amigo em um telefone vermelho, a qualquer momento, em busca de soluções para as palavras-cruzadas.

Um tipo especial de ateísmo

Lucky é um filme que aparentemente nada acontece. Mas muito coisa está acontecendo. É um filme sobre morte e amizade. E também, rotina e realismo. Para o protagonista, a vida nada mais é do que a rotina que traçamos para nós mesmos e as amizades que são como pontos de paradas nesse percurso. E nada mais, apenas à espera da morte que, para Lucky, é apenas o mergulho para o vazio, o nada.

O ateísmo de Lucky não significa que ele creia no nada. Isso já é acreditar em alguma coisa. Em meio a muitos cigarros (que adquire um simbolismo todo especial na narrativa), Lucky faz um elogio ao niilismo como a única força que nos proporciona a liberdade – quando a vida deixa de possuir algum desígnio, propósito ou sentido, é quando nos sentimos mais livres.

O niilismo gnóstico da narrativa do filme guarda um segredo: por acreditar que nesse mundo nada há no que acreditar, resta o que nós mesmos fazemos, nossos gestos, a rotina, o “realismo”. Lucky gosta dessa palavra e vai procurar o significado no volumoso dicionário: “atitude ou prática de aceitar uma situação como ela é e estar preparado para agir de acordo com ela”.

Pensadores como Erich Fromm ou Sartre refletiram sobre esse medo humano da liberdade: crer que só existe apenas nós nesse mundo amedronta. E por isso criamos propósitos e desígnios metafísicos que nos aprisionam a instituições, sistemas ideológicos e políticos. Sim, o sentido existe, mas não nesse mundo. Esse é o impulso secreto que faz Lucky andar para frente no deserto.

 

O Filme

A narrativa de Lucky é uma sucessão de conversas aleatórias sobre filosofia, religião, moral, games shows, saúde, morte e… cigarros. Conversas em tons às vezes de franqueza, brincadeira ou seriedade.

O protagonista chama-se “Lucky” (“sortudo”), um veterano da marinha da Segunda Guerra Mundial. Ele é um velho excêntrico, também cercado de outros excêntricos habitantes de uma pequena cidade no meio do nada.

Howard, interpretado pelo famoso diretor David Lynch, é um dos seus amigos. Um homem preocupado com a sua tartaruga (chamada “Presidente Roosevelt”) que desapareceu. E em torno do pequeno cágado, Howard tece impagáveis reflexões metafísicas sobre a amizade humana com animais e em como um animal de estimação pode mudar uma vida. “Ele viveu mais do que minhas duas esposas”, lamenta.

Lucky é irritadiço, um ateu ao longo da vida, que prefere assistir programas de jogos a ter uma conversa fiada. Então, um dia, ele cai em sua casa – simplesmente desmaia diante da cafeteira. Vai para um médico que não acredita nos resultados dos exames: uma saúde ótima e pulmões limpos, apesar de Lucky ser um fumante inveterado: “só pode algum tipo de anomalia científica! Uma combinação de herança genética com o filho da puta difícil que és…”, diz espantado o médico.

 

Além de conversas fiadas, Lucky tem desprezo por advogados (principalmente aquele que pretende fazer o testamento de Howard deixando tudo para a tartaruga Presidente Roosevelt), pela propriedade privada (“uma falácia”, diz) e por regras. Principalmente a de “proibido fumar” no bar e na cafeteria. Para ele, “minha casa, minhas regras” é uma besteira. Lucky parece ter sempre uma atitude desafiadora em relação à morte, à saúde e às instituições.

FILME RESGATA A POLÊMICA E TRANSGRESSORA VIDA DE TARSO DE CASTRO

Maio 28, 2018
CINEMA
Documentário de Leo Garcia e Zeca Brito revela várias facetas de um dos idealizadores do ‘Pasquim’: a paixão pelo jornalismo e pela boemia, a solidariedade com os amigos e os embates com os inimigos
por Xandra Stefanel.
FOTOS: DIVULGAÇÃO

Tarso

‘Tarso foi um personagem fascinante, muito complexo. E nunca foi tão urgente falar sobre jornalismo como hoje’

Abusado, despojado, cara-de-pau, curioso, mulherengo, solidário, engraçado, sedutor, ácido, politicamente incorreto, ético, boêmio, comprometido com a luta por um país mais justo, sério, mal-caráter, encantador. Difícil acreditar que esses adjetivos todos tenham sido apontados a uma só pessoa. Mas quando se trata do jornalista Tarso de Castro, as definições extrapolam qualquer limite lógico porque ele era tudo isso e nada disso ao mesmo tempo. Porém, duas caracteríticas sobrepõem essa dualidade toda: intenso e interessante, assim era Tarso de Castro, o criador de jornais como Pasquim, Enfim,AfinalCaretas e do caderno Folhetim.

Um personagem tão rico na história da imprensa brasileira e do país como um todo não poderia ser retratado de maneira careta e burocrática. O longa-metragem A Vida Extra-Ordinária de Tarso de Castro, que estreou esta semana em várias cidades, faz jus ao personagem tanto na forma quanto no conteúdo. Ao contar a história do ícone que morreu de cirrose hepática aos 49 anos de idade, em 1991, o filme dirigido por Leo Garcia e Zeca Brito acaba revelando toda a efervecência do Brasil entre as décadas de 1960 e 1980. Também apresenta ao público uma geração de intelectuais que resistiu à ditadura militar e promoveu uma verdadeira revolução nos costumes e na cultura do país.

Entre os entrevistados estão o cartunista Jaguar, o jornalista Sérgio Cabral, Paulo Caruso, Eric Nepomuceno, Nelson Motta, Roberto D’Ávila, Paulo César Pereio, Caetano Veloso, o ator Antônio Pedro, a ex-mulher de Tarso Bárbara Oppenheimer, o filho João Vicente de Castro, a mãe de João, Gilda Midani, Luiz Carlos Ferreira Maciel e Tom Cardoso, colaborador da Rede Brasil Atual e autor do livro Tarso de Castro – 75 kg de Músculos e Fúria.

As entrevistas foram feitas em bares – ambiente primeiro do personagem central –, em reuniões entre amigos ou então por celular, uma brincadeira dos diretores em referência ao fato de que Tarso vivia ao telefone. Quando não estava em busca de informações para reportagens, o galã usava o aparelho para marcar seus encontros amorosos. Uma das primeiras cenas, inclusive, traz Jarguar na linha tentando convencer o Ziraldo a conceder entrevista para o documentário.

Assim como Millôr e Paulo Francis, o cartunista criador de O Menino Maluquinho acabou se tornando um dos desafetos de Tarso. Sua personalidade difícil e controversa fez com que colecionasse inimizades e que fosse praticamente “apagado” da história do Pasquim. “O Tarso foi um personagem fascinante e muito complexo. E nunca foi tão urgente falar e discutir sobre jornalismo como hoje. Muita gente se esforçou para tentar apagar o Tarso da história (e isso é abordado no nosso filme), então espero que ele seja redescoberto, principalmente por parte das novas gerações. Tentamos fazer jus ao nosso personagem, realizando um documentário que aborda temas sérios, mas de uma maneira bem despojada e engraçada – no melhor estilo Tarso de Castro”, afirma o diretor e roteirista Leo Garcia.

Grande parte da leveza do filme vem de como as entrevistas e imagens de arquivo foram costuradas com cenas de filmes icônicos da época mais produtiva de Tarso. Além de situar o espectador no tempo e apresentar toda a efervescência da época, as cenas garimpadas em filmes como Todas as Mulheres do Mundo, de Domingos de Oliveira, pontuam características importantes do jornalista. A trilha sonora composta por Detalhes, de Roberto Carlos, Meu Caro Amigo Cálice, de Chico BuarqueProibido Proibir, de Caetano Veloso, dão o tom do longa.

João Vicente e o pai, Tarso de Castro

Dualidade

“O Tarso foi demitido do jornal que era dele porque o Brasil não é um hospício qualquer. Eu abracei a tese do Luiz Carlos Maciel de que havia uma coisa meio stalinista no sentido de apagar o Tarso da foto do Pasquim. O que de certa forma vingou. Se você perguntar hoje “E o Pasquim?”, “Ah, o jornal do Millôr, do Jaguar, do Ziraldo, do Francis e tal?”, ninguém cita o Tarso. Isso é uma injustiça histórica porque quem inventou aquilo daquele jeito foi o Tarso”, declara no filme o finado jornalista Celso de Castro Barbosa.

Mas não há apenas desafetos no documentário. “Se tem uma pessoa que a gente conheceu [que era] brilhante, sagaz, atrevida, que conseguiu proezas inacreditáveis na nossa profissão foi o Tarso. Nós temos de tirar o chapéu pra ele. Na hora que ele faz Pasquim, Enfim, Afinal, Folhetim, isso é um currículo invejável que poucos jornalistas podem bater no peito e dizer ‘eu fiz’”, afirma José Trajano em uma mesa de restaurante acompanhado de Pereio e Palmério Dória.

Eric Nepomuceno também resgata o compromisso que o colega de redação tinha com a informação: “O Tarso era um camarada muito antenado com tudo, extremamente informado, mas informado em todos os níveis: no nível do poder e no nível da esquina. Ele se informava de tudo quanto era lado. Aquilo era um mata-borrão que chupava informação de tudo quanto é lado. Era sobretudo muito dinâmico, sem medo, era um jornalista ousado, como deveriam ser todos os jornalistas (…) Ele tinha uma grande visão do ofício porque nós éramos/somos – os que sobrevivemos – de um tempo em que o jornalismo não era profissão, não era burocracia, era ofício. O melhor ofício do mundo”, afirma o autor e tradutor.

O filme tampouco tem a intenção de endeusar o criador do Pasquim. Mesmo os amigos discutem a dualidade ética de Tarso. É o caso de Sérgio Cabral (pai) e a jornalista Lilian Pacce. “Eu acho que o Tarso talvez transcendesse a ética em alguns momentos. Ele era muito ético ao mesmo tempo. Ele tinha uma moral, talvez, dele. Tinha umas coisas com as quais ele era muito rigoroso, ‘isso pode, isso não pode’; em outras, ele era muito louco. Ele podia conviver com um rei e com um mendigo da rua e, nesse sentido, ele era sensacional porque ele tratava todo mundo igual, não tinha nenhum preconceito por nada”, declara Pacce, que foi assistente do jornalista no suplemento Folhetim e hoje é uma referência na área da moda.

Nepomuceno segue a mesma linha: “Todo mundo vai te dizer que ele era um devasso, um pândego, um irresponsável. Ele era tudo isso também, mas ele não era isso. Ele era isso também”. Frente à tanta contradição relatada em um um só personagem, o filme acerta ao abraçar com irreverência e bom humor a complexidade desta que é uma das figuras mais importantes do jornalismo brasileiro.

As mulheres que passaram pela sua vida lembram dele com carinho, apesar de também apontarem as características negativas do amante. Depois de contar sobre a intensa paixão que viveram juntos, Laila Alves de Andrade lembra o quanto também era difícil manter uma relação saudável. “Bom de cama, muito bom de cama. Queria comer todas as minhas amigas. Algumas foram solidárias e não [cederam]… Poucas. Ele era muito persistente. (…) Paixão foi, acho que amor você constrói e ele não permitia construir uma coisa mais [sólida]. Ele se negava justamente por ser um homem do mundo. Ele era um homem do mundo, de todas. Todas as Mulheres do Mundo deve ter sido inspirado nele”, ri Laila, e continua: “O comilão de um modo geral é um machista, né? Eu acho. O homem que não pode passar uma perto tem de se provar o tempo todo, talvez”.

Diante de tanta dualidade, ao final, a esperança acaba se sobrepondo. O encontro entre o jornalista Roberto D’Ávila e João Vicente, filho de Tarso, encerra o longa-metragem relembrando qual era a principal luta do perfilado. “Por um mundo melhor, mais humano, onde as pessoas se respeitassem mais… O Tarso era um socialista na alma dele. Adorava o poder, gostava de viver bem à beça. É uma contradição? Não é uma contradição? Não sei. Mas ele gostaria de um mundo mais justo. Ele sofreu muito com as mudanças, principalmente depois de 1964. Ele acreditava em um mundo diferente”, declara D’Ávila à João, que é um dos criadores do canal Porta dos Fundos que, assim como o Pasquim,usa o bom humor para tratar de assuntos importantes para sociedade.

Apesar de retratar alguém que morreu há quase duas décadas, A Vida Extra-Ordinária de Tarso de Castro é de uma atualidade sem igual, pois refelete sobre o papel da mídia, a importância da liberdade de expressão, do respeito ao diferente e da transgressão dos ditos “bons costumes”. Um filme necessário e inteligente, assim como Tarso de Castro.

CartazA Vida Extra-Ordinária de Tarso de Castro
Roteiro e direção: Leo Garcia e Zeca Brito
Produção executiva: Letícia Friedrich e Mariana Mêmis Müller
Som direto: Fernando Basso
Desenho de som e mixagem: Tiago Bello
Direção de fotografia: Bruno Polidoro
Pesquisa: Alice Spitz e Sylvio Siffert
Montagem: Jardel Machado Hermes
Produção: Leo Garcia, Letícia Friedrich, Lourenço Sant’Anna, Mariana Mêmis Muller e Zeca Brito
Produção musical: Rita Zart
Trilha sonora original: Tiago Abrahão
Empresas produtoras: Anti Filmes, Boulevard Filmes, Coelho Voador, Epifania Filmes e Canal Brasil
Distribuição: Boulevard Filmes 

CARTA CAPITAL: MOSTRA EM SÃO PAULO CELEBRA O CENTENÁRIO DE ANTÔNIO CÂNDIDO

Maio 27, 2018

Por Jotabê Medeiros

É a primeira imersão no acervo construído desde a infância pelo professor e ensaísta. Por conta do tamanho da coleção, quase tudo em exposição é inédito, diz Guilherme Maranhão.

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Da cultura caipira à sistemática da literatura brasileira, sua obra é fundacional

Na seleta lista, estão Alcântara Machado, Augusto dos Anjos, Rimbaud, Carlos Drummond, Kafka, Ezra Pound, Diderot, Heródoto, Balzac, João Cabral, Oscar Wilde, Oswald de Andrade, Queneau, Verlaine e Shakespeare.

Para um homem que dedicou a vida à seleção e ao rigor, a lista em si transforma-se em um farol para literatos e leitores. O registro dessa biblioteca essencial está na primeira curva da Ocupação Antonio Candido, mostra que o Itaú Cultural abriu as portas nesta semana, na quarta-feira 23 em sua sede, na Avenida Paulista, celebrando o centenário de nascimento do crítico.

É a primeira imersão no acervo constituído desde os 10 anos de idade pelo professor e ensaísta, e que hoje se encontra sob a guarda do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da Universidade de São Paulo.

Por conta do tamanho do acervo, quase tudo que está na exposição é inédito: fotos, manuscritos (como o caderno O Revolucionário), cartas, discos de vinil e objetos de design. O visitante não terá sugestão de percurso na exposição, mas no início já se depara com um clássico do professor Candido, Parceiros do Rio Bonito.

O livro foi o resultado da tese de doutoramento do autor em ciências sociais, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, defendida em 1954 (a primeira edição saiu em 1964). O tema é o caipira e seus hábitos sociais, como festas, música, alimentação e moradia.

Uma playlist com duplas de cantadores caipiras cantando o cururu acompanha o visitante pela mostra: Nhô Serra, Pedro Chiquito, Narciso Correia e Zico Moreira, Parafuso e Horácio Netto. São canções selecionadas pela designer e editora Laura Escorel, neta do autor, entre os 800 discos de vinil da coleção do mestre.

A Ocupação Antonio Candido tem inspiração em um ensaio do professor, O Direito à Literatura, texto de 1988 feito sob encomenda para a Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo. “A literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e combate, fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas. Por isso é indispensável tanto a literatura sancionada quanto a literatura proscrita; a que os poderes sugerem e a que nasce dos movimentos de negação do estado de coisas”, escreveu o professor.

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Com a mulher, Gilda de Mello e Souza, constituiu uma fecunda troca intelectual e dividiu o ofício de preparar intelectualmente as novas gerações

Esse O Direito à Literatura não é apenas o suporte de toda a mostra (haverá lâminas de tecidos expostas com trechos do artigo ao longo da ocupação), mas também do simpósio paralelo que ela abriga, que reunirá autores como o uruguaio Pablo Rocca, a checa Sárka Grauová e os brasileiros Walnice Nogueira Galvão, Luiz Rufatto, Antonio Prata e José Miguel Wisnik, entre outros.

Um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, Candido terá uma seção destinada à sua militância política. A consistência do pensamento e das preocupações sociais de Antonio Candido, diz Claudiney Ferreira, gerente do Núcleo de Audiovisual e Literatura do Itaú Cultural, são um importante reforço ao debate atual, “num momento em que a arte passa por um processo de criminalização”.

Antonio Candido, pondera Ferreira, viu a literatura como ferramenta de emancipação, e sua atitude sempre se sobrepôs às tendências mais egoísticas da sociedade moderna. Por exemplo, cultivava a autocrítica com rigor. Voltava, anos depois, aos próprios textos críticos e os revisava com rigor. “Como fui escrever uma coisa dessas?” ou “Onde eu estava com a cabeça?” eram frases frequentes do ensaísta. 

Por isso, uma das seções da exposição tem justamente esse nome: Autocrítica. Apresenta cinco artigos publicados nos rodapés dos jornais Folha da Manhã e Diário de São Paulo, durante a década de 1940, e revistos pelo crítico posteriormente. Destacam-se Perto do Coração Selvagem, sobre a estreia de Clarice Lispector; Sagarana, o primeiro livro de João Guimarães Rosa; e Poesia ao Norte, que trata de Pedra do Sono, coletânea de poemas de João Cabral de Melo Neto. Antonio Candido enxergou primeiro o futuro da literatura brasileira.Claudiney Ferreira acredita que o acervo de Antonio Candido e sua mulher, Gilda de Mello e Souza, leve muitas décadas ainda sendo estudado e catalogado. Formado por um conjunto de, aproximadamente, 5 mil fotografias, 45 mil itens de acervo textual e uma quantidade ainda não contabilizada de itens museológicos, o material examina o próprio desenvolvimento da literatura.

Quanto às pistas biográficas sobre os métodos e o processo de Antonio Candido, há diversas frentes de elucidação. Há até vídeos de dois de seus mais constantes interlocutores: a empregada doméstica Maria, e Moacir, um chofer de táxi que o levava e trazia da USP, dando depoimentos sobre o professor.

A chave do trabalho de Candido, avaliam os especialistas, está em sua tendência a anotar exaustivamente e a fazer diagramas e gráficos (como o que acompanha a Dialética da Malandragem).

Também é destaque na exposição a obra fundamental do autor, Formação da Literatura Brasileira, escrita entre 1945 e 1951 e editada em 1959, em dois volumes. Em 2007, o livro foi reeditado pela editora Ouro Sobre Azul em um único volume.

As publicações Clima e Argumento formam outro núcleo. A revista Clima, que circulou de 1941 a 1944, foi idealizada por Alfredo de Mesquita, e os articulistas eram, além de Antonio Candido, Décio Almeida Prado (teatro), Paulo Emílio Salles Gomes (cinema), Lourival Gomes Machado (artes plásticas) e Antonio Branco Lefèvre (música). Gilda de Mello e Souza foi colaboradora.

O mesmo grupo trabalhou na edição da revista Argumento, publicada nos anos 1973 e 1974, até o número 4. Censurados pelo regime militar, decidiram interromper a publicação.

Já a parte reservada ao lendário Suplemento Literário, projeto elaborado por Antonio Candido para o jornal O Estado de S. Paulo, editado entre 1956 e 1974, terá uma preciosidade: o projeto original do professor Candido, que continha indicações do conteúdo a ser tratado e da lista de colaboradores necessários com sua respectiva remuneração.

O objeto mais antigo é um caderno de infância com anotações feitas por Antonio Candido menino, aos 10 anos de idade. Ele não foi à escola inicialmente, tendo como professora a própria mãe, Clarisse. Ela ensinou-o a tratar com critério, e fazer anotações sobre todos os autores que tratava, método que levou adiante por toda a vida.

Também há fotos com os irmãos Roberto e Miguel, e com os pais Clarisse e Aristides, além de imagens do ambiente que fez parte de sua infância, as cidades de Poços de Caldas e Santa Rita de Cássia, ambas em Minas Gerais.

Candido lecionou literatura na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Assis do Instituto Isolado de Ensino Superior do Governo do Estado de São Paulo (atualmente integrado à Unesp), entre os anos 1958 e 1960. Em seguida, tornou-se professor de Teoria Literária da Universidade de São Paulo. Em 1978, ele se aposentou, seguindo na orientação de teses e dissertações até 1992.

Na exposição, também estarão presentes roteiros de leitura, planos de aula e fotografias do período em que lecionou. 

MOSTRA DE CINEMA AFRICANO DEBATE A INVISIBILIDADE DAS PRODUÇÕES AUDIOVISUAIS

Maio 26, 2018

As realizadoras afirmam que o cinema Africano tem o mesmo problema do cinema brasileiro independente.

Rani de Mendonça

Brasil de Fato | Recife (PE)

O propósito do Baobácine é de se tornar permanente entre os festivais que já existem na cidade pernambucana anualmente - Créditos: Divulgação
O propósito do Baobácine é de se tornar permanente entre os festivais que já existem na cidade pernambucana anualmente / Divulgação

Acontece de 23 a 26 de maio, no Recife, o Baobácine, uma mostra de filmes africanos que promete entrar no calendário anual de festivais de cinema recifenses, como forma de minimizar este desequilíbrio.

O cinema chegou no continente africano junto à colonização do século XIX. Logo quando é inventada, na Europa, as projeções já chegam no continente africano, como uma ferramenta dos colonizadores europeus. Até meados do século XX os filmes eram feitos para construir uma imagem do que os europeus acreditavam que era a África, com estereótipos negativos, bem próximos à selvageria. Isso desenhava uma incapacidade intelectual e de civilização, para mostrar à Europa essa imagem, desse continente, que precisava da presença europeia para legitimar e levar a civilização, a ordem e o desenvolvimento. 

Foi somente depois de quase 60 anos, com o movimento de descolonização, que os africanos começaram a produzir seus filmes. “O primeiro filme feito nesse contexto é um filme que está no segundo dia do Baobácine, considerado os pioneiros, que é o ‘África sobre o Sena’, de Mamadou Sarr e Paulin Vieyra. É a história de um grupo de estudantes de cinema do Senegal, que estão em Paris, e fazem um filme sobre os estudantes africanos na Europa. É o marco”, conta Janaína Oliveira, coordenadora do Núcleo de Estudos Afrobrasileiros e Indígenas (NEABI), do Fórum Itinerante de Cinema Negro (FINE) e curadora da Mostra.

 Atualmente, fica na Nigéria a terceira maior indústria de produção de cinema do mundo, conhecida como Nollywood, ficando atrás apenas de Hollywood, nos Estados Unidos e Bollywood, na Índia. Janaína ressalta que a continuada “invisibilidade dessas produções africanas tem a ver com o fato do cinema ser uma arte historicamente hegemônica, do ocidente, que mesmo sendo criado na Europa, foi nos Estados Unidos, em Hollywood, que se consolida e estabelece modelos narrativos, técnicos e sistemáticos”, diz. 

Para tentar equacionar um pouco mais essa falta de acesso aos filmes Africanos, as mulheres que compõem o Cineclube Fazendo Milagres, tiveram a ideia da Amostra de cinema africano, Baobácine, que traz para Recife filmes pioneiros e contemporâneos de toda África.  “Embora no âmbito de pesquisa já se tem um certo interesse por ele, mas para o grande público que ainda não conhece os filmes. Uma coisa é você trabalhar com filmes neste perfil em atividades mais pontuais, como a própria sessão de cineclube ou um debate que você promove, mas, levar esses filmes para um cinema onde qualquer pessoa pode ir assisti-los é um outro tipo de iniciativa. A ideia é tentar oportunizar que esses filmes sejam acessados por um maior número de pessoas”, conta Ludimilla Carvalho, produtora-executiva da amostra.

A circulação dos filmes produzidos em Nollywood, por exemplo, acontece por VOD, que é o filme sob demanda (maioria no YouTube), que podem também ser comprados na internet. Mas, vão pouco para as salas comerciais de cinema e outros têm sua vida restrita aos festivais e mostras.   

O propósito do Baobácine é de se tornar permanente entre os festivais que já existem na cidade pernambucana, anualmente, principalmente pela necessidade de fomento, tanto quanto os filmes brasileiros. “A dificuldade do cinema africano é como a dificuldade que o cinema independente tem de estar restrito aos circuitos de festivais ou espaços alternativos de exibição, mas, conseguir chegar ao grande público mesmo, esse é o grande desafio do cinema africano, como também do cinema brasileiro independente”, ressalta. 

Edição: Monyse Ravenna

FESTIVAL LITERÁRIO LANÇA WEB-DOC SOBRE SHOW DO RAPPER DEXTER PARA PRESIDIÁRIOS EM MG

Maio 25, 2018

VIVÊNCIA

Músico visitou presídio em Poços de Caldas e falou sobre sua experiência de vida

Redação

Brasil de Fato | São Paulo (SP)

O rapper Dexter fundou o grupo de hip-hop 509-E quando esteve preso no Carandiru  - Créditos: Bruno Alves
O rapper Dexter fundou o grupo de hip-hop 509-E quando esteve preso no Carandiru / Bruno Alves

Com cerca de 150 detentos, entre homens e mulheres, o presídio misto de Poços de Caldas (MG) tem capacidade para 80 internos. No começo do mês passado, a rotina da unidade prisional foi quebrada com a visita e o show do rapper Dexter, como parte da programação do Flipoços, tradicional festival internacional literário que acontece no município mineiro.

Nesta sexta-feira (25), a organização do Flipoços lançou um web-documentário com o registro do encontro  emocionante entre o rapper paulista e os detentos. Dexter foi um dos fundadores do grupo 509-E e cumpriu pena por 13 anos no complexo do Carandiru, em São Paulo.

 “Eu sempre fui um sério candidato a morrer cedo, pela mão do crime, da polícia, né? O sistema planejou isso para mim. O hip-hop me deu uma outra história e poder ter estado no presídio no Flipoços é de uma importância muito grande. É imensurável, inclusive, o valor, porque eu já fui um deles, né?”, disse o rapper  Dexter sobre a visita.

A iniciativa foi parte do Circuito Pegada Literária, ação do Flipoços em parceria com o Presídio de Poços de Caldas que tem como objetivo promover o acesso à literatura de diferentes formas. A visita também foi ao encontro do projeto “Como Vai seu Mundo” que o rapper desenvolve desde que está liberdade e visita jovens na Fundação Casa em São Paulo e detentos de presídios de várias cidades.

Confira o web-doc  clicando aqui.

Para a diretora adjunta do presídio, Monique Xavier, a visita do rapper foi importante para a unidade, pois favoreceu às pessoas presas estímulos positivos, a fim de gerar crescimento pessoal.

“Os presídios geralmente são lugares opressivos e que roubam a individualidade da pessoa, são lugares nos quais há um aumento significativo de estímulos aversivos, que geram sentimentos e comportamentos que não são funcionais. A presença do Dexter despertou no presídio de Poços de Caldas um cenário que eu, mesmo após anos atuando neste lugar, nunca havia testemunhado: eles tiveram contato com uma pessoa que possui valores culturais semelhantes aos deles, que viveu experiências negativas semelhantes as que vivem no dia de hoje e principalmente superou todas as adversidades, sendo no momento atual uma referência positiva no quesito superação”, disse.

Edição: Juca Guimarães

CINEASTA PREPARA DOCUMENTÁRIO SOBRE A GREVE DOS METALÚRGICOS DE CONTAGEM

Maio 25, 2018
Wallace Oliveira

Belo Horizonte

"O saldo principal da greve é a pavimentação de um caminho de resistência e construção de poder popular", afirma - Créditos: Reprodução
“O saldo principal da greve é a pavimentação de um caminho de resistência e construção de poder popular”, afirma / Reprodução

O cineasta e escritor argentino Carlos Pronzato ficou conhecido por seus documentários sobre a resistência popular na América Latina. São dele os filmes “1917, a greve geral”, “Revolta do Buzu” e o premiado “Madres de Plaza de Mayo, Memoria, Verdad, Justicia”, entre inúmeros outros.  Agora, ele trabalha para resgatar a luta dos metalúrgicos de Contagem em abril de 1968, naquela que ficou conhecida como a primeira grande greve após o golpe militar. Em entrevista ao Brasil de Fato MG, Carlos afirma que aquela campanha marcou as lutas posteriores e contribuiu para a construção de um caminho que levaria, dez anos depois, à derrubada do regime militar pelos trabalhadores. O filme é uma produção independente e está levantando recursos.

O que o motivou a fazer um documentário sobre a greve?

Um dos focos primordiais do meu trabalho é o mundo social e, nele, o mundo do trabalho. Dois fatores contribuíram mais especificamente para a realização desta obra. O primeiro foi a efeméride incontornável do emblemático ano de 1968 e essa primeira experiência histórica nacional, a dos metalúrgicos mineiros, experiência bem sucedida de embate contra a ditadura civil-militar instalada apenas quatro anos antes. O outro ponto é que nosso trabalho anterior tinha sido sobre outra efeméride mundial, o famoso 1917, mas no contexto nacional, abordando a primeira greve geral do pais no documentário “1917, a Greve Geral”, ocorrida em São Paulo e estendida depois a diversos pontos do país. Portanto, há uma sequência interessante entre as duas obras, já que ambas as greves inauguram um processo de lutas no seio dos operários contra a imposição de um poder oligárquico e latifundiário que se estende até hoje.

Qual o significado dessa greve no conjunto das lutas sociais de 1968?

Se levarmos em conta que aquele período foi marcado inicialmente pelo levantamento estudantil, primeiramente na França e em seguida no resto do mundo, incluindo o Brasil e Minas Gerais, confrontando as estruturas de Poder, a irrupção do movimento operário e de trabalhadores, com toda a sua experiência prévia, contribuiu naquele momento para dar corpo a uma contundente resistência geral à ditadura. Houve uma aliança tácita e até organizada por diversas agrupações politicas atuantes antes, durante e depois da greve (incluindo a segunda, a de outubro) em conluio com os operários, o que acendeu nos gabinetes dos generais o pisca-pisca do alerta. A partir então, teriam que lidar com segmentos da sociedade que até o momento se restringiam aos estudantes. Lembremos a morte do estudante Edson Luís de Lima Souto no restaurante estudantil Calabouço, no Rio de Janeiro, duas semanas antes da deflagração da greve de abril em Contagem.    

Quais foram as vitórias da greve?

Como um fato excludente e concreto, foi o 10% de aumento (abono na realidade) dado aos trabalhadores de Contagem primeiro e, em seguida, a todos os trabalhadores do pais. Ter arrancado isso de uma ditadura em pleno vigor não foi pouca coisa! A ida, a presença forçada pelas circunstancias e acirramento das tensões naqueles dias de abril, do Ministro de Trabalho, Jarbas Passarinho, ao epicentro da greve, constitui fato raro ainda hoje, o que dá a medida da importância daquele histórico levante operário. Também os quadros que entraram para a luta armada podem ser considerados outro aporte vitorioso dos trabalhadores aos estudantes e à classe média que oferecia, até então, as maiores vanguardas da resistência armada. Outra vitória é a demonstração do papel fundante dos operários para a resistência que viria depois (Osasco em julho) e a construção gradual e organizativa até a explosão dos movimentos grevistas do ABC paulista, no fim da década posterior. Portanto, a interrupção do movimento grevista naqueles anos, pela imposição infinitamente superior do poder (das armas) do Estado de Exceção, não constitui derrota, apenas uma acomodação natural dos atores nesse palco que ainda assistiria a outras tantas vitorias do movimento social.

O saldo principal é a pavimentação de um caminho de resistência e construção de poder popular. Sem as greves de Contagem e Osasco de 1968, não haveria o surgimento do novo sindicalismo da década de 70, que fez cambalear a ditadura nos anos 80 e que tanto peso teve na política nacional até os dias de hoje, culminando com um operário na presidência da República e a recente resposta do Golpe de novo tipo contra essa experiência. Sem esquecer nunca que tudo isto teve início nas lutas operarias de início do século XX, nos albores da industrialização.

Qual o significado daquela greve para o momento atual no Brasil?

Tivemos as comemorações dos 100 anos da primeira greve geral do Brasil, diga-se de passagem, num momento significativo de retrocessos sociais. Agora, em 2018, nas comemorações dos 50 anos do ano que não acabou, também acontecem num cenário em constante involução das conquistas sociais. Portanto, se pudermos extrair daquelas luminosas lutas operárias o vigor necessário para confrontar o calamitoso estado de desmonte do que até pouco tempo atrás foi conseguido, já terá sido um passo importante para a construção de uma contundente greve geral, ainda neste ano eleitoral, como homenagem àqueles que deram tudo para construir, na história do movimento operário, uma das suas páginas mais gloriosas. 

Conte-nos um pouco mais sobre a produção do documentário e sua divulgação.

O documentário “1968: a Greve de Contagem, primeira greve durante a ditadura militar” começou seu percurso de pesquisa e produção em meados do ano passado, assim que terminamos e lançamos o documentário da greve de 1917. De início, não achamos muitos materiais de pesquisa, já que a historiografia do período atendeu com maior entusiasmo a greve posterior, ou seja, a de julho de Osasco, e não a de abril, em Contagem, talvez por se tratar de São Paulo e não de uma periferia.

Mas, aos poucos, fomos descobrindo importantes estudiosos do tema, como o professor Edgar Leite de Oliveira. Sua tese de Mestrado – “Conflito Social, Memoria e Experiência, as Greves dos Metalúrgicos de Contagem de 1968” – foi pedra angular da nossa investigação, assim como outros historiadores e fontes documentais. E a fundamental garimpagem dos atores que protagonizaram a greve, operárias e operários. Assim, tivemos acesso a Ênio Seabra, Imaculada Conceicao, Delcy Gonçalves e outras referências importantes.

Filmamos em fevereiro deste ano e, agora, estamos em processo de finalização e angariando recursos com organizações sociais e políticas e também particulares que apoiem um cinema independente de intervenção política, como o nosso, na tentativa de resgate da memória para impulsionar ações efetivas nos tumultuados dias de hoje, 50 anos depois de 1968. Para contribuir, basta entrar em contato pelo e-mail: carlospronzato@gmail.com.

Edição: Joana Tavares

ROSA LUXEMBURGO É A AUTORA DO MÊS NO CLUBE DO LIVRO DA EDITORA EXPRESSÃO POPULAR

Maio 24, 2018
https://soundcloud.com/radioagenciabdf/rosa-luxemburgo-e-a-autora-do-mes-no-clube-do-livro-da-expressao-popular

LITERATURA

Compilação expõe ideias centrais de Rosa Luxemburgo para o diálogo com as classes populares

Juliana Gonçalves

Brasil de Fato | São Paulo (SP)

Ouça a matéria:

Trajetória da líder comunista foi contada pelo Brasil de Fato numa radionovela produzida no ano passado - Créditos: Reprodução
Trajetória da líder comunista foi contada pelo Brasil de Fato numa radionovela produzida no ano passado / Reprodução

Os assinantes do Clube do Livro da Editora Expressão Popular recebem, até o dia 26 de maio, o livro Rosa Luxemburgo e o Protagonismo das Lutas de Massa, uma seleção de textos que reúne ensaios presentes em duas publicações anteriores: Rosa Luxemburgo, Vida e Obra, de 1999, e Textos Escolhidos, de 2009, ambas organizadas pela professora Isabel Loureiro e publicados pela Editora Expressão Popular.

Em entrevista ao Brasil de Fato, Isabel Loureiro explica que a nossa coleção enfatiza a defesa da criatividade popular, da espontaneidade das massas e da prática política como ponto central para a construção da emancipação pensada por Luxemburgo. “A ideia central do pensamento político da Rosa é que a ação é primordial, é básica, e que as massas populares se conscientizam na ação”, pondera. 

No entanto, para Rosa, somente as massas autônomas e politicamente conscientes de seu papel histórico poderiam protagonizar processos transformadores. “Ela foi professora na escola do partido social-democrata alemão, na escola de quadros do partido. Então, ela considerava que o trabalho intelectual era fundamental, essa formação de lideranças era fundamental”, explica. 

Loureiro relembra que, para as mulheres da época, Rosa era um símbolo de oposição a uma sociedade patriarcal e machista, mesmo dentro da social-democracia. A militante, porém não sabia disso. “A Rosa não tinha consciência de como ela era importante para as mulheres de Berlim. E acontece algo curioso, ela está presa em determinado momento e quando ela é solta aparecem mais ou menos mil mulheres na frente da prisão para recebê-la, cheias de flores e presentes”, conta. 

Luxemburgo acreditava que as massas devem adquirir consciência por conta própria, algo aplicado também para as mulheres. “As mulheres só podem adquirir consciência por conta própria, só podem se libertar por sua conta, se emancipar por sua conta, não podem ser emancipadas pelos outros. Liberdade é sempre a liberdade conquistada por nós mesmos, a liberdade outorgada não é verdadeiramente liberdade, então essa á uma ideia central na Rosa”.

Clube do livro

Miguel Yoshida, da editora Expressão Popular, explica que a proposta do Clube do Livro é justamente ajudar na formação política de quem hoje está na luta. Já foram cerca de 11 publicações distribuídas aos assinantes do clube, que podem escolher diferentes. O primeiro foi O Significado do Protesto Negro, de Florestan Fernandes, livro feito a partir de diálogos com o movimento negro brasileiro.

“O conselho editorial seleciona esses livros como os fundamentais para a militância popular compreender a conjuntura que estamos vivendo. Esse mês é esse livro da Rosa Luxemburgo, e todos os meses temos um título de destaque que damos nessa perspectiva de formação teórica da militância”, diz. 

Para fazer parte do Clube do Livro, basta entrar no site da editora Expressão Popular. O endereço é: https://expressaopopular.com.br/clubedolivro

Edição: Diego Sartorato