Archive for the ‘Memória’ Category

TRÊS POEMINHAS DE BRECHT TOCANDO DE LEVE NAS COSTAS INDIFERENTES

Setembro 10, 2015

Bertold Brecht Berliner EnsembleBertolt Brecht, na verdade Berthold, nasceu em 10 de fevereiro de 1898, em Augsburg, sul da Alemanha. Estudou medicina, tocou guitarra, treinou boxe com exercício físico, mas cedo descobriu Marx e sentiu o cheiro do povo. Embora tenha sido de uma família onde se era acostumado a ser servido. Dessa experiência, aprendeu todos os truques, as artimanhas e as trapaças da classe burguesa. Aprendizagem que o fez o grande pedagogo do povo mostrando-lhe a moral burguesa como egoísmo de dominação de classe.

Criou o método de distanciamento do Teatro Dialético que tem como objetivo didático ensinar o publico a examinar sua condição social e buscar novas formas de existências dignas do homem livre. Um teatro- laboratório de análise social. Seu espectador principal, segundo suas intenções estéticas, era o trabalhador, sujeito que deveria ser o senhor de sua própria história.

Brecht foi teatrólogo, ensaísta, crítico, romancista, cinegrafista, militante, autor de obras teatrais revolucionárias que correram o mundo, e de tanto correr o mundo foi perseguidos pelos capachos de Hitler, que propagavam e defendiam sua doutrina nazista, o que o levou a mudar de “país mais do que de sapato”, até chegar aos Estados Unidos e ser preso acusado de propaganda comunista pela ala conservadora do Senado.

Mas Brecht também criou belos poemas revolucionários no verdadeiro sentido revolucionário: poemas que propõem mudanças de afetos tristes aos afetos alegres. Poemas que potencializam a existência. Por isso, escolhemos três poeminhas, com tradução de Paulo Cesar Souza, para que você esquizofílico, leia e se permita elevação de potência estética e ética.

PARA LER DE MANHÃ E À NOITE

Aquele que amo

Disse-me

Que precisa de mim

Por isso

Cuido de mim

Olho o meu caminho

E receio ser morta

Por uma só gota de chuva.

 

E EU SEMPRE PENSEI

E eu sempre pensei: as mais simples palavras

Devem bastar. Quando eu disser como é

O coração de cada um ficará dilacerado.

Que sucumbirás se não te defenderes

Isso logo verás.

 

CANÇÃO DE UMA ENAMORADA

Quando me fazes alegre

Penso por vezes:

Agora poderia morrer

Então seria feliz

Até o fim.

E quando envelheceres

E pensares em mim

Estarei como hoje

E terás um amor

Sempre jovem.

CULTURA DE ALMANAQUE CAPIVAROL/BRISTOL

Abril 11, 2014

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O escritor gaúcho Érico Veríssimo, em uma de suas obras excelsas e profundamente inteligente, nos parece o romance (novela?) “Música Ao Longe” (“Para quem não conhece o amor o amor é como uma música ao longe”), apresenta um personagem por demais cativante. Trata-se do professor ou filosofo, considerado pelos outros personagens como um grande sábio. Esse professor ou filósofo, como sábio sabia de quase tudo. Tinha uma erudição capaz de surpreender os que lhes eram de sua familiaridade.

Falava sobre horóscopo, plantas medicinais, datas históricas, composições para enfermidades, cálculos, astronomia, eclipses, etc. Em razão de sua vasta sabedoria era um homem que impressionava e muito respeitado. Apesar de sua sabedoria era amigo de todos os outros personagens. Foi então que ele morreu. Um dia foram visitar a casa em que ele morava. Qual não foi a surpresa dos visitantes: encontraram a fonte de sua sabedoria. Uma enciclopédia, uma espécie de coleção de almanaque. Era de lá que o professor tirava seus conhecimentos que atraia a atenção de todos.

 O ALMANAQUE E SEU SER ERUDITO

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O almanaque é uma espécie de brochura que os fabricantes farmacêuticos de xarope usavam para fazer publicidade de seus produtos. Um dos primeiros marketings. Mas um marketing diferente dos atuais que são sintéticos. Nele eram encontrados todos esses conteúdos que o professor-filósofo expressava. Uns dos grandes almanaques dessa época era o Capivarol e o Bristol. Algumas pessoas aprendiam seus conteúdos e passavam a exibi-los diante dos incautos. Os mais sagazes passaram a tê-las como formadas pela cultura de Capivarol ou Bristol.

PARA ALÉM DA CULTURA DE SOVACO

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Era comum no tempo de faculdade se encontrar esse tipo de estudante, falso erudito, com esse conhecimento também conhecido como cultura de verniz. Uma forma de oposição a acultura de sovaco. Aquela do cara que andava – anda – com um livro no sovaco – Nietzsche pegava bem, Marx dava bandeira para “os home” – para fingir aos incautos que era um intelectual.

O cara, ou cara, chegava e mandava ver vomitando sua erudição de Capivarol. Mas o Capivarol não serviu apenas para indicar esse tipo de sujeito. Servia, e serve, para indicar também o professor com formação superficial, seja professor primário, secundário e universitário. Alguns desses professores de universidade – conhecemos muitos – com formação Capivarol/Bristol, para disfarçar sua miséria intelectual colocavam a culpa na ditadura, afirmando que não podiam aprofundar o ensino porque poderia ser reprimido, ou quem sabe, preso. Grande lance para fugir do Capivarol/Bristol. 50 anos depois, os que não morreram, continuam os mesmos. 

O CIBERESPAÇO OU A METAMORFOSE DO CAPIVAROL/BRISTOL

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Hoje, embora as escolas e universidades estejam repletas desse tipo, quase não se fala na cultura de Capivarol/Bristol porque ela metamorfoseou-se. Hoje, na pós-modernidade, o Capivarol e o Bristol são virtuais. É a internet, o Google, os sites de busca, o Facebock, Wikipédia, todo o ciberespaço de informação. O Capivarol/Bristol-Virtual.

São números imensos de professores, estudantes, advogados, médicos, religiosos, economistas, esportistas, policiais, profissionais da ‘política’, jornalistas, assistentes sociais, músicos, engenheiros, biólogos, sociólogos, psicólogos, apresentadores de mídia, etc., bebendo conhecimentos superficiais nesses territórios. Todos vomitando a maior abacaba erudita-virtual. Só a título de orientação gastronômica. Abacaba – ou bacaba – é uma palmeira da Amazônia que tem um fruto que serve para fazer um saboroso vinho. O chamado vinho de abacaba que com farinha é o bicho. Por seu delicioso sabor serviu para cunhar a expressão, quando alguém quer contar vantagem, “vomitando a maior abacaba”. Esse nosso conhecimento é também produto do Capivarol/Bristol.

 ALMANAQUE BRISTOL 1948

Diante dessa informação-erudita esse Esquizofia publica para matar a saudade – se é que a saudade morre – ou apresentar aos que não o conhecem, um almanaque ilustrado do Bristol do ano de 1948. Joia rara para os colecionadores, mas não fazemos nenhum negócio porque queremos nos manter eruditos. Selecionamos, também, algumas páginas para você dilatar sua cultura.

JOÃO DONATO MOSTRA SEU “JOÃO DONATO 80 ANOS”

Abril 9, 2014

Não é nem pelo tempo que ele tem como músico que ele deve ser comentado com alegria e reconhecimento. O artista João Donato transporta o essencial do existir estético-musical. Se João Donato tivesse se apresentado apenas uma vez com uma única música ele já teria constituído a infinidade musical. Tudo porque sua obra é sempre constitutiva jamais constituída. Cada partitura é uma singularidade, uma nova noção musical. Nele não há mimèsis de si mesmo. Só quando serve para superação do anterior. Ponto de partida e nunca de chegada.

Infelizmente nem todos os companheiros internautas que acessam esse Esquizofia podem experimentar essa singularidade-musical – como nós aqui em Manaus -, visto que o Show “João Donato 80 Anos” que mostra o conteúdo do álbum “Ao Vivo no Rio”, ocorrerá no Espaço Furnas Cultural, No Rio de Janeiro, nos dias 12 e 13, que faz parte do Projeto PIanoBossa Jazz. Ele tocará, por exemplo, as músicas Aquarius, Malandro, Bluchanga, Menina do Cabelão, Na Barão de Mesquita, Bolero Digital, Por aí, Noite Clara, entre outras maravilhas musicais.

E para piorar para os distantes do Rio, propriamente Bairro do Botafogo, é que a entrada é franca. Francamente, como dói não poder ir. 

Carimbó resiste na Amazônia e quer ser reconhecido como patrimônio imaterial

Fevereiro 5, 2013

Rodas de Carimbó contam uma parte da existência – e da resistência – cultural no Distrito de Icoaraci, no Pará, onde está localizado o Espaço Cultural Coisas de Negro. O Tambor de Crioula, do Maranhão, já foi reconhecido pelo Ministério da Cultura como patrimônio imaterial do Brasil. Agora, um coletivo realiza uma campanha para a concessão da mesma chancela ao carimbó.

Lilian Campelo e Rogério Almeida* para Carta Maior

A arte milenar da cerâmica marajoara produzida no bairro do Paracuri proporcionou uma visibilidade além rio-mar ao distrito de Icoaraci. Em tupi-guarani o nome significa “Mãe de todas as águas”. Assim como outras regiões da cidade de Belém, a baía do Guajará circunda o lugar, ainda repleto de furos, igarapés e rios. O rio Paracuri é um deles, assim como o Maguari, o igarapé Livramento, e tantos outros, de onde é retirada a argila – cada vez mais rara – para a produção da cerâmica.

É tempo de chuva na Amazônia. A ausência de saneamento básico impede o acesso dos consumidores do artesanato até o centro produtor. Limite que é sanado com quiosques de venda na orla central do bairro. Além da arte marajoara e tapajônica, músicos de samba, rock, pop e carimbó ajudam a compor a cena cultural do lugar.

Vinte quilômetros separam o centro da capital do Pará do lugar. A esburacada e mal sinalizada rodovia Augusto Montenegro é a principal via que leva ao bucólico logradouro apelidado de “Vila Sorriso”. Edificações ligadas à Igreja Católica marcam o espaço da orla, repleta de restaurantes e vendedores de coco.

Já a abandonada Biblioteca Municipal Avertano Rocha é um resquício dos gloriosos anos do ciclo da borracha. O chalé integra o portfólio da arquitetura do século XIX do município.

O hiato social tem incrementado a violência ao redor. Em novembro de 2011, a chacina de seis adolescentes sem passagem pela polícia comoveu o distrito. Alguns suspeitos estão presos. Mas o caso continua uma incógnita.

O cais que recebe a produção de hortifrutigranjeiros e o pescado é o mesmo de onde é possível embarcar pra o arquipélago do Marajó, e ilhas mais próximas, como a de Cotijuba, que durante muito tempo abrigou o presídio do Estado. Uma viagem de menos de sessenta minutos de barco separa o distrito da ilha. A energia recentemente implantada trouxe mais conforto às pousadas, e incentivou a especulação imobiliária. No mesmo cais no mês de outubro ocorre a romaria fluvial que celebra Nossa Senhora de Nazaré.

Após vários processos históricos, desde os tempos das sesmarias, o distrito de Icoaraci foi instituído juridicamente na década de 1940. Vez em quando alguns setores do comércio e da política local ensaiam um movimento separatista de Belém. Enquanto isso não ocorre, na avenida Dr. Lopo de Castro, nº 1081, a cada domingo, há 13 anos, o Espaço Cultural Coisas de Negro celebra a cultura de matriz afroindígena com as rodas de carimbó.

A percussão é a coluna dorsal da manifestação de matriz afroindígena. Assim como o tambor de crioula do Maranhão, três tambores (curimbó) compõem o nipe percussivo ajudado por maracás. Cabe ao curimbó maior a marcação, enquanto os dois menores solam. Ao contrário da manifestação maranhense, no carimbó existem instrumentos de harmonia, como flauta transversal e banjo. Os grupos mais pop´s agrupam violão ou guitarra e baixo.

Homens e mulheres dançam em movimento circular. Cabe ao homem o galanteio. Na manifestação maranhense cabe às mulheres a dança, e aos homens a música e o canto. As vestes são similares. As mulheres sempre dançam de saia. A camisa de chitão florido é comum na indumentária dos homens nas duas manifestações.

A matriz rural é o elemento comum das atrações culturais nos dois estados. A região do Marajó e do Salgado (município de Marapanim em particular) são as referências de grupos de carimbó no Pará. Já no Maranhão a manifestação é encontrada nos bairros da periferia de São Luís, e em inúmeras áreas em várias regiões do estado marcadas por remanescentes de quilombo. Na periferia de Belém, no bairro da Terra Firme, migrantes maranhenses à Rua dos Pretos mobilizam-se em torno do tambor de crioula.

Espaço Cultural Coisas de Negro – espaço de (re) existência
Os apêndices da história deixam claro o preconceito e a criminalização das manifestações culturais de matriz africana. Códigos de posturas de algumas cidades proibiam as rodas de capoeira e samba. Era coisa de malandro. Para (re) existir o samba ganhou o abrigo em terreiros de umbanda e candomblé, como no caso da Tia Ciata e apelou para o sincretismo. A visão obtusa de antes tem sido oxigenada em dias atuais por alguns segmentos neopentecostais.

Assim como os ancestrais, homens e mulheres negras ou não celebram a cada noite de domingo o carimbó. A casa do Coisas de Negro é modesta. O sobrado recentemente passou por uma reforma. A ornamentação faz referência às culturas africana e amazônica.

A seleção em prêmio do edital de Culturas Populares Mestre Humberto de Maracanã (cantos de bumba-meu-boi do Maranhão), promovido pelo Ministério da Cultura realizado em 2008 possibilitou a reforma. O projeto foi contemplado na categoria Grupos Tradicionais Informais. A iniciativa contou com a ajuda da jornalista e produtora cultural Luciane Bessa, lembra o proprietário do espaço, Raimundo Piedade da Silva, mais conhecido como Nego Ray. Um senhor de média idade de estatura mediana.

O Coisas de Negro – entre o rústico e o haiteck. O espaço cultural apresenta um ambiente rústico. Peças de cerâmica, raízes de plantas secas, sementes e fotografias dos grupos de carimbó impressas em lona de caminhão adornam as paredes com textura de argila.

Nos rituais de domingo, na parede acima do palco filmes sobre cultura popular e curtas-metragens produzidos no Pará são exibidos. O documentário Salve Verequete, falecido mestre do carimbó, não deixa de ser exibido. O cineasta Luiz Arnaldo assina o registro sobre a trajetória de um dos protagonistas da arte popular do Estado. O negro esguio morreu doente e pobre. Somente no fim da vida contou com uma ajuda pecuniária da prefeitura de Belém. Para sobreviver vendia churrasquinho. A sina de Verequete é comum entre os artífices do gênero. A mesma trilha teve o mestre Bento.

Internet, carimbó e cidadania
Talvez nenhum mestre tenha imaginado que as rodas de carimbó ganhariam o mundo. Hoje elas são transmitidas ao vivo via internet. O Carimbó.Net também contou com a participação de Luciane Bessa.O empreendimento que começou no espaço cultural, hoje é projeto de extensão da Universidade Federal do Pará (UFPA). Ele conta com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Pará (Fapespa), através do Edital Ações Colaborativas para a Cidadania Digital, lançado em 2009.

A iniciativa proporcionou ao Espaço Coisas de Negro a oportunidade de ministrar oficinas de confecção e percussão de instrumentos para jovens, além de trabalhar com software livre e gravação de CD. Os frutos desse projeto podem ser acessados nas redes sociais.

Nego Ray relembra a experiência que o projeto possibilitou ao visitar uma comunidade quilombola Laranjituba, localizada no município de Moju, norte do Estado. “Tivemos a felicidade de gravar a voz de um cidadão de 87 anos de idade, Mestre Jorge que canta carimbó. Nós levamos todo nosso equipamento de som. Conseguimos captar o som dele e reproduzimos na hora o CD. Já tínhamos feito a capa e entregamos para ele,” conta emocionado.

Ray sublinha que o Mestre Jorge ao ouvir a sua música sendo tocada pela primeira vez parecia criança dançando. A equipe ficou maravilhada com aquilo. Acompanhando o mestre vendo todo o processo e se ouvindo, foi muito bacana, arremata.

Coisas de Negro – os primeiros passos
No início o espaço cultural era um bar. O proprietário explica que o local existe há 21 anos. E que desde o início das rodas de carimbó passou a ser denominado de espaço cultural. O repertório musical era composto de voz e violão ao vivo sempre as sextas-feiras. E a execução de vinis.

Ray relata que as rodas de carimbó começaram com a apresentação do grupo ‘Curuperê’. Ele recorda que um grupo de pessoas ligadas à música o procurou. Eles tinham interesse em apresentar o trabalho que era voltado ao carimbó. Fui convidado a participar. E assim começamos a trabalhar em cima do repertório autoral.

A partir daí outros grupos parafolclórico começaram a se apresentar no espaço. A iniciativa trouxe resultados. Outros locais também começaram a promover as rodas de carimbó. Até então a divulgação do carimbó era restrita a períodos festivos. “Antes as apresentações do carimbó ficavam confinadas às festividades da quadra junina. Com essa nossa atitude de fazer as rodas aos domingos, as pessoas começaram a aceitar mais o ritmo regional. Hoje a dança aparece até no horário nobre da televisão, mas foi necessário que alguém, não só a gente, mas as pessoas que nunca deixaram de acreditar que um dia essa música iria chegar onde está começando a chegar. Bem como a teimosia dos grandes mestres que não estão mais aqui” afirma Nego Ray.

Hibridismo cultural é Coisa de Negro
“Não há conflito entre o regional e o ‘de fora’, pelo contrário, há um encontro que proporciona uma nova expressão cultural. O hibridismo, longe de ser visto como uma deturpação da cultura popular é considerado enriquecedor das práticas culturais por esse segmento que conheceu o carimbó por meio do Mundé”.

Esta frase, estampada em lona, ornamenta uma das paredes do Espaço Coisas de Negro. Quem entra rapidamente percebe que a energia do local congrega diversos campos culturais. Nego Ray explica, “Uma coisa que a gente percebe aqui é a mudança de comportamento das pessoas. As que são voltadas para outras tendências musicais, quando adentram no “Coisas de Negro” começam a se integrar. As meninas do rock que já vêm aqui e vestem as suas saias.”.

O jornalista Ismael Machado sugeriu ao Nego Ray o projeto Coisas do Rock. Na época estiveram no palco as bandas, Arcano 19, Cravo Carbono e Norman Bates. “Retornamos agora, tem um ou dois anos com apresentações de grupos de rock. No dia 2 de fevereiro teremos The Smiths Cover e Los Hermanos Cover. Além dessa apresentação, antes teremos no dia primeiro de fevereiro o Buscapé Blues, com uma apresentação de música autoral” explica Ray.

O espaço cultural sempre esteve aberto a outros ritmos e estilos, mas não é só o local que congrega outras influências musicais. O grupo de carimbó Mundé Qultural é prova dessa efervescência contemporânea. Utilizando instrumentos como a guitarra, o baixo e percuteria, este último criado pelo próprio grupo é um conjunto de instrumentos como: prato, banjo, alfaia, pandeiro e caixa de bateria.

O grupo mescla experimentações sonoras envolvendo o popular e o contemporâneo. Nego Ray fala que eles deram uma nova roupagem à música ‘Moleque do Paracuri’ da banda Novos Camaleões, “Fizemos um arranjo bem legal, uma pitada regional com uma linguagem rock ‘n roll”. A mesma linha segue o grupo Lauvaite Penoso. Algo que lembra a turma que envenenou a cena cultural do Recife na década de 1990, isto para não falar de Raul Seixas, Mutantes e a Tropicália.

Hoje, o Espaço Coisas de Negro abriga as mais diversas tendências e experimentações sonoras. Para Nego Ray a procura das pessoas pelo espaço denota uma carência de locais para a música autoral. “O que eu vejo hoje no ‘Coisas de Negro’ era o que um tempo atrás acontecia no teatro Waldemar Henrique. O teatro abria as portas para que as pessoas pudessem fazer as suas experiências musicais”.

Trio Chamote – direto da costela do Coisas de Negro
O ensaio começou umas 7hs da noite. A batida leve na baqueta e o contar do “1, 2, 3, e…” marca mais um recomeço da música que está sendo ensaiada. O local é no Espaço Cultura Coisas de Negro e o celular grava o áudio do ensaio. O ritmo é o lundu. Também de matriz africana. Ao contrário do carimbó a sonoridade é marcada pela suavidade e a cadência em pausas leves e fortes marcadas pelo batuque. No caso é tocado no bumbo da bateria. A dança é um ritual de sedução.

O ambiente ‘Coisas de Negro’ inspira musicalidade e o espaço também contribui para o surgimento de novas parcerias, a partir de encontros e vivências com pessoas e grupos musicais plurais, como a diversidade do Trio Chamote.

Composto por Silvio Barbosa (sopro), Luizinho Lins (banjo) e Charles Matos (bateria), eles utilizam o espaço para ensaiar as cinco músicas já criadas. O trio irá se apresentar oficialmente no Teatro Waldemar Henrique na abertura do show do guitarrista Pio Lobato. Data a confirmar.

Chamote e Coisas de Negro
O Trio ainda é novo, os músicos é que são velhos conhecidos do ambiente, desde os tempos do nascimento das rodas de carimbó. Todos moram em Icoaraci. O nome do Trio vem de um dos processos de produção artesanal da cerâmica. Chamote é o nome dado aos restos de cacos de peças antigas da cerâmica marajoara, que são aproveitadas e misturadas ao barro natural para a criação de novas peças.

É desta realidade cotidiana e de vivências que os músicos criaram o estilo do trio. Charles, autodidata com 22 anos entre baquetas e pratos explica o som que produzem: “O Chamote surgiu de um sonho antigo de trabalhar a música regional folclórica inserindo uma roupagem contemporânea, com efeitos sonoros e linguagem jazzística, que consiste na improvisação musical”.

Luizinho explica que o Espaço Coisas de Negro também ajudou a construir o Chamote “Aqui a gente busca conceito, tem as rodas de carimbó, todo esse ambiente ajuda a compor”.

A construção do conceito musical do Chamote partiu de algumas coincidências. Todos os integrantes possuem pesquisas distintas sobre os instrumentos que tocam e ritmos amazônicos, contempladas com bolsa de estudo no Instituto de Artes do Pará (IAP). O horizonte de trabalhar com ritmos regionais mesclando uma pegada mais contemporânea foi o que os uniu.

O espaço Coisas de Negro foi determinante para o encontro e a realização do projeto, como afirma Silvio, “Talvez se não fosse o ‘Coisas de Negro’ o Chamote não iria se formar. Os ensaios no espaço, a convivência nas rodas de carimbó e a troca de impressões com o Ray ajudaram a cimentar a ideia” pondera o músico.

Luizinho confirma: “Se eu estivesse em outro espaço, talvez eu estaria tocando com outro grupo, e só tocando, não estaria fazendo experimentação sonora”.

Para o artista, a relação que se dá no espaço é de solidariedade, “Quando o Ray cede o espaço para gente ensaiar não é necessário uma assinatura em papel, e toda essa formalidade, as relações são baseadas no aperto de mão”.

Cultura popular como patrimônio imaterial do Brasil
O Tambor de Crioula, o primo do Maranhão já foi reconhecido pelo Ministério da Cultura como patrimônio imaterial do Brasil. No Pará um coletivo realiza uma campanha para a concessão da mesma chancela ao carimbó. Autores e intelectuais atuam em frentes diferentes.

Uns tratam da burocracia, enquanto outros organizam memorial sobre os grupos e nomes relevantes de mestres do ritmo, onde flutuam Verequete, Lucindo, Dico, Cizico e Bento, entre outros. E organizam eventos dentro e fora do estado.

A cada domingo, além do Coisas de Negro, os ancestrais são festejados por percussionistas nas manhãs da Praça da República, no Centro de Belém. Ali entre mangueiras, e próximo ao cheio de pompa e circunstâncias Teatro da Paz, não raro os músicos entoam a canção mais popular do gênero: “Chama Verequete! Velejar. Velejar”.

*Lilian Campelo é jornalista. A folkcomunicação foi o tema de seu trabalho de conclusão de curso. Rogério Almeida é autor do livro “Pororoca pequena – marolinhas sobre a(s) Amazônia (s) de cá”.

Os 100 anos do eterno Luiz “Lua” Gonzaga, o Gonzagão Rei do Baião

Dezembro 13, 2012

Luiz Gonzaga Lua Rei do Baião e festas juninas forros

Hoje, 13 de dezembro, se comemora uma grande festa dos 100 anos de nascimento de um dos grandes nomes da música brasileira: Luiz Gonzaga do Nascimento, o grande Lua, rei do baião e do povão. Muitos podem reclamar que a música do mestre Lua não evoluia, que ele não tinha um entendimento político, que é uma música resignada e deprimente, que era machista, entre outras queixas.

Mas ninguém pode negar a revolução que Luiz Gonzaga fez na música nordestina e na música popular brasileira. Gonzagão introduziu o terno (sanfona, zabumba e triângulo) em nossa música e foi responsável por introduzir as músicas e tradições juninas no Sul, Sudeste e Centro-Oeste brasileiro.

Como negar a importância de composições juninas como Olha pro céu, Polca fogueteira, O maior tocadô, Forró no escuro, São João na roça, Lascando o cano Fogueira de São João, São João antigo, São João no arraiá, São João do Carneirinho, Piriri, Fogo sem fuzil, Lascando o cano, e muitas outras?

OS 07 GONZAGAS ALOÍSIO, SOCORRO, LUIZ GONZAGA, SEU JANUÁRIO, SEVERINO JANUÁRIO, ZÉ GONZAGA E CHIQUINHA GONZAGA.

OS 07 GONZAGAS: ALOÍSIO, SOCORRO, LUIZ GONZAGA, SEU JANUÁRIO, SEVERINO JANUÁRIO, ZÉ GONZAGA E CHIQUINHA GONZAGA.

Este pernambucano de Exú vem de uma família de tocadores e desde pequeno aprendeu a animar as festanças. Seu pai Januário, assim como Luiz, é um dos grandes nomes da sanfona no Nordeste e foi de grande importância para a cultura popular.

Luiz Lua Gonzaga foi pro Rio de Janeiro tocar e de lá expandiu seu mundo sonoro para o mundo. Foi pai do cantor romântico e filosofante Gonzaguinha e teve como parceiros fortes Zé Dantas, Humberto Teixeira, mas também José Fernandes, Lourival Passos, José Marcolino, Luiz Guimarães, João Silva, Luiz Queiroga,  Severino Ramos,  Nelson Valença entre outros.

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Nestes 100 anos de Lua o Brasil mudou muito, diversos novos músicos talentosos apareceram e muitos não tem a repercursão que Gonzaga conseguiu. Mesmo assim Gonzaga abriu muitas portas para que a produção musical nordestina pudesse entrar no Brasil e acabar (de diversas formas)  com o preconceito regional e musical. Infelizmente hoje temos uma cultura radiofônica doentia ditada por uma indústria musical impositora dos valores capitalismo e que se interessa em enfraquecer a música popular e regional tornando todos iguais.

Felizmente há espaços de corte como a internet, rádios comunitárias, iniciativas culturais mundo independente  que fazem um corte neste flanco duro e deixam passar a arte. Isto faz com que pessoas como Luiz Gonzaga continuem presentes nas nossas cultura musical e na memória da arte no Brasil.

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A música de Luiz se espalhou por todo o país e o tornou uma figura conhecida de norte a sul. A geração dos músicos da família Gonzaga que lançou Gonzaguinha, agora tem como representante Joquinha Gonzaga, o sobrinho de Luiz Gonzaga e Daniel Gonzaga, filho de Gonzaguinha e neto de Gonzagão.

E o Brasil todo está em festa pra comemorar uma de suas raizes folclóricas e um de seus maiores nomes da música: Luiz Gonzaga. Em Brasília, São Paulo e São Cristovão já fizeram o forró. Em Recife  na Praça do Arsenal  e no Pátio de São Pedro haverá forrós e cantorias de hoje a domingo a partir das 20 horas com artistas locais e nacionais e gente como Fagner, Alceu Valença, Azulão,  Petrúcio Amorim, Silvério Pessoa e Anastácia, no domingo. Em Exú a festa é constante até o fim do ano.

Esta singularidade que foi Luiz Gonzaga continuará nos iluminando através da música como a Estrela D’Alva que está no céu.

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O disco de cabeceira faz 40 anos

Abril 20, 2012

Foi um ano especial para a história da música brasileira.

* Beth Mendes

Em 1972, sob o governo de Médici e com a ditadura a cada dia mais rígida, Caetano Veloso retorna ao País após três anos de exílio em Londres. Lança o disco Transa, seu predileto, com músicas do calibre de Nine out of ten – primeira canção brasileira a incorporar compassos de reggae. É também nesse ano que o acatado João Gilberto faz uma visita à comunidade hippie dos Novos Baianos e dá seus pitacos. Dessa reunião surge Acabou Chorare, álbum que mistura samba com guitarra elétrica e nasce clássico. Como se já não fosse suficiente, Gal Costa lança o Fa-Tal e Gilberto Gil, o Expresso 2222. 

Os baianos e o seu Tropicalismo efervesciam. Mas não foi só a terra de Dorival Caymmi que viu nascerem as joias de 1972. Em Minas Gerais um grupo de músicos de Belo Horizonte apresenta o Clube da Esquina, primeiro álbum duplo do Brasil e resultado de uma longa amizade entre Milton Nascimento, os irmãos Lô e Márcio Borges, Beto Guedes, Fernando Brant, Ronaldo Bastos, Wagner Tiso, Toninho Horta e tantos outros que de algum modo fizeram parte da empreitada.

Pré-história

O Clube da Esquina só seria lançado em março daquele ano, mas a história começa bem antes. O ponto de partida foi 1963, quando Milton Nascimento chegou ao Edifício Levy. No mesmo prédio – localizado no centro da capital mineira – vivia a família Borges, que logo tratou de conceder a Bituca – apelido de Milton na época – o título de “filho número12”. “Nós fomos apresentados pelo som. Eu estava indo ao mercado para minha mãe e me deparei com aquela voz maviosa vinda da escada do prédio onde a gente morava. Era Bituca cantando e tocando violão”, conta Lô Borges, dez anos mais novo do que Milton.

Por conta da diferença de idade, quem acabou ficando mais amigo de Nascimento foi Márcio Borges, irmão mais velho de Lô. Os dois estavam sempre juntos – ambos encantados com a arte, com a música e com o cinema. Jules et Jim, de Truffaut, foi a primeira fonte de inspiração que compartilharam. No Cine Tupi, assistiram ao filme três vezes no mesmo dia. Ficaram tão encantados que saíram de lá diretamente para um bar, onde – embriagados pela “aura” da obra de arte e por algumas batidas de limão – compuseram Paz do Amor que Vem. Para eles, naquele momento, a narrativa de Jules et Jim era o maior tributo à amizade já realizado.

Paz do Amor que Vem foi a estreia dos dois como compositores e nunca chegou a ser gravada. Nessa época, Milton era baixista do Berimbau Trio, um grupo que fazia versões para músicas de Jazz e Bossa Nova. Ele achava que não seria capaz de se tornar compositor porque acreditava que tocava violão “errado” – sem saber que, na verdade, havia encontrado uma maneira inovadora de lidar com o instrumento.

Márcio Borges diariamente o incentivava a compor. Bituca, por sua vez, incentivava Lô: já percebendo que o amigo caçula tinha talento, “esquecia” o violão no quarto dos meninos Borges, para que ele pudesse “brincar”. Mais tarde, ao lado de Beto Guedes (também mais novo), Lô formaria o The Beavers, banda cover dos Beatles.

Para Lennon e McCartney

Quando Milton Nascimento começou a compor, sua carreira deslanchou. Aos 24 anos, em 1967, foi considerado a grande revelação do II Festival Internacional da Canção. Travessia, sua música com letra de Fernando Brant, acabou ficando em segundo lugar, perdendo apenas para Margarida, de Gutemberg Guarabyra.

A partir de então tudo mudou: Bituca deixou Belo Horizonte e se mudou para o Rio de Janeiro. Ficou conhecido e fechou contrato com a Odeon – principal gravadora da época, a atual EMI. Mas sempre voltava para visitar os amigos, aproveitando para levar para Lô e Beto Guedes os lançamentos dos Beatles.

A essa altura Lô Borges já estava começando a compor suas próprias músicas. Durante uma pequena festa na casa dos Borges, em uma das visitas de Milton à capital mineira, o então garoto de 16 anos mostrou uma composição que havia feito no piano. O amigo famoso fez um acompanhamento para violão; ali mesmo, Márcio Borges e Fernando Brant escreveram a letra e assim surgiu o clássico Para Lennon e McCartney. “Eu pensava que a gente ouvia tanto os Beatles, a gente curtia tanto o som deles e eles nem sabiam da nossa existência. Então fiz uma música para dizer que somos aqui de Minas Gerais e também fazemos uma música legal”, explica Lô Borges, em entrevista a CartaCapital.

A música entrou no disco Milton, lançado em 1970. É também desse álbum a canção Clube da Esquina, com música de Lô e Milton e letra de Márcio Borges. Era uma tradução de todo o sentimento que permeia o Clube da Esquina: a vontade de garantir um lugar em um futuro melhor, mas misturada às raízes mineiras e a uma antecipada nostalgia do presente.

Algumas pedras no caminho 

Quando Milton Nascimento teve a ideia do projeto do Clube da Esquina, enfrentou alguns problemas na Odeon. “O que estava pegando era fazer um disco duplo. Naquela época ainda não tinha álbuns duplos do Brasil. Só depois, naquele mesmo ano, que a Gal Costa lançou o Fa-Tal”, explica Lô Borges.

Entretanto, o principal problema, segundo o músico, foi o fato de que Milton queria dividir a assinatura do disco com alguém que era completamente desconhecido do público. “Eu era um menino, isso foi algo completamente inédito na minha vida porque eu não tinha nem carreira musical, eu era um iniciante, não sabia nem que eu seria um músico profissional.”, comenta.

Mas Milton Nascimento estava determinado: “Quando o Milton fez o convite a gravadora ainda não tinha topado a gravação do disco. Ele tinha um contrato com a Odeon, mas disse que, se eles não topassem fazer,  procuraria outro grupo para oferecer o projeto”, conta Lô Borges.

Foi Adail Lessa quem deu carta branca para que o disco fosse realizado. Na época, ele era produtor executivo da Odeon, ao lado de Milton Miranda. “Acho que eles viram que eu era um dos compositores de Para Lennon e McCartney e pensaram ‘acho que esse menino até que presta!’”, diverte-se, quarenta anos depois.

Mas não foram só essas questões burocráticas que estavam em jogo. “Eu tive que ir para o Rio de Janeiro com 18 anos de idade, embaixo de uma ditadura barra pesada. Minha mãe não queria que eu fosse, eu fui até meio rompido com minha família, mas depois eles perceberam que era algo significativo na minha vida. É aquele terror da ditadura né? Três ou quatro pessoas morando juntas em uma casa já eram consideradas subversivas”, pondera.

Para poder se mudar para o Rio de Janeiro, Lô Borges teve que enfrentar até mesmo o exército. Ele estava na idade de se alistar e pediu licença para poder gravar o disco. Jovem, saudável e forte, estava apto a servir e chegou a ficar entre os recrutas. Como tinha o convite para o Clube, pediu ao capitão de sua Companhia que o liberasse para gravar o disco. “Primeiro ele foi bastante simpático e disse que tudo bem, que eu podia sair. Uma semana depois, quando eu voltei para a apresentação para começar a servir mesmo, ele me pegou grosseiramente pelo braço e falou ‘olha garoto, você não vai servir ao exército, mas não é porque você não quer. É porque o exército não quer gente da sua espécie aqui dentro, seu comunista’”.

O Clube da Esquina 

Com Lô no Rio de Janeiro e com o projeto aprovado pela Odeon, foi dado início o período de composição das músicas do disco. Todas as canções foram feitas especialmente para o Clube da Esquina. “Nós nos mudamos para uma praia de Niterói chamada Piratininga. Na época, ela era quase deserta. A casa era muito interessante porque ficava o Milton em um quarto compondo, eu ficava em outro e o Beto Guedes circulando de quarto em quarto – tipo um enfermeiro -, para ver o que o Bituca estava produzindo e o que eu estava produzindo”, recorda-se.

A escolha de quem ia colocar a letra em determinada música era um pouco aleatória. Lô Borges afirma que naquela época ele não era muito politizado, preferia falar da Nuvem Cigana e do Trem Azul. “Parecia que naquele período era assim: ou você optava por ser engajado ou você optava por ser hippie. Eu escolhi ser hippie”, brinca.

As músicas cujas letras ele acreditava que deveriam ser mais politizadas – como a de Tudo que você podia ser – ele entregava ao irmão mais velho, Márcio Borges. “O Marcinho já tinha feito faculdade, já tinha um engajamento. Então ele ficava responsável por esse parte”, diz. E Márcio complementa: “Eu e meu amigo Paulo Leminski costumávamos dizer que a figura de linguagem vigente era a metáfora. No Clube isso fica claro, aquela história dos ratos em Trem de Doido ou aquilo da bota  e do anel de Zapata em Tudo que você podia ser. Certamente foi o modo que os músicos da nossa geração encontraram para driblar a censura”, relata Márcio.

Os irmãos contam que as gravações na Odeon eram sempre muito divertidas, com o estúdio cheio de amigos. “A gravação do Clube foi um playground, foi muito gostoso de fazer. Era uma farra, tinha muita gente no estúdio, muitos músicos, todos amigos. Um clima de amizade, muito carinho, dedicação, pessoas se doando mesmo por aquele projeto. Parecia uma oficina de criação de obra de arte”, diz Lô.

Para ele, tudo era mesmo uma grande brincadeira. “Eu não queria entrar para o show business. Ficava no Rio de Janeiro morrendo de saudade da minha namorada em Belo Horizonte. Nunca imaginei que 40 anos depois falaria de um disco que fiz quando tinha 18″, afirma. Apesar disso, garante que a participação no Clube da Esquina foi uma das experiências mais importantes de sua vida e até consegue eleger sua música favorita do álbum. “Eu acho que é Trem Azul, por causa das regravações. É uma honra saber que Tom Jobim regravou uma música minha”, deleita-se.

Herança

“A experiência do Clube da Esquina foi tão única que até artistas que produzem uma música que não tem nada a ver com a nossa dizem que usaram o disco como referência”, afirma Márcio Borges. Para ele, músicos da nova geração como Lenine e a banda Cobra Coral são a prova de que o álbum foi transmitido como herança.

“Hoje em dia eu faço um trabalho com o Samuel Rosa, do Skank. A gente já fez 50 shows juntos. Ele faz parte de uma outra geração, mas sempre fala para mim que saiu do livro dos Três Porquinhos diretamente para o Clube da Esquina. É um disco de cabeceira”, orgulha-se Lô.

* Carta Capital

MILLÔR FERNADES DEIXA DE PRODUZIR

Março 29, 2012

O desenhista, cartunista, chargista, dramaturgo, tradutor e jornalista, Millôr Fernandes, aos 88 anos, deixou de produzir. Millôr, cujo nome deveria ser Milton não fosse um erro do tabelião, sempre teve a produção como sua maior forma de afirmar sua existência. Com claro compromisso político socialista, sua produção carrega a expressividade do exame da sociedade através dos fluídos humorísticos.

Contribuiu com várias revistas, mas se projetou pelas folhas da revista O Cruzeiro, onde matinha uma coluna contestadora, Pif-Paf. Foi um grande interprete da sociedade brasileira no tempo da ditadura militar na revista Veja, na época de Mino Carta, antes desta se torna a voz da mídia nazi-fascista que hoje é.

Para o crítico de literatura, escritor Henrique Rodrigues, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC), autor da tese sobre a obra de Millôr,” Millôr Fernandes: A Vitória do Humor Diante do Estabelecido”, Millôr tinha um espírito vanguardista.

“Ele fazia poemas concretos, antes de existir o movimento concretista. Ele já escrevia de forma concisa e em frases curtas muito antes de existir o computador e ferramentas como Twitter. A própria irreverência do Pasquim, do qual foi um dos fundadores, foi antecipada pelo Pif-Paf, uma coluna de humor político e contestatório que ele mantinha na imprensa”, considerou sobre Millôr, Henrique Rodrigues.  

Entre traduções de personagens ilustres da literatura mundial como Molière, Shakespeare, Sófocles e Brecht, fundou o Pasquim, jornal humorístico de crítica ácida ao sistema brasileiro.

Seu corpo, depois de ser velado no Cemitério Memorial do Carmo, no Caju, será cremado  de acordo com seu desejo.

Sentença Judicial das antigas

Março 5, 2012

SENTENÇA JUDICIAL EM 1833

PROVÍNCIA DE SERGIPE

O adjunto de promotor público, representando contra o cabra Manoel
Duda, porque no dia 11 do mês de Nossa Senhora Sant’Ana quando a
mulher do Xico Bento ia para a fonte, já perto dela, o supracitado
cabra que estava de em uma moita de mato, sahiu della de supetão e fez proposta a dita mulher, por quem queria para coisa que não se pode trazer a lume, e como ella se recuzasse, o dito cabra abrafolou-se dela, deitou-a no chão, deixando as encomendas della de fora e ao Deus dará. Elle não conseguiu matrimonio porque ella gritou e veio em amparo della Nocreto Correia e Norberto Barbosa, que prenderam o cujo em flagrante. Dizem as leises que duas testemunhas que assistam a qualquer naufrágio do sucesso faz prova.


CONSIDERO:

QUE o cabra Manoel Duda agrediu a mulher de Xico Bento para conxambrar com ela e fazer chumbregâncias, coisas que só marido della competia conxambrar, porque casados pelo regime da Santa Igreja Cathólica Romana;

QUE o cabra Manoel Duda é um suplicante deboxado que nunca soube respeitar as famílias de suas vizinhas, tanto que quiz também fazer conxambranas com a Quitéria e Clarinha, moças donzellas;

QUE Manoel Duda é um sujeito perigoso e que não tiver uma cousa que atenue a perigança dele, amanhan está metendo medo até nos homens.

CONDENO:

O cabra Manoel Duda, pelo malifício que fez à mulher do Xico Bento, a
ser CAPADO, capadura que deverá ser feita a MACETE. A execução desta peça deverá ser feita na cadeia desta Villa.

Nomeio carrasco o carcereiro.

Cumpra-se e apregue-se editais nos lugares públicos.

Manoel Fernandes dos Santos
Juiz de Direito da Vila de Porto da Folha

Sergipe, 15 de Outubro de 1833.

Fonte: Instituto Histórico de Alagoas

A virtualização musical de Gilberto Gil

Dezembro 9, 2011

Gilberto Gil sempre esteve nas redes. Nos encadeamentos do guitarrar do rock com a cultura popular. Ajudou nos anos 70 a divulgar nomes ainda relegados e desconhecidos do grande público como Jackson do Pandeiro, Gordurinha, Sebastião Biano e a Banda de Pífanos de Caruaru, Amelinha entre outros. Gil está conectado nos balaios das mulheres rendeiras, nas redes dos pescadores, no carnaval, na folia de reis, no bumba-meu-boi, na música afrobrasileira.

Esta conexão levou Gil lançar em 2008 o disco Banda Larga Cordel que levou a uma velocidade em gigabytes neuronais a criação de novos sons, como o repentista acha no instante infimo a rima para ouvirmos.

Agora Gil está mais atual dos virtuais e todos seus percursos com a digit-atualização feita pela rede internet. Mas Gil não é capturado por nenhuma forma de tecnologia, pois ele escapa em sua leveza e liberdade.

Mesmo participando de cargos constituidos como vereador, ministro da cultura, Gil sempre se mostrou des-constituinte da sociedade embrutecida e estagnada. Gil é amante lírico da possibilidade de manter novos encontros. Por isso nem uma forma de idade, raça, mídia pode reduzi-lo. Ele está no mundo.

O ACERVO IMATERIAL DE GIL

O Instituto que leva o nome de Tom Jobim  vem colocando na internet obras dis-co-mpletas de pessoas ligadas a cultura brasileira. Já ganharam seu acervo Tom Jobim, Dorival Caymmi,  o arquiteto Lúcio Costa e agora Gilberto Gil. A idéia é expor parte da memória de artistas que viveram durante a ditadura militar e cuja parte de suas produções ficaram banidas por certo tempo (no caso de Gil que ficou exilado em Londres).

O acervo de Gil não se preza em buscar uma totalidade. Ele é uma construção, de uma pessoa que nunca se completa e sempre se renova e atualiza. Neste acervo está disponível para baixar download todas as músicas de Gil em mp3 (ouvir no sítio de Gil) e manuscritos e letras. Há também mais de 1500 fotos do acervo de Gil, 500 correspondências, 14000 matérias em periódicos e 350 textos (como artigos, roteiros, peças) e vídeos.

O acervo tem todo material gratuito e ficará disponível para a eternidade.

E salve o samba rapaziada… nosso de cada dia

Dezembro 2, 2011

Hoje é assim considerado o dia do samba. Este preto velho que tem algumas centenas, se balançou do jongo, passando por samba raiz, samba de roda, samba canção, samba enredo, samba exaltação, gafieira, sambalanço, samba partido alto, samba de breque, samba de quintal, samba rock, samba que no fim é nosso pagode (o sentido verdadeiro sem croquetinhos, feinhos e xicarazinhas).

Samba de Exú, Bará, iorubá, síncopa lundu, maxixe, cateretê, chiba, coco de zambé, caxambu dos pagodes das tias bahianas, dos bambas, Oxalá. De Donga, Pixinguinha, João da Bahiana, Sinhô, Almirante, Heitor dos Prazeres, Ismael Silva, Noel Rosa, Lupicínio Rodrigues, Lamartine Babo, Aracy de Almeida, Zé Keti, Ataúfo Alves, Monarco, Cartola, Aloísio Dias, Candeia, Carlos Cachaça, Jamelão, Nelson Sargento, Luiz Carlos da Vila , Moacyr Luz, Dona Ivone Lara, Clementina de Jesus, Jovelina Perola Negra, Leci Brandão, Beth Carvalho,  Clara Nunes, Aparecida, Nelson Cavaquinho, Ventura, Aniceto, Alberto Lonato, Francisco Santana, Antônio Rufino dos Reis, Mijinha, Manacéa, Alvaiade, Alcides Dias Lopes, Armando Santos , Antônio Caetano, Wilson Moreira, Walter Alfaiate, Herminio Bello de Carvalho, Mano Décio da Viola, Paulo César Pinheiro, João do Vale, Adorniran Barbosa, Paulo Vanzolini, Toninho Batuqueiro Chico Buarque de Holanda, Martinho da Vila,  Paulinho da Viola, Dicró, Moreira e Bezerra da Silva, João Nogueira, Dorina…. isto só para citar uma meia duzia de talentos.

E como o samba é sempre festa nos pagodes vamos de samba e que ninguém nos segure…