Archive for Agosto, 2020

SPIKE LEE ATUALIZA CLIPE DE MICHAEL JACKSON COM CENAS DE PROTESTOS ANTIRRACISTAS DE 2020

Agosto 30, 2020

Novo vídeo de “They Don´t Care About Us” mescla algumas cenas do original, filmado em 1996 no Rio de Janeiro e em Salvador, com imagens de protestos recentes pelo assassinato de George Floyd e o ataque a Jacob Blake

Neste sábado (29), o cantor estadunidense Michael Jackson completaria 62 anos de idade se estivesse vivo. Porém, ainda é possível entregar presentes para celebrar.

Por exemplo, o cineasta Spike Lee, que dirigiu o clipe de um dos seus maiores sucessos, a canção de protesto “They Don’t Care About Us”, escolheu esta data para publicar uma versão atualizada desse clipe, incluindo cenas de protestos antirracistas ocorridos em 2020.

Lee foi o diretor do clipe original, que teve boa parte de suas cenas filmadas no Rio de Janeiro e em Salvador. Nesta nova versão, ele mescla trechos daquele vídeo com imagens de algumas das manifestações recentes em vários lugares do mundo, em repúdio aos abusos da polícia contra a população negra, e mais especificamente ao assassinato de George Floyd (em maio passado, em Minneapolis) e ao ataque contra Jacob Black (no domingo passado, em Kenosha), ambos cometidos por policiais brancos estadunidenses.

O cineasta afirmou que sua intenção ao incluir novas cenas ao clipe foi a se “continuar a luta por igualdade para todos”.

“Grandes canções de protesto não podem ficar velhas, obsoletas ou irrelevantes, porque a luta continua. É por isso que ‘They Don’t Care About Us’ é o hino durante este mundo caótico e pandêmico em que todos estamos vivendo”, declarou Spike Lee.

Assista a versão atualizada de “They Don’t Care About Us” aqui:

 

Victor Farinelli

Victor Farinelli

Jornalista formado pela Universidade Católica de Santos, há 15 anos é correspondente na Argentina (2004 e 2005) e no Chile (desde 2006).

“RESISTIR É PRECISO”: SÉRIE NA NARRA TRAJETÓRIA DA IMPRENSA ALTERNATIVA E CLANDESTINA NA DITADURA

Agosto 29, 2020

 

No primeiro capítulo:  Millôr Fernandes, José Luiz del Roio, Chico e Paulo Caruso, Carlos Azevedo, Claudius, Cypriano Barata, Pagu, Oswaldo de Andrade, Astrojildo Pereira, Barão de Itararé, entre outros

Na Associação Brasileira de Imprensa (ABI)

A ABI e o Instituto Vladimir Herzog têm o prazer de apresentar a série “Resistir é Preciso…”, com 10 capítulos que narram, pela primeira vez na TV brasileira e no Youtube, a trajetória da imprensa alternativa, clandestina e a feita no exílio, durante o regime militar (1964-1985).

A série, dirigida pelo jornalista Ricardo Carvalho e apresentada por Othon Bastos, já foi exibida no History Chanel, na TV Brasil, com a produção da TC filmes e apoio da TVM-documentários.

Toda segunda e toda quinta-feira, a partir do meio dia, você vai assistir aqui no site da ABI a um novo capítulo. E se perder, não tem problema, a série vai ficar aqui hospedada.

1º. capítulo: “como tudo começou…”

No primeiro capítulo, o de hoje, “Como tudo começou…”, além de lembrar que o nosso primeiro jornal – Correio Brasiliense – foi feito no exterior e chegou ao Brasil clandestino, você vai conhecer trechos de alguns momentos eletrizantes da série. E mais. Estão neste primeiro capítulo, entre outros:  Millôr Fernandes, José Luiz del Roio, Chico e Paulo Caruso, Carlos Azevedo, Claudius, Cypriano Barata, Pagu, Oswaldo de Andrade, Astrojildo Pereira, Barão de Itararé…

A irreverência e o humor do Barão de Itararé

Este segundo episódio,  “Um barão que não é barão faz escola e cria um estilo”, é dedicado, integralmente, ao jornalista, humanista, frasista, humorista e comunista  Aparício Torelli, o Barão de Itararé.

São muitas as sacadas e as histórias que cercam o barão e uma delas envolve a ABI, que prestou uma grande homenagem a ele. Havia muita tensão política e se acreditava que a polícia poderia aparecer para “dar porrada na boca” de todo mundo. Só que não aconteceu nada. E o barão cravou mais uma das suas frases: “Tem alguma coisa no ar, além dos aviões de carreira”. Há quem diga que esta homenagem precipitou o fim do Estado Novo.

Para Jorge Amado “mais do que pseudônimo, Barão de Itararé foi um personagem vivo e atuante, uma espécie de dom Quixote nacional, malandro, generoso e gozador, a lutar contra as mazelas e os mal feitos”.

Fernando Moraes, biógrafo de Assis Chateaubriand, garante que o barão teria sido o único ser humano que conseguiu passar a perna no Chatô. Na própria biografia, está a reposta do Chatô: “eu sabia que este filho da puta era comunista”.

Bom divertimento, que a gente merece.

Por Ricardo Carvalho, diretor da ABI em São Paulo

A JORNALISTA-ESCRITORA MÁRCIA ANTONELLI ENTREVISTA O FILÓSOFO-POETA DA TRANS VERSALIDADE, MARCOS NEY

Agosto 29, 2020

PRODUÇÃO ESQUIZOFIA.

 

Márcia Antonelli é uma artista que escapa da imobilidade da semiótica-paranoica do sistema de opressão e sujeição capitalista. Como escritora sempre se colocou na pós-vanguarda: o sujeito não sujeito que não se submete a força-sedutora fantasmagórica da sociedade de consumo.

Márcia, como escritora, cria, como diz o psiquiatra-filósofo, Félix Guattari, em deslocamento-maquínico: o que escapa da força imobilizadora do estruturalismo. Márcia, em seu escritos, se desloca sem ligar para os enunciados que iludem através de suas ofertas de recompensas-fálicas. A vantajosa forma que os fantasmagorizados põem fé: o reconhecimento pelas classes alienadas. Márcia Antonelli é Márcia Antonelli nela mesma. Nada além de si mesma.

Pois foi exatamente essa Márcia Antonelli, com formação e desenformação literária universitária, mas composição-comunalidade-literária quem entrevistou o outsider, o aritista-maldito, o que escapa das determinações-paranoicas do sistema-delirante-capitalístico, Marcos Ney.

Marcos Ney, é o tipo-original do cara que entendeu o grafiteiro uruguaio que escreveu em um muro o marxismo sem universidade-institucionalizada no glamour burguês: “Quem trabalha não tem tempo para ficar rico”. Marcos Ney sabe que a riqueza da burguesia é produto da sua inutilidade-produtora. Sua preguiça-social. De sua negação do real sustentada pela potência-produtiva do trabalhador. O burguês fica rico porque o trabalhador, que não tempo para ficar rico, trabalha para ele.

É nesse contexto, sem texto, das implicações da transversalidade, a possibilidade de mudança mesmo na ignorância do que pode e deve ser mudado, que Marcos Ney cria suas obras-literárias. Escapa da opressão horizontal-vertical da percepção-concepção-burguesa.. Por tal, quem nunca leu o psiquiatra-filósofo Félix Guattari, ao se envolver com as criações de Marcos Ney entende o psiquiatra-filósofo. Suas obras, esquizas, não contemplam os enunciados bem postos, e bem agraciados, da chamada literatura-clássica sem sequer desconfiarem que jamais Shakespeare foi clássico.

Então, moçada, vocês que em seus deslocamento ouviram o bizum-transversal  atentem para a entrevista de Márcia Antonelli, em sua TV Literatura da Gente do Amazonas, cujo talento auxiliou a performance-transversal de Marcos Ney.

Vamos nessa, que deixar de ser reificado é bom à beça.  

 

COMEÇA NESTA SEXTA-FEIRA (28) A 5ª EDIÇÃO DO FESTIVAL INTERNACIONAL DE CINEMA LGBTI

Agosto 28, 2020
LGBTI

Festival foi organizado pelas embaixadas estrangeiras no Brasil em parceria com o coletivo #VoteLGBTI e será gratuito

Redação
Belo Horizonte | Brasil de Fato MG |

 

mulher trans, glitter, fundo escuro
Cena do filme “Meu Corpo é Político” (Alice Rieff, 2017). O filme aborda o cotidiano de quatro militantes LGBT que vivem em periferias de São Paulo. – Crédito: Reprodução

A 5ª edição do Festival Internacional de Cinema LGBTI começa na sexta-feira (28) e vai até domingo (30). Desta vez, o evento será inteiramente online e gratuito pela plataforma LGBTFLIX, que já reúne 250 filmes de temática LGBT+. Quatorze filmes de diversos países vão compor a mostra passando por temas diversos, como: intersexualidade, transição de gênero, cultura drag, velhice entre os LGBTs, vidas na periferia e visibilidade lésbica.

 Festival acontece de 28 a 30 de agosto e envolve parceria entre embaixadas de 14 países

 

O evento

Anteriormente realizada em Brasília, a mostra deste ano se hospeda no meio digital. O evento é promovido por uma união de missões diplomáticas coordenada pela Embaixada da Bélgica, com participação das embaixadas da Alemanha, Austrália, Áustria, Dinamarca, Eslovênia, Espanha, Irlanda, Países Baixos e Uruguai, e em parceria com a Delegação Europeia no Brasil. Além do apoio institucional das embaixadas do Canadá, Suécia, Suíça e Estados Unidos.

As produções brasileiras têm exibições viabilizadas por meio da parceria com o coletivo #VoteLGBT, que busca aumentar a representatividade das pessoas LGBT+ em todos os espaços da sociedade, principalmente na política.

 Plataforma LGBTFLIX reúne 250 filmes de temática LGBT+

 

Programação completa

Todos os filmes estarão disponíveis na plataforma no período de 28 de agosto, a partir das 18h, até as 23h59 do dia 30 do mesmo mês. A exceção é o  filme ‘Erik&Erika’, que será transmitido, apenas, às 20h do dia 29 de agosto.

O Terceiro Casamento (Troisièmes Noces). Dir. David Lambert. 2018. 100 min. Bélgica. 14 anos.

Recentemente viúvo e dominado pelo luto, Martin é um gay de 50 e poucos anos que aceita a proposta de um amigo para se casar com Tamara, uma congolesa de 20 anos. Esses dois seres tão diferentes terão que acreditar nesse amor arranjado diante das autoridades migratórias, mas se fingirem por muito tempo poderão encontrar uma forma particular de se amarem.

52 Terças-feiras (52 Tuesdays). Dir. Sophie Hyde. 2013. 104 min. Austrália. 16 anos.

Aos 16 anos, a trajetória da menina Billie para uma vida independente é acelerada quando sua mãe revela planos de transição de gênero. Ela é obrigada a se mudar para a casa do pai, e agora só pode ficar ao lado de sua mãe nas tardes de terça-feira, momentos em que aprende sobre afeto e sexualidade.

Erik&Erika. Dir. Reinhold Bilgeri. 2018. 89 min. Áustria. 16 anos. (Este filme tem exibição única às 20h de sábado, dia 29)

Erika Schinegger é uma estrela do esqui que se tornou sensação na mídia. Foi aclamada como esquiadora campeã até que um teste de sexo determinou que ela era ele – e Erik(a) passou por rejeição e acusação de fraude. Essa história baseada na vida real configura um conto sobre os tabus da sociedade nos anos 1970.

Os Golfinhos Vão para o Leste (Las toninhas van al Este). Dir. Gonzalo Delgado, Verónica Perrota. 2016. 83 min. Uruguai. 16 anos.

Miguel Angel é uma celebridade extravagante da televisão cujo ápice da fama ficou no passado. Vive recluso em Punta del Este e não encontra sua filha Virginia há anos. Ela decide visitar o pai para retomar o relacionamento, mas ele resiste até ser informado que irá se tornar avô pela primeira vez.

Galore. Dir. Dylan Tonk, Lazlo Tonk. 2019. 74 min. Países Baixos. 14 anos.

Após quase uma década nos palcos, Lady Galore é uma figura valorizada na cena drag europeia. Mas tanta dedicação tem seu preço. Sander den Baas, o homem que dá vida a Lady Galore, passa por problemas de saúde e precisa fazer uma cirurgia de redução de estômago. Ele poderá ficar mais saudável, mas o que restará de Lady Galore?

Amphi. Dir. Mathias Broe. 2018. 30 min. Dinamarca. 14 anos.

Três jovens que não se conhecem são colocados em um anfiteatro abandonado e começam a trabalhar em um projeto de arte que envolve seus corpos. Uma intimidade se desenvolve entre eles, e conversas sobre fluidez sexual emergem. Os estranhos se tornam confidentes e suas vergonhas, medos e segredos acabam sendo revelados. 

Nobody Passes Perfectly. Dir. Saskia Bisp. 2009. 43 min. Dinamarca. 14 anos.

A coragem de alguém que decide mudar radicalmente é contada com sutileza. Tomka namora Lotte e vai passar por um processo de transição de gênero. O que essa nova fase vai mudar no relacionamento é uma questão que intriga as personagens. Uma reflexão que questiona o entendimento de gênero centrado em perspectivas biológicas.

Por 80 Dias (80 Egunean). Dir. José Mari Goenaga, Jon Garaño. 2010. 105 min. Espanha. Livre.

Axun é uma mulher de 70 anos. Um dia ela precisa ir ao hospital e esbarra com Maitê, sua amiga da adolescência. Elas logo percebem que a afinidade continua a mesma de cinquenta anos atrás e se divertem muito com o reencontro. Até que Axun descobre que Maitê é lésbica, o que resulta em sentimentos conflituosos.

Meu Corpo é Político. Dir. Alice Riff, 2017, 71 min, Brasil. 12 anos.

O filme aborda o cotidiano de quatro militantes LGBT que vivem em periferias de São Paulo. A partir da intimidade e do contexto social dos personagens, o documentário levanta questões contemporâneas sobre a população trans e suas disputas políticas.

Quebramar. Dir. Cris Lyra, 2019, 27 min, Brasil. Livre.

Jovens lésbicas de São Paulo viajam a uma praia deserta para passar o Ano Novo. Lá, constróem refúgio físico e emocional para seus corpos e afetos através da amizade e da música. Nesse ambiente seguro e de cuidados mútuos, podem relaxar.

Terra sem Pecado. Dir. Marcelo Costa, 2019, 20 min, Brasil.

O documentário em curta-metragem tem como proposta principal abordar a questão da diversidade sexual entre os indígenas do Brasil. Atualmente os indígenas LGBT+ sofrem preconceito dos próprios parentes, que reproduzem um comportamento que não faz parte de suas tradições. E quando saem de suas aldeias para os centros urbanos, sofrem duplo preconceito, por serem indígenas e por serem LGBT.

MC Jess. Dir. Carla Villa-Lobos, 2018, 20 min, Brasil. 14 anos.

Jéssica tem que enfrentar o preconceito cotidiano. Encontra na arte uma forma de se expressar e superar suas inseguranças.

Minha História é Outra. Dir. Mariana Campos, 2019, 22 min, Brasil.

O amor entre mulheres negras é mais que uma história de amor? Niázia, moradora do Morro da Otto, abre a sua casa para compartilhar as camadas mais importantes na busca por essa resposta. Já a estudante de direito Leilane nos apresenta os desafios e possibilidades de construir uma jornada de afeto com Camila.

Que os olhos ruins não te enxerguem. Dir. Roberto Maty, 2019, 74 min, Brasil. 

O documentário se propõe a discutir a diversidade de gênero, classe e raça dentro da comunidade LGBTQIA+ na periferia de São Paulo. São personagens percorrendo a metrópole ao mesmo tempo que narram suas vidas, seus sonhos e afetos.

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Fonte: BdF Minas Gerais

Edição: Elis Almeida

LIVRO: AMAURY RIBEIRO JR., LANÇA O LIVRO ‘PODEROSOS PEDÓFILOS’, DESMASCARANDO “CIDADÃOS DE BEM”

Agosto 28, 2020
Desmascarando “cidadãos de bem”, Amaury Ribeiro Jr. expõe pedófilos bolsonaristas e outros moralistas sem moral
O pastor Everaldo em campana por Witzel; foi o presidente do PSC quem batizou Bolsonaro nas águas do rio Jordão. Eduardo Cunha com Bolsonaro, tucanos e o MBL e a pastora Flordelis com a primeira-dama Michelle e o marido que mandou assassinar.

28/08/2020.

Da Redação

Desde que a ex-presidenta Dilma Rousseff falou em “moralistas sem moral” e que “não ficaria pedra sobre pedra” depois do golpe de 2016, foi justamente isso o que aconteceu.

Começou naquele dia sombrio em que a Câmara dos Deputados desferiu um golpe contra Dilma, abrindo processo de impeachment sem crime de responsabilidade, inspirada no corrupto Aécio Neves e capitaneada pelo corrupto Eduardo Cunha, com articulação nos bastidores do corrupto Michel Temer.

Cunha, ao votar, disse “que Deus tenha piedade desta Nação”.

Antes e depois dele, moralistas sem moral falaram em Deus, nos filhos e na família para justificar seus votos — dezenas foram desmascarados posteriormente como corruptos e envolvidos em maracutaias.

Mais recentemente, foi a vez da pastora evangélica Flordelis, que se diz amiga da primeira dama Michelle e da ministra Damares e é acusada de, com a ajuda da família — descrita por um delegado de polícia como “organização criminosa” — tentar envenenar e depois assassinar o marido pastor Anderson com 30 tiros.

Hoje foi a vez do pastor Everaldo, presidente nacional do Partido Social Cristão (PSC), preso com autorização do STJ por suspostas irregularidades associadas ao governo de Wilson Witzel, do Rio de Janeiro, afastado do cargo — outro que se elegeu em nome do combate à corrupção.

É importante lembrar que foi o pastor Everaldo quem batizou o candidato Jair Bolsonaro nas águas do rio Jordão — oportunismo eleitoral para garantir votos de eleitores evangélicos.

Agora, o jornalista Amaury Ribeiro Jr. pega pesado, lançando um livro em que denuncia Poderosos Pedófilos, alguns dos quais bolsonaristas defensores de Deus e da família:

Livro mostra “cidadãos de bem” que, na verdade, são “Poderosos Pedófilos”

Da assessoria da Matrix

Amaury Ribeiro Jr., premiado jornalista, autor do best-seller “A Privataria Tucana”, investiga casos de abuso sexual praticados por juízes, delegados, empresários e policiais corruptos

Sociopatas disfarçados de cordeiros.

Homens ditos de “bem”, pais de família exemplares e religiosos, com profissões de destaque e de poder social.

Esse é o perfil dos abusadores sexuais investigados pelo premiado jornalista Amaury Ribeiro Jr. em Poderosos Pedófilos.

“Cidadãos de bem” que exploram e roubam a infância no Brasil, livro-reportagem que está sendo lançado pela Matrix Editora.

A obra é resultado de mais de 20 anos de investigação sobre a exploração sexual de crianças e adolescentes na região da Amazônia e relata casos ocorridos entre o final de 1990 até os dias atuais.

De um lado estão as crianças pobres, órfãs, com famílias desestruturadas, vendidas, às vezes pelos próprios pais ou tutores, ao mercado do sexo.

Do outro, escondem-se poderosos pedófilos: políticos, empresários, policiais corruptos, procuradores e juízes, que usam o poder para comprar a virgindade e a infância dessas crianças.

Segundo dados do Ministério da Saúde, em 2018, foram registrados mais de 32 mil casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes no Brasil.

De 0 a 9 anos, 75% das vítimas são meninas. De 10 a 19, as vítimas meninas somam 92%.

As agressões (entenda-se por “estupro”) ocorrem prioritariamente em casa e perpetradas pelo pai, padrasto ou um conhecido da família.

Uma média de 3 agressões por hora.

De cada 10 casos, 7 são de crianças e adolescentes.

A pedofilia está entre as doenças classificadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) entre os transtornos da preferência sexual.

A maioria dos pedófilos são homens, que se escondem sob o manto da moralidade e dos bons costumes e são difíceis de serem reconhecidos.

Com comportamento social que não levanta qualquer suspeita, eles frequentam igrejas e clubes, adotam discurso contra movimento sociais e – em alguns dos vários casos retratados por Amaury Jr. na obra – são apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, da política de legalização das armas e têm aversão a índios, negros e movimentos feministas.

Em comum, os pedófilos apresentam outras anomalias: egocentrismo, narcisismo, tirania, certeza da impunidade, apego a bens materiais, falso moralismo e, sobretudo, falta de remorso e compaixão pelas vítimas.

“’Índio bom pra mim é índio morto’, afirmava, nos corredores do Palácio do Governo de Roraima, o ex-procurador-geral de Justiça de Roraima Luciano Queiroz, que cumpre pena no quartel da Polícia Militar por estupro de vulnerável e exploração sexual de crianças e adolescentes. Das garras do poderoso homem da Justiça não escapavam nem mesmo meninas de 6 anos de idade”, diz o jornalista Amaury Ribeiro Jr.

Nascido em Londrina (PR), com 35 anos de anos de carreira e passagens pelos maiores veículos de comunicação do país (O Globo, Jornal do Brasil, Correio Braziliense, IstoÉ), Amaury venceu os principais prêmios de jornalismo: Esso (3 vezes), Embratel (2 vezes), Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos (4 vezes), Prêmio Rei da Espanha (menção especial).

Outro caso emblemático retratado no livro é do empresário amazonense Fabian Neves dos Santos, preso em flagrante no motel Safári, em Manaus, estuprando uma criança de 13 anos.

Ele havia comprado a virgindade da criança por intermédio da tia, uma cafetina.

Chamava as vítimas de “mercadorias” e tinha preferência por meninas “sem peito e sem pelinhos”, normalmente índias virgens.

Conhecido por sua obsessão pela liberação do porte de armas, Fabian era dono de uma empresa de segurança em Manaus.

Nas redes sociais, durante a campanha de 2018, se apresentava como um dos defensores mais radicais da candidatura a presidente de Jair Bolsonaro, das bandeiras de moralismo na família e Tradição, Família e Propriedade (TFP).

No final de 2019, Fabian foi condenado pela Justiça a 61 anos de prisão por estupro de vulnerável.

Segundo o autor, o problema não está necessariamente na legislação brasileira, mas em quem as aplica.

O Código Penal considera crime a relação sexual ou ato libidinoso (todo ato de satisfação do desejo ou apetite sexual da pessoa) praticado por adulto com criança ou adolescente menor de 14 anos.

O ECA é um marco na defesa das vítimas, considera crime, inclusive, o ato de “adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente”.

Algo fundamental, já que o Brasil é o campeão no ranking de consumo de pornografia infantil.

Enquanto a cultura do estupro for uma realidade e poderosos investigarem e julgarem os casos por um viés machista e misógino, muitas vezes cúmplices ou sendo os próprios pedófilos, a exploração sexual infanto-juvenil persistirá no país.

PS do Viomundo: Amaury é co-autor do livro O Lado Sujo do Futebol com o criador deste site, Luiz Carlos Azenha.

GRANDE PRÊMIO DO CINEMA BRASILEIRO DIVULGA FINALISTAS COM BACURAU LIDERANDO INDICAÇÕES

Agosto 27, 2020

Publicado em 27 agosto, 2020.

Do Diário do Pernambuco.

A Academia Brasileira de Cinema e Artes Audiovisuais divulgou, nesta quinta-feira (27), os finalistas do 19º Grande Prêmio do Cinema Brasileiro. A premiação será no dia 10 de outubro, com cerimônia transmitida pela TV Cultura. A abertura dos envelopes com os vencedores será ao vivo e o Troféu Grande Otelo será entregue diretamente na casa de cada um deles, depois da premiação. Entre os destaques desta edição está o pernambucano Bacurau, com um total de 15 indicações.

Os finalistas concorrem em 32 categorias e foram escolhidos em votação pelos sócios da Academia. Liderando em indicações está Bacurau, dirigido por Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, seguido por A Vida Invisível, de Karim Aïnouz (14 indicações) e Simonal, de Leonardo Domingues (10 indicações). Na categoria de Melhor Longa-metragem Ficção também concorre o pernambucano Divino Amor, de Gabriel Mascaro. Já em Melhor Documentário, o longa Estou me Guardando para Quando o carnaval chegar, de Marcelo Gomes, representa a produção pernambucana na categoria.

A lista reúne um total de 200 profissionais indicados, 35 longas-metragens brasileiros e 10 longas estrangeiros. Ao todo, este ano também estão na disputa 15 curtas brasileiros. No ano em que o Grande Prêmio homenageia coletivamente a indústria audiovisual, foram inscritos mais de 1.300 profissionais nas diferentes categorias, 81 longas de ficção, 56 longas documentários, 64 curtas-metragens, 82 séries brasileiras, 37 longas-metragens internacionais, 14 longas ibero-americanos.

(…)

“TIREM AS CERCAS”: CANÇÃO DENUNCIA RACISMO E VIOLÊNCIA CONTRA POVOS TRADICIONAIS

Agosto 27, 2020
LANÇAMENTO

Videoclipe da compositora maranhense Regiane Araújo será lançado com produção da Guajajara Filmes, de São Luís (MA)

Mariana Castro
Brasil de Fato | Imperatriz (MA) |

 

Com selo Guajajara Filmes, videoclipe é financiado com recursos coletivos. – Arquivo pessoal

A cantora, compositora e cientista social Regiane Araújo prepara seu primeiro videoclipe, com a música “Tirem as Cercas”. Na composição, ela aflora reflexões sobre o racismo e a violência contra os povos tradicionais no Maranhão, um dos estados mais marcados pela opressão e impactos de grandes projetos minerários, pecuários e extrativistas. Com lançamento oficial agendado para dia 11 de setembro, o pré-lançamento do single e videoclipe acontece nesta sexta-feira (28), às 20h, no instagram da artista.

O alento para a composição se deu a partir de um compilado de experiências vividas pela cantora através do grupo de pesquisas do qual faz parte, o LIDA – Lutas Sociais, Igualdade e Diversidade. O grupo tem forte atuação junto aos movimentos sociais da região e Araújo relembra uma dessas vivências, em que conversou com uma liderança do Movimento Quilombola do Maranhão (MOQUIBOM), durante uma ocupação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), em 2015.

“Ele me trouxe várias imagens do território dele, do quilombo, que eram dos babaçuais cortados, das vegetações devastadas por tratores de fazendeiros que diziam ser donos do território. À medida que ele foi me mostrando as fotos, ele foi chorando e aquilo marcou muito, porque foi uma das primeiras conversas fortes que eu tive com uma liderança quilombola”, lembra.


Em show autoral, a artista recebe Ana Gavião, do Território Indígena Governador. / João Lucas

Um dos trechos retrata esse diálogo e a dor compartilhada.“No corredor queria apenas desabafar e corre a dor que silencia quem quer falar… você escuta do lado de dentro de todo perigo da vida de todo absurdo. Do lado de fora sofremos na pele o racismo, o machismo, a sujeira do mundo”, reproduz a artista.

Com produção e direção da Guajajara Filmes e RZK Filmes, o lançamento oficial do videoclipe está previsto para setembro, em todas as plataformas digitais. A parceria surgiu a partir de um desafio pessoal da produtora Thaís Lima, que durante a pandemia se propôs a trabalhar novos formatos e reflexões e durante uma live da cantora, enviou o convite ao vivo.

“A gente aproveitou esse tempo para produzir, para trazer algo interessante durante a pandemia. Tanto a letra da música, quanto tudo o que foi construído dialoga com o que a gente está vivendo, que é um desassistir. Não há uma assistência para os povos e comunidades tradicionais. Então a gente teve um cenário muito violento do final do ano passado e começo desse ano contra lideranças indígenas que foram assassinadas aqui no Maranhão”, explica Araújo. 

:: Destaque no Masterchef, arroz de cuxá maranhense tem raízes africanas ::

As imagens do videoclipe, em ritmo de reggae, foram feitas em seis ambientes e reforçam o direito pela terra. Elas foram gravadas em lugares simbólicos de resistência na região. O lugar, a casa e o lar são componentes da letra, marcada também pela lembrança fotográfica da entrada da aldeia de Ipu, do povo indígena Guajajara, com paredes de matas e flores:“tirem as cercas, deixem as flores que pintam de todas as cores toda a liberdade da paz do lar: território livre já!”, diz o verso.

O processo de produção, desde sua concepção até a montagem de figurino, que conta com dez pessoas no set e vinte diretamente envolvidas, foi possível graças aos recursos arrecadados de lives e uma rede de apoio de mais de trinta pessoas.

O pré-lançamento online terá a participação física de alguns colaboradores, seguindo os protocolos de segurança.“É uma troca simbólica. Tem um custo muito alto da produção do videoclipe que eu preciso me desdobrar e me movimentar para arrecadar recursos para isso, e os meus maiores apoiadores têm sido as pessoas que tem ajudado até agora”, conta Araújo.

Edição: Leandro Melito

BENJAMIN E BRECHT: CULTURA E LUTAS DE CLASSE

Agosto 26, 2020

Embora os “Ensaios sobre Brecht”, de Walter Benjamin, tenham obtido a sua primeira edição brasileira apenas em 2017, eles, sem sombra de dúvida, ainda não receberam a atenção devida.

Bertolt Brecht e Walter Benjamin em Svendborg, Dinamarca, 1934. Foto de autoria desconhecida.

Por Lindberg Campos.

Arte como produção

Pode-se afirmar que uma das maiores contribuições de Walter Benjamin – principalmente para o que veio posteriormente a se constituir como teoria literária – foi o seu conjunto de reflexões a respeito da materialidade da produção artística. Por sinal, ele fez parte de uma geração que compreendeu que a cultura de maneira geral já havia deixado de ser meramente “estruturas de significado” para se metamorfosear em mercadorias produzidas por um complexo industrial e para abastecer um mercado em rápida expansão, o qual, por sua vez, compreendia condições e relações de produção, distribuição e consumo (EAGLETON, 2002, p. 55). Evidentemente que isso não eclipsa o fato da arte ser o “mais altamente mediado dos produtos sociais na sua relação com a base econômica”. É provavelmente por isso que o estudo dos produtos culturais, na sua totalidade (estruturações individuais e coletivas, escoamento e recepção), pode verdadeiramente nos revelar aspectos da nossa dinâmica sócio-histórica que outras dimensões menos mediadas do que a cultura não podem. Dito de outro jeito, por mais que a produção artística tenha um chão composto de relações materiais de produção, ela lida com a “consciência humana” de uma maneira que nenhuma outra atividade lida e, graças a isso, a sua compreensão nos devolve e antecipa elementos difusos que não estão imediatamente acessíveis por outros modos menos sensivelmente mediados. Aliás, lembremos que o que tem se chamado de estética desde o século XVIII, originalmente se restringia à captura por meio dos órgãos sensoriais e só depois passou a ser visto na sua relação com o espírito, o intelecto ou o cultivo das faculdades mentais. Na organização dessa disciplina filosófica autônoma, realizava-se, sob o gênio do idealismo alemão, a conquista daquela unidade perdida entre arte, religião e ciência. Essa emancipação já anunciava a independência formal do fazer artístico e prenunciava a “instituição arte”; em outras palavras, a formação de um mercado cultural é indissociável da autonomização do gosto e do juízo do sujeito burguês. Ao que tudo indica, foi a partir de um embate crítico com o melhor do pensamento idealista alemão que Benjamin e Bertolt Brecht, a par dos ganhos e das perdas daquela empreitada, desenvolvem suas ideias sobre as ligações entre produção de cultura e luta política.

 

Assim, para marxistas como eles, “arte é uma forma de produção social”, o que não significa dizer que a base socioeconômica é um ente externo a ser deixado para sociólogos da literatura elencar, mas “um fato que determina intimamente a própria natureza da arte” (Ibid., p. 56). Ou, nos termos de um professor de literatura, no processo de estruturação das obras individuais, esses aspectos apenas aparentemente externos passam a constituir a arquitetônica das obras, determinando-se mutuamente, visto que não somente são as principais condições de possibilidade, como também passam a ser subordinados à lógica interna das mesmas, tornando-se, desse modo, aspectos internos às obras individuais (CANDIDO, 2006, p. 13-14).

A primeira consequência dialética da linha de raciocínio de Benjamin é justamente a verificação de traços potencialmente progressistas advindos da destruição daquela realidade aurática da obra de arte única e individual perpetrada pela sociedade industrial (Ibid., p. 59). Apesar de nada estar garantido de antemão, é possível vislumbrar a emergência das precondições para a instauração de uma relação mais transparente e autoconsciente entre produtores e consumidores de cultura, bem como a possibilidade do fim virtual dessas relações tal como as conhecemos. Nesse ensaio, tentaremos reconstruir o argumento de Benjamin de modo a recuperar algo da radicalidade da sua crítica cultural materialista – normalmente deixada de lado em nome da sua produção, digamos assim, mais abstrata – a partir, como diria Brecht, dos maus e novos problemas e não dos bons e velhos problemas. Dessa maneira, quem sabe, poderemos auxiliar na melhor compreensão de que um livro, uma telenovela, uma música, uma reforma urbanística ou um videoclipe deveriam começar a ser levados mais a sério e de modo mais criterioso, pois atuam politicamente a todo o tempo e, na imensa maioria das vezes, de forma imperceptível.

O autor como produtor

Embora os Ensaios sobre Brecht, de Walter Benjamin, tenham obtido a sua primeira edição brasileira apenas em 2017, eles, sem sombra de dúvida, ainda não receberam a atenção devida. Hoje sabemos que apesar de Benjamin jamais ter conseguido publicar em vida um estudo de grande fôlego sobre Brecht, desde pelo menos 1932, ele tinha planos para um livro inteiro dedicado a Brecht; Benjamin chegou a escrever onze trabalhos exclusiva ou parcialmente sobre o dramaturgo, mas somente cinco deles foram publicados durante a vida do filósofo (WIZISLA, 2009, p. 98).

De fato, a despeito do fato inelutável de que a totalidade da obra benjaminiana seja incompreensível sem um olhar atento à influência brechtiana, tal dimensão mais militante não raramente foi ignorada ou vista como enganos juvenis, desvios autoritários, ilusões passadistas, arroubos totalitários ou ingenuidades utópicas. Uma das investidas mais notórias foi desferida por um nome, já naquela época, bastante consagrado no mundo acadêmico internacional – Hannah Arendt –, que não apenas excluiu Brecht na sua apropriação bastante contestável de Benjamin, mas também usou sua projeção no semanário estadunidense The New Yorker para atacar aquele sem nunca apresentar nenhuma prova que confirmasse as suas desqualificações muito bem-vindas daquele lado da cortina de ferro. Efetivamente, insinuações, calúnias e acusações, daquele e de outros tipos, foram uma constante na vida de Brecht e se acentuaram dramaticamente durante a chamada Guerra Fria, tanto na Alemanha Ocidental ocupada pela CIA quanto na Alemanha oriental ocupada pela KGB. Tal episódio vale ser mencionado porque serve como ilustração da máquina anticomunista e devido à boa reputação que aquela filósofa tem gozado em meios acadêmicos ditos de esquerda e até socialistas. Dito de maneira bastante resumida: a professora de filosofia política supracitada fez um ‘perfil’ de Brecht e chegou ao ponto de afirmar, entre outros impropérios e sem nunca ter provado ou se retratado, que Brecht havia escrito “odes a Stálin”, certamente com o intuito mesquinho de dissociá-lo de Walter Benjamin e de neutralizar toda a teoria de ambos. Para uma descrição detalhada do ocorrido, bem como da ausência de provas das alegações por parte de Arendt e da troca de correspondências que resultou em uma passagem um tanto vexaminosa para ela, ver (WILLET, 1998 p. 227-234).

Bertolt Brecht e Walter Benjamin em Svendborg, Dinamarca, 1934. Foto de autoria desconhecida.

Esse esforço sistemático de separar Benjamin e Brecht, por um lado, e de atacar este para atenuar as posições políticas daquele, pode ser explicado, em parte, graças às várias frentes de batalha que esses textos sobre Brecht abrem: a santa aliança da mistificação burocrática, que religiosos, reacionários, liberais, socialdemocratas e stalinistas têm celebrado no intuito de manter os trabalhadores sem referência crítica e desorganizados, é o alvo prioritário da parceria entre Benjamin e Brecht. Com efeito, essas teses incomodam profundamente tanto os advogados da ordem, que se escondem atrás do saudosismo da ideologia burguesa da autonomia da arte, a qual se transformou em senso comum, quanto os partidários do mecanicismo campista, os quais, via de regra, partem do pressuposto torpe de que basta uma posição política minimamente explícita e correta para que toda e qualquer capitulação teórica e artística seja aceitável.

Foi levando isso em consideração que, Brecht e Benjamin, desde muito cedo, perceberam que, na realidade, uma tendência política verdadeiramente emancipadora é indissociável de uma qualidade artística, caso contrário ela definitivamente não é aquela. Passemos a palavra para Benjamin para vermos como ele próprio resolve a questão:

“A tendência de uma poética só pode ser correta politicamente se também for correta literariamente. Isso quer dizer que a tendência literária, que está contida de maneira implícita ou explícita em cada tendência política correta, por si só define a qualidade da obra. Por essa razão, a tendência política correta de uma obra abrange sua qualidade literária – porque ela abrange sua tendência literária.”

Walter Benjamin, “O autor como produtor”, em: Ensaios sobre Brecht (trad. Claudia Abeling, Boitempo, 2017, p. 86)

A propósito, pode-se dizer, sem muito medo de errar, que esse ensaio – “O autor como produtor” (Der Autor als Produzent) – concentra as principais teses que vão atravessar todos os outros contidos na coletânea e que ele representa um marco para todos aqueles interessados no processo de tomada de consciência de classe por parte do proletariado como um todo e dos trabalhadores da cultura (artistas, escritores, professores, jornalistas, cientistas etc.) em particular. No entanto, não se deve perder de vista que as próprias circunstâncias desse texto são enormemente eloquentes, sobretudo uma vez que estamos diante de algo escrito em 1934, ou seja, uma formulação construída já sob uma experiência de exílio imposta pelo assalto ao poder pelo bando nazista e a subsequente instalação do regime de perseguição, encarceramento, tortura e assassinato de trabalhadores socialistas e de outros bodes expiatórios para o colapso da economia capitalista alemã. Mais ainda: Benjamin confeccionou esse escrito como uma palestra para outros escritores engajados na luta contra a barbárie fascista; dado que já faz esse ensaio transitar de uma mera especulação teórica para a posição de uma intervenção militante, principalmente porque tem como objetivo primordial contribuir para a organização daquela e de outras lutas contra a opressão e a exploração.

Benjamin parte da falsidade dos pressupostos de um debate persistente e apenas compreensíveis dentro das circunstâncias da modernidade burguesa (aquele entre engajamento e autonomia – esta, por sua vez, convenientemente confundida com liberdade e dissociada da sua real condição de subordinação à “mão invisível do mercado”), que tem como principais porta-vozes os mais variados tipos de individualismo liberal. De fato, essa intervenção, a um só tempo teórica e política, não pode ser totalmente compreendida, como já pontuado mais acima, sem a motivação de combate permanente à contrarrevolução fascista, que se alastrava por toda a Europa, posto que esse fato por si só tornava ideias ligadas a uma suposta autonomia do fazer cultural pura ingenuidade, para dizer o mínimo. Nesse sentido, a realidade histórica não apenas tinha revogado objetiva, ainda que temporariamente, o delírio liberalizante, como também tinha ajudado aqueles trabalhadores a avançar na compreensão de que o engajamento por si só não bastava. Por sinal, o ensaio tem uma epígrafe de Ramon Fernandez, escritor francês de origem mexicana, que traduz bem o sentido do que estava em jogo: “É preciso trazer os intelectuais para o lado da classe trabalhadora, ao fazê-los tomar consciência da identidade de suas incursões espirituais e de sua condição de produtores” (Ibid., p. 85).

Isso equivale a dizer que estimular certo voluntarismo, culpa ou empatia moralistas naqueles que trabalham com as ideias não era algo suficiente. Em vez disso, a ambição deveria estar na explicitação da derrota do terror fascista e a correspondente vitória do conjunto dos trabalhadores na construção do socialismo como as condições de possibilidade objetivas do próprio trabalho intelectual, já que somente a transformação de consumidores em produtores poderia garantir a continuação e a expansão da relevância social da cultura no seu sentido mais amplo. Afinal, apenas a um número deveras restrito de trabalhadores poderia interessar o processo de crescente privatização da propriedade dos meios de produção e circulação culturais (teatros, editoras, jornais, escolas, revistas, museus, universidades, estúdios, laboratórios etc.), especialmente porque a alienação de uma enorme massa de consumidores de cultura das novas ferramentas de trabalho só poderia significar uma correspondente redução quantitativa e qualitativa das forças produtivas intelectuais e até a sua extinção virtual. Dito em outros termos, o monopólio aprofundava a separação entre produtores e consumidores à medida que dinamitava as condições daqueles e ampliava estes quantitativamente.

Isso é mais ou menos o mesmo que afirmar que as “relações sociais são condicionadas por relações de produção” (Ibid., p. 86-87) e é precisamente tarefa da crítica materialista – que procura de todas as maneiras possíveis expor como no processo produtivo o trabalhador não é um mero agente econômico como qualquer outro, mas, o centro e o produtor do trabalho humano – se debruçar sobre as relações de produção de um determinado lugar e momento sócio-históricos:

“Em vez de perguntar: “Como a obra se situa adiante das relações de produção da época?”; “Ela está de acordo com essas relações, é reacionária, ou aspira sua transformação?”; “É revolucionária?”. Em vez dessas perguntas, ou pelo menos antes delas, sugiro outra. Antes de perguntar como uma criação poética se situa diante das relações de produção da época, eu gostaria de questionar como ela se situa dentro delas. Essa pergunta mira diretamente na função da obra dentro das relações de produção literária de uma época. Em outras palavras, ela mira diretamente na técnica literária das obras.”

Walter Benjamin, “O autor como produtor”, em: Ensaios sobre Brecht (trad. Claudia Abeling, Boitempo, 2017, p. 87.

Independentemente do que um determinado resultado do trabalho da consciência humana diga a respeito das relações sociais de produção realmente existentes, o que é verdadeiramente vital é como ele se comporta dentro delas, pois “uma obra pode estar de acordo com elas, submeter-se criticando, submeter-se endossando e até mesmo fazendo apologia: nestas hipóteses ela é regressiva” (COSTA, 2008, p. 92). Entretanto, se esse produto do trabalho intelectual humano tem a intenção de revolucionar as relações sociais de produção dentro das quais se situa, ele vai articular tendência política e qualidade literária por meio de uma técnica que sugira um desenvolvimento progressista e não regressivo: “o que se deseja não é a renovação espiritual, como proclamam os fascistas, mas são sugeridas inovações técnicas” (BENJAMIN, 2017, p. 92). O desenvolvimento, conhecimento e controle da técnica por parte do trabalhador está na base da dispersão da superstição que pode emergir entre ele e as suas circunstâncias, daí a modernização espiritual fascista redundar, na verdade, na tentativa de uma nova remitização da vida, ao passo que a coletivização dos meios técnicos significa a possibilidade da abertura de um caminho para a emancipação humana.

O primeiro exemplo que Benjamin nos dá, nesse sentido, é o de Serguei Tretiakov no âmbito da “Frente de Esquerda das Artes” (LEF), a qual foi formada logo após a vitória dos bolcheviques na Guerra Civil Russa e que depois desempenharia um papel digno de nota na luta pela coletivização da agricultura já no final dos anos 1920. Grosso modo, Tretiakov sugeria uma diferenciação entre “autor informante” e “autor operativo”; o primeiro estaria preocupado quase que exclusivamente com a construção das melhores maneiras de se relatar os eventos de um ponto de vista supostamente objetivo e o segundo submeteria as pesquisas de linguagem ao imperativo de contribuir para que os eventos acontecessem, extrapolando, desse jeito, os limites do gênero do mero relato pretensamente imparcial. Além disso, Tretiakov sugeria que o desenvolvimento desordenado da imprensa burguesa – perda de profundidade e de abrangência combinada com a assimilação veloz de leitores – poderia muito bem ser visto de maneira dialética pelo autor operativo, pois tal processo ensejaria uma crescente indiferenciação entre autor e público, que seria do maior interesse, caso fosse acompanhada de uma tomada de consciência por parte dos trabalhadores escritores e leitores a respeito da condição de produtores deles mesmos. Vale lembrar, só de passagem, que o trabalho de Tretiakov estava em sintonia com a linha aprovada no Congresso do Partido de 1927 – “trava-se de ganhar os camponeses para a causa da coletivização” –, no entanto, “este processo foi atropelado por uma deliberação do Comitê Central em novembro de 1928, depois ratificada por uma Conferência do Partido, de abril de 1929, quando foi adotado o programa da ‘coletivização forçada’, do qual Tretiakov não participou por divergir do método brutalista” (COSTA, 2008, p. 93).

É de grande importância ter bastante claro que o que está em jogo nesse ensaio é nada menos do que instigar o trabalhador a tomar consciência da sua condição de produtor e isso implica não deixar que o aparelho e as ferramentas de trabalho se apoderem dele, mas exatamente o oposto. Tal coisa só se torna possível a partir do instante em que o trabalhador não mais busca “abastecer o aparelho de produção sem simultaneamente, na medida do possível, o modificar no sentido do socialismo” (BENJAMIN, 2017, p. 91). Do contrário, abastecer um aparelho de produção sem ter como horizonte a sua modificação se traduziria no aprisionamento da inteligência humana e no cultivo da ilusão no seio dos trabalhadores de que eles “estão de posse de um aparelho que, na realidade, os possui, defendem um aparelho sobre o qual não têm mais controle” (Ibid., p. 96) e que, mais cedo ou mais tarde, se voltará contra eles mesmos. Diga-se entre parênteses, que todo esse debate ganha uma relevância extraordinária quando pensamos no uso quase inconsciente da Internet, dos serviços de streaming e das redes ditas sociais por parte de organizações de esquerda – até que ponto a simplificação grosseira para multiplicar compartilhamentos não é precisamente esse sucumbir ao aparelho sob o disfarce de um ganho de influência, que é, no limite, somente virtual ou irreal?

Foi provavelmente tendo isso em vista que Benjamin, de maneira semelhante, nos forneceu ilustrações do que não fazer: mercadejar com a miséria, usando a marca de obra social, engajada ou política. Com efeito, “o aparelho burguês de produção e publicação assimila impressionantes quantidades de temas revolucionários e até consegue propagá-los sem questionar seriamente sua própria existência ou a existência da classe que o detém” (Ibid., p. 92). Aqui, qualquer paralelo com o verdadeiro frisson que alguns filmes – supostamente críticos e totalmente enquadrados no circuito da indústria cultural – têm causado em certo progressismo bastante difuso, não é mera coincidência.

Voltando ao argumento de Benjamin: esse é o caso dos “procedimentos de certa fotografia que está em moda, a de transformar a miséria num objeto de consumo”, cinicamente transformando “a luta contra miséria num objeto de consumo”, “em objetos de distração, do lazer” e em “um objeto do prazer contemplativo” (Ibid., p. 94). No que tange à música, Benjamin retoma uma reflexão do compositor e parceiro de Brecht, Hanns Eisler, sobre como as últimas invenções técnicas da época – “o disco, o filme sonoro e as jukebox” – tinham produzido “a crise da música de concerto”, a qual também estava dentro do escopo da distração, do lazer e do prazer contemplativo. Ele explica que essas novas formas de distribuição permitiram a reprodução e a comercialização de “execuções musicais notáveis como mercadorias em latas de conserva” e que essa “crise da música de concerto é a crise de uma forma de produção superada, ultrapassada pelas novas invenções técnicas” (Ibid., p. 93). Tanto para Eisler quanto para Benjamin,

“a tarefa consistia, então numa mudança de função da forma dos concertos, que deveria preencher dois requisitos: primeiro, eliminar a oposição entre executores e ouvintes; segundo, entre técnica e conteúdo. Eisler faz a seguinte observação esclarecedora: “Devemos atentar para não supervalorizar a música orquestral e considera-la a única arte elevada. A música sem palavras alcançou sua grande importância e expansão total apenas no capitalismo”. Ou seja, a tarefa de modificar o concerto não é possível sem a ação conjunta da palavra. Nas palavras de Eisler, essa colaboração é a única maneira de transformar um concerto num encontro político.”

Walter Benjamin, “O autor como produtor”, em: Ensaios sobre Brecht (trad. Claudia Abeling, Boitempo, 2017, p. 93-4).

Dessa perspectiva, “apenas a literarização de todas as relações da vida” poderia bater de frente com a tendência da obra ser um mero objeto de consumo para fruição esteticista e intelectualmente desinteressada. Daí a aliança com a palavra, tanto para o fotógrafo quanto para o músico, ser de grande valor não apenas para se apoderar do produto do seu próprio trabalho, mas também para organizar as relações de produção de maneira a formar novos produtores com consciência e conhecimento de causa, conscientemente interferindo e pautando a recepção da própria obra. De fato, a história da literatura nos mostra que toda a produção cultural é, em maior ou menor grau, um exercício de retórica e o autor pode somente optar por fazer isso bem ou mal, tendo em vista que não podemos evitar esse dado básico da atividade de externalização de algo aparentemente privado para a esfera pública (BOOTH, 1983, p. 149).

Nesse sentido, o autor, que não somente reflete as relações de produção, mas que também, e sobretudo, conscientemente se posiciona dentro delas, não está interessado meramente no produto do seu trabalho; ele está ainda mais atento aos meios de produção que ele e outros dispõem no intuito de, ao mesmo tempo, produzir uma obra e incidir na organização das relações de produção como um todo. Trocando em miúdos, o trabalhador com consciência da sua condição de produtor gera produtos e através deles organiza outros produtores, pois sua obra não se restringe à propaganda, ela tem uma “função organizadora” crucial. Vejamos como Benjamin monta a questão:

“Esperar uma renovação no sentido dessas personalidades, obras assim, é um privilégio do fascismo, que cria formulações tão toscas como aquela com que Günter Gründel encerra sua rubrica literária em Sendung der jungen Generation [Missão da jovem geração]: “Não poderíamos fechar melhor esse panorama senão atentando para o fato de que o Wilhelm Meister ou o Verde Henrique de nossa geração até hoje não foram escritos”. Nada está mais distante do que aguardar ou desejar tais obras do autor que refletiu sobre as condições atuais de produção. Seu trabalho não envolverá apenas os produtos, mas sempre, simultaneamente, os meios de produção. Em outras palavras, ao lado do caráter de obra, seus produtos devem ter uma função organizadora. E de modo nenhum sua utilização organizativa pode limitar-se à propagandística. Só a tendência não garante nada. O excelente Lichtenberg afirmou: não importa a opinião da pessoa, e sim que tipo de pessoa essa opinião faz dela. Claro que a opinião tem muita importância, mas mesmo a melhor delas não serve de nada se não tornar útil aqueles que as têm. A melhor tendência é errada se não mostra a atitude com a qual temos de segui-la. e o escritor só pode apresentar essa atitude quando faz alguma coisa: ou seja, quando escreve. A tendência é a condição necessária, nunca suficiente, de uma função organizativa das obras. Essa exige ainda o comportamento diretivo, instrutivo, daquele que escreve. Um autor que não ensina nada aos que escrevem não ensina nada a ninguém. Dessa maneira, o caráter de modelo da produção é decisivo: primeiro, deve-se orientar os outros produtores na produção e, em segundo lugar, disponibilizar-lhes um aparelho melhorado. E esse aparelho é tanto melhor quando mais consumidores levar de volta à produção; ou seja, quanto mais for capaz de transformar leitores ou espectadores em colaboradores. Já dispomos de um modelo desse tipo, mas ao qual aqui só posso fazer alusões. Trata-se do teatro épico de Brecht.”

Walter Benjamin, “O autor como produtor”, em: Ensaios sobre Brecht (trad. Claudia Abeling, Boitempo, 2017, p. 95)

Como observamos logo acima, Benjamin desvela a concepção conservadora daqueles que esperam dos produtores do presente os resultados do passado – e que, por isso mesmo, sucumbem, ora mais ora menos conscientemente, a um fluxo trágico resignado dominante na modernidade irreversível da máquina. Isto é, tal perspectiva se resigna diante da situação hegemônica do mundo tal como ele aparece e termina por naturalizar o estado de inconsciência dos produtores em relação aos meios de produção de tal maneira que se espera, na melhor das hipóteses, que eles façam pouca coisa além de reproduzir os grandes feitos do passado sem verificar a possibilidade dos trabalhadores se apropriarem e modificarem inesperadamente as ferramentas e as relações de produção recebidas e impostas. De modo semelhante que o fascismo pode ser compreendido como uma formação política, cujo objetivo é congelar uma série de relações de produção e de propriedade, que já se tornaram insustentáveis, esse conservadorismo cultural concebe o trabalhador não como o real produtor do mundo que o cerca, mas, em vez disso, como uma “máquina cega” incapaz de se tornar consciente da sua condição de produtor real.

Bertolt Brecht e Walter Benjamin em Svendborg, Dinamarca, 1934. Foto de autoria desconhecida.

Contra isso, Benjamin então enfatiza “a função organizativa das obras” dos autores, ou trabalhadores, que refletiram sobre as condições atuais de produção, já que, assim, eles podem formar e orientar outros produtores na produção e, consequentemente, contribuir para o aprimoramento, ou desenvolvimento, das forças produtivas como um todo. Daí o teatro épico de Brecht vir para o primeiro plano, pois ele vai contra a função que a arte assumiu na era burguesa – a de servir à autocompreensão do indivíduo, ou de não ter função, e de dotar o sujeito burguês estilhaçado pela massificação da forma mercadoria com uma sensação temporária de singularidade subjetiva – e afirma uma função pedagógica da obra que não se encerra em si (BÜRGER, 2008, p. 92-104). A recusa da centralidade da ação individual do sujeito autoconsciente em nome do estabelecimento da narrativização em cena de processos mais amplos é uma característica fundamental que se choca com o horizonte emancipatório burguês. Em outras palavras, o teatro épico, ao incorporar materiais, técnicas e procedimentos de outras linguagens artísticas e das circunstâncias da sua realização, busca implodir a obra de arte orgânica para lhe atribuir a função de “transformar leitores ou espectadores em colaboradores”; ele rejeita a fruição esteticista e subjetivista e adere ao entendimento por meio do intelecto e da tomada de posição através da interrupção do contexto na qual a obra está inserida e do “estranhamento duradouro em relação às condições” (Ibid., p. 96-97) nas quais o trabalhador, que ainda não se reconhece como produtor, vive. A obra, ou melhor dizendo, o processo artístico não é um fim em si mesmo e aponta para a totalidade real que existe também para além de si mesmo.

O teatro épico de Brecht e as lutas de classe modernas

Anatol Rosenfeld nos recorda que, uma das razões para a teoria dos gêneros ser de grande importância, reside no fato de “a maneira pela qual é comunicado o mundo imaginário pressupõe certa atitude em face deste mundo”. Ou seja, a consciência, ou o “segundo-Eu do autor”, que seleciona e organiza os materiais que farão ou não parte de uma obra, bem como a adoção ou não de certas ênfases estilísticas, manifesta “tipos diversos de imaginação e de atitudes em face do mundo”, que, até então, se encontravam latentes; isto é, restritos a um imaginário coletivo que poderia muito bem ser visualizado de outra maneira, mas não o foi, justamente porque ainda não havia adquirido, talvez, uma forma socialmente inteligível em uma obra individual (2006, p. 17). O trabalho de estruturação das obras, portanto, não é mera aleatoriedade ou jogo de palavras, mas o processo de tornar certos conteúdos acessíveis a outrem e é exatamente o arranjo específico desses materiais que nos permite ver uma dada posição diante deles e do mundo do qual foram coletados.

Foi mais ou menos levando isso em conta que o teatro épico trouxe, desde o seu nome, ao menos duas coordenadas: a justaposição entre, de um lado, teatro – normalmente restrito às artes do espetáculo e à Dramática – e, de outro lado, épico – comumente associado à literatura narrativa –, isto é, certa insistência nos traços estilísticos da Épica. A inserção de elementos épicos, ou narrativos, em uma linguagem artística que teria como sinônimo de qualidade, naquele momento, a busca de certa pureza dramática – principalmente a partir da convenção paulatinamente estabelecida como o modo correto de se fazer teatro, isso desde pelo menos o Denis Diderot do Discurso sobre a poesia dramática (1758) – vai de encontro à visão privatista de mundo do drama burguês: “A fortuna, o nascimento, a educação, os deveres dos pais para com os filhos e dos filhos para com os pais, o matrimônio, o celibato, tudo o que se refere à condição de um pai de família é transmitido pelo diálogo” (2005, p. 41). Esse drama burguês, por sua vez, não se restringiria à centralidade do texto dramático e do diálogo interindividual, mas também estruturaria o ponto de vista da perenidade da dominação do mercado e da propriedade privada (trazido preferencialmente pelo posicionamento das relações familiares e pelas conexões destas com os negócios), cujo centro orbitaria ao redor dos dilemas da identidade individual, do gosto baseado em um modelo de profundidade psicológica e das relações interpessoais do sujeito acossado por uma esfera pública crescentemente politizada e secularizada:

“[O estreitamento] da imaginação do palco – antes aberto aos amplos espaços públicos e gestos coletivos – nas dimensões da família burguesa patriarcal, concebida como o lugar da felicidade possível (o que duraria até a época naturalista da crise do drama, quando o paraíso da intimidade do lar torna-se o inferno)”

Sérgio de Carvalho, “Apresentação”, em: Teoria do drama burguês [século XVIII] (trad. Luiz Sérgio Repa, Cosac & Naify, 2004, p. 9-15).

Em outras palavras, o signo das lutas de classe modernas atravessa a teoria e a prática do teatro épico de ponta a ponta, entre outras razões, devido à compreensão de que os valores e significados burgueses eram sistemática e metodicamente recolocados através da produção cultural daquela classe dominante, o que equivale a dizer que o drama burguês transformado no jeito correto de se fazer todas as artes do espetáculo era, e de certos modos continua sendo, uma ferramenta inestimável no processo mais amplo de reprodução e acumulação do capital. Isso pode ser dito porque se trata de um procedimento de formatação da subjetividade necessária ao processo de sujeição social ao regime de reprodução e acumulação do capital em larga escala; afinal, o cultivo da miopia que envolve a separação entre produção cultural e economia política serve de anteparo à inconsciência em relação às categorias mais abrangentes do nosso modo de vida e pavimenta o caminho para as falsas alternativas programáticas e giros em falso organizativos manufaturados pela administração social capitalista.

Por fim, este texto terá cumprido sua função, que não poderia ser mais modesta, caso não tenha ficado restrito à divulgação de um trabalho tão relevante para os que dedicam boa parte da vida à luta contra o capitalismo e pelo socialismo. Ele terá cumprido sua função se, além de ter corroborado para a circulação de ideias tão mal compreendidas e não raramente difamadas, tenha despertado em cada leitor algum grau de suspeita a respeito do automatismo das próprias relações de produção em que se encontram.


[Leia também “Veneno puro!“, texto escrito por Iná Camargo Costa para a orelha do livro Ensaios sobre Brecht.]


Referências

BENJAMIN, W. “O autor como produtor”. Em: Ensaios sobre Brecht. Trad. Claudia Abeling. São Paulo, Boitempo, 2017, p. 85-99.
______. “O que é o teatro épico?” (segunda versão). In: Ensaios sobre Brecht. Trad. Claudia Abeling. Boitempo, São Paulo, 2017.
BOOTH, W. The rhetoric of fiction. Chicago and London, The University of Chicago Press, 1983.
BÜRGER, P. Teoria da vanguarda. Trad. José Pedro Antunes. São Paulo, 2008.
CANDIDO, Antonio. “Crítica e sociologia”. In: Literatura e Sociedade. 9. ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre azul, 2006, p. 13-26.
CARVALHO, S. Apresentação. In: Teoria do drama burguês [século XVIII]. Trad. Luiz Sérgio Repa. São Paulo, Cosac & Naify, 2004, p. 9-15.
COSTA, I. C. Palestra sobre o ensaio “O autor como produtor”. In: CEVASCO, M. E.; SOARES, M. (Orgs.). Crítica cultural materialista. São Paulo, Humanitas, 2008, p. 91-121.
DIDEROT, D. Discurso sobre a poesia dramática. Trad. Franklin de Mattos. São Paulo, Cosac & Naify, 2005.
EAGLETON, T. “The author as producer”. In: Marxism and literary criticism. New York, Routledge classics, 2002, p. 55-70. (1976)
ROSENFELD, A. “A teoria dos gêneros”. In: O teatro épico. São Paulo: Perspectiva, 2006, p. 15-36.
WILLET, J. “Two political excursions. a. Brecht, Stalin and Hannah Arendt”. In: Brecht in context. London, Methuen, 1998, p. 227-232.
WIZISLA, E. Walter Benjamin and Bertolt Brecht: the story of a friendship. Trans. Christine Shuttleworth. New Haven and London, Yale University Press, 2009.

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Lindberg Campos tem formação em letras e filosofia, e normalmente ministra cursos e escreve sobre cultura brasileira, marxismo cultural, Virginia Woolf e Bertolt Brecht. Dele, leia também, no Blog da Boitempo, “A face trágica do capitalismo: guerra e vírus, destino e liberdade“, no dossiê sobre Coronavírus e sociedade.

CARLOS MOTTA: GRUPO DE COMPOSITORES ERUDITOS BRASILEIROS APRESENTA PROGRAMA NA INTERNET

Agosto 26, 2020

 

Grupo de compositores eruditos brasileiros apresenta programa na internet

por Carlos Motta

A música de câmara volta aos poucos a respirar no Rio de Janeiro. Única série de concertos permanente de música contemporânea na cidade, considerada uma das mais importantes do país, a programação do Prelúdio 21 – Música do Presente segue com sua temporada 2020, via internet, pelo canal YouTube do Centro Cultural Justiça Federa,l com o programa “Prelúdio 21 em Conversa”.

Neste sábado, 29 de agosto, às 15 horas, serão transmitidas obras dos compositores do Prelúdio 21 para diferentes formações. O grupo é formado por Alexandre Schubert, Caio Senna, J. Orlando Alves, Marcos Lucas, Neder Nassaro e Pauxy Gentil-Nunes.

Estreada em 2018, na Universidade Federal da Paraíba, por Ravi Shankar (oboé), Robson Gomes (trompa) e Marcilio Onofre (piano), “Fantasia”, de José Orlando Alves, é um dos resgates que serão apresentados.

De Alexandre Schubert, “Três Micropeças” foi interpretada, em violino solo, por Ayran Nicodemo, há dois anos, dentro da própria série, no CCJF.

“Trio (saxofones, guitarra elétrica e percussão múltipla)”, de Pauxy Gentil Nunes, ganhou leitura do Abstrai Ensemble, com Pedro Bittencourt, Fabio Adour e Daniel Serale, em uma gravação realizada na Cidade das Artes (RJ) durante a VI Semana Internacional de Música de Câmara do Rio de Janeiro.

O compositor e pianista Caio Senna apresenta ao piano sua composição “Aquilo que importa”, enquanto “Meteoritos”, obra de Neder Nassaro para voz, flauta, piano e sons eletrônicos, será executado pelo grupo GNU, na época formado por Diana Maron (voz), Rudi Garrido (flauta) e Antônio Ziviani (piano), em gravação ao vivo, de 2014, no Teatro Crystal, em Londrina (PR).

Sergio Barrenechea (flauta) e Lúcia Barrenechea (piano) apresentam “Aforismos”, de Marcos Lucas, em gravação realizada no Recital Hall School of Music – Northern Illinois University, em setembro de 2012, pela turnê Brasileiríssimo.’

O Prelúdio 21 foi formado por sete compositores que se reuniram em 1998 com o intuito de divulgar sua música e a música erudita contemporânea em geral, por meio da organização de concertos e palestras, incluindo convidados brasileiros e estrangeiros.

De lá pra cá, o grupo tem se estabelecido como um dos mais sólidos de música contemporânea do país. Desde 2008, o Prelúdio 21 tem realizado sua série de concertos no Teatro do Centro Cultural Justiça Federal, contribuindo assim para a vida cultural do Rio de Janeiro. O grupo tem se apresentado ainda em espaços como o Theatro Municipal do Rio de Janeiro, a Sala Cecília Meireles e espaço Oi Futuro.

O Prelúdio 21 tem sido objeto de investigação acadêmica, figurando em artigos e dissertações recentes. Em 2012, foi indicado ao Grammy Latino com o seu CD “Prelúdio 21 – Quartetos de Cordas”, na categoria “Melhor Álbum de Música Clássica”.

Serviço

29 de agosto (sábado), às 15h – Série Prelúdio 21 – Música do Presente

Canal YouTube do Centro Cultural Justiça Federal (CCJF)

http://www.youtube.com/c/CentroCulturalJustiçaFederal

AQUILES RIQUE REIS: O CORAL, O MAESTRO E O COMPOSITOR

Agosto 25, 2020

 

O coral, o maestro e o compositor

por Aquiles Rique Reis

Tenho comigo uma preciosidade, o CD Cantando em Bando (encontrado nas plataformas digitais). Sobre ele me debrucei avidamente. Imaginem se não é de encher os olhos o Expresso 25, um coral com 25 vozes aptas a bem vocalizar, além de um maestro experiente e um compositor brilhante?

O CD Cantando em Bando tem onze arranjos vocais e instrumentais de Pablo Trindade e um de Celso Viáfora. Arranjos que engrandecem as músicas do compositor (três delas em parceria com Vicente Barreto e uma com Ivan Lins). E tome de contrapontos, uníssonos, vocalizações, instrumentações, cânones e afinação impecáveis… meu Deus!

Louvo os gaúchos do Expresso 25, que brilham em variações vocais que, atendendo aos arranjos, exigem o máximo de cada um.  O que resulta num “milagre”: a soma de cada voz valoriza os vocais… e cada vocalista tem importância vital no resultado final dos arranjos. (Ao fazer tal afirmação, lembro-me do Magro, que dizia que o canto coral é um exemplo de solidariedade.)

Louvo o maestro Pablo Trindade, ele que dá ao grupo o sentido do canto coral, com atenção máxima a dinâmicas, uníssonos e vocalizações. Dentre outros afazeres musicais, o maestro Trindade é regente e diretor artístico do grupo Expresso 25 desde 1996.

Louvo-o por sentir que ele divide com os vocalistas o conhecimento que tem de seu ofício. E que é através dessa sabedoria que aponta aos cantores o que têm de melhor. Provavelmente, os músicos com quem trabalha compartilham os seus saberes.

Louvo os “de vocal”, eles que abrem a tampa com “Cantando em Bando” a capella – recurso que é a essência do canto coral, em que as vozes se revelam ainda mais sublimes – e reforçando os versos “(…) Cantar em bando/ E ir se ouvindo/ Se descobrindo/ Harmonizando/ É muito lindo/ Tanto coração cantando igual”.

A seguir, dividem com Viáfora o canto em onze das doze músicas, dando-lhe a honra de fechar a tampa, o que ele faz apenas com o violão, dando novos ares à música cantada pelo Expresso 25 abrindo o álbum.

Louvo o compositor que tem doze de suas músicas reverenciadas – todas de um rigor poético primordial, enquanto melodias e harmonias vêm como frutos da dedicação à sua concepção. Outra coisa, a emissão de sua voz melhorou muito, ou seja, Celso Viáfora está cantando melhor do que sempre.

Sobre ele eu já escrevi tempos atrás: “Tivesse Viáfora começado a fazer música no início dos anos 60, hoje ele ocuparia no coração dos brasileiros o mesmo nível de admiração que os maiores compositores surgidos naquele período tão fértil da música brasileira atingiram (…)”.

O suingue de “A Cara do Brasil” (Viáfora e Vicente Barreto) – ela continua me emocionando –, tem arranjo e piano de Trindade, contrabaixo acústico de Sizão Machado, batera de Ricardo Arenhaldt e violão de Viáfora, ele que divide o canto com o Expresso.

Ao expor a beleza do que fazem, cada faixa é um presente para o futuro, com a música brasileira revelando a riqueza de sua diversidade.

Aquiles Rique Reis, vocalista do MPB4