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Abril 28, 2017

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ARTISTAS GRAVAM VÍDEO EM DEFESA DA CAUSA INDÍGENA: “DEMARCAÇÃO JÁ!”

Abril 26, 2017

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Carinhoso e Rosa, de Pixinguinha, completam 100 anos

Abril 25, 2017

Com a ajuda de letras que caíram no gosto popular, duas melodias de Pixinguinha se tornaram unanimidade nacional. Rosa e Carinhoso completam 100 anos.

Por Marcos Sampaio, de O Povo

“Meu coração, não sei” por que, bate feliz quando te vê…” É praticamente impossível ouvir os versos iniciais de Carinhoso e não sair cantando. Curiosamente, a melodia composta em 1917 não impressionou seu próprio autor. Pixinguinha deixou o choro guardado até 1928, quando, enfim, foi gravada pela Orquestra Típica Pixinguinha-Donga e recebeu muitas críticas pelas influências de “ritmos e melodias de jazz”.

“Ele passou muito tempo para mostrar Carinhoso por que só tinha duas partes, mas todo choro tinha três partes. Para a época, era fazer um choro errado. Hoje já se compõe choro em duas partes, mas o primeiro foi ele”, aponta o flautista cearense Marcelo Leite. A melodia de fácil apelo popular e ar romântico, mereceu algumas regravações, mas sua ousadia estética só mereceu sucesso popular depois de ganhar a inesquecível letra de Braguinha.

“É um musicão, daqueles que a gente se encanta quando para para olhar. Agora ela teve essa difusão incrível por causa da maravilhosa letra que pegou o espírito da melodia. Para quem não é acostumado ao instrumental, vai pegar o espírito dessa letra. É um casamento perfeito”, analisa a musicista Bia Paes Leme sobre uma das faixas mais regravadas da história da MPB.

Mesmo a versão instrumental de Carinhoso tornou-se um artigo obrigatório em rodas de choro. “É um dos hinos do Brasil. Parece simples, mas é incrivelmente rica melodicamente, harmonicamente”, aponta Carlinhos Patriolino, instrumentista. “É como a Aquarela do Brasil, tem um peso. Além da letra ser maravilhosa, a melodia todo mundo conhece. É fabulosa”, compara o trombonista Rômulo Santiago.

Outra composição de Pixinguinha que teve uma força da letra para tornar-se sucesso foi Rosa. A valsa nasceu com o nome de Evocação. Em 1917, quando Otávio de Sousa, um mecânico amigo de Pixinguinha, colocou nela versos pomposos de forte apelo romântico, a composição ganhou novo nome e sua primeira gravação, ainda instrumental. Em 1937, Orlando Silva estreou a letra em disco – no outro lado do 78 rotações estava Carinhoso. Décadas depois, foi a vez de Marisa Monte apresentar a valsa para as novas gerações. É Pixinguinha insistindo em se manter vivo na memória nacional.

Violeta Parra pintou, bordou, espalhou cultura e cantou a liberdade

Abril 23, 2017

Genebra, 1965. Em um programa da TV suíça, a crítica de arte Magdeleine Brumagne pede que Violeta Parra explique uma de suas arpilleras, uma técnica têxtil de raiz popular e também uma forma de expressão, de narrativa do cotidiano. “Estes são os que amam a paz”, responde, mostrando as figuras desenhadas: ela própria, um amigo argentino, uma amiga e uma índia chilenas.

Por Vitor Nuzzi
“As flores de cada personagem são suas almas”, prossegue Violeta. Vê-se um fuzil, “que representa a morte”. E ela conta: “Os camponeses no Chile são muito pobres, como o meu avô. E eu não posso permanecer indiferente. Essa situação me incomoda”, afirma, chamando a obra de A Rebelião dos Camponeses.

Contra la Guerra (nome oficial da tela bordada), de 1962, integra o acervo permanente do Museu Violeta Parra, inaugurado em 4 de outubro de 2015, no dia em ela completaria 98 anos. Violeta deixou a Europa e retornou definitivamente ao Chile justamente em 1965, para, como disse, pôr os pés na terra. Seus planos incluam abrir uma “universidade do folclore”, promover cursos e dar voz e espaço a artistas menos conhecidos, ampliar o espaço da cultura popular, sua paixão e missão de vida. Vida que foi abreviada no final da tarde de 5 de fevereiro de 1967, um domingo.

Violeta faria 50 anos em outubro daquele ano. Sua morte completa 50 anos, com vários eventos programados para lembrar aquela que a jornalista e pesquisadora Marisol García considera o principal nome de um imaginário título de “chileno universal”. Conforme escreveu em artigo, 10 anos atrás, apenas o presidente Salvador Allende e o poeta Pablo Neruda se aproximariam de Violeta del Carmen Parra Sandoval.

“Se analisarmos a obra de Violeta, veremos que ela não tinha travas. Se meteu a pintar, a bordar, a fazer cerâmica. Ela quis fazer um centro cultural (em La Reina) como se concebe agora, mas levar esse projeto adiante era a morte. Era simplesmente enterrar-se, que foi o que aconteceu”, disse a filha Isabel em 2008. Segundo ela, Violeta era “a vanguarda das vanguardas”, um fenômeno que o Chile não poderia compreender em sua época. Também foi, provavelmente, a primeira mulher do continente a fazer canções sociais.

“La Carpa de la Reina” foi o local da última morada e da última utopia de Violeta, que passou a vida pondo os pés na terra. Era uma área próxima a Santiago onde, sob uma lona (“carpa”) de circo, ela instalou um ponto de encontro e difusão cultural, no final de 1965. Era um lugar bonito, mas de difícil acesso, ainda mais naqueles tempos, e não teve a frequência esperada. As dificuldades financeiras cresceram, somadas a decepções sentimentais, até o dia em que um tiro pôs fim à vida da incansável artista.

Facilidade nunca existiu na vida de Violeta. Na mesma entrevista de 1965, ela fala de sua mãe, a costureira Clarisa, que procurava retalhos para costurar vestidos, como um que ela vestia diante da TV suíça. “Era muito pobre. Tinha 10 filhos para criar e muito pouco dinheiro. Bom, tampouco tem agora. Ela trabalhou muito para sobreviver. Como eu, que nunca tenho dinheiro.”

Violeta queria que as pessoas conhecessem a cultura popular de seu país. Saía pelo Chile atrás de quem pudesse contar e cantar – ela copiava e, quando possível, gravava. Gente como Rosa Lorca, uma senhora de “riso estentóreo (algo como espalhafatoso) e tabaqueiro e o seu dente de ouro”, conforme definiu Ángel Parra, filho mais velho de Violeta, no livro Violeta se fue a los cielos, lançado em 2006 e que serviu de base para um filme de Andrés Wood (2011), objeto de polêmica familiar. A cantora Tita, filha de Isabel, por exemplo, fez críticas ao longa, por considerar que sua avó não foi retratada corretamente.

Residente na França desde 1976, Ángel morreu no último 11 de março, aos 73 anos, depois de lutar muito tempo contra o câncer. No ano passado, lançou Mi Nueva Canción Chilena, Al Pueblo lo que es del Pueblo, um livro de memórias. Ao lado da irmã Isabel, ele acompanhou a mãe com apresentações na Europa nos anos 1960, e sempre testemunhou as andanças de Violeta pelo Chile em busca de preciosidades. Como Rosa Lorca.

“Para a minha mãe foi como encontrar uma enciclopédia no meio do mato”, escreveu Ángel. “O tesouro do ‘Ali Babá’ sem os ladrões. A sabedoria do nosso povo concentrada nesta extraordinária mulher. Dela recuperou diferentes formas de acompanhamentos de violão, a mão direita muito ágil, a maneira de tocar, arranhadelas, afinações, melodias, receitas de cozinha, tratamentos para a saúde. Soluções para afugentar o diabo, para o mau-olhado, indigestões, como caçar pirilampos, esta mulher era um verdadeiro almanaque.”

Foi também com Rosa que Violeta aprendeu mais sobre a cerimônia de velório de crianças com menos de 5 anos, os angelitos: “Pais não deviam chorar: as lágrimas umedecem as asas do angelito e o impedem de ir ao céu”.

Em outra entrevista, em 5 de janeiro de 1960, à Rádio Universad de Concepción, Violeta é apresentada como “incansável batalhadora” em defesa do folclore. O narrador é o professor de História Mario Céspedes, que após o golpe de 1973 no Chile seria preso e torturado. Ele pergunta sobre sua participação em um evento cultural, e ela se diz um pouco assustada. “Porque você sabe, Mario, eu não sou oradora, não fui à escola. Sei tão pouco para integrar esse grupo tão valioso”, afirma Violeta, para em seguida defender seu trabalho de coleta pelo país: “Fui aos cantores populares para que conhecessem sua alma, seu pensamento, tal como conheci, como os ouvi falar”.

Com humor, Violeta define sua peregrinação e sua obstinação para divulgar a cultura de seu país: “Estou batalhando quase porta a porta, e entrando pela janela”. Céspedes pergunta quais as composições do folclore de que ela mais gosta. “Eu reconheço, amo e venero o canto ao humano e ao divino, desde o ponto de vista do texto literário e do ponto de vista musical.” No ano passado, a Universidade de Concepción criou a cátedra Violeta Parra, com a presença de Isabel e Tita.

Nada fazia Violeta desistir, contou Ángel. “Nem as paixões, nem dores, nem a insensibilidade das instituições que ela pensava que podiam ajudá-la. Nem a pobreza, que às vezes nos mordia os calcanhares, a desviariam do seu objetivo”, escreveu, lembrando que ela chamava de “zero à esquerda” os que considerava medíocres. Quando o caso era mais grave, eram “sacos de fumo”. Cita o exemplo de idas à Faculdade de Música da Universidade do Chile, em busca de apoio. “Quantas vezes esperamos duas, três horas, até que um burocrata a recebesse, para dizer-lhe que voltasse passados quinze dias.”

Ángel conta que sua mãe não dava conselhos – dava exemplos. “Sem um tostão, mas com o seu exemplo andamos para a frente, quebrando esse círculo infernal que é nascer pobre e sem educação. Posso dizer que fomos feitos a mão”, disse, agradecido.

Segundo ele, os “velhotes” que Violeta procurava “sentiam-se valorizados, respeitados e ouvidos”. Uma lição para não esquecer: “A minha mãe diria, povo que esquece o caminho tropeça na mesma pedra.”


Quadro ‘Velorio de Angelito’, óleo sobre tela, de Violeta Parra (1964)

Violeta teve nove irmãos e quatro filhos. Ángel (1939) e Isabel (1943), com o primeiro marido, o maquinista de trem e militante comunista Luis Cereceda, e Carmen Luisa (1950) e Rosa Clara (1954) com o tapeceiro Luis Arce. E teve também seu angelito: Rosita morreu aos 3 anos, de pneumonia. Quando criança, viu morrer Polito, irmão mais novo, e a reação desesperada da mãe. (Cuando ella eleva los gritos,/ comprendo que el niño ha muerto./ Parece que está durmiendo/ no más aquel palomito).

Rosita se fue a los cielos
igual que paloma blanca,
en una linda potranca
le apareció el ángel bueno,
le dijo: Dios en su seno
niña, te v´a recibir
las llaves las traigo aquí,
entremos al paraíso
que afuera llueve granizo,
pequeña flor de jazmín

Ela viveria ainda com o músico suíço Gilbert Favre – a separação ocorreu já em 1967. O amor verdadeiro, escreveu Tita, em livro ainda inédito. “Gilberto era um ser extraordinário, ria de si mesmo o tempo todo, de seu sotaque gringo, do que custava para aprender tanta coisa nova. (…) Conviviam muito bem, se amavam. Foi uma alegria ter um avô tão jovem e terno, doce e divertido.”
A neta fala também de Nicanor (Tito), irmão mais velho de Violeta: “Foi seu sábio conselheiros, protetor, amigo e cúmplice. Entre os irmãos a comunicação às vezes era silêncio, risos, humor, ou lágrimas e consolo, amor condicional. Nicanor foi quem mais conheceu e compreendeu o valor de sua irmã Violeta, em todos os sentidos”.

Para Tita, é a partir de 1953 que nasce a “verdadeira” Violeta: “Estimulada pelo irmão Nicanor, (ela) começa a pesquisar, recopilar e ensinar a autêntica música folclórica (…). Abandona seu antigo repertório, percorrendo o Chile e seus povoados, aprendendo e compondo sua própria música. Isso significa uma reviravolta total em seu trabalho, na forma de vida, motivações e novos esforços, todos voltados a cumprir uma missão claríssima, que talvez ninguém ao seu redor compreenda bem”.

Em abril de 1964 – quando o Brasil sofre um golpe e o Chile elege o democrata-cristão Eduardo Frei, que vence o socialista Salvador Allende –, Violeta expõe pinturas no Museu do Louvre. É a primeira artista latino-americana a apresentar uma mostra individual naquele local. Depois da temporada europeia, volta ao Chile e mora algum tempo com Ángel e Isabel em Santiago, no local conhecido como La Peña de los Parra, que deu nome a um LP lançado em 1971.

La Pena tem, entre as 12 faixas, Casamiento de Negros, canção de 1966 gravada por Milton Nascimento no álbum Clube da Esquina 2 (1978). Milton também gravou Volver a los Diecisiete no disco Geraes (1976), com a cantora argentina Mercedes Sosa. Naquele mesmo ano, Elis Regina incluiu Gracias a la Vida no LP Falso Brilhante.

Violeta foi um dos principais nomes ligados à chamada Nueva Canción Chilena, movimento identificado com as transformações sociais do país entre os anos 1960 e 1970. “Em suas canções, Violeta está dizendo o que ninguém quer ou atreve a dizer ou escutar. Com esse tipo de canções vai nascer um movimento musical e autoral que dá início a uma maneira distinta de denunciar a realidade social, a injustiça, a verdade oculta e negada, tudo que se esconde por trás da pobreza e da violência”, escreve Tita.

Alguns, como Victor Jara, se alinharam à Unidade Popular, coligação que chegou ao poder em 1970, tendo à frente Salvador Allende, até o golpe de 1973. A veia crítica da compositora já estava
presente muito antes, como mostram muitas de suas canções.

Ao final daquela entrevista de 1965, Magdeleine fala das várias faces artísticas de Violeta – poetisa, música, autora de arpilleras, pintora – e pergunta se fosse para escolher apenas uma, qual seria. Ela não pensa muito para responder.

“Escolheria ficar com as pessoas. São elas que me motivam a fazer todas essas coisas.”

Cada vez mais viva

O Museu Violeta Parra promoverá neste ano mais de 80 recitais e mais de 250 visitas guiadas, além de exibição de filmes, entre outras atividades, para comemorar o centenário de nascimento da artista. No início deste ano, foi lançado o documentário Violeta – mas viva que nunca, do filho Ángel

Parra e de Daniel Sandoval. A primeira exibição, em 6 de janeiro, foi no Centro Cultural La Moneda, no emblemático palácio presidencial localizado na Praça da Cidadania, em Santiago.

Em 19 de dezembro de 2015, Ángel e Isabel subiram ao palco do museu para um concerto, ao lado dos filhos Ángel e Tita Parra. Em entrevista no ano passado, quando se preparava para ir ao Chile dar inícios as celebrações pelo centenário de Violeta, disse que era uma oportunidade para continuar um trabalho “que venho realizando há muitos anos”.

“Com Ángel (seu filho), temos nosso pequeno espetáculo, Angeles Parra Violeta, e o mesmo acontece com Javiera (também sua filha), Isabel e Tita (filha de Isabel). Há uma espécie de cadeia que nunca se desfez, e todo o que virá este ano (referindo-se a 2017) servirá para que sigamos fazendo esse trabalho.”

Outro trabalho aos interessados na vida e na obra de Violeta é o documentário, disponível na internet, Viola Chilensis, dirigido em 2003 por Luis R. Vera. Ali estão depoimentos, entre outros, de Eduardo e Lautaro Parra, irmãos da artista, dos filhos, de Tita, Isabel Allende, do cantor uruguaio Daniel Viglietti, da argentina Mercedes Sosa e do poeta brasileiro Thiago de Mello. Também está lá a crítica Magdeleine Brumagne, autora do programa suíço citado no início deste texto.

Neste mês de abril, Tita Parra se apresenta na Região de Biobío, no centro-sul do Chile, com o concerto Yo soy la feliz Violeta, em localidades atingidas por incêndios florestais no último verão. É parte do projeto La ruta de Violeta, que inclui diversas atividades (shows, oficinas, exposições) inspiradas na artista. Em 16 de maio, estudantes de escolas de todo o país participarão dos Coros para Violeta, no início da quinta Semana da Educação Artística, coordenada pelo Conselho Nacional da Cultura e das Artes e pela Fundação Violeta Parra.

No ano passado, Tita esteve no Brasil participando do lançamento (financiado coletivamente) do álbum Violeta Terna y Eterna, do Sexteto Mundano, dirigido por Carlinhos Antunes, ex-integrante do grupo Tarancón.

Yo soy la feliz Violeta é também o nome de um livro escrito por Tita, ainda inédito. “A história social, a política e a cultura de um povo são os elementos com que Violeta Parra cria sua árvore multicolorida, nós mesmos, por assim dizer, a alma, o coração, a existência, a emoção humana, a vida popular. Em toda a sua obra ela está nos retratando”, diz a autora na introdução. (Confira, abaixo, trechos do livro.)

Ángel e Isabel levaram adiante a obra da mãe, gravando discos de músicas tradicionais. No final de 2015, fizeram um concerto no Museu Violeta Parra, acompanhados de seus filhos Ángel e Tita.

Conhecer para compreender

Leia trechos de Yo soy la feliz Violeta, da interpréte Tita Parra, “neta de Violeta, filha de Isabel Parra e mãe de Antar, avó de Miguel”, que viveu com a artista chilena até sua morte, em 1967, quando a menina tinha 11 anos.

É a época do governo de Arturo Alessandri Palma, “El León de Tarapacá”, a ditadura de Ibañez, a crise mundial de 1929. A situação social e política afeta profundamente a família de Violeta e seu entorno. Essa experiência dolorosa e as injustiças que sofreu na própria carne quando criança irão determinar seu rechaço aos governos autoritários e a ânsia de defender os oprimidos do mundo com seu violão e canto.

Ela sabe aproximar-se dos cantores, das velhinhas, sabe fazer rememorar de cada seus cantos, versos (…) Pouco a pouco, vai construindo um mapa musical em versos, ritmos, danças, estilos, formas, estruturas e variações. Violeta vai se transformando em antropóloga, musicóloga, pesquisando em profundida a autêntica arte popular chilena. E dessa mesma fonte se nutre para criar sua própria obra, em um processo dialético (…), inclui, estuda, aprende, difunde, revive. Então cria, inventa melodias própria para versos que estão sem música.

Minha avó é divertida, apaixonada por seu trabalho. Ela fala e comenta, pensa em voz alta, mostra as canções e gravações, ou fica em silêncio escrevendo, concentrada. Quando tenho 4 anos, escuto e vejo como se toca el guitarrón, o canto ao divino. (…) Amo seu cabelo comprido e fino. São dias felizes e sinto plenitude em minha avó intensa e apaixonada, não só pelo trabalho e por nós, sua família, mas pela própria vida. Nas manhãs, abrimos a porta e saudamos o sol.

Ela retrata a vida popular, seu entorno, os ritos, as tradições, as festas e conflitos, a vida familiar, seu afetos, a pobreza, problemas sociais, a injustiça, a dor, os massacres, as guerras, os sacrifícios dos povos que lutam por sua liberdade e dignidade, as penas e alegrias do povo, os camponeses, o mineiro do norte sob o sol inclemente, o pescador e o lenhador do sul e os frios invernos, as penas do povo Mapuche que perde sua terra, os rios de sangue que correm pelo mundo, e denuncia estas realidades cruéis com arte e gênio, graça, sensibilidade, sinceridade e honestidade. Com valentia, audácia, muita coragem. Ela dá sua vida por dizer a verdade, pintar a verdade, cantar a verdade.

Há muitos gêneros em cada país. Nas escolas de música no Chile pouco se aborda esse ensinamento, ou muito por alto. No Brasil, ao contrário, se estuda música brasileira no conservatório. Há escolas especializadas, como a Escola Portátil. No Chile não há onde estudar isto seriamente e profissionalmente. Violeta sonhava em fundar uma escola de Folclore e Arte Popular. Há que ensinar tambores, danças e música de raiz afro, cultura afro-americana, indo-americana e dos povos originários do Chile e toda a América. (…) O mundo está doente porque se esqueceu e se desconectou da terra. Nossos ancestrais sabem.

Sonia Montecino, prêmio nacional de Ciências Sociais e Humanidades, criou na Universidade do Chile um programa especial que se chama Cátedra Indígena. Ela fez ess trabalho que fazia Violeta, em âmbito acadêmico. Por exemplo, aproximar dos alunos a cultura Mapuche, Inca, Yoruba, Maia. Essa é a fonte de Violeta Parra. Ensinar isto é continuar seu trabalho.

A história para crianças que Jorge Luis Borges nunca escreveu

Abril 21, 2017

Jorge Luis Borges inventou uma história infantil. Nunca a escreveu, mas a história sobreviveu ao esquecimento graças à memória de uma das crianças que há 36 anos o ouviu com atenção infantil no apartamento do escritor no centro de Buenos Aires. Essa criança é hoje o adulto Matías Alinovi. Estudou física e também é escritor. Por isso foi a pluma por trás do livro O Segredo de Borges, que a Pequeño Editor lançará no fim de abril, durante a Feira do Livro de Buenos Aires.

Por Federico Rivas Molina
Diante de uma bandeja de “balas importadas”, Alinovi e seus colegas da 4ª série da escola religiosa San Marón ouviram o segredo da longevidade de Borges, uma história que improvisou na hora para um auditório pouco comum a sua rotina de estrela das letras argentinas. O livro de Alinovi recupera aquele relato oral a partir do olhar de um menino de nove anos, mas é muito mais do que isso.

A primeira coisa que Borges revelou às crianças foi que antes da chegada delas tinha dois medos. “O primeiro era que fôssemos, porque não sabia sobre o que falar com as crianças da 4ª série. Mas o segundo medo, que era mais forte do que o primeiro, era que não fôssemos. Não se entendia bem o que dizia”, escreve Alinovi. A partir daí começou o feitiço.

“Vou contar a vocês como pude viver tantos anos”, disse Borges às crianças que o ouviam sentadas no chão em semicírculo, enquanto “olhava para cima, mas não via, e a cortina atrás da poltrona verde era muito branca e muito bonita por causa da luz do sol”. E o escritor revelou-lhes o segredo das tartarugas que viviam no poço de onde tirava a água que bebia na casa de sua infância, no bairro de Palermo. “Disse que ele, um dia, se pusera a pensar e percebera uma coisa: a água que havia tomado quando era criança não era água, mas água de tartaruga. E como as tartarugas viviam muito, ele tinha vivido muito”, escreve Alinovi no livro, ilustrado em tons negros e verdes por Diego Alterleib. O texto é simples e recupera os bastidores daquele encontro, com detalhes tão ricos quanto a própria história.

Porque a rota que leva as crianças ao apartamento de Borges merece um livro por si só, e assim o entendeu Alinovi, que conta a história que guardou na memória por quase quatro décadas como uma história infantil. “Lembro-me bem daquele dia, mas não sei se me lembro porque me lembro ou porque revisitei muitas vezes a cena”, diz Alinovi. “Estava com o meu amigo José Manuel na saída da escola, um dia de tarde, e me lembro bem o momento em que ele me disse ‘hoje eu vou à praça, mas vou com Borges’. A sensação que quis transmitir é que esse Borges, o Borges que ouço de José Manuel, era um dado completamente neutro. Digo isso com os termos de [Ernesto] Laclau, era um significante vazio. Ali operou uma coisa muito bonita, porque era um significante vazio no qual eu coloquei algo, e o que coloquei nesse significante foi o rosto de José Manuel, que me disse ‘que chatice, não vai ser tão bom ir à praça”, diz. A partir daí, as crianças brincam com a história desse Borges “sem significado” e com a pressão dos adultos, conscientes de que estavam diante de algo que merecia atenção.

O que carrega o significante vazio do Alinovi criança? “O primeiro passo foi minha mãe. Quando eu contei a ela que José Manuel ia com Borges à praça ela disse, e eu lembro o tom maternal que usou, ‘não Matías, olha, Borges é um escritor muito famoso. José Manuel deve ter ouvido o nome por aí e te disse isso’. Mas José Manuel não estava mentindo. O menino era neto de Fanny, a governanta de Borges por mais de 40 anos e naquela época morava na casa de Borges. Na qualidade de inquilino tinha algumas obrigações, como acompanhar Borges à praça se sua avó pedisse.

O passo seguinte foi na escola. “A segunda coisa que me surpreendeu como criança foi a atenção em relação a José Manuel, que era um garoto menosprezado pela professora, uma freira. No dia seguinte ela se ocupou particularmente dele dizendo-lhe ‘mas como pode ser isso, menino?’ José Manuel respondeu, ‘é que eu moro com Borges’, e isso foi uma mudança impressionante na forma como a professora o tratava. Lembro que ela disse, ‘bom, você poderia perguntar a ele se as crianças da 4ª série poderiam ir à sua casa?’. No dia seguinte, José Manuel trouxe uma mensagem: “disse que sim’”.

Então foi preciso organizar a visita, especialmente porque tinha de estar sob o controle da escola. A professora pediu que as crianças preparassem as perguntas que quisessem, mas logo teve de “discipliná-las”. “Maximiliano queria perguntar quantas vezes tinha ganhado o prêmio Nobel. E Liliana, outra colega, queria perguntar quantas vezes havia se casado. As perguntas eram geniais. Crianças que não sabem nada apontaram e acertaram dois tiros no eixo de flutuação de Borges: o Nobel e as mulheres”, diz Alinovi.

Borges morreu em 1986, cinco anos depois daquele encontro com os estudantes da escola do bairro. Alinovi não voltou a vê-lo, mas guardou o registro da história que ouviu no apartamento da rua Maipú graças a um pequeno gravador que sua mãe lhe deu para a ocasião. O áudio original foi perdido sob alguma gravação descuidada, mas permitiu que Alinovi rememorasse várias vezes a conversa com Borges. Durante anos, a história deu voltas na cabeça do autor, até que ele encontrou a forma mais adequada de contá-la. “A única justificativa dessa história é recuperar a extraordinária capacidade de Borges para improvisar uma história diante de crianças da 4ª série. Porque ele improvisou. Tenho a sensação de que a tarde caiu em cima dele, Fanny deve ter dito ‘lembre-se que hoje vêm as crianças’, o sentaram e ele inventou uma história”, conta. A única história infantil do autor de Ficções não está no papel, mas sobreviveu na memória, onde venceu o esquecimento. Uma batalha digna de Borges.

Documentário resgata raízes e dilemas da Estação Primeira de Mangueira

Abril 19, 2017

Mangueira

‘Memória em Verde e Rosa’ passeia pela trajetória da escola de samba e problematiza a descaracterização trazida pelos interesses econômicos a um ícone de uma das importantes manifestações populares do Brasil.

por Xandra Stefanel

Patrimônio do samba carioca e nacional, a escola de samba Estação Primeira de Mangueira é a grande vedete do documentário Memória em Verde e Rosa, e seu palco é o bairro de mesmo nome na zona norte do Rio de Janeiro.

Dirigido por Pedro von Krüger, o filme que estreou nesta quinta-feira nos cinemas tem como “mestre de cerimônias” o compositor Tantinho e outros sambistas da campeã do carnaval carioca de 2016. As memórias e reflexões sobre os rumos da escola são embaladas por canções marcantes como Linguagem do Morro e Exaltação à Mangueira, além de outras pérolas do samba nacional criadas naquela área que ainda hoje é uma importante referência para a história do ritmo.

É como se Tantinho tomasse o espectador pelas mãos e dissesse: “Abra seu coração para uma viagem musical ao âmago desta que é uma das maiores paixões nacionais”. O passeio é embalado pela música, pelos passos apertados e ritmados dos sambistas e por vozes em off que contam anedotas cheias malandragem, carisma e simpatia. Impossível não se emocionar com histórias tão genuínas de pessoas que dedicaram toda vida e amor ao samba e o carnaval quando o ritmo ainda não era produto mercadológico. Ao contrário.

Segundo um dos baluartes da escola, Raymundo de Castro, levou tempo para que eles conquistassem o respeito na comunidade. “O samba cresceu e se sustentou graças ao terreiro de macumba porque o sambista era considerado um criminoso. Basta ver o próprio Arengueiro. Fizeram o Arengueiro por quê? Porque os blocos no morro, que eram blocos ‘de família’, não aceitavam a turma deles, do Carlos Cachaça, Cartola, porque eles eram arruaceiros. Se você fizesse uma roda de samba, todo mundo era preso, e o terreiro de macumba disfarçava como se tivesse fazendo macumba, mas era samba que tinha lá”, lembra.

As histórias que vêm à tona vão desde a ocupação da favela com a importante atuação do irmão do compositor Geraldo Pereira como “empreendedor imobiliário”, a dificuldade em encontrar couro para tamborim (pobres gatos!), o papel fundamental das pastoras e outras mulheres na comunidade, a criação do Zicartola, até o momento em que os ensaios da escola de samba viram uma coqueluche, quando a zona sul do Rio de Janeiro sobe o morro e muda a alma do lugar.

Um dos sambistas resume: “O samba de terreiro acabou quando a classe média invadiu a escola. Quando você quer acabar com uma coisa qualquer, você não persegue, não proíbe. Você entra no meio e vai minando”. Outro declara: “O negócio da gente era a Mangueira, era colocar a Mangueira num pedestal cada vez mais alto. Nós nunca esperamos que a Mangueira fosse ser o que é hoje, não! Ela hoje já não é mais tão nossa quanto ela era. Nós é que continuamos a ser Mangueira.”

Memória em Verde e Rosa é uma espécie de panorâmica de mais de 100 anos de amor ao samba, um resgate de um patrimônio imaterial que tem riqueza de origem humilde e um sabor brasileiro que só nossa música tem. Apesar da justa crítica sobre aos efeitos da mercantilização e ao conglomerado do carnaval, é reconfortante saber que a Mangueira terá para sempre Cartola, Nelson Sargento, Carlos Cachaça, Nelson Cavaquinho, Tantinho, Hélio Turco, Padeirinho e tantos outros cujas músicas eternizadas nunca deixarão o samba de verdade morrer.

“Essas pessoas têm dentro delas como se fossem florestas. É como se cada um fosse um baobá, com muita folhagem, com muita história, muita raiz e com muita chuva caindo em cima para ela se manter viva. Enquanto a indústria vem com seus massaricos, seus tratores, derrubando tudo isso e não deixando nada para a memória, aparaceram sambas que estariam sepultados se não fossem essas vozes, se não fossem essas pessoas com essa memória, com esse apego a coisa patrimonial da escola, do samba”, entoa um sambista sobre imagens de um galpão repleto de adereços de carnaval.

Durante todo o filme, as vozes em off acabam ficando sem dono, o que causa certa estranheza no início, mas ao final fica claro que todas aquelas declarações vêm de um só corpo, de uma comunidade apaixonada e orgulhosa pela sua história e pela música espalhou pelo país e pelo mundo.

Memória em Verde e Rosa
Direção: Pedro von Krüger
Produção: Alípio Carmo, André Horta, José Constant e Pedro von Krüger
Produção executiva: José Constant e Bruno Arthur
Roteiro: Alípio Carmo e Felipe Bibian
Pesquisa: Alípio Carmo
Direção de fotografia e câmera: Lula Cerri e Pedro von Krüger
Assistente de direção: Gabriel Medeiros
Pesquisa iconográfica: Vicente Oliveira e Gabriel Bernardo
Fotografia adicional e câmera: Bacco Andrade, Cris Conceição, Daniel Bustamante
Edição: Marilia Morais, edt
Produção: Com Domínio Filmes e Formiga Produções Culturais
Distribuição: Com Domínio Filmes

CRIANÇAS PIAM JUDAS DESLOCADO EM TEMER

Abril 17, 2017

Vejam as imagens criadas pelo artista da luz, Alci Madureira.

Judas para às crianças se desdobra na linha livre mais antropológica do que mística judicativa. Para elas Judas surge como possibilidade lúdica de folguedo não vingativo. Como diz o menino Pedro: “Eu nem sei quem é Judas!”. Pedro, para seu contentamento, escapa da ordem condenatória a-histórica que o discursa como traidor. Aquele que traiu Cristo. Nada de real, mas somente tentativa irracional de fortalecer o dogma calculista.

As crianças querem brincar a tradição antropológica-cultural que escapa da ordem-aguilhão: condenar sem saber por que. A onda é saber que o boneco transfigurado em Judas, que se deslocou em Temer, traz em si muitos bombons e algumas moedas que elas esperam encontrar no alegre momento em que o boneco, criado pelo educador, ator, fotógrafo, Alci Madureira, é piado por elas no sábado de Aleluia. O sábado da alegria festeira.

Nada de vingança, nada de castigo, nada de condenação, mas só festa. Foi assim que as crianças do Bairro Nova Cidade, da Rua 44,piaram o Judas deslocado em Temer com direito a testamento do Iscariotes que deixou boas lembranças à elas. Além do famoso bolo Luiz Felipe, pipocas, bombons, refrigerantes, chocolates e, como não poderia faltar, a famosa foto junto ao personagem do momento. Sem esquecer que antes da piaçam elas conversaram com ele.

TRÊS POEMAS DE MATHEUS BARBOSA

Abril 16, 2017

Publicamos abaixo três criações poéticas de Matheus Barbosa, estudante do segundo ano do ensino Médio da Escola Estadual Engenheiro Artur Soares Amorim.

Lá e cá

“Lá e cá lá e cá,
passam sem parar,
pessoas formigas,
sem deixar pensamentos voar.

Lá e cá lá e cá,
utopia destruída,
pessoas corroídas,
trabalham sem parar.

Sociedade cega,
civilização dominada,
florestas por dinheiro,
E o amor? Não existe mais nada.

Direção infinita,
inimigo a vista,
acorda marinheiro,
trabalhar, trabalhar,
ganhar dinheiro. “

Humor-colia

“Em poemas,
escrevo minha dor,
a dor que o mundo oferece.

Obrigado mundo,
por oferecer essa dor,
que em meus poemas escreves.”

Pátrialogia

“Se for pra morrer queimado,
que queimem meu coração,
pois de coração quente,
as pessoas precisam.

Se for pra morrer baleado,
baleias minha mente,
Para que se exploda de criatividade.

Não morro por vaidade,
não morro por agonia,
morro por minha pátria,
que irá melhorar um dia.”

O TESTAMENTO DE JUDAS, 2017, COM A PARTICIPAÇÃO ESPECIALÍSSIMA DE JESUS CRISTO

Abril 15, 2017

A notícia correu célere: Judas Iscariotes e Jesus Cristo iriam se reunir em frente ao Palácio do Planalto para enunciarem, em repente, o intempestivo Testamento de Judas aos homens de boas e más consciências.

Como sempre ocorre quando a mensagem tem como conteúdo e expressão esses dois sublimes personagens transhistóricos, Brasília foi tomada pela maior e melhor multidão de toda sua história fazendo inveja aos filósofos Machiavel e Toni Negri, dois amigos que mais tratam da Multitudo como Potência da Multidão.

A multidão-política não somente queria sentir de perto os dois inigualáveis sacro-personagens e lhes conferir reverências, como também saber suas opiniões sobre o mal que se alojou no Brasil depois que homens e mulheres degenerados (os que sofrerem alterações teratogênicas em suas constituições genéticas impossibilitando-os da produção humana de sensibilidade, cognição e ética democrática) depuseram a presidenta Dilma Vana Rousseff, eleita com mais de 54 milhões de votos, através de um golpe idealizado, elaborado e executado por parte do Judiciário, parlamentares, mídias capitalizadas, e empresários vorazes, além de alienados-paranoicos de todos os matizes.

A multidão-política, diante dos dois magnânimos personagens, pediu que eles explicassem como o país poderia se soerguer depois de toda força predadora desencadeada pelos golpistas que afetou terrivelmente os direitos dos trabalhadores, a economia, a Previdência social, as ciências, as artes, as politicas sociais, todas as produções realizadas pelos governos populares de Lula e Dilma.

Jesus Cristo e Judas Iscariotes, em função de suas inteligências e militâncias, responderam que sabiam de tudo que estava ocorrendo de mal no Brasil, e que se encontravam dispostos a, juntos com os brasileiros de boa fé e razão, examinar o quadro maléfico e tentar procurar soluções. Mas avisaram que a democracia, citando o filósofo Spinoza, é uma contínua produção política saída da composição das potências de todos que se constitui em Bem Comum ou Estatuto do Público do Estado. Daí que todos os brasileiros deveriam produzir a democracia em todo momento. Só assim o Brasil estaria protegido contra qualquer golpe que pudesse lhe tirar o poder de criar o seu próprio destino e proteger sua soberania. E que deveriam ouvir o filósofo Marx quando ele afirma que viver é se encontrar sempre em movimento real. O movimento que descontrói a aparência criada pelo capitalismo. A máscara maior da burguesia.

Depois dessas considerações coletivas, os dois tiraram as violas dos sacos, observaram as afinações, fizeram alguns improvisos, alguns exercícios sonoros e começaram a enunciar o testamento de 2017. Quando o dueto transcendental, impulsionado pelo seu plano de imanência, soltou seus primeiros acordes, a galera foi ao delírio aplaudindo e bradando “Viva à Democracia! O regime político de Cristo e Judas que nenhum golpista vai acabar!”

JUDAS (Sorridente agradecendo ao povão, iniciou sua enunciação) –

Meu amigo Jesus Cristo

Pra começar esse repente

Explique pra todos nós

Como é que você sente

O Brasil sendo humilhado

Por essa gente demente.

 

CRISTO (Contagiado de contentamento acenando para o povão)-

Amigo Judas Iscariotes

Sinto como uma desgraça

Um povo trabalhador

Sendo ofendido em sua raça

Mas é coisa de momento

Logo resgata sua graça.

 

Judas – Mas companheiro J.C.

Isso é muito sofrimento

Esse povo não merece

Passar por esse tormento

Obra própria de tarado

Que não tem bom sentimento.

 

Cristo – Companheiro J.I.

Você tem toda razão

O homem não está no mundo

Para passar por privação

Mas não esqueça que existe

Gente mal, aberração.

(Público – E quanta aberração!)

Judas – Tenho aqui no meu juízo

Uma ideia e não me gabo

Para mim esses golpistas

Tiveram ajuda do Diabo

Porque não têm inteligência

Pra levar um golpe a cabo.

(Público – É verdade Judas!)

Cristo – Não aceito essa ideia

O Diabo é inteligente

Não mistura sua moral

Com esse tipo de gente

Que você já afirmou

Ser uma “gente demente”.

 

Judas – Eu fui mal, amigo Cristo,

Ao Diabo acusar

Ele faz suas traquinagens

Mas não iria prejudicar

Esse povo brasileiro

Que já demonstrou amar.

(Público – Eu, hein!)

Cristo – Todo golpe é praticado

Por figuras desse planeta

Não é coisa de extraterrestre

Tramando uma mutreta

Para no final das contas

Conseguir sua chupeta.

(Público – Eu sei que chupeta quer golpista!)

Judas – Para você, amigo Cristo,

Qual deles é o pior golpista

Já que têm muitos desfilando

Na famosa imensa lista

Nomes de todos os credos

Falsos político e jornalista.

(Público – Tem também gente judiciarista.)

Cristo – É verdade, Iscariotes,

Mas todo golpista é igual

Não é possível escolher

Quem é menos anormal

Por isso o testamento

Vai bombar geral.

(Público – Esse Cristo é mesmo Cristo, meu!)

Judas – Eu vou logo agraciando

O dublê de presidente

Deixando-lhe como lembrança

O Manual do Indigente.

 

Cristo – Para o dublê de presidente

Inimigo da democracia

Deixo-lhe sua cassação

Como fim da fantasia

 

Judas – Ao guloso Aécio-Mineirinho

Da Lava Jato freguês

Deixo-lhe como lembrança

O conforto cativante do xadrez.

 (Público – Também o cheiro da creolina.)

Cristo – Ao vaidoso Fernando Henrique

Que pousava de vestal

Deixo-lhe como lembrança

O escárnio da moral.

 

Judas – Ao senador Homero Jucá

O amante da suruba

Deixo-lhe como lembrança

A lei com sua curuba.

 

Cristo – Ao senador Renan Calheiros

Que do golpe cantou loas

Deixo-lhe como lembrança

Sua derrota em Alagoas.

 

Judas – Ao senador Aloísio Nunes

Que da esquerda fingiu ser dela

Deixo-lhe como lembrança

O fantasma do Marighella.

 

Cristo – Ao governador Geraldo Alckmin

Conhecido como ‘Santo’

Deixo-lhe reservado

No STF seu canto.

 

Judas – Ao senador José Sarney

O patrono do reacionarismo

Deixo-lhe como lembrança

A impotência do coronelismo.

 

Cristo – Ao senador Eduardo Braga

Que se dizia moderno

Deixo-lhe como lembrança

Da corrupção o seu terno.

 

Judas – Ao senador Omar Aziz

Que se dizia comunista

Deixo como lembrança

O martelo e a foice na lista.

 

Cristo – Ao deputado Alfredo Nascimento

Que ao Amazonino levava tucumã

Deixo como lembrança

A justiça do amanhã.

 

Judas – Aos deputados do Amazonas

Analfabetos políticos do mal

Deixo-lhes em 2018

A barca do balatal.

 

Cristo – Para o senador José Serra

Um soberbo entreguista

Deixo-lhe toda a inveja

Ao ver o Brasil progressista.

 

Judas – A Rede Globo golpista

Que odeia a democracia

Deixo como lembrança

O fim de sua aliança com a CIA.

 

Cristo – Ainda para a Rede Globo

Que vivi de simulação

Deixo-lhe o depoimento da Odebrecht

Que lhe envolve na corrupção.

 

Judas – Aos ‘justiceiros’ de Curitiba

Que perseguem Lula como um troféu

Deixo-lhes como lembrança

A ilusão que chegarão ao céu.

(Público – O céu é para os justos!)

 

Cristo – Para estes ‘justiceiros’

Que usam o nome de Deus em vão

Deixo-lhes o anseio do paraíso

Como uma grande frustração.

 

Judas – Para os amigos da blogosfera

Que não recuam jamais

Mesmo com todas as porradas

Dos grupos irracionais

Deixo-lhes a boa máxima

Lutar é que nos vivos faz.

 

Cristo – Para minha amiga Dilma

Primeira presidenta do Brasil

Como minha mãe Maria é honrada e guerreira,

Diferente do golpista vil

Deixo como lembrança

O eterno respeito desse povo varonil!

(Público – Valeu minha eterna presidenta!)

 

Judas – Perseguida desde a adolescência

Por lutar pela liberdade

Essa mulher não se curvou

Como faz todo covarde

Por isso deixo-lhe no coração

A chama que sempre arde.

 

Cristo – Para meu amigo Lula

Que pelas aberrações é invejado

Porque não são seres políticos

Como ele é formado

Deixo-lhe a certeza

Que não será aprisionado.

 

Judas – Como líder do povo brasileiro

Só Lula poderá salvar essa nação

Depois da catástrofe dos golpistas

Onde prevaleceu a destruição

Deixo-lhe a certeza

Que em 2018 terá tripla eleição!

(Público cantando – “Olê! Olê! Olê, Olê, Olá, Lula, Lula, lá!”)

 

Os Dois – Assim, povo brasileiro

Terminamos o testamento

Pode ser que muita gente

Não foi lembrada no momento

Mas quem produz democracia

Sabe que vive em nosso pensamento!

(Público – Eu vivo!).

‘Martírio’ é um grito contra o genocídio histórico do povo indígena

Abril 14, 2017

Resistência

Documentário do cineasta e indigenista Vincent Carelli retrata a luta obstinada dos índios brasileiros pelo direito à vida e às suas terras sagradas.

por Xandra Stefanel

Capitalismo, senador, capitão, plata. Estas são algumas das poucas palavras possíveis de decifrar nos primeiros minutos do longa-metragem Martírio, que estreia nesta quinta-feira (13) nos cinemas, com distribuição pelo projeto Sessão Vitrine Petrobras. Na melodiosa língua guarani, índios da etnia Kaiowa fazem uma assembleia e discutem os perigos que ameaçam aquele povo. Estas cenas registradas no final dos anos 1980 pelo cineasta e indigenista Vincent Carelli são algumas das imagens que o diretor vem captando nas últimas três décadas e que ajudam agora a narrar o percurso da insurgência pacífica e obstinada dos Guarani e Kaiowá pela retomada de seus territórios sagrados.

Durante duas horas e 40 minutos, o que chega ao espectador é um sentimento de extrema tristeza pelo massacre quase silencioso sofrido pelos povos originários no Mato Grosso do Sul, mas também uma emocionante beleza, já que o filme nos apresenta a profunda conexão que eles guardam com a terra, seus rituais e seus mortos. Vincent Carelli, com a colaboração de Ernesto de Carvalho e da montadora Tita, nos dá em primeira pessoa um denso testemunho sobre a questão indígena no país.

O documentário traz bem claras a memória afetiva e toda a militância de Carelli na questão indígena e faz uma importante reflexão sobre problemáticas sociais e políticas no que diz respeito aos direitos dos indígenas. A obrase vale de arquivos históricos e imagens produzidas por Carelli junto aos Kaiowá ao longo de 10 anos para resgatar as origens das políticas indígenas do Estado desde a Guerra do Paraguai, dos sucessivos projetos de integração dos índios ao sistema de trabalho, até o massacre forjado pelo agronegócio e a bancada ruralista nos tempos atuais.

Trata-se de um convite – talvez até uma convocação – para que a sociedade tome partido do lado certo já que o poder do agronegócio junto à bancada ruralista e as forças conservadoras no país mostram sempre o que lhes convêm: de vítimas que tiveram suas terras roubadas, sua força de trabalho explorada e a morte como companheira constante, os indígenas passaram a ser apontados como vilões e ameaçadores invasores de terra que atrasam o desenvolvimento econômico do país. O filme toma uma posição bem clara e acaba apresentando as duas faces de uma pesada moeda – o de um povo historicamente estereotipado como submisso e cordial contra uma máquina capitalista destruidora.

É exatamente sobre isso que os índios falam na assembleia gravada por Carelli em 1988, nas imagens não legendadas que abrem o filme: “O que está pegando a gente é o capitalismo”, diz um deles, em uma das frases mais simbólicas do documentário.

LutaResistir para viver

Ao mesmo tempo que causa revolta ver políticos defendendo o latifúndio e o agronegócio em detrimento da vida de pessoas, dá esperança ver que ainda há gente lutando contra todo esse poder. É claro que fica evidente a discrepância entre as forças, mas os acampamentos nas beiras das estradas em Mato Grosso do Sul e a persistência das ocupações indígenas se mantêm como símbolos de uma resistência pacífica e fundamental. Resistir é a única forma de proteger suas terras sagradas e os locais onde seus mortos são enterrados, mesmo que isso continue lhes custando a vida.

É o caso de um acampamento que existe há 12 anos na beira de uma estrada em Apyka’i, a quatro quilômetros da cidade de Dourados. Lá, cacique Damiana viu tombar muitos de seus companheiros. Apesar da dor e da penúria em que vivem, ela reúne suas forças para cantar denúncias sobre as injustiças e violências que seu povo sofre e para reclamar parte da propriedade arrendada pela Usina São Fernando: “A gente canta pro dono da vida, pro dono do céu, pro dono da terra, pro dono da água… Assim vivemos na luta pela nossa terra, pelo tekona Apyka’i. Nós rezamos para os deuses do céu e da terra. Temos reza até para o eclipse do sol, nós, os índios Kaiowá e Guarani. O brilho do sol e nossas rezas, os brancos nunca poderão impedir”.

Para Carelli, a produção deste documentário não era possibilidade, mas sim uma necessidade urgente: “Todo dia, bate à porta das nossas consciências, através das redes sociais, a notícia de um assassinato brutal, de um violento despejo. Do outro lado, na grande imprensa, nas sentenças judiciais, nos discursos dos lobbistas do agronegócio, vemos a ignorância ou omissão total da história, a inversão cínica de papéis se apropriando da palavra ‘resistência’, frente ao suposto ‘terrorismo’ dos índios. Fazer Martírio se tornou uma compulsão necessária para mim, que tenho a vida atada à deles, para Ernesto e Tita, que me acompanharam nessa jornada. Um compromisso moral, ético, político, e sobretudo afetivo, com os povos Guarani Kaiowá”, afirma o diretor que fundou em 1986 o projeto Vídeo nas Aldeias, que apoia as lutas dos povos indígenas para fortalecer suas identidades e seus patrimônios territoriais e culturais por meio de recursos audiovisuais.

Martírio é o segundo filme de uma trilogia, ao lado de Curumbiara, que conta a história de um massacre de indígenas ocorrido em 1985 no sul de Rondônia, e de Adeus, Capitão, que ainda está em andamento.

Vencedor de prêmios em vários festivais, o longa estreia nesta quinta-feira nas seguintes cidades e cinemas: em São Paulo, no Espaço Itaú de Cinema Augusta e na Caixa Belas Artes; em Santos, no Cinespaço Miramar; no Rio de Janeiro, no Espaço Itaú de Cinema Botafogo; em Niterói, no Cine Arte UFF; em Belo Horizonte, no Cinema Belas Artes; em Brasília, no Cine Brasília e no Espaço Itaú de Cinema Brasília; em Porto Alegre, no Cine Bancários e no Espaço Itaú de Cinema Porto Alegre; em Salvador, no Espaço Itaú de Cinema Glauber Rocha; em Recife, no Cine São Luíz e no FUNDAJ Cinema do Museu; em Curitiba, no Cineplex Batel, na Cinemateca de Curitiba e no Espaço Itaú de Cinema Curitiba; em Rio Branco, no Cine Teatro Recreio; em Maceió, no Cine Arte Pajuçara; em Fortaleza, no Cinema do Dragão; em Vitória, no Cine Metrópolis; em Goiânia, no Cine Cultura Goiânia; em São Luís, no Cine Praia Grande; em João Pessoa, no Cine Banguê e no Cinespaço Mag Shopping; em Teresina, no Cine Teresina; em Aracaju, no Cine Vitória; em Palmas, no Cine Cultura Palmas; e em Belém, no Cine Líbero Luxardo.

Os ingressos são vendidos a preço reduzido (R$ 12 e R$ 6 a meia-entrada) nas bilheterias ou por meio do Cartão Fidelidade Sessão Vitrine Petrobras, que pode ser adquirido no site do projeto.

Martírio
Direção: Vincent Carelli, em co-direção com Ernesto de Carvalho e Tita
Roteiro: Vincent Carelli, Tita e Ernesto de Carvalho
Fotografia: Ernesto de Carvalho
Montagem: Tita
Desenho de Som: Gera Vieira, Nicolas Hallet e Tita
Mixagem: Gera Vieira e Nicolas Hallet
Música: Bro MCs
Elenco/Entrevistados: Celso Aoki, Myriam Medina Aoki, Oriel Benites, Tonico Benites e comunidades Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul
Produtora executiva: Olívia Sabino
Produtoras: Papo Amarelo & Vídeo nas Aldeias