O cinema por si só é um espetáculo fabuloso que desde sua criação cria um grande fascínio e interesse tanto pela parte artísitica quanto pelo enredo. Porém para que o cinema existisse foram necessários diversas tecnologias que reproduzirem o filme celulóide em uma máquina projetora na velocidade em que o olho humano percebe o movimento, fazendo a persistência das impressões luminosas na retina- para isso o olho necessita de cerca 2/45 segundos para notarmos sua presença . Daí nasceu o cinema.
Muito mais do que um simples entretenimento a mágica do cinema foi usada para produzir novos tipos de imagens diferentes daquela que as pessoas estava acostumadas ver em seu cotidiano, criando novas formas de perceber, sentir e agir.
A indústria do cinema sempre esteve preocupada em maior parte com o espetáculo e lucros que ela gerasse. Porém como as outras atividades comerciais, inventou formas e produtos que fizessem as pessoas buscar esta atividade e consumir seus produtos, os espetáculos cinematográficos.
A tecnologia do 3D foi um destes experimentos empreendidos, assim como Dolby, Surround Sound, Technicolor, etc. Então vejamos um pouco da história do 3d, que foi derivado da fotografia estereográfica. A técnica da esteroscopia foi inventada pelo físico inglês Charles Wheatstone em 1840. No cinema o processo de filmes 3D foi patenteado no fim da década de 1890 pelo britânico e pioneiro William Friese-Greene.
Porém o uso em uma sala de cinema só ocorreu durante os anos 20, quando se exibiu o filme “Power of love (1922)” utilizando a simples técnica de anaglyph. Este é considerado o marco dos filmes 3D que se difundiram comercialmente nos anos 50 principalmente em filmes de terror como Bwana Devil, Man in the Dark, A Casa de Cera , e It Came from Outer Space. Porém por ser ainda muito caro o projeto não se sustentou a longo prazo. Nos anos 80 houve um breve retorno do 3D nos cinemas puxado pela tecnologia IMAX, mas logo caiu em desuso. Hoje com a digitalização das salas de projeção, a tecnologia 3D voltou a estar em voga.
COMO FUNCIONA O 3D E SEUS USOS
A imagem em 3 dimensões consiste na verdade na imagem polarizada, de forma em que haja duas imagens sobrepostas que sejam percebidas separadamente por cada olho. Ao utilizar um óculos 3D estas imagens se condensam e dão uma ilusão de profundidade. Uma aula de física sobre a formação da imagem no olho. As principais técnicas (e óculos) 3D são os passivos anaglyph, a polarização e o Eclipse (ou tecnologia ativa LCD shutter).
Deixando a tecnologia e partindo para o cinema, até onde o 3D deixa de ser um apelo comercial, e passa a ser algo necessário ao cinema? O cinema (ao contrário dos filmes) não precisa de apelos de nenhuma forma, pois eles não se voltam ao entretenimento, mas a uma forma de transformação da percepções e produção de entendimentos. Desta forma o 3D como tecnologia apelativa seria sem importância.
Porém A invenção de Hugo Cabret, o novo cinema de Martin Scorsese em 3D deixa alguns rastros na mistura da magia do cinema aumentada em 3D. Inclusive Scorcese dirigiu Hugo com um óculos 3D sobre suas lentes. Quem sabe aí o 3D não seja um engodo.
CINESQUIZO ENUNCIA
A INVENÇÃO DE HUGO CABRET
Diretor: Martin Scorsese
Ano/País: 2011/ Estados Unidos
Titúlo Original: Hugo
Atores: Ben Kingsley (Méliès), Asa Butterfield (Hugo), Chloë Grace Moretz (Isabelle), Christopher Lee (Monsieur Labisse), Sacha Baron Cohen (Inspetor da estação), Jude Law (pai de Hugo), Ray Winstone (Tio Claude).
Locação: La Sorbonne 5 em Paris
Hugo Cabret é um menino que mora em uma estação de trem. Desde pequeno aprendeu com seu finado pai o fascínio das máquinas, principalmente pelos relógios, de quem o garoto herdou todo o talento paterno. Agora o menino orfão, abandonado pelo tio passa a vagar só pela estação fugindo do inspetor e ajustando o relógio que marca a chegada e saida dos trens. A estação cheia de seus encantos possui também uma loja de brinquedos e alguns espaços memoráveis.
O dono da loja de brinquedos é Georges Méliès, um velho rabugento que não gosta de Hugo e que vive a reclamar . Porém um dia Hugo conhece Isabelle, neta de Georges, e descobre que ele além de um pouco ranzinza, por algum motivo proibiu Isabelle de assistir qualquer cinema. Hugo e sua amiga decidem embarcar em uma aventura na mágica do cinema e da amizade, e mostrará uma máquina autômato que seu pai pegou de um museu, mas que falta uma peça. Juntos eles buscarão decifrar os dois segregos: o porque o tio Georges não gosta de cinema e como concertar o autômato. Porém eles não sabe que por trás disto está a mágica do espetáculo cinematográfico.
O diretor Martin Scorsese foi um diretor que nunca escondeu sua fascinação pelo cinema de todo o mundo (inclusive demonstrando em documentários). A idéia ocorreu de filmar Hugo ocorreu quando sua filha lhe deu o livro “Hugo” de presente e pediu que um dia Martin filmasse a história.
Desta vez em sua paixão kinemica, ele decidiu homenagear o criador do espetáculo cinematográfico, dos efeitos especiais (que engloba praticamente tudo que temos hoje… matrix e avatar são tréplicas…), e da narrativa cinematográfica, Georges Méliès. Afinal Méliès era um mágico de palco e ele passou seu amor pelos truques para as telas, em suas histórias cheias de efeitos, magias e enredos muitas vezes cômicos.
No filme há várias referências a história do cinema. Na cena em que os cachorros salsicha estão se conhecendo na estação está tocando a canção “Le lieutenant Maréchal” que o personagem de Jean Gabin escuta no início do clássico “A grande Ilusão” de Jean Renoir. Outro fato interessante em Hugo é que um dos personagens (o historiador) se chama René Tabard, cujo o nome foi retirado do inesquecível “Zero de Conduta” de Jean Vigo, sendo René um recém-chegado que se rebela. A cena do descarrilhamento do trem te uma referência ao evento real ocorrido em 1895. Mas também evoca o quadro de René Magritte, O tempo Apunhalado (1833).
Há também trechos e posteres de vários cinemas como “O Homem Mosca” com Harold Lloyd, “O beijo”, os primeiros cinemas dos irmãos Lumière, “Intolerância” de D.W. Griffith, “Hell’s Hinges” de Charles Swickard, “O gabinete do Dr. Caligari” de Robert Wiene, “O garoto” de Charles Chaplin, “Os quatro cavaleiros do apocalipse” de Rex Ingram e com Rudolph Valentino, “A caixa de Pandora” de Georg Wilhelm Pabst com Louise Brooks, “A general” de Buster Keaton, “O ladrão de Bagdá” de Raoul Walsh com Douglas Fairbanks e muitos outros
GEORGES MÉLIÈS
O cinema Hugo vai além de uma biografia, trazendo a magia de todo o cinema e sua história. A figura central de Méliès é mostrada como se ele fosse o maestro de pioneiros, que atuou, escreveu, dirigiu e produziu mais de 500 cinemas, que ficaram muito tempo perdidos e destruidos (vendidos durante a guerra para fazer artigos bélicos), e que o levaram a abrir uma loja onde fazia brinquedos na estação de Montparnasse (fato verídico) ,e quase caisse no esquecimento.
Georges viu o cinema nascer na primeira sessão pública de cinema (Première séance de cinéma) dos Irmãos Lumière realizada no dia 28 de dezembro de 1895. Nela Méliès se encantou com a nova invenção, mas ao pedir para comprar uma câmera e um projetor (na verdade a câmera dos Lumière tinham as duas funções) de um dos irmãos recebeu a como resposta que cinema tinha apenas fins científicos e era ” uma invenção sem futuro”. Méliès decidiu criar sua própria câmera e começou a filmar, criando depois o lendário Star Studio.
Um fato interessante na primeira projeção é que um dos filmes apresentado foi “A chegada do trem na estação de Ciotat” (L’Arrivée d’un train en gare de La Ciotat) onde como o nome diz o trem chega na estação. Porém os incautos espectadores por nunca ter visto uma imagem projetada levaram um susto enquanto o trem se aproximava.
Méliès inventou um dos principais efeitos especiais usados até hoje, o stop motion, quando estava filmando uma rua de Paris. Enquanto filmava um ônibus e alguns pedestres, a câmera desligou e obrigou Georges a fazer alguns reparos. Passados alguns minutos ele continuou filmando. Ao assistir o resultado viu o ônibus se transformar em uma carroça e os homens em mulheres. Eis o início dos efeitos no cinema.
O filme mais célebre e memorável de Georges Méliès é “A viagem a Lua” (Le voyage dans la lune) de 1902, quando ele faz o homem chegar a lua e encontrar a magia do sobrenatural. Neste cinema a o cinema é transformada em espetáculo metafísico, onde a fantasia consegue vencer a realidade (como nas histórias de contos de fadas): neste caso a impossibilidade daquela época do homem ir a lua.
3D, GEORGER MÉLIÈS, SCORSESE E HUGO
Cena de Viagem através do Impossível
Méliès não produziu nenhum cinema em 3D. A tecnologia passou a ser usada comercialmente bem depois da falência do Star Films… Ele produziu toda a mágica do cinema sem nenhum efeito esteroscópico. Isto mostra que a tecnologia 3D não é necessária para criar outras realidades e percepções. Com uma câmera caseira, um estúdio de vidro, e experimentos, Georges criou centenas de filmes que misturavam ciência, lendas, mágicas, comédias, histórias e estórias, que já traziam em si o deslocamento cortante do olho. O relevo 3D não acrescentaria muito no filme de Méliès.
Porém talvez com Scorsese percebe-se outra coisa. Alguns elementos do 3D dão certa graciosidade ao filme, mesmo que eles sejam também belos sem eles. A primeira tomada de Hugo na chegada da estação, seguida do descarrilamento do trem e as cenas da mecanização dos relógios e da própria cidade de Paris traz uma nova percepção da profundidade talvez imperceptível e com menor produção de novos significados sem o 3D.Além disso a cena do cachorro do inspetor é bem mais cômica com o 3D.
Martin usou o analógico na idéia da máquina com todo seu mecanicismo, na perfeição da relojoaria, junto com os olhos verdes do menino Hugo que observa a sincronia de uma cidade. Esta tecnologia analógica como foi feito o cinematógrafo dos Irmãos Lumière, e como foi filmado grande parte dos filmes até algum tempo atrás, é mostrada com grande fascinação. Porém não se coloca esta fascinação na metafora de René Descartes do deus relojoeiro que gira todas engrenagens do universo. Hugo tem a fascinação pela produção humana do cinema, pela literatura e pelos relacionamentos. Nada preso ao sobrenatural.
O cinema 3D passou tanto pelo analógico quanto pelo digital. Além de um engodo comercial, a idéia de aproximar a tela em filmes de terror dava um suspense maior as películas.O 3D é uma ilusão que por si só não cria uma nova percepção, caso ele utilize as mesmas velhas imagens polarizadas para cada olho. O novo está na imagem em si seja ela em 3D ou não.
A idéia de Hugo ser em 3D, se juntou a criação de novas imagens e se misturoi com a própria nova imagem que é o cinema de Méliès, conseuindo criar um 3D Cinema ao contrário do 3D filme. Mas não pela tecnologia, mas pela imagem cinematográfica em si feita pela câmera 2D ou 3D.
Muitos podem brandar que Hugo é algo mainstream, vendido a indústria hollywoodiana, algo apelativo por ter usado o 3D. Como dissemos o que faz de uma imagem nova não é o 3D, mas a própria imagem. Além disso, em Hugo se traz a magia do cinema a partir de imagens que vão além desta (in)capacidade enlatada da mercadoria cinema. Belissimas imagens que carregam o novo são engendradas.
Quando Hugo anda por dentro das engrenagens do relógio, há sempre uma névoa que o cobre, névoa de seu passado infeliz e de seu vir-a-ser futuro, que pode ser atualizado de várias formas. Hugo não é uma categorização de idade (criança, jovem), função (estudante, filho), valor (pobre, burro, talentoso). Hugo está em uma névoa que é a vida e que vai além dos vapores dos trens da estação, fazendo a produção do homem ilimitada e sem finalidades. Assim como foi o cinema de Méliès, uma criação, que foi além dos outros corpos (já pois não sabemos até onde um corpo compõe). Mesmo em todas adversidades, podemos fazer brotar a vida, em um tempo que não é o mecânico, assim como o cinema se cria em outro tempo.
A referência ao autômato de Méliès mostra um homem mecanico com vida. Uma engrenagem só existe ao ganhar vida e movimento junto com as outras. Porém ela pode ser modificada, e o homem pode criar outros encaixes para si e paras máquinas.
Quando Hugo se recorda do passado suas memórias trazem o barulho e a luz de uma engrenagem analógica do cinema em movimento, assim como o cinema modificou a maneira das pessoas pensar, ver e relembrar das coisas. Também estas recordações trazem uma força muito grande de algo perdido (analogia com os filmes de Méliès, o brilho do cinema de antigamente) mas que pode ser reconstruido de outras formas. O fim do homem é não ter fim.
Scorsese faz o espectador que não conhece Méliès, descobri-lo a partir da própria beleza do cinema e aos que já o conhecem criar um novo homem criador em si como Georges, através da figura de um garoto chamado Hugo, o futuro que sempre está presente.
Outras imagens muito interessantes são a que Hugo vê de dentro dos buracos da estação, como se a vida estivesse lá fora e ele fosse um espectador. Assim como ocorre no cinema, que embora esteja fora nos engendra uma produção como atores sociais,além da dita realidade imobilizante que o capital tenta impor a todos momento.
Poderiamos ainda falar sobre os atores, e como a menina Isabelle (Clöe Grace Moretz) e Hugo (Asa Butterfield) atuaram bem e são grandes revelações. Assim como Taxi Driver de Scorsese impusionou Judie Foster. Ou ainda sobre outras atuações dos bons atores Ray Winstone, Christopher Lee. Mas creio que o que mais chamou atenção é a garota Isabelle que lembra muito em sua vivacidade a garotinha Estrella (Sonsoles Aranguren) no filme El Sur de Victor Erice.
Por fim a produção humana como própria ultrapassagem daquilo que se tenta padronizar como humano. A amizade, o cinema, a literatura, teatro, as artes, a filosofia fazem do humano ir além de sua condição humana. E por isso Hugo é um cinema, vai além daquilo já exposto.