ITAMAR, BOB MARLEY, PETER TOSH: ANELIS ASSUMPÇÃO INTERPRETA LENDAS PARA RESGATAR ‘MEMÓRIAS FRÁGEIS’

Maio 16, 2024

PROGRAMA BEM VIVER

Artista conta como é se dividir entre trabalhos autorais e projetos sobre o legado do pai, como criação do museu virtual

Lucas Weber

Figurino de Anelis para apresentação Legalize It, em homenagem a Peter Tosh – Lucas Murched

A gente vive um país onde a memória é realmente descartada, sobretudo das pessoas negras

Neste final de semana, durante a programação da Virada Cultural de São Paulo, Anelis Assumpção sobe ao palco do Sesc Belenzinho para apresentar uma homenagem ao seu pai, Itamar Assumpção. 

A cantora lançou recentemente o álbum Sal, com participação de Luedji Luna, Céu, Liniker entre outras artistas de renome nacional. Antes disso, com as produções anteriores Taurina (2018), Sou Suspeita, Estou Sujeita, Não Sou Santa (2011) e Amigos Imaginários (2014), a artista foi premiada em diversas categorias, inclusive de melhor álbum do ano pelo Prêmio Multishow e também pela APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte), como artista revelação.

Mesmo com todo este prestígio de trabalho autoral, Anelis Assumpção não abre mão de cantar seu pai.

“Quando eu entendi que a gente vive um país onde a memória é realmente descartada, sobretudo das pessoas negras, virou uma outra honra pra mim, maior do que simplesmente ser a filha do Itamar”, revela a cantora em entrevista ao programa Bem Viver desta quinta-feira (16).

Mas não se trata, apenas, de levar adiante um legado familiar. Por estas mesmas motivações, Anelis realiza uma homenagem a Bob Marley e Peter Tosh.

“Eu acho que meu lugar de intérprete, hoje, na música, está quase como uma figura que está tentando trazer, através da interpretação, a possibilidade de memórias que estão frágeis”, explica.

“É claro que o Bob Marley não é uma memória frágil, no sentido de que o mundo inteiro conhece o Marley. Ela é frágil porque esse mesmo mundo que conhece o Marley não conhece a sua história, não sabe nem onde fica aquela ilha [Jamaica], não sabe o que é o rastafarismo, não entende o uso do canábico com conexão religiosa.”

Na entrevista, Anelis Assumpção conta também sobre o lançamento do museu virtual Itamar Assumpção, o primeiro com tradução em iorubá, sobre a saga de buscar os óculos roubados do seu pai e também a relação com a família. 


Anelis pequena com seu pai, Itamar Assumpção, falecido em 2003 / Glória Flugel / Acervo MU.ITA

Brasil de Fato: Como você encara apresentar Itamar Assumpção? É algo que parte de você de forma natural? Ou vem como uma responsabilidade, uma obrigação?

Anelis Assumpção: Olha, faz 20 anos que meu pai faleceu, e ao longo desses anos todos já foi um pouco de cada coisa dessas. Já foi uma obrigação, um medo dessa obra ser esquecida. Já tive uma saudade por sentir muita falta e, através da música, me sentir perto novamente daquela pessoa, daquela existência. Já foi uma encomenda de fora para dentro.

Enfim, eu acho que é muito natural isso. É uma mistura de muitas coisas. Não é? 

Eu tenho o meu trabalho e acho que, cada vez que eu firmo mais o meu trabalho artístico, eu organizo melhor como eu me relacionava com essa memória. 

E também eu fui mudando do campo da homenagem para o campo da importância da memória e do acervo e da preservação.

Eu saio de um lugar um pouco mais romântico e vou para um lugar mais técnico e quase uma ciência social mesmo, de compreender que essa herança não é só minha, que o que eu herdo são códigos genéticos. Todo o resto é de todo mundo, é algo que eu me sinto responsável em dividir e sobretudo estimular o conhecimento

Itamar é uma figura com uma contribuição social e cultural gigantesca para a construção do Brasil.

Esse show que eu vou fazer no Sesc Belenzinho foi um show convidado. Eu fui convidada a fazer esse show cantando músicas do meu pai, porque a unidade [do Sesc] nesse final de semana da Virada [Cultural], vai fazer uma homenagem em toda a programação, voltada à zona leste de São Paulo e à cidade de São Paulo.

A São Paulo cantada, a São Paulo que aparece no samba-enredo, no rap, no MPB, no pagode, a cidade contada a partir das artes. Eles vão fazer uma programação voltada para esse aspecto com um recorte um pouco mais estreito em relação à zona leste e por isso, então, fica uma homenagem sobre homenagem.

O Itamar morou na [zona] leste e foi um grande artista que escreveu sobre São Paulo ao longo de toda a obra, de seus 12 discos lançados. Todos os discos têm canções falando de São Paulo, além de outras textos e outras manifestações em relação à cidade 

É sempre muito prazeroso cantar ele, olhar para as músicas de novo, enfim, criar novos arranjos e começar a poder colocar a minha identidade dentro dessa interpretação.

Além das interpretações de Itamar, você também foi responsável por lançar o Museu Itamar Assumpção e também foi uma grande defensora da estátua feita em homenagem ao seu pai, inaugurada em 2020, no bairro da Penha. Essas ações são, de certa forma, uma maneira de você mostrar que está cumprindo seu papel como filha-artista para poder ter liberdade de seguir na sua carreira autoral?

Eu acho que pode ser. Não é consciente, de fato, esse movimento. E nem fui eu quem fiz acontecer, foi um movimento da própria Secretaria de Patrimônio que se viu num momento social encurralada em relação à representatividade de figuras negras no campo do patrimônio na maior cidade da América Latina, e aí tiveram que começar esse movimento de reparação, trazendo personalidades negras para as estátuas da cidade. 

Claro, naquele momento eu também estava inaugurando o Museu. Inclusive, o Museu é muito importante, é o primeiro museu virtual de um artista negro, é o primeiro museu com tradução em iorubá.

Porque aí eu vou para um outro campo de trabalho, que é o museal, que não é da música, é de um outro pensamento de preservação, cuidado e importância disso. É outro mundo totalmente. 

Então não existe exatamente um limite entre a minha existência. A minha existência está muito diluída nesses dois mundos. É claro que eu tenho períodos em que eu preciso observar um pouco mais a minha escrita, a minha pesquisa, às vezes eu estou muito misturada, nesse trabalho, nesse lugar.

Por isso que de quando em quando eu falo “ah, vou fazer um disco, eu vou inventar um outro [trabalho]”. 

Mas quando eu vou fazer um show do Peter Tosh, por exemplo, cantando Peter Tosh, é um lugar que é impossível eu não criar uma intersecção com o que eu já faço com o meu pai.

É uma referência, um respeito imenso às intersecções de negritude, de perseguições políticas.

Mas me traz muita liberdade. Eu acho que isso é uma coisa muito positiva, que também é a maturidade que vai me dando. Eu me sinto mais livre ao passo que o museu cresce, que o Itamar cresce.

É muito bonito ver que, desde que a gente começou a trabalhar a memória dele em 2005 com o songbook, depois uma publicação de um livro, depois um documentário, depois a caixa preta que foi lançada pelo selo Sesc, que é uma caixa preta com todos os discos dele remasterizados, mais dois discos inéditos produzidos postumamente, especialmente para a caixa. 

Então, eu já realizei muitas coisas antes do Museu e ao passo que cada uma vai acontecendo, eu vou me sentindo mais livre mesmo, mais leve.

E é bonito ver que hoje, nas plataformas digitais, o Itamar tem uma conquista de ouvintes. Ainda há muito o que ser feito, ainda muita gente pra conhecer esse artista. De um Brasil, de África, de Europa, de tudo.

Quando eu entendi que a gente vive um país onde a memória é realmente descartada, sobretudo das pessoas negras, virou uma outra honra pra mim, maior do que simplesmente ser a filha do Itamar. 

Você não lançou muitos álbuns ao longo da sua carreira, mas quase todos foram premiados e sempre muito reconhecidos, como Taurina, Sou Suspeita, Estou Sujeita e Não Sou Santa. Mas mesmo tendo essa legitimidade da música autoral, você segue apostando em interpretações, como é o caso do Peter Tosh e do Bob Marley também. Existe aí uma luta pelo reconhecimento da artista intérprete?

Eu acho que sim e acho que tem a ver com esse lugar. Eu não sou uma intérprete e ponto, que vai gravar ou cantar qualquer compositor ou qualquer artista.

Eu acho que meu lugar de intérprete, hoje, na música, está quase como uma figura que está tentando trazer, através da interpretação, a possibilidade de memórias que estão frágeis.

É claro que o Bob Marley não é uma memória frágil, no sentido de que o mundo inteiro conhece o Marley. Ela é frágil porque esse mesmo mundo que conhece o Marley não conhece a sua história, não sabe nem onde fica aquela ilha [Jamaica], não sabe o que é o rastafarismo, não entende o uso do canábico com conexão religiosa.

Então a gente deturpou essa memória. O pop faz isso, ele pega um artista dessa grandeza e ele condensa, num formato que todo mundo possa compreender.

A associação com a cannabis é sempre muito preconceituosa, um lugar que coloca o rasta como um vagabundo, um hippie sem emprego, que não quer fazer nada da vida, só fumar maconha o dia inteiro.

A gente também está sempre corroborando essas interpretações preconceituosas sobre as histórias negras no mundo.

Então, quando eu canto Bob Marley não é só porque eu amo e respeito muito aquela obra, é porque eu acredito que tem muita gente que precisa entender o que é ser rasta.

No caso do Tosh ainda mais, ele faz um disco inteiro falando sobre a legalização [da maconha], do ponto de vista político. A gente tá falando de um disco que tem 50 anos, feito em um dos lugares mais violentos do mundo contra a população negra.

Eu fico pensando como meus filhos e as novas gerações se relacionam com essa memória? Com essa história? A gente está falando de uma ilha muito pequena no mundo. Como é que foi produzir os dois caras mais populares do reggae?

Você parece ter um costume parecido com o do seu pai de levar os filhos para subir no palco desde jovens, né?

Eu acho que é bem natural, familiar, né? A música, claro, ela é um trabalho que vai mexer com outras sensações, a gente tem um outro jeito de se organizar profissionalmente, de aprovar uma rotina, quando o nosso trabalho central é a música, mas é um trabalho. 

Eu sempre gosto de falar isso: é como se fosse um negócio, é como se fosse uma padaria da família. É muito natural que a criança que chega da escola todo dia, e a família mora nos fundos e a é padaria na frente. Então, todos os funcionários conhecem aquela criança. Ela [a criança] sempre come um pouquinho, pode pegar qualquer doce, qualquer pão que ela gosta, ela brinca no caixa, às vezes ela brinca de servir.

Eu estou falando da padaria porque eu amo a padaria, mas pode ser um açougue, enfim…

Eu tinha muita intimidade com aquilo. Quando meu pai me chamou pra cantar com ele, eu já entendia tudo como funcionava, eu só não sabia cantar, mas não era uma coisa de outro mundo. E com os meus filhos a mesma coisa. A gente ensaia em casa, eles vêem eu compôr, o Curumim compôr, falar das apresentações, do figurino….

Mas não significa também que eles vão seguir esta carreira. Assim como as crianças que crescem na padaria e falam “putz, legal, mas eu quero ser médica”, e massa também, mas com certeza vai saber várias coisas, porque ela cresceu naquele ambiente.

É a Padaria Assumpção, então.

Sim [risos]

Neste ano, em janeiro, faleceu Denise Assumpção, sua tia, irmã de Itamar. Ela cantava com ele, mas principalmente foi uma grande atriz, certo?

Denise é, talvez, uma das maiores atrizes negras do teatro brasileiro. Do teatro — ela falava sempre isso. Era muito bonito que ela falava, quando eu perguntava pra ela qual era a profissão dela, ela falava “atriz de teatro”. 

Não era atriz. Ela fazia TV, fazia cinema, mas ela era atriz de teatro, completamente apaixonada e devota, realmente, da linguagem do teatro.

Ela e o meu pai, o meu tio e o outro irmão deles, que também já faleceu, começaram no teatro. Eles eram um trio, tocavam e encenavam em vários espetáculos do interior onde eles viviam.

Quando meu pai vem para São Paulo, ela vem na sequência. Ela vai pro Rio, depois vem pra cá. Passou quase todo o tempo cantando com ele, participando dos espetáculos. 

Ela é uma das maiores. Mesmo assim, realmente, infelizmente, uma história parecida com muitas pessoas, muitos artistas, principalmente negros, que é um não reconhecimento em vida mesmo.

E o que isso gera? Isso gerou na Denise, também, um quadro de depressão, um quadro, enfim, de muita dificuldade de vida mesmo, vivendo num limite. Isso é gerado, é causado, não é à toa, não é por acaso, é uma consequência mesmo.

Quando você é uma pessoa que não se submete, é insubmissa e negra, é quase uma condenação. 

Então a Denise tem uma coisa a ensinar, acho que para um Brasil inteiro, para uma sociedade que quer olhar e pensar e ter letramento racial. Eu acho que a existência dela tanto artística quanto individual precisa ser conhecida para sempre. Entender onde é que se chega e qual a importância de ter insubmissão.

Quando houve uma exposição do Itamar no Centro Cultural São Paulo uma pessoa furtou o óculos que ele usava e estava exposto na mostra. Ele foi encontrado? Ou o paradeiro segue?

Segue. Não foram encontrados. A gente fez um boletim de ocorrência, abriu ali uma investigação, mas foi encerrado o caso por falta de provas. É muito triste, mas é, também, natural neste Brasil onde a gente não encontra. Não consegue prender em casos comprovados de violência, de roubo, de desvio de dinheiro, de assassinato, de estupro…

Infelizmente o caso foi encerrado. A gente fez uma campanha, inclusive, ela ainda continua no ar, que é “Devolva os óculos” e tem uma caixa postal anônima onde a pessoa poderia deixar, mas não voltou. 

Eu não sei também dizer se é um fã. Eu acho que é fã no sentindo de fanático, pode ser alguém que quisesse muito ter alguma coisa dele. Às vezes eu acho que foi só alguma perautice de algum jovem.

Eu já fiquei muito mal por essa história. Hoje em dia eu estou mais tranquila, mas é uma sensação muito ruim, né? E era um dos poucos que a gente tinha. Era um óculos muito especial e um dos poucos. Mas serviu para aprendermos a lição de não tirar essas relíquias de casa sem seguro.

AQUILES RIQUE REIS: NASCEU E CRESCE UMA GRANDE CANTORA, RAQUEL COSSERMELLI!

Maio 15, 2024

E Rachel lançou luz sobre uma das maiores compositoras brasileiras do nosso tempo, a pioneira Dolores Duran, da qual escolheu seis músicas

15 de maio de 2024 –

Nasceu e cresce uma grande cantora, Rachel Cossermelli!

por Aquiles Rique Reis

Tempos atrás, lembro bem, revelei o que voltarei a dizer agora. Refiro-me à satisfação de perceber que o primeiro disco de uma novata ou de um novato me comoveu, me deixou feliz por tê-la ou tê-lo ouvido e, segundo meus critérios, ter percebido que ali estava um nome a ser conhecido e curtido pelo grande público, aquele que ama a música brasileira.

Hoje eu tenho o contentamento de lhes trazer o primeiro álbum de Rachel Cossermelli, Fractal Feminino Vol.1: Dolores Duran (independente). É com prazer que lhes apresento a jovem Rachel: bacharela em canto popular pela Faculdade Santa Marcelina, ela participa ativamente do circuito musical independente paulista. Após três anos na graduação de arquitetura e urbanismo, optou por seguir na música. Neste ofício, descobriu sua paixão por desvendar o papel feminino na música do século XX, que desembocou no projeto Fractal Feminino, que procura atender mulheres que se aventuram na indústria musical.

E Rachel lançou luz sobre uma das maiores compositoras brasileiras do nosso tempo, a pioneira Dolores Duran (07.06.30 / 24.10.59), da qual escolheu seis músicas. Há uma faixa bônus, onde Rachel revela a ficha técnica, fala sobre o disco e faz agradecimentos* (recomendo, vale a pena ouvir) – o que, sem dúvida, é uma boa ideia.

Segundo Rachel, ela dispôs as seis faixas no disco seguindo um critério (que sacada!): dar a sua visão sobre os relacionamentos a partir da obra de Dolores.

Vamos às músicas: “Falsos Amigos” (DD, lançada em 1960 pela cantora Cláudia Regina), “Por Causa de Você̂”** (1957 – Tom Jobim e DD), “Olha o Tempo Passando”*** (DD e Edson Borges, lançada pela cantora Maricenne Costa em 1960), “Se É Por Falta de Adeus” (1955 – Tom Jobim e DD), “Fim de Caso” (DD) e “Estrada do Sol”**** (1958 – Tom Jobim e DD). Informações adicionais obtidas no blog Pop & Arte do jornalista Mauro Ferreira.

Rachel, interessada não só pelas composições, mas também pela história de vida de mulheres como Dolores (aguardemos o volume 2 do projeto Fractal Feminino), repito, é uma grande cantora! Sua voz reverbera verdades, cantadas com afinação, dicção e dignidade exatas. A emoção pontua cada sílaba de cada nota da melodia. Antenada com seu tempo ao gravar uma mulher sintonizada com o seu universo musical e filosófico, o álbum de Rachel traz a prerrogativa de ser coletivo. A voz, as músicas, os arranjos, os instrumentos, as participações especiais e as ideias exalam música brasileira. Ao partir do ponto de vista de mulheres que fazem da música a própria vida, Rachel Cossermelli encontrou o nexo atual com a genialidade contemporânea em Dolores Duran.

Aquiles Rique Reis

Nossos protetores nunca desistem de nós.

https://youtu.be/PExiQj3rIrU?si=-V0r5_mThnxqk1ky (agradecimentos)

** https://youtu.be/Q9y81-InDuM?si=1dK4QVkGW7D (“Por Causa de Você”)

*** https://youtu.be/UlAY_DOoZ70?si=VYx1aLcyK3fap (“Olha o Tempo Passando”)

****https://youtu.be/8xKfCGECRyM?si=mv_NAvDad1p (“Estrada do Sol”)

Aquiles Rique Reis

Músico, integrante do grupo MPB4, dublador e crítico de música.

‘FOI INIMIGO NÚMERO UM DAS ELITES E DO PRÓPRIO IMPERADOR’, DIZ BIÓGRAFO DE LUÍS GAMA

Maio 14, 2024

PROGRAMA BEM VIVER

Com pseudônimo de Afro, o renomado advogado abolicionista fundou e foi editor-chefe de jornal intitulado Democracia

Lucas Weber

Busto de Luiz Gama, Brasil, São Paulo, Largo do Arouche, 2009 – RAOOS

Apesar de ter nascido livre em 1830, Luís Gama teve que conquistar a própria liberdade após ter sido vendido pelo seu pai, um fidalgo português, quando tinha oito anos de idade. Esta foi apenas a primeira vitória que o intelectual, advogado, professor, poeta e abolicionista conquistou ao longo de sua vida.

Luís Gama garantiu por via judicial a liberação de, pelo menos, 750 pessoas. 

Esta aptidão para interpretar as leis da época, somado à sua defesa pela democracia fizeram dele o “inimigo número um das elites imperiais e do próprio imperador”, afirma o historiador Bruno Rodrigues de Lima.

O pesquisador lançou recentemente o livro Luiz Gama contra o Império: A luta pelo direito no Brasil da Escravidão, publicado pela editora Contracorrente. A obra de mais de 600 páginas é uma adaptação e atualização da tese de doutorado do historiador. 

Bruno Rodrigues de Lima defendeu seu trabalho na Faculdade de Direito da Johann Wolfgang Goethe-Universität Frankfurt am Main e lhe rendeu o prêmio Walter Kolb de melhor tese de doutorado da Universidade de Frankfurt e a medalha Otto Hahn de destaque científico da Sociedade Max Planck.


Livro é uma adaptação da tese premiada de doutorado de Lima / Reprodução/Contracorrente

“É algo muito valioso, para quem pensa em um projeto de Brasil, pensar o projeto de Luís Gama. É um projeto abolicionista radical, sem concessões aos senhores, sem concessão e sem negociação, ou seja, é alguém que consegue ir à frente com uma bandeira tão difícil de ser levada à frente. E ele vai lá e leva a bandeira da abolição, da democracia, da terra, trabalho, direito para todos e todas”, comenta o pesquisador em entrevista ao programa Bem Viver desta terça-feira (14).

O pesquisador lembra que Gama também foi poeta, sendo o primeiro homem negro a publicar um livro deste gênero literário no país. Além disso, fundou e foi editor-chefe de um jornal intitulado Democracia. Lima comenta que por uma questão de segurança, Gama não assinava com seu próprio nome, mas com o pseudônimo Afro.

“Ele é o Afro, ele é um homem preto na São Paulo branca, e ele vai afirmar que a democracia dele é uma democracia sem pena de morte, é uma democracia socialista, palavra do gama antes da Comuna de Paris.”

Confira a entrevista na íntegra:

Brasil de Fato: No seu livro você demonstra como o Brasil do século 19 tinha leis que legitimavam a escravidão. No entanto, é usando destas leis que Luís Gama foi capaz de libertar mais de 750 pessoas. Como ele fez isso? Que tipo de truque, magia ou sagacidade ele tinha para furar o sistema usando as regras do próprio sistema?

Bruno Rodrigues de Lima: É um pouco de truque, um pouco de magia, um pouco de sagacidade. É Luiz Gama contra o Império.

O nome do livro sintetiza um pouco essa ideia de que ele tinha lado, sabia contra quem estava lutando, e tinha um profundo conhecimento do Império, das armas do Império, da estrutura do Império, de como ele funcionava. Por ter esse conhecimento é que ele sagazmente inventou um repertório de ferramentas para abrir caminhos de liberdade dentro do edifício escravista.

Brasil, você sabe, era a única sociedade escravista de soberania plena das Américas. Tinha escravidão em todos os cantos do Brasil, em todos os lugares. O Brasil tinha 20 províncias, tinha escravidão nas 20 províncias. O Brasil tinha 635 municípios, tinha gente escravizada nos 635 municípios. O Brasil tinha 1.449 paróquias, tinha gente escravizada em 1.442 paróquias.

Tudo isso que eu estou dizendo é segundo os dados oficiais do Censo Demográfico de 1872, quando o Luiz Gama tinha 42 anos de idade.

Esse era o Brasil do Luiz Gama. Esse era o Império do Brasil: um império de cima a baixo, de norte a sul, leste a oeste, o império da escravidão.

Ele entende o direito, entende que a escravidão era justificada, amparada, chancelada pelo direito. Com essa compreensão, ele vai conseguindo abrir caminhos para garantir liberdade para mais de 750 pessoas, através do judiciário e outras estratégias processuais à margem do judiciário também.

É por tudo isso que 150 anos depois da existência de Luís Gama estamos aqui reunidos falando da história de luta pela liberdade no Brasil que ele protagoniza.

Ele não protagoniza no sentido de que ele individualmente se sobrepõe às demais lutas, não é nesse sentido, mas é no sentido de que ele compreende o seu tempo histórico, os valores que ele luta, a causa que ele encampa e organiza, o movimento abolicionista, quando nem movimento abolicionista tinha, e vai coletivamente liderar esse processo.

É algo muito valioso, muito importante para quem pensa em um projeto de Brasil, pensar o projeto de Luís Gama, que é um projeto abolicionista radical, sem concessões aos senhores, sem concessão e sem negociação.

Ou seja, é alguém que consegue ir à frente com uma bandeira tão difícil de ser levada à frente, tão desigual eram as armas da época, tão desigual as forças forças e as correlações. Ele vai lá e leva a bandeira da abolição, da República, da democracia, da terra, trabalho, direito para todos e todas. 

Isso quando o movimento abolicionista ainda nem existia. 

Seu livro mostra como Luís Gama lutou contra o Império. Ele morreu antes que a República fosse declarada. No entanto, com mais de 100 anos de República, o Brasil segue reproduzindo práticas escravistas. Você acredita que Gama se desiludiria com a República brasileira?

Essa é a pergunta que eu me faço também, porque eu quero compreender esse Brasil, quero entender o que está acontecendo nele e faço isso lendo Luís Gama.

Ver que a República tal qual proclamada e os arranjos de poderes que se sucedem nas primeiras décadas, pelo menos até Getúlio, e depois mesmo durante o período de Getúlio todos os golpes e contragolpes dessa metade do século 20 até chegar agora o pacto de 1988…. O Brasil é muito jovem. 

Então, se a gente perguntar, os avós dos nossos avós são contemporâneos do Luz Gama, sabe? Está muito perto. Então, a própria República é um regime político recém proclamado. A gente tem um século e pouco…

Agora, o que eu quero dizer até que as mesmas famílias que estavam lá atrás, no judiciário, por exemplo, ou nas forças armadas, são as mesmas famílias em muitos oficiais de hoje, muitos juízes de hoje. 

Se a gente analisar a linhagem familiar, vamos ver que o Brasil mudou muito pouco. Se há trabalho análogo à escravidão como há e pesado se formos pensar: Tocantins, Pará, ou o bairro do Brás, em São Paulo, ou bairros da zona central das grandes cidades, do Rio, Belo Horizonte…

Você tem coisa acontecendo que o Ministério Público nem sonha em investigar, que tem obrigação funcional de investigar.

Luís Gama funda um jornal em 1867 chamado Democracia, uma palavra proibida de se enunciar no discurso político da época.

Luís Gama é aquele que vai plantar a semente da democracia no Brasil. Ele foi o redator-chefe desse jornal. Ele assina esse jornal com pseudônimo, porque não poderia assinar em nome próprio, senão o pescoço dele estaria ao alcance da milícia dos escravizadores, cafeicultores do interior paulista, por exemplo.

Mas não escondeu que era dele a autoria daquele jornal. Luís Gama vai afirmar e outras pessoas vão testemunhar que ele estava envolvido em projetos literários como o Democracia.

Lúcio de Mendonça vai dizer: “Eu conheci o Luiz Gama quando ele colaborava na imprensa com o pseudônimo Afro nos jornais de São Paulo”.

Gama não assinava em nome próprio, assinava como Afro, que é uma maneira de afirmar sem afirmar, de ocultar a autoria do nome próprio e ao mesmo tempo ele afirma a autoria.

Ele é o Afro, ele é um homem preto na São Paulo branca, e ele vai afirmar que a democracia dele é uma democracia sem pena de morte, é uma democracia socialista, palavra do gama antes da Comuna de Paris

É uma pena que a história do movimento operário brasileiro e do movimento camponês, por exemplo, saber só agora que Luís Gama lançou um jornal chamado Democracia, com um projeto de educação inovador, de ensino laico, de educação em massa, de obrigação do Estado investir em educação de todos e todas, de meninos e meninas, de todas as faixas etárias, um projeto de alfabetização de jovens e adultos

Ele próprio foi um professor de educação de jovens e adultos, ele próprio alfabetizou centenas e centenas de pessoas. A gente está falando de 1867, 1868, 1869, muito antes da queda da monarquia e do fim de trabalho escravizado.

A gente teve um homem preto que se definiu definiu “democrata e socialista”, que pensou a república e que foi o alvo, foi o inimigo número um das elites imperiais e do próprio imperador. É por isso que a Luís Gama contra o Império. 

A sua pergunta toca nesse ponto do título do livro… E por quê esse título? Porque Luís Gama estava de um lado, o Império estava de outro. Então, se o Luís Gama estivesse hoje aqui, que é a sua pergunta, não é muito difícil imaginar quais seriam suas bandeiras.

É a bandeira da democracia, da abolição, incompleta, mambembe, capenga, esvaziada, deturpada, que o Gama certamente choraria o choro mais íntimo de sua alma e ao mesmo tempo, da indignação do revolucionário. Iria lutar para fazer a abolição acontecer. 

Como é que acontece uma coisa como aconteceu em 1888 e leva 30 a 40 anos para que o preto pudesse entrar na escola, pudesse ter um ensino técnico e mais 30 a 40 para que entrasse nas universidades e mais quantos que vamos esperar até que eles entrem na magistratura?

Porque a magistratura do Brasil, as carreiras do Itamaraty, as carreiras militares de alta patente, as carreiras do judiciário, da defensoria pública, do Ministério Público, são ocupados por quem?

Nós sabemos, é estatístico, 98% são brancos. Então, o Gama não se surpreenderia com o Brasil que ele ia encontrar.

O Brasil mudou muito pouco. O Brasil, o regime de produção do Brasil de hoje, muda muito pouco do modelo de produção das grandes plantations de café do século 19.

A própria elite brasileira, muito tacanha, acha que isso aqui é uma grande fazenda. O Gama denuncia isso. 

O projeto do Gama é muito sério, é um projeto de democratizar tudo isso que eu falei agora: riqueza, educação, conhecimento, terra, e que o trabalho seja algo muito mais valorizado, digno. Trabalhador precisa ser melhor remunerado.

No lançamento do seu livro na Bahia, você esteve ao lado de Mateus Aleluia e falou para ele como via ideias de Luís Gama nas música dele. Isso tem a ver com as poesias que Luís Gama escrevia ou as ideias que defendia?

Luiz Gama jogava em todas as posições, de modo como você disse também, era um poeta, era um jornalista, e, sim, um herói nacional.

Mateus Aleluia é uma dessas raridades que dá no Brasil e que a gente tem que saber reconhecer e valorizar enquanto é tempo. Valorizar em vida.

Mateus Aleluia tem 80 anos, é um homem que foi pra Luanda, foi pra Angola, que viu a vitória do movimento de libertação de Angola. Que estava lá na luta de Angola contra o apartheid da África do Sul, ele estava lá e tem uma compreensão do panafricanismo que dá chão na Bahia, que dá chão no Brasil, e o lugar do Brasil no mundo.

Então, numa música, por exemplo, que o Mateus Aleluia fala de um novo estágio da humanidade, um estágio de alguém que tem uma utopia de um Brasil, de um mundo, sem reis e sem escravos como o Luiz Gama diria, sem patrões e sem subordinados, o Matheus Aleluia está pensando o Brasil de amanhã, um Brasil que é uma utopia, mas é essa utopia que faz a gente sonhar.

Ele vai falar de que a gente precisa de um líder popular, de alguém que pense o Brasil, que seja pragmático como [Nelson] Mandela, que traga poesia e independência como Leopold Cedarsan Singor, que tenha um sonho como Luther King e que seja um herói como Zumbi [dos Palmares]. 

Ele tem uma música que fala exatamente disso, que é Homem, o Animal que Fala. E eu, dialogando com ele, eu falei: “Olha, Mestre Mateus Aleluia, eu acho que esse ser humano que reúne essas qualidades de trazer poesia, independência, que lute pragmaticamente por um futuro melhor, e que tenha um sonho ao mesmo tempo uma utopia, esse homem é um Luís Gama”.

DANIEL AFONSO DA SILVA: TAPEANDO O SOMBREIRO

Maio 13, 2024

Somos todos gaúchos. E vamos juntos superar mais essa. Um pouco da linda arte gaúcha. Nativismo.

Lourdes Nassifjornalggn@gmail.com

Tapeando o sombreiro

por Daniel Afonso da Silva

O sul, um dia vai falar por nós, com toda a sua voz!”.

Somos todos gaúchos. E vamos juntos superar mais essa.

Um pouco da linda arte gaúcha. Nativismo.

Tapeando o sombreiro”.

Composição de Gujo Teixeira, música de Mauro Moraes e interpretação de José Cláudio Machado (1948-2011).

*

Quem sabe os gaúchos, os homens do sul, da serra ou missões
Um dia por certo vão cantar para todos e falarem daqui
Quem sabe a campanha, a fronteira do pampa aqui do garrão
Um dia por certo vai guentar o tirão e vai pensar mais em si

Quem sabe um dia as guitarras campeiras, entoem milongas
Falando do campo, contando do sul, para o pago inteiro
E as nossas cordeonas acordem os vizinhos, que dormem a tempo
Com sons de clarins, dizendo a todos um buenas parceiro

O sul, um dia vai falar por nós, com toda a sua voz!
O sul, um dia vai falar por nós, com a sua própria voz!

Quem sabe um dia os cavalos crioulos aqui da fronteira
Esbarrem no norte erguendo poeira, com um freio de ouro
E o sangue dos pampas, dos dévons e angus
Corra pelas veias do Brasil central, parindo divisas
Além de outros touros

Quem sabe o rio grande vai servir um mate cevado a capricho
Pra adoçar a alma dos que se extraviaram por toda a nação
E assim um campeiro alcance outro mate com jujos na água
Recém camboneada do rio Araguaia, pra palma da mão

Quem sabe o rio grande ensine a todos a força de um povo
Que canta sua terra, que luta e trabalha e a conhece de cor
Quem sabe o gaúcho vai mostrar sua cara e por brasileiro
Tapeando o sombreiro, lhe olhem de perto e lhe vejam melhor

*

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

O PRIMEIRO DIA DAS MÃES NO BRASIL FOI CELEBRADO EM PORTO ALEGRE EM 1918

Maio 12, 2024
  1. CULTURA

EXEMPLO GAÚCHO

O que hoje é uma das principais datas no ano para o comércio teve origem pacifista

Redação

Brasil de Fato | São Paulo (SP) | |

 

Cravos vermelhos e brancos, música e poesia: o primeiro Dia das Mães foi uma celebração delicada – ACM-RS

Há exatos 104 anos, no domingo 12 de maio de 1918, a capital do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, realizou a primeira celebração do Dia das Mães no país. A iniciativa foi da Associação Cristã de Moços do Rio Grande do Sul (ACM-RS).

Naquele segundo domingo de maio, também chovia na capital gaúcha. A ACM-RS conta que seu salão social foi aos poucos se enchendo de gente para celebrar a figura materna.

“Na ante-sala, em uma mesa, envelopes e papel de correspondência convidavam aqueles que tivessem as mães distantes para que lhes escrevessem uma mensagem de afeto. Na entrada do salão, vasos de cravos vermelhos e brancos enfeitavam o ambiente, e cada pessoa que entrava recebia uma flor que era colocada em sua lapela por Eula Kennedy Long, brasileira e esposa de Frank Millard Long, secretário-geral da ACM”, diz texto publicado no site da entidade.

Os cravos representavam uma simbologia delicada. Pessoas com mães vivas, usavam vermelhos nas lapelas, enquanto filhos de mães já falecidas, os brancos. Após discurso oficial, ocorreu uma  apresentação musical e declamação de poesias, feita pela escritora Júlia Lopes de Almeida.

O exemplo gaúcho se espalhou pelo país. No ano seguinte, a ACM do Rio de Janeiro celebrou a data, em 1921, a de São Paulo. Em 1932, Getúlio Vargas decretou que ela se tornasse feriado oficial e, em 1947, o dia foi incluído no calendário oficial da Igreja Católica.

Origem pacifista

Em 1918, o secretário geral da ACM-RS, Frank Long, importou a comemoração, inspirado em seu país, os Estados Unidos, onde a data era oficialmente celebrada – também no segundo domingo de maio – desde 1914. A conquista foi resultado de campanha conduzida desde 1907 por Anna Jarvis na Igreja Metodista da Virgínia Ocidental.

Sua intenção era honrar a memória de sua própria mãe, falecida dois anos antes – justamente no segundo domingo de maio. A mãe de Anna, Ann Reeves, havia sido uma ativista pela paz, que durante a Guerra Civil dos EUA, cuidou de feridos de ambos os lados.

Pelo mundo, o Dia das Mães é celebrado em datas variadas. Em Portugal, e demais países lusófonos da África, ele ocorre no primeiro domingo de maio, mês das festividades de Santa Maria, mãe de Jesus. na Noruega, ele acontece em fevereiro, e na Argentina, em outubro.

Com o tempo, data foi se tornando uma das mais importantes do ano para o comércio. No Brasil, ela é a ocasião que mais aquece a economia no primeiro semestre – e a segunda no ano, atrás apenas do Natal – movimentando mais de R$ 30 bilhões. Mas sua ideia original era ser um momento de reflexão pela paz e o diálogo.

Edição: Rodrigo Durão Coelho

PADURA: “MINHA CUBA À FLOR DA PELE”

Maio 11, 2024

Escritor desvela os dilemas do socialismo caribenho em novo livro. De esquerda crítica, retrata o submundo de Havana, desilusões de sua geração e o transe pós-Fidel. Avesso a “análises de conjuntura”, vê no cotidiano a chave do mundo

OUTRASPALAVRAS

POÉTICAS

por Rôney Rodrigues

11/05/2024 –

Foto: Adalberto Roque / AFP

— Vou começar pela grande protagonista de seus romances: Havana. Como é viver nesta cidade? O que te encanta? O que te assombra? O que te inspira?

— Sou um romancista de Havana e a cidade me dá tudo o que preciso para escrever: histórias, personagens, atmosfera, contexto, inclusive uma maneira de ver a vida e expressá-la verbalmente, literariamente — explica Leonardo Padura, 68 anos, o aclamado escritor cubano da tetralogia As quatro estações e de O homem que amava os cachorros, que José Padilha e Wagner Moura planejam verter para o cinema.

Apesar de charlarmos por e-mail, eu poderia dizer que é possível sentir no ecoar digital de suas palavras a brisa leste do Caribe — úmida, salgada e nostálgica — numa Havana de vielas históricas, casarões-cortiços, paladares… Da Praça da Revolução com Camilo Cienfuegos e Che Guevara rascunhados em empenas, de turistas europeus em tuk-tuk, da salsa, do merengue e até de reggaeton (que Padura detesta!) torando em caixas de som… Vã imaginação.

Padura prossegue:

— Sempre sinto que ela é uma cidade com a alma à flor da pele, que se você a conhece e a interroga, ela fala. E tudo isso é fonte de inspiração. Mas às vezes me assusta sentir que ela vai se transformando com o tempo, e nem sempre para melhor. Há um processo de empobrecimento que se reflete não apenas na deterioração de sua estrutura física, mas também na deterioração de seus habitantes. E a pobreza, por essência, é feia, agressiva, dilacerante.

A Havana de Padura nunca foi mágica, mas melancólica e atroz. Uma teia de relações intrincadas que escapa ao romantismo revolucionário ou à propaganda gusana de Miami. É uma cidade incompleta para muitos que lá vivem — e um pedaço insubstituível para aqueles que se desterraram.

Esta, portanto, é a Havana dos romances de Padura. Porém, em Pessoas Decentes, seu novo livro publicado pela Editora Boitempo, ela torna-se mais insólita. É 2016. Mick Jagger berra um “Boa noite, meu povo de Cuba” ao microfone, antes de requebrar com os Rolling Stones num gigantesco show que fez 1,2 milhão de cubanos espremerem-se nas ruas da capital. É o ano em que mister Barack Obama, o primeiro presidente estadunidense a pisar na Ilha, sugere perante a Raúl Castro que é tempo “de pensar num futuro juntos” e, num espanhol-yankee, diz com ares triunfalista: “Eu creio no povo cubano”. É o ano em que a Chanel levou a luxuosidade francesa à Cuba socialista, armando sua passarela em pleno El Paseo del Prado, um dos maiores cartões-postais de Havana, para receber a nata do mundo da moda, com desfile de Tilda Swinton, Vin Diesel e Gisele Bündchen, entre outros. (E, também, da morte de Fidel Castro aos 90 anos, cujas cinzas foram depositadas no Memorial José Martí, em Santiago de Cuba, cercado por uma multidão que fazia filas num raio de três quilômetros para prestar-lhe homenagens — e apoiar seu mantra “sim, é possível”, tanto para construir um futuro mais justo no mundo quanto para superar a crise cubana).

O cronista-gonzo Xico Sá, fãzão de Padura, sublinhou na orelha do livro um trecho-síntese desta estranha euforia:

Obama vem aí, cavalheiros!”, gritou alguém. “E, com Obama, um monte de estrangeiros com dólares, a moeda do inimigo da qual as pessoas tanto gostam, que resolve tantos problemas. Vamos abrir negócios, vamos dar a volta ao mundo, e talvez até suspendam o bloqueio e, com isso, consigamos sair de uma vez por todas do subdesenvolvimento e até do Terceiro Mundo. Havana está louca, Havana está sonhando.”

E, como uma cidade que sonha é, também, uma cidade que deve recordar, Padura assim o faz em Mantilla, bairro periférico que é mais um ecótono entre a paisagem urbana e rural, cortada por uma rodovia movimentada. Ali o escritor nasceu, criou-se e fincou raízes, assim como seu pai, seu avô e seu bisavô, que lá abriu um armazém, construiu uma casa e nunca mais saiu, tal como seus descendentes. Considera-se, portanto, mais mantillense que havanês.

Padura mora, hoje, com sua companheira Lucía López Coll, a quem dedica todos os seus livros “com amor e miséria”, na mesma casa de sua infância, erguida tijolo a tijolo pelas mãos do viejo bisavô Padura em 1954. Não têm filhos. Mas têm um calhambeque, privilégio na Ilha, e livros, e mais livros, e centenas de filmes e séries num HD que preenche a monotonia das noites mantillenses deste casal de cinéfilos.

Feitiço incondicional

Bolotas de pano com esparadrapo. Pedaços de madeira. E assim fazia-se a pelada beisebolista, com pequenos pitchers e os catchers do bairro. Como muitas crianças da Ilha, o sonho do niño Leonardo era ser jogador de beisebol, esporte que é a paixão nacional em Cuba. O escritor autoproclama-se um dos maiores conhecedores nesta matéria em Cuba — acredito, pois um nativo do País do Futebol dificilmente poderia pôr à prova sua expertise.

Isso, talvez, tenha marcado mais sua infância do que o terremoto político que abalou a América Latina, cujo epicentro era Cuba. Barbudos tenazes tomaram Havana e botaram o ditador Fulgencio Batista para correr, após dois anos de guerrilha. Era o primeiro dia de 1959, época de renovação de votos, e uma pomba branca — não é metáfora! — pousava insolitamente no ombro do destemido Fidel Castro. Um bom agouro para o ano novo cubano.

Desta época, quando a revolução engatinhava, Padura tem recordações vagas. Descreve uma cidade glamourosa, “cheia de um comércio vívido e colorido”, que apagou-se na época natalina: os costumeiros passeios pelo centro, onde a classe baixa ia para admirar de fora as reluzentes vitrines de lojas chiques e seus enfeites de Papai Noel, pinheiros ornamentados e neve falsa, não era uma prioridade para um governo que tinha a árdua tarefa de reconstruir um país.

Mas Padura rememora isso sem ressentimento, com uma pitada de saudosismo, vá lá, mas, em suma, sem ressentimento. A cidade continua glamourosa, bela e enfeitiçadora, até quando se deteriora, repete o escritor, sempre quando estrangeiros incrédulos querem saber por que ele ainda não se “autoexilou”… Abandonar Cuba, ao final, seria abandonar matérias-primas essenciais — e exilar-se dele mesmo. Por isso, quando vai aos Estados Unidos e encontra familiares e amigos, confessa que procura somente se divertir, evitando discutir política, pois “de fora as coisas cubanas são muitas vezes vistas em termos bastante preto e branco”.

O maratonista

A literatura é uma forma de vida, diz Padura. Porém, sem arroubo poético. É vida, pois é o ofício de onde tira o ordenado para pagar os boletos — um privilégio em qualquer parte do mundo, reconhece. Também é vida, afiança o escritor, pois abre portas para outros mundos. De novo, não é metáfora desgastada; é algo concreto. A carreira literária permite a Padura viajar para muitos países. Conhecer gente nova. Ouvir e ser ouvido em realidades tão díspares. Ir ao além-Cuba. Ele nunca imaginou que aquele jovem Leonardo do Período Especial cubano, um jornalista que revezava-se entre a cobertura policial e a crítica cultural, o mesmo Leonardo de quando lançou seu primeiro livro — Passado perfeito, ressuscitado após jazer por seis anos numa gaveta — por uma pequena editora mexicana, tornar-se-ia uma estrela da literatura mundial, autor do best-seller O Homem que Amava os Cachorros, com obras traduzidas para mais de 15 idiomas, vencedor de importantes prêmios, como o Princesa de Asturias, o Hammett e o Prix Initiales, e laureado com o diploma de doutor honoris causa pela Universidade Nacional Autônoma do México.

Aconteceu. E grande notoriedade exige grande responsabilidade, pois o romance é uma corrida de fundo, acredita Padura. Sentar-se todo dia em frente ao computador para escrever por cinco, seis horas, ou mais quando a imaterial (e imprevisível) inspiração bate, como faz hoje, exige condicionamento mental… e físico — tal como um enxadrista profissional, explica. Exercita-se, portanto, todos os dias. Abandonou o rum: bebe apenas vinho, e somente quando se reúne com amigos. Esforça-se para fumar menos de dez cigarros por dia. E, como um bom cubano, tem como praxe caminhar pelo Malecón, a orla de Havana, por horas ou mesmo cinco minutos, e sentar-se na mureta de 1 metro para contemplar a cidade, inescapável, de um lado, e o inalcançável oceano, de outro. Onde começa e termina o país, um lugar que é a síntese de Cuba, sempre destaca.

Apesar de calejado no ofício, adverte que cada romance é uma nova experiência. De novo, diz isso com pragmatismo, pois as últimas obras de Padura debruçam-se sobre eventos e personagens históricos — do século XIX ao XXI — e exige ampla pesquisa. O que realmente o corrói, admite, é o fantasma da autocrítica rondando cada página de seus manuscritos: é preciso afinar o estilo, a estrutura, o tom de certas passagens, e contar com imprescindíveis pitacos críticos de sua companheira… “Você está escrevendo merda e acha que é um gênio”, já disse. “É aí que você está ferrado”.

— Alguns dizem que a função da literatura é captar as mudanças imperceptíveis de uma época — preâmbulo eu, querendo saber qual sentido Padura vê nesta batalha contra a página em branco. — Antonio Candido disse que ela é uma necessidade humana básica: o direito à fabulação. Outros sustentam que sua importância é justamente não ter função alguma. E assim sucessivamente… E para você, qual a função da literatura?

— Da literatura em geral, é para criar beleza, para descobrir o que os outros não veem, para nos fazer pensar. Do romance, em particular, é mergulhar na alma dos indivíduos, na condição humana e, nessa perspectiva, dar-nos uma imagem de uma realidade, real ou fictícia, mas que amplia a nossa percepção do mundo.

— Alguns escritores confessam que, no processo de escrita, certos personagens parecem ganhar autonomia, escapar do controle do escritor, tomar seus próprios caminhos… Acontece isso com você?

— Claro… Mario Conde [protagonista da maior parte de seus romances] muitas vezes faz o que lhe dá vontade, sem minha permissão. Ou em Como poeira no vento (Boitempo, 2021), esses personagens começaram a crescer e a atuar de forma quase independente das minhas ideias originais. Acredito que quando se dá vida a uma criatura, pode-se educá-la, mas não decidir completamente os seus comportamentos. Isso acontece na vida real e, também, no romance.

Talvez em falsa modéstia, ele costuma dizer em outras entrevistas que é um escritor de “pouca imaginação”, pois custa-lhe ter uma ideia para um romance, o que o exaspera. Mas diz que sempre há uma luz no fim do túnel – e, em algum ponto do cérebro, uma luz se acende.

A criatura não muito bem-educada

Mario Conde é contemporâneo de Padura do Período Especial cubano, quando o colapso da União Soviética levou seu “satélite” latino-americano a uma gravíssima crise econômica — apagões, insegurança, mercado clandestino, êxodo… — que ainda não se cicatrizou muito bem. Os dois viveram poucas e boas juntos, portanto, Conde é criatura, sim, é verdade, mas também é um camarada fiel ao longo de décadas e mais de uma dezena de romances, comungando os dois dos mesmos dilemas existenciais. Conde é um detetive cubano encouraçado pelo humor pessimista, um tabagista inveterado que bafora profunda melancolia. Ressalta seu criador-camarada que Conde tem uma personalidade destonante da alma cubana, que é despreocupada, de viver um dia de cada vez, sin coger lucha, como se diz por lá.

Conde nunca quis ser policial, para começo de conversa. Fã de jazz e de Ernest Hemingway, sonhava ser um escritor — e, por isso, é afeito ao submundo havanês, nutrindo certa simpatia com as putas, os loucos e os bêbados. Tem a mesma idade de Padura e é atormentado por fantasmas do passado. Em Pessoas Decentes, ele é um homem ainda mais ressentido, que sobrevive de bicos e da venda de livros velhos, mas volta à ativa na Cuba de Rolling Stones e Obama a convite de um ex-colega policial, após o assassinato brutal de um burocrata hijo de puta de primeiro escalão que destruiu a vida e a carreira de vários artistas.

— Foi difícil desaposentar o detetive Mario Conde? — pergunto.

— Eu nunca o apaguei! — aponta Padura. — Pelo contrário, venho reforçando as suas características e, inclusive, acrescentando outras que o complementam, por exemplo, a sua percepção da passagem do tempo físico, humano, o que chamamos de envelhecimento. No início da série ele tinha 35 anos, agora tem 62 em Pessoas Decentes e, com esse processo temporal, tornou-se mais cético, mais irônico, mais desencantado, mais pessimista. Mas tudo isso estava se gestando desde que o esbocei pela primeira vez. A grande mudança foi deixar de ser policial, mas agora continua fazendo investigações policiais e sempre, antes e agora, dando um diagnóstico da realidade cubana.

— Muitos meios de comunicação e críticos literários especulam se personagens de ficção são alter egos de seus escritores. Você é Mario Conde? Tem algo dele?

— Mario Conde é Mario Conde e eu sou eu. Nada de alter ego. É claro, ele é meus olhos para ver a realidade, minha sensibilidade para assumi-la. Somos cubanos da mesma geração, com experiências comuns, com inclinações para a literatura, amantes da contemplação da beleza feminina, mas cada um à sua maneira… embora sejamos muito parecidos.

Detetive da Havana profunda

Vamos, então, ao berço de Conde, criado em frente a uma Olivetti — ou Mignon, Hermes, Remington, sei lá… O casmurro detetive fez-se vida a partir da pretensão de Padura em escrever romances policiais que seriam, sobretudo, romances sociais. Um Sam Spade caribenho! Um Philip Marlowe do submundo socialista. Nos anos 70 e 80, havia uma produção profícua deste gênero literário em Cuba, estimulada pelo governo. Mas era aquela velha coisa das pulp fiction estadunidenses: um detetive-herói, mas com o “comprometimento revolucionário”.

Conde não é propriamente um anti-herói, observa Padura, mas um protagonista carrancudo em conflito consigo mesmo e com a sociedade cubana, um malparido que lida com malparidos e que personifica as desilusões de uma geração — a geração de Padura. Algo que o jornalismo oficialista cubano nunca poderia fazer, afirma o escritor, em diversas entrevista.

Nos anos 80, o ganha-pão de Padura era o jornalismo — e ele sofria em espremer histórias em três mil toques: a experiência humana da realidade, acredita ainda, ao menos para o então aspirante a romancista, não poderia ter uma camisa de força de caracteres. Ele escrevia para o Juventud Rebelde, jornal oficial da ala juvenil do Partido Comunista de Cuba, e para a revista literária El Caimán Barbudo. Era a “mídia jovem” cubana que, ao contrário do Granma, o “órgão oficial” do Partido, podia ocasionalmente contar histórias mais ousadas, como a do aumento da prostituição na década de 1990 e da “dinastia do rum Bacardi”. Por fim, Padura foi chefe de redação da Gaceta de Cuba, revista de la Unión de Escritores, quando abandonou o jornalismo para dedicar-se somente à literatura.

Ficou, então, algo de jornalista nele na busca de investigar as complexidades da sociedade cubana, o que as mídias oficialistas nunca poderiam fazer, porém sem perseguir o ritmo frenético, caliente, dos acontecimentos.

— Você foi jornalista por um tempo. Peço licença para propor uma situação imaginária: se você fosse entrevistar o detetive Conde de Pessoas Decentes, qual seria a primeira pergunta?

— Essa é fácil: nesta Cuba onde você mora agora… de que adianta ser uma pessoa decente?… É que quando a sobrevivência se impõe, a ética nem sempre sai bem no embate.

Parece meio pessimista, não acha?

Lendo inúmeras entrevistas que o escritor concedeu nos últimos dez anos, sei que Padura nunca romantizou a passagem do tempo; as primaveras em nada são generosas. Ele gosta de lembrar, como se precisasse pelear contra o clichê de que mechas brancas seriam provedoras de sabedoria, que o corpo definha, a memória fraqueja, o cansaço cambaleia o corpo, a visão fica turva. E isso nem é o pior. A auréola da nostalgia pesa sobre a cabeça. As expectativas de que tudo vai se ajeitar desmoronam. Não, não vai. E a crença de um futuro melhor se esvai. Talvez até haja pessoas decentes no mundo. Mas a sensação é de que “algo que se acaba, de um tempo que não se pode recuperar, que se repete e que sempre termina nos esmagando”, disse certa vez. “Você se sente derrotado pela História como acontece com Conde e com muitos de sua geração”.

Em O Homem que Amava os Cães, Padura escreve que “a Utopia foi traída e, pior ainda, reduzida a uma fraude aos maiores desejos humanos”.

Por isso, insisto.

— Você é uma pessoa otimista? Ou acredita que este sentimento humano é perecível com o passar do tempo?

E cavuco mais:

— Há espaço, hoje em dia, para as utopias?

— Passo do otimismo ao pessimismo com muita facilidade, embora às vezes fique preso no pessimismo por mais tempo — quem fala isso, só pode ser um verdadeiro pessimista, claro. — Acredito que a sociedade humana avançou muito em muitas áreas, a ciência, por exemplo, mas acredito ao mesmo tempo, que muitos outros valores foram vulgarizados ou se perderam definitivamente. E não vejo espaço para a promoção de novas utopias, mas sim de distopias.

E prossegue:

— Quem me dera que houvesse um pensamento que organizasse melhor o presente e, inclusive, o futuro, mas vejo ao meu redor cada vez mais ameaças à democracia, desde a Rússia de Putin até os Estados Unidos de Trump, não importa se ele é presidente ou não, passando por uma Europa que se volta à direita e, mais perto, do El Salvador de Bukele ou da própria Cuba de hoje, onde os direitos de expressão, de descontentamento e de dissidência são violados. Nós estamos fodidos!

Sim, don Padura. Convém, então, discutirmos mais sobre Literatura? Ou…

Seria melhor falarmos de beisebol?

Cuba é uma ditadura, mister Padura? Qual a solução aos mais de 60 anos de embargo econômico? O senhor acredita que o comunismo fracassou? E a Venezuela? E a China e Putin? Qual o painel socioeconômico da Olha após a morte de Fidel Castro? Miguel Díaz-Canel está cedendo ao neoliberalismo?

Ele é educado ao responder perguntas como essas, mas pinça palavras – e muito poucas – para não deixar entrevistadores no vácuo. Brinca que sempre que está em turnê no exterior “as pessoas vêm até mim e me dizem não o quão bem escrevo, mas o quão corajoso sou para escrever o que escrevo em Cuba”.

Não é que Padura não goste de falar de política, mas isso não é algo fácil para qualquer cubano, escritores ou não, que são sempre fustigados a se posicionarem contra ou a favor do socialismo caribenho. Em uma entrevista de meia hora, queixa-se, passa 25 minutos respondendo perguntas políticas. Mas ele adoraria falar, também, de literatura, música, cinema, esportes, o beisebol que tanto ama… — como um escritor normal. Ninguém coloca Paul Auster nesta sinuca de bico, suspirou em um de seus ensaios: “Auster nunca é interrogado sobre a possível direção que a economia americana está tomando” ou “por que ele continuou vivendo em seu país durante o anos horríveis do governo George W. Bush”.

Não sou especialista em análises de conjuntura política, murmurou certa vez, “vou dar respostas que poderiam ser obtidas com qualquer outra pessoa”, mas, quando perguntado sobre literatura, “todas as minhas respostas podem ter leituras políticas”.

Padura está longe de ser gusano, que fique claro, como más-línguas poderiam sugerir. É mais um crítico, sem a obrigatoriedade de ser construtivo. Ao longo das décadas, perdeu o viço para analisar por conta própria ou ser arguido por terceiros sobre a política institucional cubana. É verdade que ele sempre reitera que falta uma absoluta liberdade de expressão na Ilha, embora nunca tenha sido censurado ou molestado por burocratas — e nem considere que houve “excessos” em Cuba, como ocorreram na URSS. Mas aponta que o projeto de criação do novo homem socialista castrou subjetividades, pois jovens como ele não podiam cultivar uma cabeleira, usar calças apertadas, curtir o som dos Beatles ou ler certos autores “malditos”. É gozado. Ele nunca militou em causa alguma, menos ainda no Partido, porém um novo livro de Padura é sempre tomado como um documento para destrinçar a realidade cubana – seja em maior ou menor grau, à direito ou esquerda.

Nem ao céu nem ao inferno

Padura é direito, como sempre: Cuba não é uma ditadura sanguinária nem um romântico paraíso socialista. É, mais bem, um “purgatório” — palavra dele. Um lusco-fusco, caso queiramos corromper com otimismo a imagem católica evocada pelo escritor.

Purgatório ou lusco-fusco, é uma Cuba sem Fidel nem ao céu nem ao inferno que hoje tenta abrir-se ao capital internacional — o que Padura vê com bons olhos — após 66 anos de um embargo econômico criminoso imposto pelos Estados Unidos — “um ato de guerra econômica em tempos de paz”, como afiançou o chanceler cubano Bruno Rodríguez — e sustentado até hoje, embora a Assembleia Geral das Nações Unidas denuncie a ilegalidade. A paz, portanto, é complexa quando um país não está em condições normais de temperatura e pressão. Vide 2021, quando centenas de milhares de cubanos, em plena pandemia, saíram às ruas — instigados por grupos cubano-estadunidenses de direita, como acredita o governo, ou não, mas que revela um clima de descontentamento no país. Neste ano, massas voltaram às rua de Havana, após frequentes apagões na Ilha, alta do preço do combustível e escassez de alimentos. Por supuesto, o embargo econômico não pode ser naturalizado diante da crise cubana, mas há também a “crise de horizontes — que se observa muito claramente no potencial migratório — e uma crise de confiança nos espaços políticos e institucionais. […] Em resumo, uma lição importante parece ser que enfrentar a crise por meio da expansão de direitos – tanto políticos quanto sociais – é o caminho mais firme para as soluções futuras”, analisou Julio Cesar Guanche, professor da Universidade de Havana, em artigo publicado no Outras Palavras.

E aí entra o repórter, no caso eu, impelido a provocar um assunto que Padura evita com delicadeza ou mostra-se ranzinza, pois é um escritor, não um cientista político, como ele cansa em dizer. Mas poderíamos, então, arriscar uma filosofadas despretensiosas sobre este mundo vasto mundo cujas crises já não podem ser contadas nos dedos de uma mão?

Bem, vamos arriscar — e, assim, tento comer pelas beiradas sua vibe política.

— Parece que o capitalismo está se transmutando com a chamada “digitalização da vida” — é bom destacar: Padura é avesso a redes sociais; é um homem analógico, com orgulho geracional. — Você acredita que isso está levando à construção de uma nova subjetividade?

— Não sei. Só sei que sempre, nos últimos séculos, cada geração tem suas próprias características. E também que a “digitalização da vida” tem gerado uma quantidade de mudanças que nos leva a uma nova era da evolução da humanidade… e não sabemos bem para onde vamos.

— Talvez esta pergunta seja uma extensão da anterior. Uma vez te perguntaram qual era o “futuro da vida socialista” e você respondeu: a liberdade individual. Você acredita que os discursos de “coletividade”, “massas” e “povo” podem, de certa forma, soarem alienantes, sendo um obstáculo à compreensão das singularidades humanas?

— É claro que limitam a expressão da individualidade com a liberdade que deveríamos ter. Em qualquer caso, a defesa dos nossos direitos e liberdades pessoais deve ser realizada num âmbito social onde estão os outros, e esses outros devem ser considerados e respeitados. O homem é um ser social, está integrado num coletivo humano, é parte de uma massa e culturalmente faz parte de um povo. Portanto, esses conceitos devem ser tratados com cuidado. O problema está na sua manipulação… e esse outro mal social, os políticos, cuidam disso com muita paixão.

O homem que abandonou os cachorros

Escritores são seres cheios de obsessões. A História — com H maiúsculo — é a de Padura. O romancista é um contador de mentiras que tem que convencer seu leitor de que o que conta é verdade, já disse ele, como certo clichê. Mas não é, pois Padura é sempre objetivo, pragmático, como já falamos, afeito a sua educação materialista-histórica, traçando desenhos lógicos — e dialéticos. Em suma, ele refere-se às técnicas de seu ofício, pois um escritor deve estar sempre atento aos pequeníssimos elementos que escapam ao olhar de um historiador. Ao retratar o poeta José Heredia em La Novela de Mi Vida, por exemplo, a informação de rodapé de que ele gostava de um guisado de quimbombó [uma variação do quiabo] foi fundamental — além de ser um prato que Padura saboreia com devoção. É a História a partir do agá minúsculo.

A morte de Leon Trótski foi uma destas obsessões.

Por décadas, o revolucionário soviético era um expurgado em Cuba, por assim dizer. O pouco que era sabido sobre ele na Ilha devia-se, de acordo com Padura, a Che Guevara, cujo sangue borbulhante por “um, dois, três, muitos Vietnãs” e de anseio pelo novo homem a ser construído, permitia-lhe dar umas escapulidas do dogmatismo stalinista cubano, e flertar na surdina com grupos trotskistas da doce Havana.

A primeira vez que Leonardo Padura ouviu falar de Trotsky, o “traidor da classe operária”, foi na universidade, quando cursava Letras. Era muito estranho: o soviético sequer era caluniado, mas apagado de qualquer charla política. O escritor ficou encucado — e não tinha quase nada para ler sobre este revolucionário apócrifo. Em 1989, Padura visitou pela primeira vez a Cidade do México e foi conhecer a casa de Coyoacán onde o Leão russo exilado foi assassinado, aos 60 anos. “Era um lugar escuro, sombrio…”, descreveria tempos depois, “parecia mais uma prisão ou um castelo”… Mas aquele ambiente lúgubre, onde Ramón Mercader, um jovem espanhol “kamikaze” que logrou infiltrar-se no círculo íntimo do trotskismo, e golpeou a cabeça alva de uma figura histórica com uma picareta de alpinista, o emocionou.

Não é que ele tornou-se trotskista; longe disso. Mas “existe uma simpatia natural pelos derrotados, pelos que perderam”, explica. Trotsky era uma liderança intelectualizada que, segundo Padura, manteve sempre um pensamento utópico de que a revolução era possível — além de sua história ter um elemento essencial em qualquer “jornada do herói”: um terrível antagonista, no caso, Josef Stalin.

Mas continuando. Após a visita à casa de Trotsky na Cidade do México, Padura ficou com essa história na cabeça até 2005, quando começou a escrever o aclamado O homem que amava os cachorros, um baita thriller com três frentes narrativas: um cubano fodido com a crise cubana dos anos 90 que conhece um homem misterioso que sempre levava seus cachorros para passeios na praia; a epopeia de um Trotsky exilado da União Soviética, melancólico, porém ávido de construir outros rumos para o comunismo internacional em um “castelo mexicano” cercado por seguranças, outros comunistas e seus cachorros; e o apaixonado Ramón Mercader, enredado num complexo jogo de poder e fadado entrar tragicamente para a História: uma vítima do seu tempo. Padura diz que filosofava – antes e depois de escrever o livro: pode um crime ser justificado mesmo para uma grande ideia, se o futuro melhor da humanidade precisa do crime?

De Trotsky, Padura tinha farto material para construir a narrativa, como a autobiografia Minha Vida. Pensou até em utilizá-la como fio condutor, em primeira pessoa, para o eixo narrativo que trataria do revolucionário soviético. Viu que era melhor não. Quanto a Mercader, havia pouco material disponível — alguns depoimentos, entrevistas e a biografia sentimental de seu irmão. Isso deu-lhe certa liberdade para explorar mais este personagem, a partir de outros arquivos, obscuros ou não, mas críveis sobre a vida do jovem espanhol e de “agentes soviéticos infiltrados”, como este personagem.

Um detalhe instigou ainda mais Padura: Ramón Mercader viveu por décadas em Havana, sob identidade secreta, com o pseudônimo de Jaime Lopez, depois de sumir do mapa ao ser liberado de uma prisão mexicana. O escritor, com verve jornalística, logo procurou fontes, quem poderia ter conhecido, interagido, qualquer coisa, com o jovem espanhol. Ninguém disse um “A”.

O fio condutor estava formado: o assassino de Trotsky amava os cachorros — assim como Padura e o próprio Trotsky. Em uma entrevista, o escritor empolgou-se em apontar, após cansativa pesquisa, que em Los sobrivivientes, um filme de 1979 sobre uma família burguesa cubana que isola-se do mundo por acreditar que a revolução era coisa passageira, teve a participação de dois borsóis russos de… Ramón Mercader!

Essa é a deixa para eu apresentar a última pergunta.

— Pensei em fazer ou não esta pergunta. Me pareceu idiota… e talvez seja mesmo. Mas decidi fazê-la. Você disse, em uma entrevista, que é apaixonado pelos cachorros, que já teve alguns inesquecíveis… E que devido a suas constantes viagens, escolheu ter gatos. Isso me fez querer saber mais sobre o escritor que amava os cachorros e, agora, ama os gatos…

— Ainda sou amante dos cachorros. E lamento muito não poder ter alguns devido aos meus compromissos de trabalho fora de Cuba. Os gatos são muito na deles e não sinto afinidade por eles. Eu os alimento e aí termina minha relação com eles… Com os cães, porém, é possível conversar e eles me entendem melhor do que muitas pessoas.

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Rôney Rodrigues

Editor de Outras Palavras. Formado em jornalismo pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), colaborou com veículos como Superinteressante, Caros Amigos, Brasil de Fato, Rede Brasil Atual e Revista Móbile. Assessorou movimentos sociais e entidades envolvidas na pauta urbana. Especializado na cobertura de temas relativos ao direito à cidade e em conflitos urbanos, mantém o blog outraspalavras.net/doispontos

Maio 10, 2024
  1. CULTURA

CULTURA

Versão cômica do espetáculo Julieta estreia em Brasília nesta sexta (10)

Apresentações acontecem de 10 a 19 de maio com entrada gratuita no Sesi Taguatinga; veja como conseguir ingressos

Redação

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

 

Espetáculo faz uma provocação ao público, ao incorporar o feminismo como um dos temas da história – Divulgação

O Teatro Yara Amaral, no Sesi Taguatinga, em Brasília, recebe, nesta sexta-feira (10), o espetáculo solo de palhaçaria contemporânea “Julieta”, com a atriz Camilla Goulart. Criação da própria artista, a peça é uma transformação da tragédia clássica “Romeu e Julieta”, de William Shakespeare, em uma comédia, por meio da palhaçaria contemporânea.

O espetáculo também faz uma provocação ao público, ao incorporar o feminismo como um dos temas da história. Além de trazer, para o contexto atual, uma narrativa conhecida com modificações.

As apresentações acontecem até o dia 19 de maio, com sessões às sextas (15h30), sábados (20h) e domingos (19h), todas com entrada gratuita. Os ingressos estão disponíveis pela plataforma Sympla.  

Nos dias 12 e 19, as apresentações vão contar com acessibilidade de intérprete de Libras e de audiodescrição. O projeto é realizado com recursos do Fundo de Apoio à Cultura (FAC) da Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec) do Distrito Federal (DF).

A popular história de “Julieta” é contada a partir do ponto de vista subversivo da palhaça PruUu com a ajuda de sua amiga, a mala Genoveva. Em cena, a palhaça manipula objetos para criar personagens e dar vida ao enredo. Além da atriz e palhaça, o espetáculo conta com o diretor musical Walber Freitas e com o multi-instrumentista e ator Gabriel Pogó, que executam a parte musical. 

Espetáculo “Julieta”

Quando: de 10 a 19 de maio (sextas às 15h30; sábados às 20h; domingos às 19h)
Onde: Teatro Yara Amaral (SESI Taguatinga – QNF 24, Taguatinga Norte)

Ingressos gratuitos – retirada via Sympla.

Duração: 55 minutos

Classificação indicativa: Livre para todos os públicos

Fonte: BdF Distrito Federal

Edição: Rafaela Ferreira

OFICINA DE ROTEIRO DE CINEMA, EM JOÃO PESSOA (PB) RECEBE INSCRIÇÕES ATÉ SEXTA (10)

Maio 9, 2024
  1. CULTURA

ESCRITA CRIATIVA

Inscrições gratuitas são realizadas por formulário online; ao final do curso, produções serão publicadas em livro

Redação BdF – PB

Brasil de Fato | João Pessoa (PB) |

 

Card de divulgação do projeto ‘Dos filmes que ainda não fizemos’ – Card: Luyse Costa @luluyse

As inscrições para as oficinas de escrita de roteiros de cinema e de editoração de livros, iniciativa do projeto ‘Dos filmes que ainda não fizemos’, foram prorrogadas até esta sexta-feira (10).  A inscrição é gratuita e é feita por meio de formulário online. As oficinas serão ministradas por Rober Corrêa e Eddie Frevo e acontecerão de 14 a 27 de maio, das 18h às 21h30, na Escola Municipal Lions Tambaú, localizada no bairro Jardim Cidade Universitária, em João Pessoa. 

O curso terá 10 aulas e abordará técnicas de roteiro e diagramação. Ao final, os roteiros produzidos serão publicados em um livro e haverá emissão de certificados. Podem participar da oficina, pessoas a partir de 16 anos, e ao menos 25% das vagas serão destinadas para pessoas autodeclaradas negras, LGBTQIAPN+, indígenas, mães, PCDs ou de outras minorias sociais. 

De acordo com a organização do projeto, quem já realizou a inscrição, basta aguardar que receberá um e-mail com orientações. As vagas são limitadas. Uma seleção será feita levando em conta as informações fornecidas na inscrição.

O projeto ‘Dos filmes que ainda não fizemos’ é realizado com recursos da Lei Paulo Gustavo.

Em caso de dúvidas, entrar em contato com (83) 9 8689-5759 ou enviar um e-mail para dosfilmespb@gmail.com

Professores

Rober Corrêa

É produtor, professor, roteirista, diretor e editor de livros e filmes. Graduado em Cinema (UFSC- 2015) e História (UDESC – 2015). É pesquisador na área de direitos humanos e em 2019 defendeu sua dissertação no programa de Mestrado em Direito da UFRJ sobre o cinema de Maria Augusta Ramos. Na mesma instituição, é integrante do grupo de pesquisa Direito e Cinema. Foi assistente de Maria Augusta Ramos na produção dos filmes O processo (2018) e Não toque em meu companheiro (2020). É produtor e corroteirista do filme Grade (2021), de Lucas Andrade. Como professor de roteiro, desenvolve desde 2019 o projeto ‘Dos filmes que ainda não fizemos’, atualmente em sua 7ª edição. Entre outras obras, dirigiu os filmes Por que as mulheres Lutam? (Prêmio 70 olhares – ICEM).

Eddie Frevo

Atua com a produção de Identidade Visual, de Ilustrações (material didático e comercial), Artes Visuais e Design Editorial. Possui habilidades com os programas do pacote Adobe – Photoshop, Illustrator e InDesign. Trabalhou na Empresa Paraibana de Comunicação – EPC, como produtor/diretor de arte para as mais diversas mídias, diagramador, ilustrador e capista de livros. Foi responsável pelo projeto gráfico da coleção do Prêmio Literário José Lins do Rego 2023.

Acompanhe o perfil do projeto no Instagram.

Serviço:

Oficina de escrita de roteiro para cinema

Data: 14 a 27 de maio 
Horário: 18h  às 21h30
Local: Escola Municipal Lions Tambaú, localizada na rua Francisco Timóteo de Souza, 31 – Jardim Cidade Universitária, João Pessoa – PB, 58052-130.

Fonte: BdF Paraíba

Edição: Carolina Ferreira

FESTIVAL DE TEATRO DO DISTRITO FEDERAL APRESENTA PEÇAS QUE RETRATAM’BRASILIDADES CULTURAL CONTEMPORÂNEA’

Maio 8, 2024
  1. CULTURA

ARTES CÊNICAS

Apresentações vão de 11 a 26 de maio; Elisa Lucinda e Paulo Betti estão entre as estrelas da programação

Redação

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

 

Elisa Lucinda retorna a Brasília com seu fenômeno de público “Parem de Falar Mal da Rotina” – Jonathan Estrella

Entre os dias 11 e 26 de maio, o Teatro dos Bancários recebe o Mistura Geral – Artes Cênicas, projeto que traz ao público brasiliense espetáculos estrelados por artistas locais em diálogo com alguns vindos de outros estados.

“Convidamos artistas que buscam espelhar, por meio de seus trabalhos, brasilidade cultural contemporânea e atenção às pautas das minorias através do teatro”, detalhou a curadoria do projeto. Serão seis atrações com entrada a preços acessíveis. 

Abrindo o Mistura Geral, nos dias 11 e 12, às 18h, sobe ao palco o ator Paulo Betti com seu monólogo: Autobiografia Autorizada. Indicada ao Prêmio Shell de Melhor Texto, em 2015, a peça é um amálgama do Brasil profundo, inspirada pela história de Paulo, que percorre o trajeto da roça à cidade.

“Minha memória da infância e adolescência, passada num ambiente inóspito e ao mesmo tempo poético, talvez mereça ser compartilhada no intuito de provocar emoção, riso, entretenimento e entendimento”, comenta Betti. 

Nos mesmos dias, às 20h, a comediante Dadá Coelho apresenta Cuscuz na Mão. No stand-up, a atriz conta histórias hilárias que não poupam o marido (Paulo Betti), os amigos, família, famosos nem a si mesma.


Paulo Betti sobe ao palco do Teatro dos Bancários com o monólogo Autobiografia Autorizada / Mauro Kuri

No final de semana seguinte, de sexta a domingo (17, 18 e 19), Elisa Lucinda retorna a Brasília com seu fenômeno de público Parem de Falar Mal da Rotina, assistido por milhões de espectadores em todo o Brasil e no exterior. Com versos despojados sobre o cotidiano, Elisa oferece uma reflexão divertida e provocativa sobre a vida cotidiana que age como um espelho de possibilidades, desencadeando transformações nas relações sociais, profissionais e pessoais. 

No domingo, tem sessão dupla de Os Saltimbancos, da brasiliense Agrupação Teatral Amacaca, sob direção de Hugo Rodas. A peça, que mistura dança, teatro, circo e música, trata de união, fraternidade, empatia, sonhos e perseverança.

Encerrando a programação de artes cênicas do Mistura Geral, nos dias 25 e 26 de maio (sábado e domingo), o ator e cantor Claudio Lins apresenta Chico Teatro, musical em homenagem a Chico Buarque interpretando obras do compositor que foram levadas ao palco em inesquecíveis peças musicais e balés.

Entre os clássicos, Lins apresenta canções de Morte e Vida SeverinaRoda VivaCalabarGota D’águaÓpera do MalandroO Corsário do ReiCambaioO Grande Circo Místico e Dança da Meia-Lua

Nas tardes desse mesmo final de semana, a Cia. Os Buritis, de Brasília, diverte o público infantojuvenil com o musical autoral Cantos de Encontro que aborda a imaginação, o hábito de contar e ouvir histórias e o prazer de cantar e de dançar.

Serviço

Mistura Geral – Artes Cênicas
Local: Teatro dos Bancários
Endereço: EQS 314/315 BL A – Asa Sul
Ingressos: peças do DF a R$ 20 (meia), e as de fora a R$ 30 (meia). Meia entrada com doação de 1 kg de alimento não perecível mais os casos previsto em Lei. Vendas neste link.
Informações: www.instagram.com/misturageralfestival
Realização: Instituto Transforma em parceria com o Teatro dos Bancários
Fomento: Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal

Programação:

Dias: 11 e 12/5 (sábado e domingo)

Às 18h: Cuscuz na Mão, com Dadá Coelho

Às 20h: Autobiografia Autorizada, com Paulo Betti      

Dias: 17, 18 e 19/5 (de sexta a domingo)

Às 20h: Parem de Falar Mal da Rotina, com Elisa Lucinda

Dias: 18 e 19/5 (sábado e domingo)

Às 15h e às 17h: Os Saltimbancos, da Agrupação Teatral Amacaca

Dias: 25 e 26/5 (sábado e domingo)

Às 16h: Cantos de Encontro, da Cia. Os Buritis

Às 20h: Chico Teatro, com Claudio Lins

Fonte: BdF Distrito Federal

Edição: Flávia Quirino

PROJETO OFERECE MUSICOTERAPIA E OFICINAS MUSICAIS GRATUITAS PARA PESSOAS LGBTI+ EM BELO HORIZONTE

Maio 7, 2024
  1. CULTURA

ACOLHIMENTO

Inscrições estão abertas até o dia 14 de maio por telefone ou via redes sociais

Redação

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |

 

O projeto tem encontros semanais no Barreiro, uma das regiões periféricas mais populosas da capital mineira – Divulgação

Com o objetivo de promover um espaço acolhedor às pessoas LGBTI+ a partir da música, o projeto Di-Versxs – Musicovivências Queers! está com inscrições abertas até o dia 14 de maio. A iniciativa oferece musicoterapia e oficinas de vivência musical gratuitas para a comunidade, em Belo Horizonte. 

O projeto tem encontros semanais no Barreiro, uma das regiões periféricas mais populosas da capital mineira. As atividades já começam na terça-feira (7) e vão até o mês de julho. O idealizador Wagner “Junim” Ribeiro destaca que a música tem um potencial de despertar os afetos, os corpos e as culturas dos participantes.

“Uma perspectiva social e comunitária da musicoterapia abre lugar para a verificação de que a diversidade é constituinte de uma comunidade e que as desigualdades devem ser alvo de transformações por meio de ações que diminuam as distâncias entre classes, gêneros, raças ou quaisquer outras categorias”, comenta. 

As inscrições podem ser feitas pelo telefone (31) 98050-0915 ou pelos perfis do Instagram @di.versxs.ofc e @akasulo

Inspiração em Conceição Evaristo

Uma das referências para o projeto é o conceito de “escrevivências”, de Conceição Evaristo, que destaca o papel da vivência para a produção de sentido e conhecimento.

Junim comenta que, assim como a mais recente imortal da Academia Mineira de Letras busca interpretar como os corpos das mulheres negras se colocam no mundo, as “musicovivências”, propostas pelo idealizador do projeto, buscam evidenciar as sonoridades que habitam os corpos das pessoas LGBTI+.

Produtos

Após a realização das oficinas, será lançado um EP virtual com as canções resultantes do compartilhamento de vivências pelos participantes do projeto. A produção também será feita por eles, junto a musicistas e cantores LGBTI+.

“Trazer artistas referências no cenário musical de Belo Horizonte reforça o objetivo do projeto de amplificar nossas vozes, ao conectar essas diversas realidades e potencialidades no fazer artístico, social e cultural da música, elevando ainda mais o alcance dessas composições e a dimensão da valorização da população, gerando arte transformadora para toda comunidade”, explica Junim.

Serviço 

Di-Versxs – Musicovivências Queers! – Musicoterapia e vivência musical para LGBTQIA+
Início dos encontros: terça-feira, 7 de maio, das 19h às 21h
Inscrições: até 14 de maio, por telefone (+55 31 98050-0915) ou Instagram (@di.versxs.ofc ou @akasulo)
Público-alvo: pessoas LGBTQIA+ de Belo Horizonte, que tenham a partir de 18 anos
Local: aKasulo –  Centro de Convivência LGBTQIA+
Endereço: rua Agnelo Macedo, número 234, Barreiro, Belo Horizonte

Fonte: BdF Minas Gerais

Edição: Leonardo Fernandes