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Histórias das músicas brasileiras

Abril 17, 2011

Hermínio Bello de Carvalho é um ser que não se enquadra. Está em diversas artes sem ser nenhuma. Para Gonzaguinha, Hermínio era bahiano de voz e violão, um pai que lhe levou a aprender violão. Para outros ele é um poeta, ou um compositor junto com grandes nomes como Cartola, Elton Medeiros,  Paulinho da Viola, Clementina de Jesus. Para outros ele é músico e produtor musical. Ele é mais do que tudo isto, e posssui uma importância incalculável. Criador do show Rosa de Ouro, fundador e boêmio do Zicartola, um dos maiores divuldadores do samba carioca.  Hermínio tem um acervo virtual com milhares de arquivos de fotos, aúdios, partituras, e outras raridades da música brasileira, não deixe de conhecer. Abaixo colocamos a entrevista inteira feita para a Revista Veredas em 2002.

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Você foi importante para o bom momento que o samba viveu nos anos 60. Entre outras coisas, dirigiu o show Rosa de ouro, ajudou a movimentar o Zicartola e promoveu a volta à cena de cantores e compositores que andavam esquecidos. Nos últimos anos, com o samba ganhando divulgação um pouco melhor, sendo lançados mais discos, Zé Kéti e Elton Medeiros ganhando o Prêmio Shell, craques como Walter Alfaiate, Nelson Sargento, Casquinha e Guilherme de Brito conseguindo gravar e ser reconhecidos, você acha que também é um grande momento para o samba?

Meu parceiro Elton Medeiros, que esteve aqui em casa assistindo a um ensaio do O samba é minha nobreza e se mostrou entusiasmado com nosso trabalho, acha que está por chegar o grande momento para a boa música em geral e, por extensão, para o samba de boa qualidade. O samba foi quase excluído das grades de programação das rádios e televisões. A resistência ainda está nas mãos de Dona Ivone Lara, Zeca Pagodinho, Martinho da Vila, Paulinho da Viola e alguns outros poucos que não aderiram ao processo de desqualificação a que foi submetido o samba. O sambista saiu do estereótipo do malandro de camisa listrada e adotou a sunga e o short para explorar motivos temáticos ridículos que lhe foram, possivelmente, impostos pelo feitor que o mantém na senzala e que lhe dá o troco em forma de discos de ouro ou platina e efêmeros lugares nas paradas de sucesso, pagas a peso de ouro. Essa é uma forma de desqualificar o samba e quem o faz.

Mesmo num momento melhor para o samba, os sambistas tendem a continuar se queixando da falta de espaço para cantar, gravar, tocar em rádios, vendo a arte que fazem ser jogada para escanteio em prol dos fenômenos pop. Você acha que é rançoso esse discurso do samba marginalizado?

O discurso pode se tornar rançoso se ficar nessa lengalenga de não se aprofundar a questão ideológica. Há alguns meses fui a São Paulo a convite de meu amigo Sergio Mamberti, fizeram uma homenagem à Clementina e ao Rosa de ouro, e os remanescentes do grupo foram lá: Paulinho, Elton, Nelson Sargento, Jair do Cavaquinho e eu. Foi um delírio, num Memorial da América Latina lotado de jovens que cantavam aqueles sambas apresentados pelo Quinteto em Branco e Preto, meninos antenadíssimos. E onde aprenderam aqueles sambas, que só poderiam ter conhecido através dos discos do Rosa? Me pediram para falar alguma coisa e expliquei que o que mantinha medianamente vivo o nosso trabalho é o fato de que ele guardava uma ideologia, e sempre se trabalhou com a qualidade. Nenhum dos componentes se vendeu ao sistema. A marginalização se dá quando não existe um conceito ideológico guiando as coisas. Mas se você for hoje na Lapa, vai encontrar jovens intérpretes e compositores com a mesma postura de meus colegas do Rosa. Hoje, quando leio os livros sobre música popular e vejo excluídos o Rosa, o Opinião e sobretudo a Clementina, sinto que o preconceito e a exclusão permanecem, pelo menos na memória de alguns jovens historiadores que só conhecem a nossa música a partir da Bossa Nova e do Tropicalismo.

Você está ensaiando o musical O samba é minha nobreza, que deverá estrear em março e também ser lançado em disco. Como surgiu a idéia desse projeto?

O samba é minha nobreza tem esse conteúdo ideológico de que eu falei. Foi Cristina Buarque e sua íntegra carreira a inspiração para esse trabalho. Além da grande sambista que é, na linha de grandeza da Aracy de Almeida, ela pesquisa o samba sem se deixar rotular de pesquisadora. Ela abre clareiras em seu espaço para jovens como Teresa Cristina, Pedro Miranda, Mariana Bernardes, Pedro Paulo Malta e outros cantores que têm uma postura muito clara em relação ao que entendem como carreira artística: gravar música de alta qualidade, sobretudo de compositores hoje excluídos do sistema e que continuam inéditos porque não divulgados. Wilson Batista, por exemplo, continua sendo um inédito. Fiz um disco para a Cristina que se tornou cult, só com sambas do Wilson: Ganha-se pouco mas é divertido. Nunca tocou em rádio. Porque nunca você vai ver a Cristina descer um degrau ou fazer uma concessão para mostrar seu trabalho sem as condições mínimas que não a desrespeitem ou a desqualifiquem diante do público. É com esse combustível que movo minha vida, com pessoas iguais a ela. Diria que O samba é minha nobreza é um trabalho na mesma linha do Rosa.

A maravilhosa caixa Clementina de Jesus, 100 anos, produzida por você em 2001, foi usada como brinde de fim de ano mas ainda não está disponível para o público, Ela estará no futuro? O melhor não seria lançar os oito discos separadamente?

A eterna desculpa que me apresentavam para não reeditar Clementina e Elizeth era a mesma: “Elas não vendem”. Hoje, praticamente toda a discografia de Elizeth está na rua, infelizmente toda pulverizada em “antologias” montadas por neófitos que não a conhecem e desrespeitam o conceito de cada disco que gravou. Recebi uma correspondência vastíssima a respeito. O jovem quer conhecer Clementina, mas a EMI já anunciou diversas vezes que não pretende reeditar os discos daquela caixa. Poderiam fazê-lo. Mas é mais barato adulterar produtos do que apresentá-los condignamente. E ainda, cinicamente, exploram o slogan “disco é cultura”.

Você sempre diz que Mário de Andrade é seu guru. Que tipo de ensinamentos e norte ele lhe deu?

A frase “É preciso abrasileirar o brasileiro” cunhou a minha vida, tanto quanto o aforismo de Salomão que adaptei como exercício de vida: “A mentira é a verdade provisória.” Mário pensou o Brasil de uma forma generosa, investigando-o e descobrindo-o para nós, com sua lupa mágica, despreconceituosa, irradiante e delirantemente brasileira. Do seu quintal, divisava o mundo, sem nunca ter posto os pés na Europa, cuja cultura, no entanto, conhecia em profundidade. Esse olhar brasileiro ele o cedeu a todos nós através de seus livros e da vasta correspondência com Manuel Bandeira, Drummond, Portinari, Moacir Werneck de Castro, Fernando Sabino, Murilo Miranda, Henriqueta Lisboa, Anita Malfatti, Alvaro Lins… Sua paixão por Chico Antonio, por exemplo, é similar à que tenho por Clementina. Foi através dos ensinamentos de Mário que pude ganhar textura perceptiva para entender Clementina. E é essa rosa-dos-ventos que me guia, inclusive no processo de agitação cultural. Sou um frustrado educador. Infelizmente, sou muito ignorante. Por isso, proíbo que me pespeguem rótulos de pesquisador. Odeio rótulos.

A sua aversão a ser chamado de pesquisador é recente ou você sempre fugiu desse termo?

Minha aversão é antiga. Depois que editaram O canto do pajé: Villa-Lobos e a música popular e o livro passou a ser uma referência para alguns estudiosos, essa aversão aumentou. Foi o desconforto de saber que poderia ter feito um trabalho melhor. Porque o que fiz, na verdade, foi desengavetar uma série de artigos e palestras que, a pedido de Mindinha, viúva de Villa-Lobos, eu fazia, mas sem compromisso com um livro, na sua forma mais tradicional. E essa aversão deixa claro meu respeito por uma atividade que exige uma metodologia que desconheço, por uma lupa que não possuo, e por respeitar estudiosos iguais a Sérgio Cabral, Tinhorão, Ary Vasconcellos, João Máximo, Marilia Barboza, Jairo Severiano, Zuza Homem de Mello e tantos outros – estes sim, capacitados para esse exercício. Sou apenas um desengavetador de determinados aspectos antes não abordados da forma específica como o fiz.

Criticam muito você por pôr letra posteriormente em choros. Você interpreta essa crítica como pessoal ou como ao fato em si?

Ela chega a ser pessoal, quando ignora que eu não detonei nenhum processo nem inaugurei qualquer modismo. Sempre se letrou choro. Ademilde Fonseca canta choros letrados há meio século. Acho má-fé quando concentram em mim essa crítica, até porque letrei choros a pedido de Pixinguinha – e não vejo autoridade em ninguém para criticar Pixinguinha ou mesmo Jacob, que chegou a letrar o “Ingênuo”.

Quando você olha para trás e revê o Hermínio menino, você acha que ele imaginava conhecer tantas pessoas importantes e geniais? Que tipo de sonhos você tinha quando criança e que se realizaram?

Quando eu era criança, tinha muitos sonhos, e a Rádio Nacional os alimentava bastante. Também os musicais americanos. Um filme medíocre abalou minha vida, o À noite sonhamos, sobre a vida de Chopin. Vi e revi não sei quantas vezes. Com nove anos eu já me virava trazendo dinheirinho pra casa, lavando vidraças, encerando chão dos vizinhos, entregando encomendas. Aos 16 anos fui ser repórter de uma revistinha muito chinfrim, e aí conheci a Linda e a Dircinha Batista, fiquei amigo de Heleninha Costa, Aracy de Almeida etc. Então aconteceram o Rosa e Elizeth, e no meio disso tudo uma ruptura de conceitos muito grande, já ensaiada na casa do pintor Walter Wendausen e depois solidificada através de Clementina e tudo o que ela representou. Eu era apaixonado por Ingrid Bergman, e, quando a conheci em Londres, o menino que eu fui saiu dançando pela neve que começava a cair. Quando Sarah Vaughan cantou em minha casa, o impacto foi igual ao da visita da Elis, da chegada do Caymmi, do Herivelto, da Dalva, do Lupicínio, do Gonzagão – tanta gente! Eles pareciam saltar dos álbuns em que eu colecionava suas fotos. Não perdi até agora essa condição de mitômano.

Olhando o índice de seu livro Sessão passatempo, percebe-se que muitos daqueles personagens já morreram. Embora inevitável, como está sendo para você conviver com esse acúmulo de saudades?

Conviver com ausências é muito difícil, sobretudo quando se teve o privilégio de conviver com pessoas iguais a Aracy, Clementina, Elizeth, Pixinga. Dizem que eu, nos meus livros, ao narrar fatos acontecidos com esses mitos, acabo falando de mim mesmo. E é verdade. O Sérgio Cabral me instiga muito a escrever minhas memórias. Acho que eu não saberia fazê-lo. Mas escrever sobre Aracy, por exemplo, é voltar à Taberna da Glória, à sua casa do Encantado, ela aqui em casa afagando o Francisco Lano, meu cachorro de estimação, cantando o “Quando tu passas por mim”, me levando às lágrimas. É muito difícil, creia. O sorriso de Carminha Rica, por exemplo, está pregado nas paredes.

Você planeja, no futuro, dar a seu acervo algum destino que o torne público?

Essa é minha pedra no caminho, meu obstáculo, minha grande indagação. Acho que meu grande acervo não está comigo: são as centenas de programas que, por exemplo, produzi para a Rádio MEC e para a TVE. Estou tentando recuperar esse material, porque produzi programas incríveis com gente que estava à margem do sistema. Não consigo muito ter diálogo com os poderes, porque vivemos uma época de muita mediocridade, em que a palavra cultura virou uma espécie de gazua para negócios escusos. Quem me vê brigando pelo (Des)projeto Jacob sem bandolim há de me julgar um doido de pedra, se não conhecer a fundo meu caráter, meu sentido ético e esse eterno brigador que continuo sendo. Mas com uma característica: brigo a favor. Às vezes perco meu tempo denunciando arapucas pseudoculturais que recebem benesses financeiras do governo. Algumas pessoas poderosas se dizem minhas admiradoras, e até acredito que sejam. Mas, objetivamente, continuo ou trabalhando de graça ou pagando para trabalhar. Quanto ao destino de meu material, gostaria que olhos atentos mergulhassem em algumas preciosidades que possuo. E que alguma instituição organizasse esse material, como fizeram com o de Mozart de Araújo. Visitando a Fundação Casa de Rui Barbosa, encontrei minhas cartas ao Drummond docemente arquivadas por ele. Poderia fazer um livro com nossa correspondência passiva e ativa. Mas, agora? Pareceria oportunismo. Deixe que passem os 100 anos dele, ou então que chegue meu centenário (não tão distante assim…). Costumo dizer aos meus amigos que já não sou um homem, mas uma lápide ambulante.

Você diz que tem um lado brigão ativo, como ficou claro no “Depoimento” que circula na internet. Mas, para se manter amigo de tanta gente, é preciso uma boa dose de suavidade e até lirismo. Onde termina o lírico e começa o brigão, ou eles estão sempre misturados?

O Aldir Blanc, na orelha do Sessão passatempo, fala desse lado melhor do que eu falaria. Mas uma coisa maravilhosa que esse “Depoimento” acabou me trazendo foram dezenas de mensagens lindíssimas, vindas de gente muito jovem. Sou uma dama, um doce de coco, sou de chorar em novela das oito. Mas brigo quando me afrontam ou me fazem injustiças.

E essas internações freqüentes, como têm modificado sua vida?

Sou hiper-hipertenso, já tive uma isquemia há uns cinco anos, volta e meia estou numa emergência de hospital, e a perda de um amigo, por exemplo, é uma parcela de mim que vai embora. Mas enfrento. Vivo à base de tranqüilizantes, só durmo com remédios, e já estou com prazo vencido. O homem brasileiro não vive em média 65 anos? Pois é. Já vou para os 67.

Herminio e a violonista Maria Luiza Anido, em Paqueta-RJ

A cantora Olívia Hime (centro), Marília Batista (violão), Manoel (Mão de Vaca) da Conceição e Hermínio Bello de Carvalho, durante gravação de programa na TVE.

O jogador de futebol Garrincha, Hermínio Bello de Carvalho e a cantora Elza Soares, em Madri (Espanha).

Foto de Aracy de Almeida com Hermínio no sempre presente Zicartola

O então presidente Getúlio Vargas se despede da cantora Linda Batista que parte para Paris. O Jovem Hermínio acompanha a cerimônia

Histórias das músicas brasileiras

Abril 3, 2011

Guiomar Novaes foi uma pianista brasileira nascida em 1894 no interior de São Paulo e que desde pequena demonstrou habilidade ao tocar piano e por isso abdicou de viver outras formas, muitas vezes para estar estudando no exterior. Com seu reconhecimento internacional desde criança, Guiomar difundiu boa parte dos compositores eruditos do Brasil no exterior, principalmente Villa-Lobos.

Começou a tocar piano desde os 4 anos, quando já morava em São Paulo. Vizinha de Monteiro Lobato contam que Guiomar inspirou a personagem Narizinho devido ao nariz arrebitado. Quando viajou para a Europa afim de estudar, uma das primeiras brasileiras que encontrou foi Princesa Isabel que  ouviu Guiomar e a incentivou.

Depois de vários recitais pelo mundo, volta ao Brasil por diversas vezes e conhece o compositor e arquiteto Octávio Pinto, quem passa a namorar e que se tornará companheiro. Durante a Primeira Guerra diminue suas viagens pelo mundo.  Em 1922, no mesmo ano de seu casamento, Guiomar participa da Semana de Arte Moderna, onde conhece melhor a obra de Villa-Lobos. Depois de várias “tournés” pelos Estados Unidos e de ter tocado para o presidente Roosevelt, a crítica americana declara que Guiomar é a melhor pianista do mundo. Seu reconhecimento ocorreu no mundo todo. Foi escolhida pela Rainha Elizabeth II para inaugurar o Queen Elizabeth Hall em 1967 além de eleita como Cavaleiro da Legião de Honra na França. Em 1979 após sofrer um derrame agrava sua condição de saúde e vem a óbito . Sua vida foi abordada em dois documentários de cinema e diversos livros.  Hoje em dia uma modesta parcela de sua obra encontra em CD.

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Se grande é a cópia de discos de Guiomar Novaes em nossas casas especializadas, grande é o nosso pesar ao verificarmos que se a maioria deles é prensado em nosso país, nenhum infelizmente foi aqui gravado.

Guiomar Novaes é inconteste orgulho nacional. Seu nome, no terreno artístico tem feito mais pelo Brasil, mais, talvez do que a ação conjunta de todos os Embaixadores,  mercê  da projeção que só seu nome proclama. (…) Contratos e mais contratos obrigam-na a estar nos quatro cantos do mundo a-fim de cumpri-los com a religiosidade de quem faz da Arte sacerdócio exlusivo. (…)

Desde menina seu prodigioso senso artístico se fez sentir. O piano foi seu companheiro inseparável e aos 7 anos propiciava já ao público de São Paulo seu primeiro concerto, no qual a veia do gênio se fazia sentir. E tanto esteve o seu talento assessorado por um esforço continuado de sempre progredir que após vários anos de estudos com o Professor Chiafarelli então o mais famoso de São Paulo, foi mandada para a Europa aos 13 anos pelo governo Paulista, para competir com 387 candidatos vindos do mundo inteiro para as duas únicas vagas de admissão reservadas a estrangeiros no Conservatório de Paris. No primeiro exame, tocou o “Carnaval” de Schumann e a terceira “Balada” de Chopin. Presidia o juri, Debussy, Fauré e Moszkowski. A interpretação e a técnica demonstrada assombraram os juizes que não tiveram pejo em pedir a menina de 13 anos no exame seguinte, repetisse a “Balada”. O veredito foi unânime e ante tais examinadores arrebatou o primeiro prêmio! Por dois anos seguidos, ficou Guiomar Novaes entregue à tutela de Isidore Philipp, eminente pianista e pedagogo francês.


“Eu estava voltado para o aperfeiçoamento da raça pianística na França…; a ironia habitual do destino quis que o candidato artisticamente mais dotado fosse uma jovem brasileira de treze anos. Ela não é bela, mas tem os olhos ‘ébrios da música’ e aquele poder de isolar-se de tudo que a cerca – faculdade raríssima – que é a marca bem característica do artista” Claude Debussy, 25 de novembro de 1909, Carta a André Caplet

Avran Chasubs conta-nos de forma deliciosa o incidente que nessa ocasião teve Guimar Novaes com este famoso professor que não nos furtamos ao prazer de aqui reproduzir: ” O seu professor, Isidore Philipp, falou-me acerca das primeiras lições que lhe deu, aos 13 anos. Executava então uma peça de Chopin, realmente bem: no entanto, deixava margem a sugestões interpretativas. Philipp explicou-lhe suas idéias. “Compreendo” – disse o prodígio. Sentou-se e tocou exatamente como antes. Pacientemente, Philipp tudo explicou novamente. “Compreendo”, – repetiu a pequena Guimar. Novamente tocou a peça exatamente como antes. Após uma terçeira repetição desse episódio, Philipp desistiu, completamente convencido que a execução dela era a melhor. E certamente o era- para ela. Pianisticamente Guiomar Novaes identificou-se com o instrumento de um modo natural e sem esforço. Articulações límpidas e graduações luminosas do colorido, entrepenetram tudo com clareza cristalina, com humanismo e fé.”

No término de seu segundo ano de estudo com Isidore Philipp foi agraciada novamente com um “Prémier Prix du Conservatoire”, passando a receber convitess para tocar na França, Inglaterra, Itália, Suiça, Alemanha etc. etc. e onde se apresentava era entusiasticamente recebida.

Seu primeiro recital nos Estados Unidos foi logo depois de sua vinda ao Brasil, visitar os pais, ao deixar a Europa. Pretendia regressar, mas a última mudou seus planos e embarcou para os Estados Unidos e onde após o primeiro recital, passou a ser considerada pela crítica local com manifestações desta ordem: “O piano, acariciado e compreendido, nunca violentado, jorra tesouros de som sob seus dedos. Na gama de belezas de sonoridade e vigor dinâmico somente Paderewski ou Hoffmann poderiam te-la igualado. E, talvez, por hoje, isso seja insuficiente sobre uma jovem do Brasil (The New York Sun).

Seus recitais tornaram-se lendários em todo o mundo e desde há muito, quando é anunciado um concerto de Guiomar Novaes, quer seja Paris, Londres ou Nova York a cidade escolhida, os ingressos ficam logo esgotados com dias ou mesmo semanas de antecedência. Não é menor o interesse por Guiomar Novaes em nossas cidades o que demonstra o carinho com que é recebida e admirada em todo mundo!

Daí as grandes gravadoras de nome internacional reclamarem-se para seu “cast” e as inúmeras gravações que tem feito em vários países dando preferência, é claro, ao interesse que o público demonstrava por seus autores prediletos, e com especialidade pelos românticos, nos quais Guiomar Novaes é insuperável, sem porém, deixar de introduzir sempre nas faixas de muitos desses Lps, músicas de autores nacionais.

Sua brasilidade sempre se fez presente onde quer que estivesse. Não faltaram convites e mesmo insistentes para que se tornasse cidadã norte-americana, mercê do prestígio que goza na grande nação do norte. Acenaram-lhe inclusive com os impostos altíssimos que é obrigada a pagar, na qualidade de estrangeira, mas teima em conservar sua nacionalidade brasileira. Lembra Eurico Nogueira de França e muito bem, no “Correio da Manhã”, de 2 de setembro de 1969, “O que talvez ainda não se disse dela – cujos méritos já esgotaram todos os comentários possíveis – é que ela tem um estilo brasileiro de tocar piano. Não é alemã, nem francesa, nem vienense, nem russa, nem norte-americana, nem polonesa tocando piano. É ela mesma: brasileira de São Paulo” – e acrescenta – “Mais do que isso: por maior que seja a altitude da sua arte. Permanece essencialmente mulher, uma grande dama do teclado, mas uma senhora brasileira”.

O sentido de brasilidade de Guiomar Novaes é imanente. Não se trata de patriotismo barato, mas de real senso de responsabilidade que se impõe a um grande artista que conhece o valor do termo e como aplicá-lo para representar a coletividade de que faz parte.(…)

Sua maneira de interpretar, sua forma elegante de tocar ante as mais sofisticadas platéias do mundo inteiro, encontrará a mesma simplicidade desta “grande dama do teclado”, ao fazer soar no piano, as vozes de nossos autores, ombreando-os àqueles nos quais Guiomar Novaes se consagrou. Brasileira na escolha do repertório, brasileira na forma de interpretar, brasileira ainda por fazer um disco de autores exclusivamente nacionais dentro do Brasil, com exceção, é claro de Louis Moreau GOTTSCHALK (1829-1869), norte-americano que morreu no Rio de Janeiro, apaixonado de nossa terra e nossa gente a qual homenageou da forma que só um artista poderia fazê-lo compondo a “Grande Fantasia Triunfal sobre o Hino Nacional Brasileiro” e que Guiomar Novaes se encarregou de forma soberba, de fazer conhecido em todo mundo!  ”                             DR. CARLOS GONZALES


Transcrição do LP Guiomar Novaes lançado em 1974

 

Capa do LP de Guiomar Novaes de 1974

Foto autografada de Guiomar.

Guiomar Novaes com sua filha ao piano (foto da Biblioteca do Congresso Americano)

Guiomar tocando ao lado do companheiro Octávio Pinto

 

Uma foto imortalizada de Guiomar, ao lado do piano, imagem que repitiu-se em centenas de ocasiões nos recitais pelo mundo.

Cartaz da apresentação de Guiomar na inauguração de Elizabeth Queen Hall a pedido da rainha Elizabeth

Histórias das músicas brasileiras

Março 28, 2011

Chico César nasceu em Catolé do Rocha, na Paraíba, em 26 de janeiro de 1964, “aí pelas cinco e meia da tarde”. Basta pensar em Mama África, quase um hino seu. “Em João Pessoa, tive uma sensação clara de que quando começava a tocar Mama África, bastava dar os acordes e a fisionomia do público mudava. Era como se estabelecesse uma intimidade, uma cumplicidade imediata. Um reconhecimento do público que, ao mesmo tempo que se reconhece na música, me reconhece também”, lembra o cantor.

“Menino ainda, com oito anos de idade, fui trabalhar no lunik. loja de discos, de livros e também um foto. por essa época as freiras bombardearam catolé com flautas doces. por todos os lugares, debaixo dos pés de algaroba, das cajaraneiras e mangueiras, nas praças e nos campinhos de futebol tinha um menino ou menina, pobre ou remediado, fazendo “tuts”. eu era um deles, e a música instalava-se irremediavelmente em mim.”

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Eu penso que é injusto a gente considerar a carreira quando você conseguiu se levantar e correr mesmo. É importante a gente pensar que quando você ainda está se arrastando, quando se é bebê, ali já é o começo da carreira. Porque quando você está correndo é, na verdade, a continuação daquilo que está lá atrás e já o começo de um fim que você não sabe quando vai ser. Tenho foto minha com um grupo de música quando tinha dez anos. Chamava Super Som Mirim ou The Snakes, ou ainda uma versão pequena que se chamava Trio Mirim, eu e mais dois amigos tocando forró. Fiz a primeira música com 12 anos. Não sabia que era minha primeira música. Vim a saber quando ela já estava feita. E pensei: “Eu posso fazer música”. Com 14 anos eu tinha um grupo chamado Grupo Ferradura. Já era bastante sério, ideologicamente identificado com o Quinteto Violado, com a Banda de Pau e Corda. Mas, ao mesmo tempo, também escutava bastante Pink Floyd e Led Zeppelin. A gente juntava tudo e ouvia tudo muito misturado. E isso ia para o trabalho. Depois fui morar em João Pessoa quando tinha uns 16 anos.Fiz Comunicação lá, mas antes tinha já feito o terceiro científico com 16. Com 17 entrei na faculdade e fiz o curso de Comunicação.

Eu entrei na faculdade em 1981 e saí no final de 1984. Quando cheguei em João Pessoa, ainda com essa idade de 16 para 17, comecei um grupo de música chamado Jaguaribe Carne, que tem até duas fotos no encarte do CD dos dois irmãos que compunham o grupo comigo, Paulo Ró e Pedro Osmar. Ali também tem fotos com meus pais e com o Carlinhos Brown. É um pouco para mostrar essa coisa de diversas tribos negras, das minhas tribos. A tribo inicial ali do berço, a tribo que foi a minha adolescência musical com eles, e hoje essa coisa da afirmação do artista negro no mundo do show business, e aí a figura do Carlinhos Brown é bastante representativa. Esse grupo, o Jaguaribe Carne, me ajudou bastante a conceituar o que é meu trabalho hoje. Porque quando cheguei em João Pessoa, em minha visão, o máximo de ser artista era Os Novos Baianos. Essa coisa meio comunitária. Aquele monte de cabeludo bebendo, fumando, dormindo junto. A mulher de um que fica grávida e tem os filhos, mas ao mesmo tempo ela pode aparecer numa foto sentada no colo do outro.

Em 1983. Durante o projeto Pixinguinha eu vim para a música. A gente fez uma abertura para um show do Arrigo (Barnabé) lá em João Pessoa, o Clara Crocodilo. Aliás era um show em que o Passoca abria tocando a viola dele e assobiando. Era engraçado, ele entrava assobiando e dizendo: “Oi, eu sou o Passoca, aquele que canta e toca”, e assobiava (risos). Depois vinha o Arrigo. E antes de todos eles vínhamos nós, o grupo Jaguaribe Carne…

Quando voltei para São Paulo e fiquei pensando nas coisas que acontecem no Carnaval, cenas que vêm a tona. Coisas que a gente vê, que a gente faz, que você se arrepende etc. Veio essa história do show e pensei: “puxa, como foi forte aquele negócio”. E também aquela sensação quando toquei Mama África, em João Pessoa. Fiquei pensando: “os negros trabalham o ano inteiro, lavando carro, carregando água para casa de madame, passeando com cachorro. Aí, quando chega a hora de brincar, vem gente dizer como você tem que brincar?” Entendeu? Veio a lembrança das brincadeiras com meu cabelo, nem sempre engraçadas. Por exemplo, expressões como abacaxi, cebolinha, beterraba, formiga atômica, coqueirinho. Eu pensei sobre isso também. Fiquei pensando a importância que tem um artista como eu, de vir dessa origem, de conhecer muito bem o que é ser preto e pobre e falar para eles. Como o discurso pode ter efeito. Refiro-me ao discurso da música. Falar para eles e, ao mesmo tempo, falar por eles. A música popular brasileira pode ter essa carga de engajamento e não deixar só no ambiente do rap. Reivindicar para si esse compromisso. Inclusive eu já tinha isso em outras músicas, a própria Mama África, Mandela, Dá licença, aquela que fala: “fome, barriga do homem não é sua casa/dor, peito do homem não é seu apart hotel/medo, cabeça do homem não é sua praia/infelicidade, barriga do homem não é seu metrô/sai, sai, sai”. Algumas pessoas até estranharam um pouco esse título “Respeitem meus cabelos, brancos”, a letra da música e tal. Mas tudo, na verdade, tem bastante humor, que é uma peculiaridade do discurso musical. Acho que as pessoas se acostumaram a me associar com canções como À primeira vista, Onde estará o meu amor, Templo. “Ah, o Chico é aquele menino bonzinho que escreve coisas bonitas, como ele é doce, nossa, ele é tão feminino”. Eu sou bonzinho, mas eu não sou bobo (risos). O mesmo cara que escreveu essas letras escreveu: “grisalho/o olho do espantalho/vê as maldades do mundo e diz/caralho”. Fez outra música que diz: “é preciso ter pão/é preciso ter grana…/é preciso dar cu”. Mas as pessoas meio que filtram. Elas querem uma parte do que é você, porque é difícil aceitar o todo. Isso no geral. Tem gente que fala assim: “Ele escreve umas letras tão legais, mas aquele cabelinho dele é tão ridículo”. Ou o contrário: “O cabelo é dá hora, mas a música dá licença”. Me referindo a um outro tipo de público. Porque quando você trabalha com música popular brasileira é, de certa forma, uma coisa muito conservadora. Positivamente e negativamente conservadora, porque tem raízes muitos profundas. Você está trabalhando no terreno de Donga, de Noel Rosa, João Bosco, Aldir Blanc, de Gonzaguinha. Um pouco no terreno da música dos tios, dos pais. É diferente de você fazer rock, quando se está trabalhando no terreno, sei lá, de Dead Kennedy’s, Nirvana, que é uma coisa mais aqui e agora. Quando pensei ‘puxa, sou um artista de música popular brasileira’, eu queria a conciliação desses dois discursos, de uma elaboração que tem a ver com essa coisa do território de você pegar os elementos da cultura brasileira, da cultura nordestina. Juntar Luiz Gonzaga com Arrigo Barnabé e, ao mesmo tempo, ter influência de Lulu Santos, Paralamas. Acho que há sempre um avanço na música popular brasileira que é um pouco impulssionado por esse tipo de artista que eu sou. Que é o cara que não faz o rock’n roll, o pop, a música de rádio pura e simplesmente, que é o material com os quais trabalham as gravadoras. A gente pode olhar aqui nessa parede (Chico aponta para uma parede na gravadora onde estamos) e vocês vão ver Capital Inicial, Falamansa, Frank Aguiar, Rita Lee. De todo mundo que está aí, talvez Rita Lee e Titãs sejam um pouco os artistas dessa linha do rock que se aproximaram da idéia de MPB, que buscaram essa consistência que tem a MPB. Mas a maioria só trabalhou com um lado ou com outro. Acho que isso gera muitas dúvidas do ponto de vista do ouvinte, do receptor: “Quem é esse cara, o que é que ele está fazendo, por que ele não continua fazendo os seus disquinhos voz e violão, cantando a sua mpbzinha?”. Mas o fato é que quando fiz voz e violão, o conceito já era de uma música popular brasileira diferente, com raízes nordestinas, mas, ao mesmo tempo, dialogando com outras coisas.

Transcrição da Entrevista para Página da Música

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Chico César é um artista que não se vende a mídias e tem um posicionamento existencial que reflete numa maturidade musical.

 

 

 

 

 

 

 

 

Beterraba como também é chamado é uma criação no palco. Seu cd Aos Vivos é uma demonstração da fruição cênica.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Chico César ao lado da mãe

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Chico ao lado de Tom Zé, Baixinho do Pandeiro e Jarbas Mariz

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Nelmar, Loli, Francisco e Chico Cesar

Histórias das músicas brasileiras

Março 20, 2011

Eugênio Avelino nasceu na região de Vitória da Conquista, na Bahia. Xangai é seu nome artístico, com o qual tornou-se conhecido pelo Brasil afora como um dos principais representantes da música agreste.
O artista é primo de Elomar, outro cantador e violeiro de renome, além de ainda ter parentesco com o famoso cineasta Glauber Rocha.
    Xangai iniciou sua carreira em 1976 e transita dos forrós aos repentes, dos rodeios aos teatros, tocando com as mais diversas formações. Com Elomar, o paraibano Vital Farias e o pernambucano Geraldo Azevedo, gravou dois volumes do antológico Cantoria, registro de show de mesmo nome e disco de cabeceira de todo calouro de universidade. Mas é sozinho, com seu toque único de violão e brincando com a voz, que ele se solta melhor.
“Um cantor de voz agreste, com recursos intermináveis. Um quinteto de cordas apaixonado pela música popular, formado por virtuosos. Sertão e universidade. A música que desmascara os preconceitos e lhes oferece arte contra teorias banais”, escreveu o crítico e produtor Ricardo Anísio no encarte de Brasileirança.

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Eu sou de uma família rural, da região de Vitória da Conquista. Tenho parentesco próximo com Glauber Rocha; o próprio Elomar é meu primo. Aquela região do sertão baiano tem uma rica história de arte, cultura e poesia – há muitos poetas por lá e bons cantadores. Isso na parte urbana da cidade, que é de origem rural, de pecuária, com uma proximidade com Minas Gerais.
    Minas Gerais também recebe uma influência imensa da Bahia. No disco tem muita coisa mineira, das cidades de Teófilo Otoni e Montes Claros. Você sabe que a língua é a mesma: brasileira. E as fronteiras só existem em linhas imaginárias e geograficamente, porque uma pessoa pode trafegar normalmente, sem saber que passou de São Paulo para Minas Gerais. A língua é a mesma, o que difere é o sotaque.

O que eu canto é a presença de minha própria realidade. Eu não me sinto muito confortável em cantar músicas de outros povos longe daqui, principalmente dos países ricos, tão em moda, tão apregoados, cantados e decantados por muitos brasileiros, inclusive. Eu acho muito melhor cantar músicas de Cartola, Dorival Caymmi, Luiz Gonzaga, João do Valle, Jackson do Pandeiro do que dos Estados Unidos ou da Inglaterra. É muito bom para eles. Acho que eles também não ficam cantando Paulinho da Viola.

O primeiro disco que eu gravei foi numa multinacional e me trataram como um trapo, sabendo que eu tenho qualidade. Tomei uma decisão: não faço mais trabalho para esse povo, a não ser que me queiram muito e que não me tirem o direito de fazer o que eu acho que tenho que fazer.
Ah, você quer saber o meu apelido? (risos) Numa ocasião, meu pai comprou uma sorveteria em Minas Gerais e eu fui para lá ajudar a criar meus irmãos mais novos. A sorveteria chamava-se Xangai. Trabalhei nela e, por causa disso, passei a ser chamado assim. É como se alguém lhe chamasse “Oi, Sem Fronteiras” e aí pegasse o apelido. A história é essa. Tinha uns 17 ou 18 anos.

Eu tenho viajado por todos os cantos do Brasil e tenho conhecido a arte de muitas pessoas que tem de ser veiculada. Quero mostrar esses artistas emergentes. A música brasileira, cada dia que passa, é melhor. Agora, a que é divulgada nas rádios, paradoxalmente, é cada vez pior. O disco Brasileirança é uma viagem que eu faço, um bate-papo musical. Já trouxe para o show Elomar, Renato Teixeira, Belchior, Paulinho da Viola, artistas maravilhosos. O público fica encantado. Estou resgatando a cultura brasileira no meu disco e no programa de rádio.

Transcrição da entrevista à revista Sem Fronteiras

 

Xangai, Vaqueiro cantador de alvoradas, relentos

Xangai mostrou a música nordestina e sertaneja (entender dos sertões e não  …) mundo a fora. Um grande momento das cantorias foi a reunião de Geraldo Azevedo, Vital Farias ,Elomar, Xangai, que resultou em 3 discos ao vivo.

Mundo a fora Xangai canta emgente. Na foto com a cantora Maryzelia

Waldick Soriano e Xangai cantam junto as músicas brasileiras, sem shows e sem valorizar os estrangeiros

Xangai violeiro de mão ligeira cria e solta a voz com parceiros como Elomar, Juraildes da Cruz, Helio Contreiras, Geraldo Azevedo, Quinteto da Paraíba, Renato Teixeira, Ivanildo Vilanova,  Capinan, Braguinha Barroso,  Jatoba, Nanuke, Cátia de França, Vital Farias

HISTÓRIAS DAS MÚSICAS BRASILEIRAS

Março 13, 2011

Como nem só de samba vive o carnaval e a folia sempre continua em linhas que escapam do já constituido, esta coluna traz um mestre do frevo, ritmo que logo remete a beleza de Pernambuco. E este mestra que tratamos hoje é ninguém mesmo que o Capiba.

 

Lourenço da Fonseca Barbosa (Capiba) nasceu em Surubim, Estado de Pernambuco. Estudou música desde menino com seu pai, o “Professor Capiba”. Foi músico de banda no interior da Paraíba. Foi pianista de cinema de 1925 a 1930 em Campina Grande e na capital do estado da Paraíba quando se transferiu para o Recife. Apresentou-se a sociedade recifense com o seu grande sucesso – VALSA VERDE, depois de ter fundado a JAZZ – BAND ACADÊMICA, que abandonaria mais tarde para transformar uma batucada de estudantes no BANDO ACADÊMICO. Formou-se em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Recife. As orquestras por ele fundadas, juntamente com as inúmeras músicas que compôs, desde 1930, fizeram dele o compositor mais categorizado do Recife. Estudou teoria e composição com o maestro Guerra Peixe de quem foi grande amigo.

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Sobre sua obra, Capiba acha difícil falar:

Para mim era perigoso falar de minha produção, mas como minhas escusas não valeram, resolvi aceitar o convite e aqui estou.

Logo de inicio imaginei mil coisas para começar. Por exemplo: contar a história de minhas músicas, como elas nasceram, etc. Que fiz É DE AMARGAR nos últimos dias de outubro de 1933, especialmente para concorrer ao Concurso instituído pelo DIÁRIO DE PERNAMBUCO e no qual, por aclamação popular, obtive o 1 lugar no novo gênero musical que abraçava. Ou , que levei uma noite inteirinha escrevendo, num caderno de papel pentagramado, melodias e mais melodias, sem me aperceber que a primeira que eu escrevera, era, realmente a que procurava para apresentar como compositor de músicas carnavalescas. Mas isso seria um nunca acabar e ocorreu-me então a lembrança de falar sobre o gênero da música que eu abraçara e que me deu tanta sorte. Por isso, para falar no atual frevo canção teria que rememorar a velha MARCHA PERNAMBUCANA. Seria contar um pouco da história do frevo e, ao mesmo tempo, contrariar algumas opiniões apressadas sobre a marcha pernambucana; desmentir algumas teorias de gabinete, reabilitar, enfim essa música tida por alguns como bastarda. Teria que provar, pelo que se tem escrito e por testemunhos de elementos que viveram desde fins do século passado até os dias atuais, que a marcha pernambucana, chamada hoje de frevo-canção, tem suas raízes plantadas nos primórdios deste famoso carnaval pernambucano. Teria que rememorar as terríveis lutas dos mestres da capoeira que enchiam as ruas deste tradicional Recife, por aquela época. Teria que falar nos velhos clubes carnavalescos do Recife, com os seus cordões puxados por adestrados balizas, com seus bailarinos porta-estandarte, suas orquestras vibrantes, suas figuras de morcegos afugentado a molequeira que se plantava à frente dos seus cordões impedindo, por vezes, as suas evoluções. Teria que relembrar seus “papais”, considerados os “donos” de todo aquele cortejo. E, finalmente, suas “árias” que segundo informações que colhi, eram executadas e cantadas nas ruas e nas visitas que os clubes faziam aos seus sócios de honra ou seus benfeitores. Seria falar de um mundão de coisas. Seria rememorar uma infinidade de marchas que datam de antes de 1900, lembradas a mim por velhos foliões ligados ao Carnaval de Pernambuco. Teria que citar, principalmente, o tradicional Hino do Carnaval de Pernambuco, ou seja, a marcha n 1 do Clube Carnavalesco Misto Vassourinhas, composta em 6 de janeiro de 1889 por Matias da Rocha ( música e letra), marcha cujos versos dou abaixo:

SOMOS NÓS OS VASSOURINHAS

TODOS NÓS EM BORBOTÃO

AH! ISTO NÃO! AH! ISTO NÃO!

TU BEM SABES O COMPROMISSO

AH! ISTO NÃO! NÃO PODE SER

A MOSTRAR NOSSAS INSIGNIAS

E A CIDADE SE VARRER

AH! REPAREM MEUS SENHORES

O PAI DESSE PESSOAL

QUE NOS FAZ SAIR À RUA

DANDO VIVA AO CARNAVAL

 

 

Estes versos foram colhidos por mim na própria sede do conhecido CAMELO DE SÃO JOSÉ e diferem muito de uma letra que se diz ser dessa marcha e que começa assim:

SE ESSA RUA FOSSE MINHA etc.

Teria que citar, ainda, várias marchas como A ROSEIRA, de 1895 que me foi cantada pelo folião Raul, do Vassourinhas e considerada simplesmente marcha; a MARCHA N 1 DOS LENHADORES, aparecida em 1897, com música e letra do fabuloso Juvenal Brasil e que me foi dada pelo saudoso Maestro Capitão José Lourenço da Silva, conhecido em todo Brasil por Zuzinha; e EUGENIA (de 1907), do não menos notável Manoel Guimarães (letra e música) fornecida, também, pelo maestro Zuzinha. Citaria ainda, uma infinidade dessas marchas, para jogar por terra toda essa invencionice que se criou, em gabinete, de que o atual frevo-canção é música “carioquizada”.

Se estas provas não bastassem, citaria ainda, o depoimento do escritor Hermogenes Viana que diz, ao responder ao item n 1 do meu Questionário, lançado a vários anos: “Mais ou menos em 1904 ou 1905, alguns oficiais do exercito, à frente o tenente Chaves, juntos ao Comandante Passos, da Companhia de Bombeiros, então no antigo Cais do Capibaribe e outros elementos civis, fundaram o Clube Carnavalesco de críticas e alegorias, chamado: “CARA DURA”. Mais adiante escreve, ainda o Hermogenes Viana: “essa massa de gente passou a ser denominada de ‘fervedouro’ e os seus passos para acompanhar o carro do ‘João Vinhoca’ tinham que ser acelerados. Evidentemente, a música já não poderia ter a cadência de ÁRIA, até então usada pelos cordões carnavalescos.

Em face de tantos argumentos teremos que acreditar na existência da “ária” como um dos elementos básicos na formação da marcha pernambucana, hoje conhecida como frevo-canção.

E por que marcha pernambucana? Porque ela diferençava da marcha universal pela sua introdução já sincopada, por aqueles tempos iniciais do carnaval de Pernambuco. Era um novo tipo de música que o povo criava dentro daquele ritmo existente ao compasso 2/4. Era um novo gênero que surgia do sangue do povo, como um grito de libertação, ditado pelo prazer de se divertir, de esconder suas mágoas ao som das canções puxadas por trombones, pistons, clarinetes e demais instrumentos usados para animar os cordões dos clubes.É bem verdade que dessas expansões sempre nascem os conflitos e desses conflitos está cheia a história do Carnaval de Pernambuco. Que o chamado frevo-canção de nossos dias sempre existiu, ninguém de boa fé poderá negá-lo sem negar a própria existência do nosso carnaval. Seria o mesmo que dizer que a marcha puramente instrumental, hoje conhecida unicamente pela palavra FREVO e que data do principio do século atual, não existe.Seria negar que a palavra  FREVO introduzida em nosso carnaval há uns 50 anos, mais ou menos, não é uma corrutela de ferver, fervura etc.

O saudoso poeta Anibal Portella, respondendo ao item 2 do meu Questionário diz: “Há quem afirme tratar-se de uma corrutela do verbeo ‘ferver’. No seu línguajar pitoresco o povo dizia que o povo estava ‘frevendo’, a onda ‘freve’ etc. E realmente era assim: Os foliões ferviam de entusiasmo.

Diante das razões e depoimentos que apresento neste trabalho e por julgar a “ária” a precussora do atual frevo-canção e – porque não dizer também? – do frevo instrumental, foi que me dediquei a esse gênero, muito embora seja autor e ‘frevoroso’ admirador da marcha sem letra, mais conhecida, hoje em dia, unicamente pela denominação de FREVO. Esta admiração, entretanto, não me obriga a considerar como um gênero espúrio este outro a que me dediquei  numa carreira de vinte e cinco anos de compositor de frevos canções, carreira que posso dizer começada naquela noite de outubro de 1933, com uma melodia que praticamente se impôs a mim e que passou a significar tanto em minha vida, pois marcou bem um tempo em que, como moço que era, vivia dominado pela vontade de fazer na vida alguma coisa que mais tarde pudesse ser citada. Se consegui isso, não sei: digam os que se lembram dos frevos-canções aqui reunidos como de alguma coisa capaz de evocar um bom momento ou de guardar uma lembrança. Porque não aspiro a mais do que isso e tenho certeza de que qualquer outro compositor popular diria o mesmo.

Transcrição

Capiba, torcedor do Santa Cruz Futebol Clube de Recife. Ele não compôs o hino oficial, mas é autor de um “Hino alternativo” que é mais conhecido pela torcida, chamado “O mais querido” de 1957

O mestre Capiba com Inezita Barroso e Hermínio Bello de Carvalho

Capiba, Sua esposa e o Maestro Zacarias

 

Capiba e Nelson Ferreira

Histórias das Músicas Brasileiras

Março 6, 2011

Em uma semana especial do carnaval, trazemos uma entrevista de três nomes que fizeram parte de muitos carnavais, rodas de samba da época que o carnaval era a festa dos morros. A entrevista é uma transcrição da revista Graffiti 76. Os mestres da antiga Nelson Sargento, Wilson Moreira e Walter Alfaiate.

 

Walter Alfaiate nasceu no Rio de Janeiro, trabalhou como alfaiate em Botafogo. Compôs para blocos carnavalescos da região, como o Foliões de Botafogo e o São Clemente. Sambista de primeira, participou nos anos 60 de rodas de samba no Teatro Opinião e formou vários grupos, com destaque para os Reais do Samba e o Samba Fofo. Mesmo conhecido do samba ele só foi descoberto na década de 70, quando Paulinho da Viola gravou três de suas canções. Brilhou como crooner da boate Bolero, em Copacabana.Em 1982 foi convidado para entrar para o G.R.E.S da Portela. Jamais reconhecido pelo mercado fonográfico gravou apenas um disco com patrocinio de Aldir Blanc. Morreu no ano passado, após o carnaval.

Wilson Moreira é carioca de Realengo e foi um dos primeiros integrantes da bateria da ala dos compositores da escola de samba Mocidade Independente de Padre Miguel, mas em 1968 transferiu-se para a Portela. Suas primeiras músicas são dos anos 50, e na década seguinte compôs sambas-enredo vencedores e gravou seus primeiros discos. Integrou conjuntos como Cinco Só, Turma do Ganzá e Partido em Cinco. Teve muitas músicas de sucesso como Fidelidade Partidária e Eu já pedi. Foi o grande parceiro do sambista Nei Lopes com quem gravou dois discos clássicos. Em 1997 Wilson Moreira sofreu um derrame que o deixou parcialmente imobilizado.Uma mobilização de sambistas angariou uma grana para o tratamento do cantor e compositor, que continua sambando.

Nelson Sargento é um dos grandes nomes do samba, sendo compositor com parceirias com Carlos Cachaça, Cartola e Nelson Cavaquinho. Desde moleque na Mangueira ganho o apelido “Sargento” veio de sua época no exército. Entrou para a ala dos compositores da Mangueira e compôs sambas-enredo para a escola na década de 50, como por exemplo “Cântico à Natureza” (com Jamelão/ Alfredo Português), de 1955. Nos anos 60 freqüentava e bar Zicartola, onde conheceu outros sambistas e músicos da zona sul carioca. Participou, convidado por Hermínio Bello de Carvalho, do espetáculo “Rosa de Ouro” (1965), ao lado de Elton Medeiros, Clementina de Jesus, Walter Alfaiate, Araci Cortes e Paulinho da Viola, etc. Em seguida integrou o conjunto A Voz do Morro, e com ele gravou “Roda de Samba 2”.Seu maior sucesso, “Agoniza Mas Não Morre”, foi lançado em 1978 por Beth Carvalho e tornou-se um hino de resistência da cultura do samba carioca. Escritor e compositor Nelson também continua sambando e soltando a voz neste carnaval

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WILSON MOREIRA: Eu sou de 36, eu sou do subúrbio de Realengo, eu era da Mocidade Independente escola ali de Padre Miguel, vizinha do Realengo. Fui um dos que ajudei na fundação da Mocidade, que era um time de futebol na época, depois formou uma escola de samba com a série de sambistas que tinha ali de Realengo e sambistas de Padre Miguel. Lá tinha a escola de samba Os Três Mosqueteiros, ficava lá no Murundu (Padre Miguel), era uma escola muito boa que desfilava com as grandes naquela época na Praça 11, o Nelson deve saber disso.

NELSON SARGENTO: Primeiro ano que eles desfilaram ficaram em segundo lugar.

WILSON : Aí a escola, não sei lá qual foi o motivo, pegou fogo numa confusão e a escola acabou. Então essa turma de sambista que tinha lá, alguns foram para a Mocidade, Renatão, Ari de Lima, Seu Dengo que era da Portela e muitos mais, foi onde conheci o Toco de Padre Miguel, aquele grande compositor. Eu era um moleque novo, cresci ali batucando. Primeiro ano meu na Mocidade era na bateria do mestre André. Foi na praça 11 e chegamos lá em primeiro lugar em tudo. Passei para uma ala depois, sai puxando a ala dos boêmios.

Já tinha minhas músicas na mente, mas tinha vergonha de mostrar, era difícil a gente mostrar música, era um respeito danado. Me perguntava, “será que eu fiz alguma bobagem?” O primeiro cara que olhou minha música e falou que eu podia mostrar sem medo foi o Paulo Brasão. Eu vim pela Mocidade coisa e tal, quando chegou 68, foi quando eu sai da Mocidade. Os sambistas saiam da cidade e iam para lá assistir aos ensaios. E via a gente cantando, eu tinha lá meus sambas de terreiro, o terreiro era uma coisa de louco. Sabe quem gravou um samba de terreiro meu? Leny Andrade. Ela ia fazer um disco com sambista de escola de samba, numa ocasião na década de 70, e o produtor dela, que era o João de Aquino, me chamou e disse: Moreira mostra um samba teu da Mocidade. Ai mostrei né. Ela gravou dois sambas meus, um de terreiro e outro com um parceiro que eu tinha lá, chamava-se Josan, um samba muito bonito. Em 68, Seu Natal já tinha me convidado para ir a Portela. Ai encontrei um amigo: “Ô Wilson, vou à Portela, sou diretor lá tenho que tá na reunião”. Ai eu disse: “Vou até lá contigo”. Chegou lá na reunião, me receberam de pé, a diretoria toda. Me agradei. Aí Seu Natal, presidente de honra, falou assim: “Esse é o garoto que eu falei lá de Padre Miguel”. Depois falou: “O garoto vai assistir à reunião dos compositores, ai fui, o Picolino era o presidente: “O Wilson Moreira tudo bem, veio assistir à nossa reunião”. E eu: “Olha, pelo que eu tô vendo, vou ficar com vocês”. “Ah! pra gente é um prazer”.
Com Ari do cavaco, Jair do Cavaquinho, Casquinha, tudo mundo lá. Mas nessa época eu já conhecia os sambistas quase todos, o Nelson Sargento, é um camarada que já conhecia a muitos anos, a gente viajou muito, fazendo show com o Zuza Homem de Melo em SP, lá na…

NELSON : Record

WILSON : É os caras cara vinham aqui, gostavam das coisas que a gente fazia e levava lá para SP, no Anhembi. Eu já conhecia o Nelson da época do Rosa de Ouro, eu ficava olhando assim com medo de chegar perto, é aquela historia de chegar… , não é que nem muita rapaziada de hoje que chega e vai chegando.

Primeira gravação

WILSON: Em 72, o Adelzon Alves produziu uma série chamada “Quem Samba Fica”. Ele então falou assim: “Moreira eu queria um samba teu que eu gostei e vou colocar na voz de um rapaz lá de Padre Miguel”. O Adelzon Alves é um produtor muito nosso amigo, dá muita força para os sambistas e produziu um disco de um cara, o Edalmo, lá da Mocidade e cantou um samba meu. Aí ele falou assim: ”No próximo, você vai entrar no disco”. Aí eu entrei, em 74. O primeiro foi em 72. Ai ele fez eu, Dona Ivone, Sidnei da Conceição, Casquinha e Flávio Moreira. Estes discos assim … chamados Pau de Sebo, sempre aparece um ou dois, às vezes até mais. Então neste disco saiu eu e Dona Ivone. A Odeon se prontificou em fazer um disco com a gente, e mais tarde fizeram, primeiro com a Dona Ivone e depois comigo e com o Nei Lopes. Aí eu encontro com Délcio Carvalho na galeria da gravadora Odeon ali na Av. Rio Branco 277, naquela época.

WILSON : Aí o Délcio falou assim: “Tem um amigo nosso que tá doido para te conhecer, é o Nei Lopes”. O Nei era publicitário. “Ô Nei, vou te apresentar um cara que bota música até em bula de remédio que é o Wilson Moreira”. Aí nós começamos a fazer música. Nesta época eu estava fazendo música com o Candeia e ele ficou meio emburrado comigo: “Poxa rapaz, estava começando um trabalho tão bom, estava pensando que a gente ia dar continuidade a isso!”
Eu sou um cara que não sei dizer não para ninguém, só se o negócio for feio mesmo. O Nei me ofereceu umas parcerias, me mostrou umas letras muito boas, que eu gostei. Aí eu falei: “Candeia não vá se aborrecer comigo”. Mas mesmo assim Candeia e eu continuamos a fazer umas coisas assim devagarinho. Bom, mas tudo, todos esses convites, veio de uma gravação histórica que nós fizemos, chamado Partido em Cinco. Foi eu, Candeia, Velha, Casquinha e Anésio. Esse disco aí chegou nos ouvidos do pessoal de rádio, e, bom, aí tocava toda noite. Minha música tocava, eu fiquei conhecido e quase toda roda de samba que a gente ia, tinha que cantar que as pessoas pediam: “Canta aquela música!”. Bom, foi através desse disco que o Adelzon ficou me conhecendo e me convidou para este negócio todo e de lá para cá eu vim mimbora. E honrando a bandeira da Portela, sem esquecer a Mocidade, que foi onde começou tudo. Três gerações do samba?

NELSON : Duas gerações , eu e o Walter temos a mesma idade.

WALTER: Nãaaaao (risos gerais), são oito anos malandro, oito anos. Quando eu tinha 12, tu tinha 20, tu me dava cascudo, eu nem podia te encarar, agora já fica diferente.

NELSON : Tu tem 70.

WALTER: Eu tenho 68, a geração parte de 10 em 10 anos, já o Wilson não, ele é mais novo. Poxa, quê que há?, são 3 gerações mesmo.

NELSON: Eu penso o seguinte: em cada esquina deste imenso Brasil tem Cartola, tem Nelson Cavaquinho, tem Roberto Carlos, tem Paulo da Portela o difícil é chegar. Se chega num subúrbio deste qualquer, bota uma roda de samba, você escuta um carinha qualquer cantar cada samba que puxa!! É um dos desconhecidos, é um dos que estão aí, são poucos que conseguem chegar. Então eu não vou considerar o Wilson novo, mas tem o Luís Carlos da Vila, tem Sombrinha, tem o Toninho Gerais, Arlindo Cruz, o Zé Luís, o PQD, Marquinho de Oswaldo Cruz, então ainda tem pessoas na nossa linha, chegar o projeção é que é difícil.
Quando fui lá em BH, que eu vi o tamanho daquela casa, eu disse: Essa praça não é minha, que é que eu tô fazendo aqui? Não era a minha praça, aqui que é a minha praça. Às vezes eu já luto para botar uma platéia aqui… Pô, vou em BH, quando eu vi aquela casa transbordando, aí é que me deu mais medo: Pô e agora?. O que acontece é o seguinte: se você investe numa determinada coisa, ela funciona. Se você investir em mim, no Walter, no Wilson, no Nei, maciçamente, nós vamos tomar conta do mercado. Mas não se investe maciçamente em samba. Eu acho que o samba não vai acabar nunca, o samba é a linguagem popular deste país, é a identidade musical deste país, pode esconder, mas não vai derrubar. Por exemplo, a Globo faz um samba Pagode e Cia., pô!!

WALTER; Não tem um de nós lá, único que foi, foi o Martinho da Vila.

NELSON: O Martinho foi porque a Sony impõe.

WALTER: Se você entra em lojas aqui no Rio não tem meu disco. Agora se entra numa Americanas tá lá comé, sinhazinha, não, Tiazinha, cheeeia a prateleira e não tem um Walter Alfaiate, não quer dizer que eu seja … Mas bem melhor que ela eu sou, cantando, porque da outra forma ela é bem melhor! (risos)

NELSON: Estava na hora agora destes produtores armar um projeto e levar pra Bandeirantes, levar pro SBT, se você levar um projeto de samba de raiz bem feito eles vão fazer .

NELSON: Quando eu conheci o Walter não sabia que ele era sambista Quando eu o conheci ele tinha uma alfaiataria na Lapa. Ainda levei umas roupas pra você reformar e você nunca me devolveu as porra da roupa, mas eu também não fui buscar. A outra vez que tive conhecimento com o Walter, quando a gente tinha os Cinco Crioulos, que o Mauro entrou que eu comecei a frequentar os Foliões de Botafogo, inclusive uma vez até saimos na frente né.

WALTER: Neste ano ganhamos o carnaval , saiu todo mundo, a maior ala de compositores de todos os tempos.

O ECAD

NELSON: É complicado. Eu já tentei saber como é essa pontuação que eles fazem da execução, ninguém sabe dizer, nem o editor, nem o dono, nem ninguém. É um ponto, esse mesmo ponto vale três reais. Na hora que você vai lá ver… Você tem o caso do Wilson, que tem mais de cinco sucessos, vai lá e cada música contou um ponto. É três merréis o ponto, por cinco sucessos: 15 merréis. Quer dizer, é um negócio que você não sabe. O Ecad é feito pelas gravadoras e pelos editores, eles é que são o Ecad. Na realidade, o que é direito de autor? Direito de autor é a vendagem do disco e a execução da música. Direito do disco o que é? É 8,4% sobre o preço de custo dividido pelo números de faixas do disco. Essa é a matemática e essa é universal. Agora com a gravadora você tem o direito de intérprete, você pode assinar 12%, pode assinar 15%, nunca menos de 8%. A execução da música, que é o outro direito de autor. Quantas vezes toca, é quantas vezes você recebe. Agora como é que eu vou saber, eu, o Wilson, o Walter, se a nossa música está tocando no Acre, no Amazonas, no Piauí, no Maranhão. Não tem como saber. Porquê? Porque nem todo estado da federação você tem o Ecad arrecadando. Tem lugares aí que o direito não passa por lá. Você tem muitas emissoras no Norte e no Nordeste que são de deputados e de senador e esses caras não pagam mesmo. Não adianta você botar a lei em cima deles que eles têm imunidade. Então fica difícil, isso na parte de execução de música. E a fábrica, quando a fábrica diz que você vendeu um milhão de cópias, você vendeu dois. O disco não é numerado. Então você vendeu um milhão e até logo. Você imagina um cara como Xuxa, Roberto, que bate mais de dois milhões. Quando a fábrica publica que vendeu dois milhões, adeus, vendeu muito mais. Mas não há como cobrar. O que é que precisa fazer? Pra defender o autor tem que numerar o disco e gravadora nenhuma vai numerar o disco. Isso depende de uma lei. Os produtores fonográficos vão lá e dizem assim: Uma casa lá em Sepetiba doutor, com todo conforto pra votar nisso aqui. Vai se importar com isso? Execução é o seguinte. Antigamente, na década de 40, a rádio mandava para a sociedade o que tocou, não tinha o Ecad. Mandava mensalmente o que tocou e a grana. Quando veio o Ecad, eles fizeram um sistema de escuta. Vai escutar 24 horas todo o Brasil?

WALTER: É ruim pra caramba. Se chegasse na mão do autor, tudo bem.

NELSON: Que há desvio e dinheiro há, você não tem o poder de controlar. Você tem um editor. Por exemplo, o que acontece com o disco? É um direito fonomecânico. Eu editei uma música, tem uma parte aí que é do editor. Aí a fábrica pega e paga pra ele e ele me paga. Quando a fábrica paga pra ele, já paga fraudado e ele me paga mais fraudado ainda. Não há nada que eu possa fazer. O editor é obrigado a receber o que a fábrica paga.

WILSON: Deve acontecer a mesma coisa com vocês. Recebo direito da Dinamarca, Holanda, mas é uma coisa, que se eu mostrar as pessoas, nego fica até embasbacado.

NELSON: O Monarco recebeu do exterior 70 centavos. Um amigo nosso falou assim: “Poxa, eu vi teu samba num daqueles CD-Rom da Microsoft”. Aí ele levou o CD lá em casa e tocou o “Agoniza Mas Não Morre”, tocou a gravação que eu fiz na Kuarup, movi uma ação, ai eu peguei tudo que tem “Agoniza Mas Não Morre”, contrato de edição, não sei lá mais o que, e mandei para o advogado. Isso tem uns quatro meses, ele me respondeu o seguinte: que a microsoft mandou dizer que desconhece e não editou nada, então é pirata, se é pirata eu vou ter que correr atrás, então fui na editora, e ela também entrou com o processo, mas o meu processo está correndo por lá e o da editora está correndo por aqui, então a editora precisa de um intermediário lá para dar andamento. Mas tem mais um detalhe, a editora te cobra quando ela recebe do exterior, tira 50%. Se recebe 10 mirreis, ela te dá cinco.

BO-H-ÊMIA

WILSON: Eu sinceramente nunca fui um cara, nunca acompanhei as pessoas em bebida Mas eu tenho saudade dos tempos da boêmia porque conheci vários boêmios, como Nelson Cavaquinho, eu conheci ali na taberna da Glória, aquilo ali era tão bonito, eu conheci o Alife.

NELSON: Se lembra do Brick, aquele navio que ficava lá no Botafogo? Chamava Brick da Folia, a Mangueira fez muitos bailes ali.

NELSON: A zona sul era um negócio sensacional, as gafieiras Dragão, Eldorado, o Elite do Méier, Tupi.

WALTER : Você conheceu o Laje? No Botafogo esquina de São Clemente

NELSON: Tinha o Fogão no Engenho Novo. Sabe porque que chamava Fogão? Porque só frequentava cozinheiro, tinha um na praça Sans Pena onde hoje é o correio.

WALTER: O Catuca.

NELSON: Era tudo sobrado.

WILSON: Sabe quê que eu fazia naquela época? A gente trabalhava e roupa era muito manjada. Então eu tinha um terno e ai se eu fosse na gafieira hoje com aquele terno e fosse amanhã ou semana que vem com o mesmo terno. As meninas chamavam a gente de canarinho de uma muda só. Aí a Ducal lançou o paletó esporte, lembra disso? aberto atrás.

NELSON: Paletó com duas calças

WILSON: É, paletó com duas calças. E eu comprei uma calça de mescla e um paletó cor de abóbora. Aí eu fui, quando eu cheguei, eu ia no Vitória Danças, ali na rua do Rezende, e quando a gente tava com a roupa manjada aqui neste baile a gente ia lá para Niterói, no Manacá.

WALTER: Depois eles começaram a chamar o cara que ia com o paletó de uma cor e a calça de outra de Caneta Parker

NELSON: Caneta Parker ou saia e blusa.

WILSON: Na Bambina tinha um baile bom ali também, Amante?

WALTER: Amante era na rua da passagem, ali era o Abrantes.
NELSON: E os famosos piqueniques do Samuel? Lá na ilha de Paquetá. 1º de maio e 15 de novembro. Dia 1º de maio não arrumava nada que era dia de piquenique. Foi o Lacerda que acabou com o troço lá. A primeira barca saia às 7h da manha, já ia festa, bebida, gente. Naquela época eu passeava às segundas-feiras, não passeava domingo. Domingo estava tudo mundo passeando e ficava assim, eu só ia para Paquetá na segunda feira.

WALTER: A banda Portugal , lá na Presidente Vargas.

NELSON: Frequentava muito pouco, frequentei muito as duas cervejarias, uma era a Lusitana e a outra esqueci o nome. Chegava lá, pedia a champanhada e o cara trazia uma cerveja e um pratinho de tremoço, o tremoço era grátis. Se pedia a segunda já não vinha o pratinho, tinha que comprar. Nessa época não tinha a Presidente Vargas, tinha a Senador Euzébio de um lado e a Visconde de Itaúna no outro e tinha o canal no meio .A primeira água mineral que existiu aqui no Rio se chamava Idolitrol, o cara pegava um disco especializado colocava dentro da garrafa e sacudia, era a água mineral da época. Qualquer botequim da cidade se tinha uma redomazinha assim com um copo de água gelada, você chegava bebia um copo d’água gelada e ia embora.

WILSON: Eu andava com uns caras que bebiam muito. Anescar bebia tanto, eu não bebia e ficava andando com os caras. O Silas de Oliveira bebia pra caramba e era muito meu amigo e eu não bebia, o Silas de Oliveira saia lá do Opinião, eu ia lá pro Realengo e ele ia lá pra Madureira, ele falava assim : Ô Wilson, eu sei que você não bebe, mas eu vou ali tomar um negócio, vamos lá , ai eu pra não ficar assim … pra trás, batida de maçã.

A diferença ontem e hoje

NELSON: Não é que antigamente era melhor, o pobre tinha menos vaidade.

WILSON: Menos vaidade, exatamente. Tu comprava dois terno e tava satisfeito.

NELSON: Você passava numa loja e via esta camisa por 10.000 reis, você não podia comprar e não existia prestação, aí você juntava 2000 reis por cinco semanas, se você fosse lá a camisa custava 10.000 reis, tinha uma estabilidade de preço. A vaidade era menor.

WILSON: Olha eu bato palma para essa rapaziada que tem cabeça boa, que dá força em tudo que é atração aí e eu acho que tem de ter muita cabeça pra poder conviver com as coisas, que o negócio é o seguinte: não pode fazer asneiras porque as curtições são muito boas. Eu fui um cara que fez o barco correr sozinho, que meu pai morreu em 45, eu com oito anos de idade, minha mãe era mineirona. Lá em casa, o único sambista sou eu, meus irmãos não são compositores nem nada, negocio deles e dormir cedo, assistir ao futebol. Minha mãe falava assim: “Só o Wilson puxou o pai”. Meu pai foi embora cedo e eu não deixei minha cabeça se perverter. Teve a invasão das coisas de fora de nosso pais muito aqui, americano implantou muita coisa aqui que fez a cabeça da rapaziada, eu acho que a rapaziada não deve deixar se levar.

NELSON: Eu acho o seguinte Wilson: eu, quando me entendi mesmo musicalmente, porque até 1950, 60, eu não tinha uma noção da música do pais, mesmo frequentando Escola de Samba, coisa e tal. Eu não tinha uma noção exata do valor cultural da música popular brasileira, eu comecei a aprender isso quando fui fazer o Rosa de Ouro, em 65. Juntando o que eu vi dali pra frente, com o que eu tinha visto no passado, comecei a fazer uma associação de idéias, porque quando eu conheci o Cartola, eu sabia que ele era importante como compositor mas não sabia que ele era importante num contexto de Brasil, ele, Carlos Cachaça, Geraldo Pereira. As gravadoras tinham de dez a oito sambistas contratados, na Victor, na Odeon, na Phillips, na Columbia, e essas coisas foram diluindo conforme a situação econômica foi piorando. As casas noturnas foram fechando. Olha, eu fiz muito programa do Chacrinha quando eu tava na Excelsior lá em Ipanema. Você já entrava para cantar com o dinheiro no bolso. Ora ele cresceu na audiência, então nego começou a pagar para cantar no programa dele. Degringola as coisas, ele estava pagando para você se apresentar e daqui a pouco ele começa a receber para apresentar você.

 

Como a homenagem do samba é a três mestres, as imagens foram reduzidas. Para aumenta-las clique em cima, malandragem.

Eita roda de samba. Segura os malandros: Aldir Blanc, Beraba, Jaguar, Lan, Luiz Carlos da Vila, Paulo Cesar Pinheiro, Moacir Luz, Pimentel, Roberto Moura, Wilson das Neves, Wilson Moreira.

 

Wilson Moreira, Aldir Blanc, Luiz Carlos da Vila e Moacir Luz

Wilson Moreira e Zeca Pagodinho

Wilson Moreira

Wilson Moreira e Nelson Sargento no primeiro evento do Carnaval 2011 (e de muitos outros): O bonde do Samba para Santa Tereza

Nelson Sargento, Herminio Bello de Carvalho e os sambistas mirins da Mangueira

Nelson Sargento, mestre do Samba

 

Marquinhos, Wilson Moreira e Surica

 

Walter Alfaiate, uma vida de samba

Walter Alfaiate foi um jovem carioca que pulou muitos carnavais


Histórias das músicas brasileiras

Fevereiro 20, 2011

Esta coluna dominical traz um post especial ao centenário de Nelson Cavaquinho, um dos grandes sambistas de nossas músicas.

Filho de Brás Antônio da Silva e Maria Paula da Silva, Nélson Antônio da Silva nasceu no Rio de Janeiro em 29 de outubro de 1911. Pobre o menino Nélson saiu da escola no terceiro ano primário para ir trabalhar. Sua formação musical iniciou com seu pai, que era tocador de tuba da Polícia Militar e de seu tio, que nas reuniões dominicais da família tocava violino acompanhado da cantoria de seus parentes e Nélson, criança, tentava acompanhar com seu instrumento de brincadeira: fios de arame esticados sob uma caixa de charutos.

Nélson começava a ser “do Cavaquinho” quando, aos 21 anos teve seu primeiro casamento. Como Nélson passava a maior parte do tempo sumido de casa enfiado em rodas de samba. Sempre voltava para casa acompanhado de seu cavaquinho, de uma galinha e liso, para o terror de sua esposa Alice que o enxotava novamente.

Na década de 1950, as músicas da dupla Guilherme de Brito Bolhorst e Nélson do Cavaquinho começaram a ser gravadas com mais freqüência. Mais ainda não era o sucesso: nomes de “compositores” continuavam a constar ao lado dos de Nélson e Guilherme. E não adiantava muito este pressionar o companheiro contra tais “parcerias”, pois se ele não divulgava as composições, Nélson muito menos. Ele estava inteiramente voltado para a sua arte e para a boêmia. Não via por que não ceder co-autoria a um novo amigo de balcão ou a alguém que fizesse a composição render algum dinheiro para novas farras.

Por outro lado, entre Guilherme e Nélson existe um pacto de só fazerem música junto e sempre a dois mesmo – Eu não me sentiria bem se meu nome entrasse sem eu ter feito nada – garante Guilherme e concorda Nélson, emborcando um cálice de conhaque. – Por isso, mesmo que dê pra mim terminar a música sozinho, ele sempre deixa um pedaço pra outro fazer.

A partir de 1961, Nélson começou a freqüentar regularmente a casa de Cartola e Dona Zica. Estimulados por cervejas e saborosos petiscos, passavam as madrugadas em memoráveis rodas de samba compositores de real valor, como Zé Keti, Paulinho da Viola, Jair do Cavaquinho, Anescar Bigode, Élton Medeiros e muitos outros.

A casa da Rua dos Andradas foi ficando famosa – e pequena. Então surgiu a idéia de se abrir um restaurante: Zica entrava com a comida e Cartola com o violão. Logo o Zicartola tornou-se o reduto de toda a boa música popular, independentemente de linhas ou temáticas. E, com a revalorização das raízes musicais, provocada pelo Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes e assimilada pela bossa nova, velhos sambistas foram descobertos ou redescobertos.

Nélson foi um deles. Em 1965, Nara Leão gravou com algum sucesso Pranto de poeta; os convites para que ele tocasse em shows se multiplicaram e sua fama ultrapassou as fronteiras da boêmia carioca.

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Tome um homem seu violão, cante ele pelas ruas como um antigo trovador da Idade Média a beleza das flores, a efemeridade da vida e a angústia metafísica da morte, e esse será o retrato de Nélson Cavaquinho. Com sua cabeleira branca, seu permanente ar de dignidade e a sua voz enrouquecida por muitos anos de cervejas geladas, o que Nélson Cavaquinho canta (fazendo percurtir, mais que desdilhando, as cordas de seu violão) é a saga de um homem que vive em estado de poesia. E cuja obra, por isso mesmo, não morrerá.

J.R.Tinhorão

 

Ninguém toca como ele. Ele tira um som do violão que impressionou até Tuíbio Santos. As introduções de Nélson, ninguém faz como ele. Qualquer outro sambista dá uma introdução convencional: a terceira do tom, a segunda, a primeira. Nélson põe uma diminuta, faz uma seqüência, uns acordes, dá uma volta e cai no tom que quer. Só ai ele começa a cantar. Nélson não entende nada de música, mas sua carga de vivência somada ao seu talento justificam suas belíssimas composições. Os sambas dele têm algo em comum: sempre acabam na segunda do tom, sempre na dominante. O samba, em geral, termina na primeira parte, mas Nélson fecha na segunda. É uma marca do samba dele. Há exceções, mas a maioria fica sempre na segunda e se completa com acordes grandes.

Paulinho da Viola

 

OUTRAS HISTÓRIAS

Nelson do Cavaquinho sempre foi uma pessoa bastante desligada e as vezes parecia estar em outro mundo. Agora o desligamento de Nélson ganhava notoriedade, tornava-se folclórico. Conta-se que certa noite ele tocou com Jobim até amanhecer, chegando a combinar um show conjunto. O produtor Jorge Coutinho, ao saber da história, correu à procura de Nélson para acertar os detalhes do tal espetáculo. AO que Nélson reagiu dizendo – Tom?! Que tom?! Dó maior?!


Noutra ocasião, Paulinho da Viola organizou um show que teria, entre os artistas, Nélson Cavaquinho. Paulinho lembrou-o várias vezes do compromisso, mas no dia Nélson simplesmente desapareceu. Paulinho quase não recebeu, por quebra de contrato. Depois ao encontrar o velho boêmio, tomou fôlego para a maior esculhambação, mas Nélson o interrompeu na primeira frase – Você não avisa nada e ainda vem dando bronca no Nélson! Assim não é possível!

(Muitas vezes Nelson se referia a ele próprio em terceira pessoa)

 

Um dos grandes parceiros de Nelson do Cavaquinho foi o violonista e compositor Guilherme de Brito.

 

As composições de Nelson e Guilherme se tornaram famosas na vozes de outros cantores. Na foto com Beth Carvalho que gravou “Se você me ouvisse”…

 

Nelson com Heitor dos Prazeres, um dos grandes compositores e sambistas da velha guarda que nossas músicas teves.

Cartola, Nelson do Cavaquinho e Juvenal em desfile da Verde e Rosa Estação Primeira de Mangueira

 

Nelson do Cavaquinho se fez um homem de fé e da música

Nelson em frente a sua casa é sempre um menino de morro que vive a cantar seus lamentos

 

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Histórias das Músicas Brasileiras

Fevereiro 13, 2011

Leonel Azevedo foi cantor e compositor carioca nascido em 1905.. Cantava um estilo que mistura o samba com um pouco da música antiga orquestrada como a valsa, o foxtrote, a canção. e o bolero  Revelados por Orlando Silva, ficou conhecido pela sua parceria de mais de 30 anos com J. Cascata, e foi responsável por inovações no samba da época. Teve ainda outros parceiros como Nelson França e Sá Roris. Com a segunda guerra a indústria fonográfica micha e pouco se ouve falar de Leonel ou Cascata. Leonel aos poucos se afasta do mundo musical, mas consegue emplacar algumas músicas na voz de outras pessoas. Mas Leonel magoado com as gravadoras e a televisão que explora os artistas nunca mais voltou a gravar.

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J. Cascata e Leonel Azevedo formaram uma das duplas mais constantes e produtivas de uma grande fase de nossa música. Veja-se primeiro o capricho. Tudo é bem cuidado, bem trabalhado, bem arrematado. A estrutura é equilibrada, as estrofes limpas, as rimas bem feitas. Veja-se a exata adequação da letra à melodia, a picardia de Apanhei um resfriado, a ingenuidade alegre e carnavalesca de Não pago o bonde, o quase pernosticismo de Lábios que beijei (“sou a estátua perenal da dor”). Esta última, aliás, é um dos melhores documentos de uma fase em que predominou um tipo peculiar de música romântica, na área geral da valsa, da canção e do “fox brasileiro”, fase em que se firmaram alguns dos nossos melhores cantores.

Paulo Vanzolini

 

Meu nome é Leonel Azevedo. Assim mesmo, nunca usei pseudônimo. Sou filho de Guilherme de Azevedo e Clara Teixeira de Azevedo e nasci no morro do Pinto, Cidade Nova, travessa Silva Baião, n 04. Morei lá até me casar – 1933, com 24 anos. Meu pai era tipógrafo da Imprensa Nacional. Entrei na escola com nove anos (cursei a Escola General Mitre, lá no morro) mas depois do primário fui trabalhar: meu pai ganhava muito pouco.

Bem que eu gostaria de continuar estudando, o meu sonho era fazer engenharia. Mas o velho não ganhava o bastante para comprar livros pra mim. Andei por vários empregos, nunca deu certo. Fui parar na Light: aí trabalhei dois anos como escriturário. Da Light passei para a Telefônica, onde ingressei em 1927. Entrei para tomar conta da sala de baterias, motores, etc. É a sala de onde sai aquele ruído que você ouve no telefone: rrr qüem, qüem, qüem… Fui passando por vários setores até chegar a chefe de seção. Trabalhei na companhia 35 anos. Eu já era garotão quando comecei a fazer versos. Vários deles foram publicados por uma revista chamada Jornal das Moças, que aceitava colaboração de leitores e poetas principiantes. A música popular começou a me atrair nessa época: em 1922, no centenário da Independência, instalaram a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro e a Rádio Clube do Brasil. Em companhia de alguns amigos eu ia assistir aos programas no estúdio (não havia auditório, era no estúdio mesmo) e ficava admirando Gastão Formenti. Algum tempo depois (eu já tinha vinte anos), passei dos versos ao violão. O negócio foi o seguinte: meu primo tinha ganho do pai um violão e um método para aprender. Mas não ia pra frente e eu lhe dizia: “Puxa, você é burro. Um ano e ainda não aprendeu?” Apostei com ele que aprenderia em dois meses. Ele duvidou e dizia: “Que é? Tá pensando que tocar violão é sopa?” Foi um desafio, mas eu ganhei a aposta. Meu tio, vendo que ele nunca conseguiria nada no violão, me deu o instrumento. Eu então pedia pra minha cantar e ficava acompanhando.

Fui ficando animado, tomei gosto. Ia a festinhas com amigos, tocava e cantava. Resolvi fazer eu mesmo uma música. Foi em 1930, chamou-se Chora coração e nunca foi gravada. Mostrei-a a Floriano Belham, cantor que havia se revelado ainda menino com uma canção intitulada Mamãezinha está dormindo. Ele apresentou minha música várias vezes num programa de rádio, mas não a gravou. Desisti de mostrar a música aos outros e passei eu mesmo a ser intérprete num programa da Radio Educadora.

Um dia o Dario Murce me pegou lá fora: “Escuta, você quer cantar num programa da Rádio Philips? Meu irmão Renato tem dois programas lá, eu falo com ele”. Respondi que era um estreante, que não era cantor de rádio; mas Dario não quis saber, achava que eu tinha boa voz, cantava direitinho. Fui lá fazer um teste e me aprovaram. Estávamos em 1935.

Entrei então no conjunto de cantores. O programa se chamava Horas do outro mundo, ia ao ar duas vezes por semana, apresentando todo tipo de música. Fiquei conhecendo os meus companheiros de trabalho. Um deles era cantor e compositor: chamava-se J. Cascata.

Transcrição da coleção Nova história da música popular brasileira.

Capa de uma da primeira canção da dupla “Labios que beijei” interpretada por Orlando Silva. Muitos músicos gravaram as músicas de Leonel como  Almirante, Odete Amaral, Carlos Galhardo, Nelson Gonçalves, Dilermando Pinheiro, Dorinha Freitas entre outros.

O seu companheiro violão tem uma sincronia que Leonel usou para produzir o que temos de melhor das músicas brasileiras.

Turma da Velha Guarda- Leonel Azevedo, Lêdo Ivo, Pixinguinha, Henrique Melo Moraes, Donga, Alfredinho do Flautim e João da baiana (sentado)

Foto dos Bambas- Cascata, Donga, Ataufo Alves, Pixinguinha, Joao da Baiana, Ismael Silva e Alfredinho do Flautim. Época de ouro em que Leonel participou.

Numa época onde a boêmia se dava em reuniões de sambistas na casa de amigos, Leonel Azevedo (com o violão) e J.Cascata sempre estavam presentes. Na foto na casa de Zaíra Cavalcanti.

Histórias das Músicas Brasileiras

Fevereiro 6, 2011

Paulinho da Viola é um sambista completo. Cantor, carioca, compositor, boêmio e companheiro. Nascido em 1942. Paulinho viveu em sua época além do samba toda música popular brasileira. Participou do conjunto A Voz do Morro, além de participar do antológico espetáculo Rosas de Ouro. Durante a carreira incorporou seus mestres da Portela em participações, espetáculos e produções de discos.

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Conheci Paulinho no Teatro Jovem, na época em que a gente fazia a Feira de Música. Ele já era muito ligado ao Teatro Opinião, ao pessoal de lá, e eu também tinha muitas ligações com eles. Paulinho se tornou então muito meu amigo, de Caetano e do pessoal da gente, por causa das posições tomadas nas reuniões da Feira. Na época Paulinho falava muito em utilizar recursos de arranjos novos para o samba. È uma época em que ele se lança, fazendo o Rosa de ouro, e uma época também em que se descobriram muitos compositores populares através de compositores ligados à bossa nova.(…)

Paulinho é um cara que pesquisa. Chorinho, por exemplo, ele maka muito bem. Quando o conheci, ele estava muito ligado à idéia de retomar o chorinho e fazer um trabalho diferente em cima disso.

Também em termos de letra, acho que ele dá uma contribuição muito importante pro samba. É um excelente poeta, faz uma poesia muito clara, limpa, uma poesia de sentimento mas anti-sentimental, não derramada uma poesia com vigor, simples. Uma poesia que tem sempre a intenção de não se referir ao mundo de forma amarga, embora contenha todo o esforço e crueldade de pensar sempre com rigor e ser muito violenta nas conclusões. As letras  do Paulinho são muito simples, por que são resumidas ao essencial(…)

Baião e samba, pra gente, eram coisas importantes, enquanto aqui no sul o samba ainda era importante. Só depois é que o baião foi chegando, e Luiz Gonzaga foi sendo redescoberto. A gente trazia isto. E Paulinho saca esta revitalização, essa necessidade de se abrir para outras coisas. (…) É uma espécie de cultura popular, mas sem se restringir a esse público. Muito informada, mas vinda das coisas elementares. Vinda da floresta, vindo do atabaque, vinda de de cantigas de roda. Todas essas coisas entraram na formação destas pessoas e elas não as eliminaram. Elas conservam ainda o sentimento dessas coisas.

 

José Carlos Capinam

 

Conheci o Paulinho na época do show Menestrel, que eu fiz com ele e o pai (o César, que foi um dos meus primeiros acompanhantes), com o Turíbio Santos e o Élton Mediros, no Teatro Jovem. Depois em 1966, foi idealizado o Rosa de Ouro, que esteve também na Bahia e em São Paulo. Era maravilhoso. Primeiro entravam os Cinco Crioulos [Paulinho, Nelson Sargento, Anescarzinho, Jair do Cavaquinho e Élton Medeiros] e cada um cantava uma música de sua própria autoria. Depois eles chamavam a Aracy Cortes com aquela marcha: “ Senhora rainha…”. Aracy fazia parte dela, os criouolos voltavam e cada um cantava outra composição. Aí eles em chamavam: “Clementina cade você, cade você, cade você…” Entrava eu, fazia minha apresntação; depois no final, todo o mundo cantava Rosa de ouro.

Foi essa nossa saída com o Hermínio Bello de Carvalho que lançou o Paulinho e o Élton Medeiros. O Paulinho cantava Recado e outras coisas dele.  Recado, aliás, eu cantei na Sala Cecilia Meirelles, quando ele recebeu o Golfinho de ouro.

Quando o Paulinho estorou na praça, foi aquela coisa linda de morre, da gente ficar comovida. E muito merecida. Como compositor, eu acho que é muito didícil alguém se igualar a ele. Só mesmo o Hemínio, que é o meu xodó. Aliás, eu gravei Sei lá, Mangueira, deles dois.”

 

Clementina de Jesus

 

 

Quase todos os dias eu deixava meu trabalho às 11 da noite com a impressão de estar livre, sem compromisso, diante daquela avenida e daquele silêncio, para respirar com mais calma um ar menos poluido e retomar meu violão enrustido na portaria desde a 5 da tarde. Às vezes me aparecia o Zé Kéti convidando para tocar na casa de algum amigo. Naquela época, ele era o compositor da moda(… )  Ele foi um dos responsáveis pelo êxito do Zicartola, vivia me provocando para fazer mais sambas, dado que naquela época eu não me interessava muito por composição. Gostava mais de acompanhar e ouvir. Quantas vezes me vi forçado a mostrar bagagem musical (composta de dois ou três sambas magros) muito elogiada pelo Zé, que me dizia para não ficar encabulado por que eu teria futuro como compositor (…) Ao lado dele, tive chance de gravar minhas primeiras músicas em 65, quando foi criado o conjunto A voz do Morro. Em 62, aconteceu um fato curioso: vi pela primeira vez, num programa de TV, sendo apresentados pelo nosso querido Sérgio Porto, três deuses do samba para mim, ao lado de um outro que eu não conhecia. Os três eram Zé Keti, Cartola e Nélson Cavaquinho e o outro desconhecido se chamava Élton Medeiros. Parece que era uma polêmica em torno do samba tradicional e da bossa nova. Fiquei vidrado e grudei no vídeo, jurando formar um dia um grupo de samba. Cheguei a falar com meu pai, que logo me desencantou alegando que o samba estava morrento e se eu quisesse sobreviver como músico teria que tocar rock ou twist, então os gêneros em evidência. Por estranha coincidência, dois anos depois eu me integraria ao grupo A voz do Morro, mesmo sem Nélson e Cartola, realizando o sonho de ser considerado sambista ao lado de Jair do Cavaquinho, Nélson Sargento, Oscar Bigode, Élton Medeiros, Anescar, Zé Cruz e Zé Kéti. Foi uma das mais importantes experiências que vivi. (…) Se não fosse Hermínio [Bello de Carvalho], eu não despertaria para ver, ouvir, sentir e penetrar neste mundo maravilhoso da música e da poesia. Por causa dele muita coisa bacana no meio cultural aconteceu. Aconteceu Clementina de Jesus, nossa mãe, que dispensa qualquer comentário; Aracy Cortes, reaparecendo brilhantemente no Rosa. E os discos produzidos por ele? E a ópera popular João amor e maria? E as noites memoráveis do Zicartola? (…) E agoram de que jeito falar de tanta gente bacana em tão pouco espaço. De Candeia, meu amigo e companheiro da Portela, há muito o que dizer, desde o dia em que fizemos um samba chamado Minhas madrugadas(…) E Bubu e casquinha? E monarca? E meu compadre Mauro, parceiro de tanto samba e tanta madrugada”

 

Entrevista de Paulinho da Viola. Material transcrito da “Nova história da Música Popular Brasileira”

 

Paulinho da Viola e Araci Cortes no espetáculo Rosa de Ouro.


 

Foto histórica dos gigantes sambistas e músicos Macalé, Paulinho da Viola, Aracy de Almeida, Carlos Cachaça, Albino Pinheiro, Cartola e Clementina de Jesus. CLique para ampliar

 

Paulinho da Viola, na festa de aniversário de 33 anos de Hermínio Bello de Carvalho, na Churrascaria Tijucana.

Paulinho em interpretação de Max Overseas da Ópera do Malandro

 

E Paulinho continua seu itinerário alegre sambando

Histórias das músicas brasileiras

Janeiro 30, 2011

Elis Regina foi uma das maiores interpretes que a música popular conheceu. Famosa por cantar as músicas de João Bosco e Aldir Blanc,  Adoniran Barbosa, Gilberto Gil,  Ruy Guerra, Capinan, Edu Lobo,  Chico Buarque, Belchior entre outros. Gaucha Elis trabalhou no rádio e também na televisão onde dividiu o programa “Fino da Bossa” com Jair Rodrigues. Com uma carreira estrondosa e uma grande fama Elis viveu e decidiu partir em uma viagem muito louca de overdose.  Os três filhos de Elis atualmente são músicos.

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“Eu nasci em Porto Alegre em 1945 no dia 17 de março num domingo as 02:10 da tarde estragando o café da mamãe, aquele lanche maravilhoso. E eu fui a primeira filha muito esperada de um casal de dois anos de vida em comum; primeira neta e primeira sobrinha de uma família de 7 pessoas que se adoravam muitíssimo e resolveram me adotar como filha de todos. Eu achei tudo ótimo, tudo maravilhoso, principalmente o já talento comercial do papai por que ele olhou para mim e deve ter pensado assim que esta menina quando crescer vai ser cantora então um ótimo nome para cantora é Elis Regina. Entende? Por que você sabe é esquisito por que eu ia me chamar só Elis. Ele foi me registrar né, seu Romeu foi lá e disse vim registrar a menina minha filha que nasceu. Qual é o nome? Elis. Mas tem um pequeno problema meu senhor por que este nome serve para pessoas tanto do sexo masculino quanto pro sexo feminino então a gente tem que dar um jeito de diferenciar isto aí por que senão vai criar problemas para a criança mais tarde. Aí ele deve ter pensado de novo: vai ser cantora e Regina vai ficar muito bem ao lado de Elis e aí ele botou Elis Regina Carvalho Costa. E eu fui uma pessoa absolutamente mediocre a vida inteira, igual a todas as pessoas normais, muitissimo encabulada que é o que me diferenciava da família toda por incrível que isto possa te parecer; muito tímida e tudo até o dia que eu fiquei assanhadissima e sai cantando por aí. Meu pai é uma pessoa muito esquisita, se eu te disser até hoje que eu não sei exatamente quem é meu pai, você vai dizer que é mentira minha. Meu pai tem o cabelo preto, tem bigode, descende de índio se chama Romeu de Oliveira Costa, o pai se chamava Francisco, a mãe Idalina e é o máximo que eu sei dele. E eu sei que ele gosta muito de mim. Eu não tenho muitas referências a respeito do meu pai por que ele é uma pessoa que praticamente não fala… Ele entra em casa, lê o jornal… Ele é uma pessoa que infelizmente não participou muito da vida da gente. A minha mãe é mais parecida comigo. Minha mãe é alegre, minha mãe é extrovertida, minha mãe é risonha, minha mãe fala palavrão, faz tudo que toda mãe deveria fazer. Minha mãe é dedicadissima com os filhos, é uma incrível cozinheira, costura muito bem, uma figura realmente incrível, uma mulher muito bonita. Foi uma mulher bonita e hoje em dia é uma senhora com o cabelo branco, uma pele muito clara, é realmente uma mulher muito bonita e eu acho que deveriam inventar um complexo aí, por que de Elektra não da pé, quer dizer realmente eu não tenho este. Precisava inventar um complexo de fixação da figura materna, um nome para este complexo pelo menos.

Eu ouvia a Rádio Nacional da hora que eu acordava à hora que eu dormia assim como todas as casas do Brasil até o ano, sei lá, que a televisão chegou e bagunçou com a transação de rádio. Eu ouvia o Francisco Alves “Quando os ponteiros do relógio se encontram e dão as 12 badaladas” Boa noite amor “ A saudade vem chegando a tristeza me acompanha”, eu ouvia Marlene, eu ouvia Emilinha eu ouvia César de Alencar, eu ouvia estas coisas que todo mundo ouviu. Eu acho que eu devo ter sido muito amarrada no Boa noite amor por que   depois de um tempo eu acabei até gravando esta música. Eu devo ter sido muito amarrada por que foi uma coisa que me marcou muito entende, o Francisco Alves por que parava minha casa, todo mundo parava no domingo para ouvir o Francisco Alves e quando ele morreu meu pai ficou de luto uma semana, minha mãe ficou desesperada chorava parecia que tinha morrido alguém da família. Eu tenho impressão que por estas coisas todas por estas alterações todas que causaram na minha cabeça de criança, tenha ficado tão afixada.

Eu começei a cantar, eu sempre falo este negócio, eu acho que a minha realmente grande transa, quer dizer a transa maior da minha vida tinha que ser com música. Eu tinha sempre e sempre era requisitada em casa evidentemente para horas de arte. Talvez por que eles já achassem que eue tinha alguma coisa com isso de cantar, mas claro que eu não cantava. Eu queria era estudar piano, era o negócio maior na minha vida até que um dia eles realmente me puseram para estudar piano. Aí eu estudei piano estas coisas todas e tinha que ir pro conservatório né. A professora chegou um dia e disse: não tem mais nada para ensinar e o negócio é conservatório. Aí fui para lá, fiz o exame e passei. E teve a pergunta fatídica: “Você tem instrumento em casa?” eu disse Não. Mas então não pode, tem que ter pois precisa estudar. Aí entre comer e ter um piano, eles optaram por continuar comendo e eu também achei ótimo a longo prazo por que senão ter um piano e não ter mais nada ia ser realmente uma coisa incrível. Mas eu tinha que fazer alguma coisa, tinha muito som na minha cabeça que precisava. Aí eu cantei, começei a cantar atendendo um pedido da minha avó, um presente de aniversário que eu dava era participar do clube do Gury, o maior presente que ela podia receber. Quando foi pra eu dar um presente para eles ótimo, eu fui lá, cantei e as pessoas badalavam, fizeram almoço. Aí quando eu começei a gostar que eu começei a querer dar o presente para mim, aí quiseram cortar esta por que não podia, não ficava bem, afinal cantora de rádio, aquelas coisas… Mas aí eu não tinha mais jeito. É que nem gente que começa a beber e não pode parar. Pra mim é cantar e coçar é só começar.

A primeira gravação que fiz, eu morava em Porto Alegre e recebi um convite da Continental pra gravar e quem produziu meu disco foi Carlos Imperial. A Continental precisava de uma cantora que fizesse frente a Cely Campelo que na Odeon estava acabando com o baile. Mas eu de antemão já acho que este negócio de lançar alguém pra combater alguém uma pobreza total absoluta, sempre achei. E  eu não queria ser a sombra de quem quer que fosse eu queria ser eu, fazer minhas coisas. E aparte isto o repertório, que é um nome maravilhoso, não era assim dos mais maravilhosos  de você ouvir e rolar na sarjeta de paixão, aí ficou tudo esquisito mas tinha contrato, tinha que fazer, aquelas coisas sabe como é. A primeira música eu me lembro mas não vou dizer, por que você vai pedir pra eu cantar e eu não vou cantar.Aí eu sei você não sabe. Eu vim pro Rio muito depois disso em 64  e minha família ficou lá, a necesidade de trabalho era urgente tinha que me virar de qualquer maneira e eu não tive calma suficiente para fazer as coisas do jeito que eu achava que devia ser feito pelo mesmo motivo que um dia achei que tinha que deixar de estudar piano. Fui trabalhar na TV Rio e quem me levou foi Paulo Gracindo que me ouviu cantando não sei onde e achou ótimo, enfim cheguei nos lugares pelas mãos mais esquisitas, que menos a ver tinha comigo na época.

Transcrição do Programa MPB Especial.

Elis aos 11 anos já mostrava seus  dotes nos programas musicais infantis

Elis foi uma das maiores cantoras no palco. A força mulher se transformava em um espetáculo vibrante.


Elis teve três filhos (João Marcelo Bôscoli em um casamento com Ronaldo Bôscoli e no outro casamento com César Camargo Mariano teve Pedro Camargo Mariano e Maria Rita). Na foto Elis sorri com seus filhos Pedro Camargo e Maria Rita.

A música de Gil foi mostrada por Elis pelo amigo Edu Lobo. Logo ela admirou o bahiano de quem admirava e ficou amiga.

 

Elis também foi próxima de Gonzaguinha. Ambos participaram de festivais de música e Elis chegou a ganhar prêmios com a música Arrastão.